Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
381/16.4T8STR.E1.S1
Nº Convencional: 6ª. SECÇÃO
Relator: FERNANDES DO VALE
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
DEVEDOR
PESSOA SINGULAR
COMERCIANTE
EMPRESÁRIO
Data do Acordão: 10/27/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR - PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO -
INSOLVÊNCIA DE NÃO EMPRESÁRIOS E TITULARES DE PEQUENAS EMPRESAS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGO 17.º-D, N.º11.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 663.º, N.º5, “EX VI” DO DISPOSTO NO 679.º.
LEI N.º 52/2008, DE 28-08 (L. O. F. T. J. - LEI DE ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS): - ARTIGO 42.º, N.º2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 12.04.2016, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT
-DE 21.06.2016, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT
Sumário :
O PER não se aplica a pessoas singulares que não sejam comerciantes ou empresários, ou que exerçam atividade autónoma por conta própria.
Decisão Texto Integral:

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça

1 - No âmbito do processo a correr termos na Secção de Comércio da Instância Central da comarca de …, em que os requerentes, AA e BB, entre si casados, sob o regime de comunhão geral de bens, invocaram encontrar-se em situação económica difícil e, coligadamente, formularam pedido de prossecução do procedimento especial de revitalização (PER), ao abrigo do preceituado no art. 17º-C do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo DL nº 53/04, de 18.03, foi proferida decisão (Fls. 43-45) de indeferimento liminar do pedido, essencialmente, por se haver entendido que o PER não se destina aos devedores pessoas singulares que não sejam comerciantes ou empresários nem exerçam, por si mesmos, qualquer atividade autónoma e por conta própria.

Na integral procedência da apelação interposta pelos requerentes, a Relação de …, por acórdão de 02.06.16 (Fls. 69 a 76), revogou o despacho recorrido, “o qual deverá ser substituído por outro despacho liminar que dê seguimento aos pertinentes trâmites processuais…”

Daí a presente revista interposta pelo Mº Pº, na sua qualidade de parte acessória no PER - art. 5º, nº4 da Lei nº 47/86, de 15.10 -, visando a revogação do acórdão recorrido, conforme alegações culminadas com a formulação das seguintes conclusões:

                                                       /

1ª - Verifica-se oposição entre o acórdão recorrido e o proferido pelo STJ em 10.12.15, no Proc. nº 1430/15.9T8STR.E1, ambos proferidos no domínio da mesma legislação, sem que entre um e outro tenham ocorrido quaisquer alterações legislativas, tendo os mesmos decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e sendo certo que não existe sobre a matéria em causa jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça;

2ª - Tal como se decidiu no douto acórdão-fundamento, “as normas que regem o PER devem ser interpretadas restritivamente, no sentido de que esse processo especial não é aplicável às pessoas singulares que não sejam comerciantes, empresários ou que não desenvolvam uma actividade económica por conta própria”;

3ª - Tal entendimento foi já reiterado pelo STJ em mais dois acórdãos posteriores, proferidos, em 05.04.16 e 12.04.16, respectivamente nos Processos nº/s 979/15.8T8STR.E1.S1 e 531/15.8T8STR.E1.S1;

4ª - Não tendo assim decidido, violou o douto acórdão recorrido o disposto nos arts. 1º, nº2, 2º, nº1 e 17º-A, nº1, todos do CIRE, normas que deveriam ter sido interpretadas no sentido adoptado pelo acórdão-fundamento.

Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, deve o douto acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que mantenha a decisão proferida em 1ª instância, que não admitiu liminarmente o processo especial de revitalização dos requerentes, assim se dando provimento ao presente recurso, como é de Justiça!.

Não houve contra-alegações.

Corridos os vistos e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.

                                                        *

2 - Com relevância para a apreciação e decisão do recurso, há que tomar em consideração a factualidade que emerge do relatório que antecede, aqui e a propósito se enfatizando que os requerentes-devedores têm sempre sido trabalhadores por conta de outrem, sendo que o requerente exerce, há vinte anos, as funções de encarregado de expedição e armazenagem, na empresa “CC, S. A.”, e a requerente tem exercido, nos últimos 4 anos, as funções de empregada de balcão, na empresa “DD”.

                                                         *

3 - Perante o teor das conclusões formuladas pelo recorrente e não havendo lugar a qualquer conhecimento oficioso, emerge como única questão a decidir a de saber se o regime do PER também se aplica aos devedores, pessoas singulares, que trabalham por conta de outrem, ou, como - com maior precisão e alcance - se refere no acórdão-fundamento, se tal regime é aplicável a “pessoas singulares que não sejam comerciantes ou empresários, nem exerçam, por si mesmos, qualquer atividade autónoma e por conta própria”.

Apreciando:

                                                           *

4 - A questão suscitada na presente revista foi já objeto de apreciação em, pelo menos, quatro - incluindo o acórdão-fundamento - arestos desta 6ª Secção - à qual são distribuídos, nos termos do disposto no art. 42º, nº2, da Lei nº 52/2008, de 28.08 (L. O. F. T. J. - Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), todos os processos mencionados no respetivo art. 121º -, constatando-se, num rápido bosquejo, que 7 dos 9 membros que a compõem já subscreveram acórdãos em que foi perfilhada, por unanimidade, a tese propugnada pelo recorrente.

Assim, em total sintonia com a posição perfilhada no acórdão-fundamento - e que, aqui, nos dispensamos de reproduzir, por o respetivo texto integral se mostrar (como não podia deixar de ser) junto aos autos -, no acórdão de 05.04.16, de que foi relator o Ex. mo Cons. José Rainho e em que intervieram como adjuntos os Ex. mos Cons. Salreta Pereira e João Camilo, fez-se constar do respetivo sumário (na parte que, aqui, releva) que:

I - A lei apenas admite ao processo especial de revitalização o devedor pessoa singular que vise a revitalização de um substrato empresarial de que seja titular, e não já todo e qualquer devedor pessoa singular.

II - …”

Por seu turno, no acórdão de 12.04.16, como aquele acessível em www.dgsi.pt e de que foi relator o Ex. mo Cons. Salreta Pereira e em que intervieram como adjuntos os Ex. mos Cons. João Camilo e Fonseca Ramos, sufragou-se idêntico entendimento, assim expresso:

“O PER não se aplica aos devedores, pessoas singulares, que trabalham por conta de outrem”.

E, no acórdão de 21.06.16 - igualmente acessível em www.dgsi.pt -, de que foi relatora a Ex. ma Cons. Ana Paula Boularot (aqui 1ª adjunta) e em que intervieram como adjuntos os Ex. mos Cons. Pinto de Almeida (relator do acórdão-fundamento e, aqui 2º adjunto) e Júlio Gomes, foi consignado, no respetivo sumário:

I - O regime jurídico do PER não é aplicável às pessoas singulares que não exerçam a sua actividade profissional como agentes económicos.

II - A estas é apenas possível o recurso ao processo de insolvência e neste podem socorrer-se do plano de pagamentos aludido nos arts. 249º a 251º do CIRE, expediente este, mais célere e expedito, destinado a ser utilizado, precisamente, por pessoas singulares não empresárias e titulares de pequenas empresas”.

Ou seja, existe uma larguíssima maioria - já declarada e publicitada em termos legais - nesta Secção (com a relevância decorrente do que já se deixou assinalado), com integral adesão à posição sustentada, quanto à questão decidenda, no acórdão-fundamento, com profusa e exaustiva citação das correspondentes posições doutrinais.

Por outro lado, não se vislumbra qualquer razão para não perfilhar (ou, no caso dos Ex. mos Adjuntos, continuar a perfilhar) a posição que, nos sobreditos termos, vem sendo seguida, a qual, com respeito pela opinião contrária, não se mostra, de modo algum (o argumento que se pretende retirar do preceituado no art. 17º-D, nº11 do CIRE não se nos afigura, com o devido respeito, convincente, porquanto a posição sufragada não sustenta que a aplicabilidade do PER está afastada quanto a todas as pessoas singulares, antes admitindo a respetiva aplicação quanto a algumas delas, como se colhe de qualquer dos citados arestos), beliscada, procedentemente, pela argumentação desenvolvida no douto acórdão recorrido.

Assim, porque quedaria fastidiosa e imeritória a mera convocação/transcrição da fundamentação aduzida nos mencionados arestos desta Secção e porque os mesmos se encontram publicados, em texto integral, em www.dgsi.pt, para os mesmos se remete, nos consentidos termos do preceituado no art.663º, nº5, “ex vi” do disposto no art. 679º, ambos do CPC, com o inerente acolhimento integral da pretensão formulada pelo Dig. mo recorrente.

                                                        *

5 - Na decorrência do exposto, acorda-se em conceder a revista, em consequência do que, repristinando o decidido na 1ª instância, se revoga o acórdão recorrido.

Custas, aqui e nas instâncias, pelos requerentes-recorridos.

                                                        /

Lx    27/10/2016

Fernandes do Vale – Relator

Ana Paula Boularot

Pinto de Almeida

             

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[1]  Relator: Fernandes do Vale (38/16)
   Ex. mos Adjuntos
   Cons. Ana Paula Boularot
Cons. Pinto de Almeida.