Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
281/17.0YHLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: PROPRIEDADE INDUSTRIAL
MEDICAMENTOS
PATENTE
PRORROGAÇÃO DO PRAZO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA
Data do Acordão: 03/18/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (PROPRIEDADE INTELECTUAL)
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - O art. 3.º, al. a), do Regulamento (CE) n.º 469/2009, de 06-05-2009, relativo ao certificado complementar de protecção para os medicamentos, deve interpretar-se no sentido de que um produto composto por vários princípios activos de efeito combinado é “protegido por uma patente de base em vigor” quando a combinação dos princípios activos que o compõem esteja expressamente mencionada nas reivindicações da patente de base ou, ainda que não esteja expressamente mencionada nas reivindicações da patente de base, quando seja implícita, mas necessariamente, visada nas reivindicações da patente de base.

II - A combinação será implícita, mas necessariamente, visada nas reivindicações desde que preencha três requisitos cumulativos: em primeiro lugar, a combinação de princípios activos deve corresponder à “definição funcional constante das reivindicações de uma patente”; em segundo lugar, “a combinação [de] princípios activos deve ser necessariamente abrangida, à luz da descrição e dos desenhos …, pela invenção coberta [pela patente]” e, em terceiro lugar, “cada um dos… princípios activos deve ser especificamente identificável, à luz de todos os elementos divulgados pela referida patente”.

III - Em todo o caso, não é necessário que o produto resulte “de forma individualizada, enquanto composição concreta, das especificações técnicas da… patente” – é suficiente que resulte do conjunto dos elementos divulgados, considerados por um especialista na matéria, “com base nos seus conhecimentos gerais no domínio em questão”.

IV - O art. 3.º, al. c), do Regulamento (CE) n.º 469/2009 deve interpretar-se no sentido de que, desde que uma patente de base proteja vários produtos distintos, o titular pode, em princípio, obter vários certificados complementares de protecção relacionados com cada um de tais produtos, «desde que nomeadamente cada um deles esteja “protegido” como tal por essa “patente de base” na acepção do art. 3.º, al. a), do Regulamento n.º 469/2009, interpretado em conjugação com o seu art. 1.º, als. b) e c)».

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. — RELATÓRIO

 1. SANDOZ A/S com sede na Dinamarca, e SANDOZ FARMACÊUTICA, LDA., intentaram a presente acção declarativa, com processo comum, contra MERCK SHARP & DOHME CORP, com sede nos Estados Unidos da América, pedindo que seja declarada a nulidade do certificado complementar de protecção nº 189 e ordenado o cancelamento do respectivo registo.

2. O Tribunal da Propriedade Intelectual proferiu sentença em que julgou improcedente a acção.

3. Inconformadas, as Autores interpuseram recurso de apelação.

           

4. Finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões:

A. O presente recurso é interposto contra a sentença do Tribunal da Propriedade Intelectual, de 7 de junho de 2019, que julgou improcedente a acção de declaração de nulidade do certificado complementar de protecção n.º 189 (doravante CCP 189), relativo ao produto ezetimiba + sinvastatina e tendo por base a patente europeia n.º 720599 (doravante EP599);

B. O Tribunal da Propriedade Intelectual não apreciou corretamente os factos trazidos à colação e provados nesta acção nem aplicou corretamente o regime jurídico aplicável in casu, isto é, o Regulamento CCP à luz da jurisprudência emanada do Tribunal de Justiça da União Europeia;

C. A decisão do Tribunal a quo padece de uma contradição entre os factos dados como provados nos pontos 16) e 24);

D. No facto 16) o Tribunal a quo concluir que foi dado como provado que “Na EP599 há várias referências às vantagens da combinação da ezetimiba com a sinvastatina.”;

E. Para prova daquele facto o Tribunal a quo remeteu apenas e exclusivamente para o Documento n.º 3 (presume-se que será o Documento n.º 3 da petição inicial), p. 6, 7, 1, 32 e 33;

F. A consulta do Documento 1 junto com a Petição Inicial permitiria a conclusão de que da patente EP599 não revela quaisquer vantagens da associação da ezetimiba com os inibidores de biossíntese;

G. A testemunha AA (depoimento realizado no dia 26 de março de 2019 -gravação no sistema Habilus – depoimento registado de 10:33:34 a 12:08:51) explicou que todos os ensinamentos contidos na patente EP720599 se referem exclusivamente aos compostos de azetidinona (entre eles a ezetimiba), mas a patente não contém qualquer ensinamento sobre a combinação sinvastatina +ezetimiba;

H. A testemunha Professor BB (depoimento realizado no dia 26 de março de 2019 - gravação no sistema Habilus – depoimento registado de 12:09:50 a 13:01:59) também percorreu todas as referências na patente EP720599, no sentido de concluir que tais referências não contêm qualquer ensinamento sobre a vantagem da combinação de ezetimiba com sinvastatina;

I. A testemunha CC (depoimento realizado no dia 26 de março de 2019 -gravação no sistema Habilus – depoimento registado de 14:38:56 a 14:54:34) afirmou de forma expressa que não leu a patente;

J. A testemunha DD (depoimento realizado no dia 26 de março de 2019 - gravação no sistema Habilus – depoimento registado de 14:55:53 a 16:41:46) também não conseguiu explicar os ensinamentos da patente EP720599 sobre a combinação ezetimiba+sinvastatina;

K. Quanto ao facto identificado no ponto 16) deverá ser dado como não provado ou, em alternativa, apenas poderá ser dado como provado que a patente EP720599 apenas faz meras referências à combinação sem conter qualquer ensinamento sobre as vantagens daquela combinação face ao estado da técnica ou sequer como preparar tal combinação;

L. No facto dado como provado no ponto 17) O Tribunal a quo deu como provado o facto de a patente ”descrever duas invenções” mas apresentou como fundamento dessa prova o depoimento das testemunhas EE, FF e BB onde foi relevado que a associação de ezetimiba com sinvastatina estava “expressamente reivindicada na reivindicação 17”;

M. Toda a fundamentação apresentada pelo Tribunal a quo reporta-se à reivindicação da associação de ezetimiba com sinvastatina constante da patente, não havendo qualquer referência àquilo que é descrito na patente;

N. A descrição e as reivindicações de uma patente de invenção são elementos bem distintos. Aquilo que está descrito na patente pode não estar reivindicado e aquilo que está reivindicado na patente pode não ser o cerne da invenção e não estar satisfatoriamente descrito;

O. A fundamentação do Tribunal a quo apenas faz referência à existência de uma reivindicação que se reporta à combinação de ezetimiba com sinvastatina, mas a verdade é que o texto da patente EP599 não descreve uma invenção autónoma referente à combinação de ezetimiba com sinvastatina;

P. Do documento 1 junto com a Petição Inicial resulta que a patente EP599 não descreve uma invenção autónoma da associação de ezetimiba e sinvastatina;

Q. A testemunha EE assumiu que não é o perito nos termos da invenção da patente EP599 e todo o seu depoimento refere-se aos requisitos de concessão de patentes, não de certificados complementares de protecção;

R. A testemunha FF (depoimento realizado no dia 27 de março de 2019 -gravação no sistema Habilus – depoimento registado de 14:19:13 a 14:35:55): quando questionada pela mandatária das Recorrentes sobre o conteúdo da patente e o que esta descreve, ou não, recusou a falar sobre isso;

S. A testemunha FF (depoimento realizado no dia 27 de março de 2019 - gravação no sistema Habilus – depoimento registado de 14:19:13 a 14:35:55) afirmou que as vantagens da combinação apenas vieram a ser demonstradas em data posterior à patente!

T. A testemunha AA (depoimento realizado no dia 26 de março de 2019 -gravação no sistema Habilus – depoimento registado de 10:33:34 a 12:08:51) é clara sobre o teor da patente e seus ensinamentos. A patente EP599 não produz um único ensinamento sobre a associação ezetimiba + sinvastatina;

U. No que respeita à combinação de ezetimiba com sinvastatina, a testemunha BB (depoimento realizado no dia 26 de março de 2019 - gravação no sistema Habilus – depoimento registado de 12:09:50 a 13:01:59) explicou convincentemente porque é que a patente EP599 não contém quaisquer ensinamentos;

V. Quanto ao facto identificado no ponto 17) deverá ser dado como não provado ou, em alternativa, apenas poderá ser dado como provado que a patente EP720599 descreve uma invenção: a ezetimiba;

W. No facto 37) o Tribunal a quo concluiu que foi dado como provado que “Na década de 90 era controverso fazer associação de medicamentos para tratar o colesterol.”;

X. Na apreciação daquele facto o Tribunal a quo ignorou a prova documental, isto é, a própria patente EP720599 e a palavra dos seus inventores, bem como a prova testemunhal dos Professores BB (depoimento realizado no dia 26 de março de 2019 -gravação no sistema Habilus – depoimento registado de 12:09:50 a 13:01:59) e AA (depoimento realizado no dia 26 de março de 2019 - gravação no sistema Habilus – depoimento registado de 10:33:34 a 12:08:51);

Y. Na palavra dos próprios inventores da EP720599, já na década de 1980 eram utilizadas associações de medicamentos para tratar o colesterol;

Z. A testemunha CC (depoimento realizado no dia 26 de março de 2019 -gravação no sistema Habilus – depoimento registado de 14:38:56 a 14:54:34) afirmou o contrário do que é referido pelo Tribunal a quo;

AA. A testemunha CC afirmou que em primeiro lugar, são prescritas Estatinas e que apenas quando não é possível controlar o colesterol com as Estatinas é que são prescritas associações com outros medicamentos. Apenas se poderá concluir que o Tribunal a quo fez uma interpretação manifestamente incorreta daquele depoimento;

BB. A testemunha CC (depoimento realizado no dia 26 de março de 2019 - gravação no sistema Habilus – depoimento registado de 14:38:56 a 14:54:34) nunca referiu o estado da técnica nos anos 90 ao longo do seu depoimento, o Tribunal a quo, estranhamento, sustentou a prova do facto 37) no depoimento da testemunha CC;

CC. O facto 37) jamais poderia ser dado como provado com base num depoimento que foi totalmente omisso quanto a tal factualidade;

DD. O Tribunal a quo sustentou a sua decisão sobre a prova do facto 37) no depoimento de DD;

EE. O depoimento da testemunha DD (depoimento realizado no dia 26 de março de 2019 - gravação no sistema Habilus – depoimento registado de 14:55:53 a 16:41:46) é pautado por várias incongruências e uma indisponibilidade quanto às Recorrentes que é palpável até na gravação, visto que a testemunha simplesmente recusa responder às questões da mandatária da Recorrente, posição totalmente àquela que revelou quanto aos mandatários da Recorrida;

FF. Ao longo do seu depoimento, a testemunha DD (depoimento realizado no dia 26 de março de 2019 - gravação no sistema Habilus – depoimento registado de 14:55:53 a 16:41:46) afirmou quais seriam as grandes vantagens da associação de ezetimiba com sinvastatina;

GG. Quando questionado sobre se tais vantagens estavam plasmadas na patente EP720599 a testemunha DD (depoimento realizado no dia 26 de março de 2019 -gravação no sistema Habilus – depoimento registado de 14:55:53 a 16:41:46) afirmou não conhecer a patente;

HH. A conclusão do Tribunal a quo é oposta àquele que foi o depoimento da testemunha DD;

II. A testemunha AA (depoimento realizado no dia 26 de março de 2019 -gravação no sistema Habilus – depoimento registado de 10:33:34 a 12:08:51) explicou que as associações de medicamentos eram habituais e conhecidas muito antes da data da prioridade da EP720599;

JJ. A testemunha BB (depoimento realizado no dia 26 de março de 2019 - gravação no sistema Habilus – depoimento registado de 12:09:50 a 13:01:59) também confirmou o estado da técnica que está plasmado na própria patente EP720599;

KK. E, por esse motivo, deverá dar-se como não provado o facto contido na alínea 37) da matéria de facto;

LL. A questão submetida ao julgamento do Tribunal a quo centrou-se em saber se o CCP… preenche os requisitos de concessão previstos no artigo 3.º do Regulamento CCP, nomeadamente, em saber se o produto farmacêutico que compreende a associação de ezetimiba e sinvastatina, objeto do CCP189, está protegido pela patente de base EP720599, conforme exigido pela al. a) desse Regulamento;

MM. Os Tribunais não estão, de forma alguma, limitados à qualificação jurídica apresentada pelas Partes;

NN. Ficou demonstrado nos presentes autos que o produto do CCP189 (a associação de ezetimiba e sinvastatina) não constitui o cerne inventivo da patente de base EP720599, conforme exigido quer pela alínea a) quer pela alínea c) do artigo 3º do Regulamento CCP, à luz da interpretação que a jurisprudência do TJUE tem feito dessas normas;

OO. O Tribunal a quo se limitou a apreciar os requisitos estatuídos na alínea a) do artigo 3.º do Regulamento CCP, esquecendo a apreciação dos requisitos exigidos pela alínea c) do mesmo preceito.

PP. Nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 15.º do Regulamento CCP, o certificado deve anulado “Se tiver sido concedido contrariamente ao disposto no artigo 3.º”;

QQ. Da prova documental e testemunhal resultou amplamente demostrado nestes autos que o CCP …. não preenche os requisitos determinados no artigo 3.º, alínea a) e c), do Regulamento CCP para a concessão de um certificado, à luz da jurisprudência da união europeia e da jurisprudência nacional vertidas nos Acórdãos do TJEU e do Tribunal da Relação acima citados;

RR. O Tribunal a quo confunde os argumentos jurídicos aduzidos pelas Recorrentes quanto à invalidade do CCP189;

SS. As Recorrentes alegaram que o CCP189 não preenche os requisitos do Regulamento CCP. Em momento algum as Recorrentes alegaram que a patente de base EP599 carece de atividade inventiva ou novidade;

TT. O Tribunal a quo confundiu os conceitos jurídicos de atividade inventiva de uma patente e dos requisitos de concessão de certificados complementares de protecção, que são absolutamente distintos;

UU. Aplicando a jurisprudência do TJUE, o CCP189 não preenche o requisito do artigo 3º, al. a) e c) do Regulamento CCP;

VV. Importantes Tribunais de Estados Membros da União Europeia (tais como França, Alemanha e Holanda) consideraram os CCPs equivalentes ao CC189 nulos por não preenchimento dos requisitos do artigo 3º do Regulamento CCP (Cfr. Documentos 1 a 5 ora juntos ao abrigo do disposto no artigo 425º do Código de Processo Civil).

5. Concluíram, pedindo que se revogue a sentença recorrida, substituindo-a por decisão que declare o Certificado Complementar de Protecção n.º 189 nulo e ordene o cancelamento do respetivo registo.

6. A Recorrida contra-alegou, pugnando pela inadmissibilidade e, subsidiariamente, pela improcedência do recurso.

7. Finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

A) As Recorrentes interpuseram recurso da sentença do Tribunal da Propriedade Intelectual (Tribunal a quo) que julgou improcedente o pedido de nulidade do CCP189, por considerar preenchido o requisito a que se reporta o art. 3º, al. a), do Regulamento 469/2009 (Regulamento CCP);

Da Inadmissibilidade Parcial do Recurso

B) Na presente acção o pedido formulado pelas Recorrentes foi unicamente fundamentado no alegado não preenchimento do requisito constante na alínea a), do n.º 3, do Regulamento CCP, pelo que em todo o processo de primeira instância esteve em causa aferir da validade do CCP189, EXCLUSIVAMENTE à luz do art. 3.º, al. a), ou seja, se à data do pedido do CCP o produto INEGY® estava protegido por uma patente de base em vigor;

C) No entanto, ao arrepio de várias normas e princípios plasmados no Código de Processo Civil (CPC) as Recorrentes incluíram nas suas alegações capítulos relacionados com o alegado «Não preenchimento dos requisitos do artigo 3.º, alínea c) do regulamento CCP»;

D) Acontece que nunca foram alegados pelas Recorrentes quaisquer factos que permitissem aferir do preenchimento do requisito plasmado na al. c) do art. 3.º do Regulamento CCP - nem tal se encontrava fixado nos temas da prova, não tendo por isso sido feita qualquer prova ou contra-prova pelas partes ao longo de todo o processo em primeira instância, relativamente a este fundamento;

E) De facto, esteve unicamente em causa neste processo aferir, apenas e só, da validade do CCP 189, à luz do art. 3.º, al. a), pelo que, ao abrigo dos princípios da estabilidade da instância e de regular tramitação processual, deve ser considerado inadmissível o recurso apresentado pelas Recorrentes na parte em que alegam o não preenchimento do requisito do art. 3.º, al. c) do CCP na concessão do CCP189, dando-se por não escrito:

- os parágrafos 2 a 5 da página 58.º das alegações;

- o capítulo com a epígrafe «Artigo 3.º, al.c) – “o produto não tiver sido já objecto de um certificado”», constante das páginas 63 a 69 das alegações;

- o capítulo com a epígrafe «Não preenchimento do requisito do art. 3.º, alínea c) do Regulamento CCP», constante das páginas 73 e 73 das alegações;

- as conclusões NN. na parte em que refere a al. c), OO., QQ. na parte em que refere a al. c) e UU. na parte em que refere a al. c);

Da Matéria de Facto

F) Não existe contradição na decisão do Tribunal a quo quanto aos factos 16) e 24) uma vez que,

G) No facto 16) o Tribunal considerou que a EP599 menciona vantagens da combinação da Ezetimiba com a Sinvastatina, vantagens essas sempre por referência ao estado da arte à data da prioridade desta patente, ou seja, 21/09/1993 (relativamente à existência destas vantagens a Recorrida irá pronunciar-se detalhadamente no ponto seguinte uma vez que as Recorrentes também consideram que o ponto 16) não ficou provado), estado da arte esse do qual não fazia parte a Ezetimiba;

H) E no facto 24), o que está em causa é saber se a patente base, a EP599, não revela a vantagem da terapia de associação face à monoterapia, nem revela dados experimentais, ou seja, neste caso o que se pretende apurar é se a terapia de associação Ezetimiba com Sinvastatina apresenta vantagens face à monoterapia – Ezetimiba (ambas as invenções divulgadas pela primeira vez nesta patente EP599), e não face ao estado da arte, como acontece no ponto 16);

I) O facto 16), ou seja, “Na EP599 há várias referências às vantagens da combinação da Ezetimiba com a Sinvastatina” deverá, conforme decidiu, e bem, o Tribunal a quo, ser dado como provado face à prova documental e a prova testemunhal produzida;

J) Na verdade, do próprio texto da patente resulta que a invenção da combinação Eetimiba+Sinvastatina revela vantagens face ao estado da técnica, conclusão que se retira facilmente do confronto da Página 3 - sob a epígrafe “Antecedentes da Invenção” com a Página 1 da descrição sob a epígrafe “Antecedentes da Invenção”, e a página 6 sob a epígrafe “Antecedentes da Invenção”;

K) De facto, nas páginas 1 e 6 da descrição da EP599, para além de referir que a invenção também se relaciona com um método para reduzir os níveis de colesterol plasmático e de aterosclerose, também refere que se relaciona com um método para a prevenção de aterosclerose, ou seja, a patente EP599 veio também divulgar pela primeira vez uma invenção que se relaciona, para além de um método de tratamento de redução do colesterol plasmático composto por uma associação desconhecida à respectiva data de prioridade, com um método de prevenção da aterosclerose;

L) Estas vantagens resultantes do texto da patente EP599 também foram reconhecidas no Acórdão da Relação proferido em 21 de Setembro de 2017, e foram mencionadas pela testemunha da Recorrida EE (depoimento prestado a 27 de março e registado a 00:23:01) – de qualquer forma, conforme esta testemunha também atestou, não é obrigatória a referência a vantagens para efeitos de concessão de patente ou de CCP;

M) O facto 17) dado como provado, isto é, “A EP720599 descreve duas invenções: a) a EZETIMIBA e, b) a associação da EZETIMIBA com inibidores de HMG CoA redudase, como seja a Sinvastatina” também se deverá manter provado, já que, ao contrário do referido pelas Recorrentes, a par da Ezetimiba, a associação Ezetimiba+Sinvastatina também constitui uma invenção independente/autónoma divulgada na patente EP599;

N) Aliás, a própria testemunha da Recorrida, o Prof. BB, expressamente admitiu que esta associação estava expressamente reivindicada na EP599.», e é o que basta para se considerar preenchido o requisito da al. a) do art. 3.º do Regulamento CCP conforme resultou claro do Acórdão da Grande Secção do Tribunal de Justiça da União Europeia de 25/07/2018 - C-121/17;

O) Resultou claramente provado que a combinação Ezetimiba+Sinvastatina também contitui o objecto da invenção na patente EP599, não só através de prova DOCUMENTAL (como por exemplo a Descrição da EP599 e Resumo das Características do medicamento INEGY®, especialmente a secção 5.1, que o Inegy (produto composto pela associação Ezetimiba+Sinvastatina) como TESTEMUNHAL (Dra. EE - depoimento de 26 de março registado de 00:06:31 a 00:24:12), Prof. DD (traduzido em simultâneo por intérprete - depoimento de 26 de Março de 2019, registado de 00:53:51 a 00:58:20);

P) De qualquer forma, ainda que a patente revele vantagens da invenção Ezetimiba+Sinvastatina face ao estado da técnica, a existência de vantagens, ou inclusão de dados clínicos nem dados experimentais na mesma não constitui um requisito de concessão de patente ou do correspondente CCP (cfr. depoimento da testemunha Dra. EE (depoimento de 27 de Março registado de 00:07:41 a 00:19:11 e da testemunha da Recorrida CC (depoimento prestado a 26 de março, registado de 00:11:53 a 00:11:56);

Q) O facto 37) dado como provado pelo Tribunal a quo, ou seja “Na década de 90 era controverso fazer associação de medicamentos para tratar o colesterol.” Também resultou cabalmente provado quer por prova documental quer testemunhal;

R) Ao contrário do alegado pelas Recorrentes, as associações que existiam no estado da técnica, portanto antes da data da prioridade da EP720 599, não só eram utilizadas em casos muito específicos, como eram substancialmente diferentes daquela que veio a ser protegidas pela EP 599, em concreto, a associação Ezetimiba + Sinvastatina;

S) Mesmo sendo conhecidas no estado da arte, à data da prioridade, terapias de combinação com agentes de redução de lípidos (ainda que em pacientes com hipercolesterolemia severa), a presunção dos efeitos não pode ser linearmente extrapolada para qualquer tipo de combinação, nomeadamente com azetidinonas, em virtude das imprevisíveis interacções fármaco-fármaco – nem as Recorrentes conseguiram provar o contrário, tanto mais quando o composto Ezetimiba pertence a uma classe de compostos totalmente nova, e cujo modo de acção era totalmente desconhecido à data da prioridade;

T) Face a um novo conjunto de compostos (azetidinonas hidroxi-substituídas), com um mecanismo de acção totalmente novo, para o tratamento e a prevenção da aterosclerose, cuja novidade e atividade inventiva foi reconhecida, uma terapia de combinação desta nova família de compostos com HMG CoA não seria óbvia para um perito na especialidade em virtude da expectável ocorrência de efeitos secundários [a superação de um preconceito técnico é reconhecida nas orientações EPO como um argumento a favor da actividade inventiva - Recomendações do EPO, parte G, Capítulo VII, Ponto 4. (cuja cópia se juntou como “Doc. n.º 4”, com a Contestação da Recorrida);

U) Resultou também provado quer por prova DOCUMENTAL (Expert Statements do Prof. DD e, nomeadamente, a publicação científica (1989) D Roger Illingworth; New Horizons in Combination Drug Therapy for Hypercholesterolemia) quer TESTEMUNHAL (Prof. DD, traduzido em simultâneo para português pela Intérprete GG (depoimento prestado a 26 de Março de 2019 – registado de 00:13:10 a 00:19:48), que à data da prioridade da EP599, as associações tentadas (por exemplo, estatinas com sequestrantes de ácidos biliares) reportavam-se não só a casos clínicos de hipercolesterolemia severa, como eram muitas vezes desaconselhadas devido aos graves efeitos adversos;

V) A associação Ezetimiba+Sinvastatina constituiu, assim, um enorme avanço no tratamento da hipercolesterolemia, uma vez que os tratamentos existentes à data da prioridade da EP599 não davam resposta (cfr. depoimento da testemunha Dr. CC de 26 de Março de 2019 registado de 00:11:24 a 00:11:56);

W) Nenhuma testemunha das Recorrentes manifestou conhecimento do estado da técnica à data da prioridade, contendo os respectivos depoimentos várias contradições, pelo que os mesmos deverão ser totalmente desconsiderados a este respeito;

DO DIREITO:

X) Da prova testemunhal e documental resultou amplamente demonstrado que o CCP189, à data da sua concessão, preenchia o requisito plasmado na al. a) do Regulamento CCP, isto é, o produto Inegy® composto pela associação dos princípios activos Ezetimiba+Sinvastatina, encontrava-se protegido por uma patente de base em vigor (a patente EP599);

Y) O importante Acórdão proferido pela Grande Secção do Tribunal de Justiça da União Europeia (caso C-121/17), em 25 de Julho de 2018, veio fixar, de forma definitiva e incontestável, que no caso de «um produto composto por vários princípios activos de efeito combinado», como é justamente o caso sub judice da associação dos princípios activos Ezetimiba+Sinvastatina (produto INEGY®), o mesmo considera-se protegido por uma patente base, na acepção do art. 3.º, alínea a), do Regulamento CCP, desde logo se essa combinação estiver expressamente mencionada nas reivindicações da patente base;

Z) Salienta-se, a este respeito, nas recentes conclusões do Advogado-Geral HH apresentadas em 11 de Setembro de 2019 (ou seja, após a setença a quo) no âmbito dos processos apensos C–650/17 e C–114/181, o mesmo afirma inequivocamente no parágrafo 42 que «o Acórdão de 25 de julho de 2018, Teva UK e o. (C-121/17, EU:C:2018:585), estabelece um critério definitivo para a interpretação do artigo 3.°, alínea a), do Regulamento n.° 469/2009, que deve ser aplicado pelos órgãos jurisdicionais nacionais em casos concretos.» - sublinhado nosso;

AA) Ora, no caso dos autos, a combinação EZETIMIBA+SINVASTATINA está expressamente mencionada na reivindicação 17 da EP599 (patente base):

17. «Composição farmacêutica da reivindicação 16 em que o inibidor da biossíntese do colesterol é selecionado do grupo que consiste de lovastatina, provastatina, fluvastatina, Sinvastatina (…)»;

BB) Aliás, as próprias Recorrentes e as suas testemunhas também reconhecem que a EP599 contém uma reivindicação autónoma relativa à combinação Ezetimiba + Sinvastatina;

CC) Não obstante a clareza daquele Acordão do TJUE, as Recorrentes continuam a insistir, “inventado” um critério adicional que não se retira nem da legislação sobre esta matéria, nem da jurisprudência, que a associação Ezetimiba+Sinvsatatina não é inventiva de per se nem constitui o cerne da actividade inventiva da EP599;

DD) De acordo, nomeadamente, com o parágrafo 50. das conclusões do Advogado-Geral HH, a propósito da Pertinência do conceito de «cerne da atividade inventiva» na sequência do Acórdão de 25 de julho de 2018, o mesmo conclui que «Resulta claramente dos n.os 64 a 75 das Conclusões do advogado-geral II apresentadas no processo Teva UK e o. (C-121/17, EU:C:2018:278) que este considerou o conceito de «cerne da atividade inventiva» como não sendo, de modo algum, aplicável no contexto do artigo 3.°, alínea a), do Regulamento n.° 469/2009;

EE) Existe uma presunção jurídica de que os requisitos de concessão da EP599, nomeadamente novidade e actividade inventiva, se encontram preenchidos, nos termos do artigo 4.º, n.º 2 do CPI, presunção jurídica essa que opera a favor de todas as reivindicações da EP 599 e, portanto, também a reivindicação 17, que protege especificamente a associação de Ezetimiba + Sinvastatina, se terá que presumir inventiva;

FF) Nenhuma jurisprudência citada pelas Recorrentes põe em causa o evidente preenchimento do requisito plasmado na al. a), do art. 3.º do Regulamento CCP, aquando da concessão do CCP189;

GG) Já o Tribunal da Relação, nos doutos Acordãos de 21 de Setembro de 2017 e de 7 de Setembro de 2018, teve oportunidade de analisar se o CCP189, em causa nos presentes autos, cumpriu com os requisitos plasmados no art. 3.º do Regulamento CCP, não tendo dúvidas em afirmar, em ambos os acórdãos, que o CCP189 cumpriu com todos aqueles requisitos!

HH) Também os Tribunais franceses, belgas, italianos, gregos, entre outros, entenderam que o CCP189 foi validamente concedido, por preencher todos os requisitos do art. 3.º do Regulamento CCP;

II) Deve, deste modo, o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, por ser infundado, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo que absolveu a Recorrida do pedido efectuado pelas Recorrentes.

8. Concluiu, pedindo que o recurso seja julgado inadmissível quanto à alegação do não preenchimento do requisito da al. c) do art. 3.º na concessão do CCP189 e que seja julgado improcedente quanto a tudo o mais.

10. O Tribunal da Relação de Lisboa confirmou, por unanimidade, a decisão do Tribunal da Propriedade Intelectual.

11. Inconformadas, as Autoras interpuseram recurso de revista.

12. Finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. As questões essenciais colocadas à apreciação deste Douto Tribunal no presente recurso de revista excecional são as seguintes:

i. O artigo 3º, al. a) do Regulamento apenas exige, para a concessão de um CCP, que a reivindicação identifique o produto a proteger, não sendo necessário que a invenção descrita na patente divulgue essa invenção, na perspetiva de um especialista na matéria?; ii) O artigo 3º, al. c) do Regulamento CCP exige, para a concessão de um CCP, que a invenção na patente base possa ser identificada pelo perito de acordo com a descrição e desenhos da patente, à luz da jurisprudência do TJUE refletida nos acórdãos proferidos nos processos C-443/12 (Actavis vs Sanofi) e C-577/13 (Actavis vs Boehringer)? iii) Tendo sido dado como provado no ponto 24 da matéria de facto que “A EP599 não revela a vantagem da terapia de associação face à monoterapia, nem revela dados experimentais”, considera-se como não preenchido os requisitos previstos nas alíneas a) e c) do artigo 3º do Regulamento CCP

2. A presente revista é uma revista excecional interposta ao abrigo do artigo 672.º, n.º 1, alínea a) do CPC, na medida em que nestes autos está em causa uma questão de extrema relevância jurídica, conforme se passa a demonstrar de seguida.

3. A questão jurídica em causa nestes autos prende-se com validade do CCP189 da Recorrida à luz do requisito previsto no artigo 3.º, alíneas a) e c) do Regulamento CCP, o que implica forçosamente a correta interpretação dessa norma, em particular à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) sobre essa mesma questão.

4. A correta interpretação das alíneas a) e c) do artigo 3.º do Regulamento CCP, a qual pressupõe a prévia determinação do âmbito de protecção conferida por uma patente, é um dos exercícios mais complexos que se pode colocar a um tribunal.

5. Desde a entrada em vigor do Regulamento CCP em 2009 já foram feitos 12 reenvios prejudiciais com vista à pronúncia desse Tribunal relativamente à interpretação dos requisitos previstos nas alíneas do artigo 3.º do Regulamento CCP.

6. Recentemente foi proferido o acórdão pelo TJUE no processo Royalty Pharma (C650/17) nos termos do qual, para preenchimento do artigo 3º, al. a) do Regulamento CCP: i) O produto deve estar necessariamente abrangido, para o especialista na matéria, à luz da descrição e dos desenhos da patente de base, pela invenção coberta por essa patente; ii) Que perito na matéria deve poder identificar especificamente esse produto à luz de todos os elementos divulgados pela referida patente, e com base na evolução técnica à data de depósito ou de prioridade da mesma patente.

7. Nos presentes autos relevam em particular quatro decisões do TJUE sobre a interpretação da alínea c) do artigo 3.º do Regulamento CCP invocadas pela recorrente nas alegações de recurso de apelação.

8. Mas o acórdão recorrido ignorou metade dos acórdãos do TJUE referidos pela recorrente e quanto aos restantes o acórdão recorrido abordou tais decisões com manifesta ligeireza.

9. Atenta a relevância da referida jurisprudência do TJUE enquanto órgão jurisdicional com competência para interpretar o direito da União Europeia, é evidente que a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça é clara e absolutamente necessária à melhor aplicação do direito nos presentes autos, designadamente através da devida consideração das decisões proferidas pelo TJUE sobre a interpretação das alíneas a) e c) do artigo 3.º do Regulamento CCP que não foi feita pelo Tribunal da Relação.

10. O número crescente de certificados complementares de protecção concedidos em Portugal, aliado à muito expressiva litigância relativamente a direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos indiciam um mais que previsível aumento das situações em que a interpretação das alíneas a) e c) do artigo 3.º do Regulamento CCP venha a ser determinante para a decisão desses litígios.

11. A interpretação dos distintos requisitos das alíneas doartigo3.º do Regulamento CCP é uma questão jurídica cuja relevância ultrapassa largamente os presentes autos, tendo um impacto previsível em vários outros litígios pendentes, atualmente e no futuro, nos tribunais portugueses.

12. No ponto 24) foi dado como provado que “A EP599 não revela a vantagem da terapia de associação face à monoterapia, nem revela dados experimentais

13. Mesmo que se conclua que o produto está protegido ao abrigo da alínea a) do artigo 3º do Regulamento CCP, o produto só poderá merecer nos termos da alínea c) do artigo 3º do Regulamento CC, um segundo CCP com base na mesma patente apenas e tão só se constituir o contributivo inventivo na data da prioridade da patente.

14. Para interpretação sobre se o artigo 3º, al. c) do Regulamento CCP se encontra preenchido será necessário que o produto (o ingrediente ou a combinação de ingredientes) constitui “enquanto tal” o “avanço central da invenção que é protegida pela patente base.”.

15. A exigência da contribuição inventiva tem como pressuposto prevenir o risco de se ter de atribuir variados CCP para diversas partes da invenção protegida, as quais, porém, não correspondem ao cerne - à parte mais importante - da longa e custosa atividade de investigação que o CCP visa compensar.

16. Não foram dados como provados factos dos quais decorra que a combinação ezetimiba + sinvastatina(produto protegido peloCCP189) constitui o contributivo inventivo da patente.

17. A interpretação que tem vindo a ser reiterada desenvolvida pelo Tribunal da Justiça da União Europeia (“TJUE”) é a de que para o preenchimento da alínea c) do artigo 3º do Regulamento CCP o produto terá de corresponder ao cerne da atividade inventiva da patente.

18. A jurisprudência do TJUE nos casos C-443/12 e C-577/13 deixa claro que não é possível obter um segundo CCP para uma combinação de substâncias ativas, mesmo que essa combinação esteja especificada nas reivindicações da patente base, se já tiver sido concedido anteriormente um CCP para a substância ativa que constitui o "objeto da invenção" da patente base.

19. A interpretação do que significa estar “protegido por uma patente de base em vigor” no sentido da alínea a) do artigo 3.º do Regulamento CCP foi objeto de algumas decisões do TJUE, que não podem ser ignoradas.

20. Nos termos do artigo 3º al. a) do Regulamento CCP, A questão de saber se o produto do CCP está, ou não, protegido pela patente de base não é um mero teste de extensão de protecção, exigindo-se que esse produto (é o meio necessário (a "especificação exigida") para executar a invenção da patente básica.

21. O teste definido pelo Acórdão Teva vs. Gilead e Royalty Pharma só está verificado se o produto do CCP incorporar o contributo técnico fornecido pela patente (ou, nas palavras dos Acórdãos do TJUE anteriores C-443/12 (Actavis vs. Sanofi) e C-577/13 (Actavis vs. Boehringer),.

22. O TJUE pretende evitar uma extensão indevida da combinação de uma substância ativa (que reflete o "avanço técnico principal" da patente de base) a outra substância ativa (que não constitui o "avanço técnico principal" da patente de base).

23. Por forma a determinar se a combinação de substâncias ativas está necessariamente coberta pela invenção protegida pela patente, o TJUE claramente exige um efeito combinado dessas duas substâncias ativas (vide a nota final e o parágrafo [56] do Acórdão Teva vs. Gilead).

24. Foi dadocomo provado que “A EP599 não revelaavantagem da terapiade associação face à monoterapia, nem revela dados experimentais” (ponto 24)).

25. Logo, a combinação das substâncias ativassinvastatina eezetimiba não está protegida pela patente de base EP720599, na acepção do artigo 3.º, alínea a) do Regulamento CCP.

26. Nestes termos, à luz da jurisprudência do TJUE nos Acórdãos Actavis vs. Sanofi C-443/12), Actavis vs. Boehringer (C-577/13), Teva vs. Gilead (C-121/17) e Royalty Pharma (C-650/17), o CCP189 não preenche os requisitos previstos no artigo 3.º, alíneas a) e c) do Regulamento CCP para que pudesse ser concedido.

27. A conclusão do Tribunal a quo qual apenas seria possível ignorando, em absoluto, o facto dado como provado no ponto 24).

28. Portanto, o Tribunal a quo errou ao considerar preenchida a exigência do artigo 3.º, alínea a) do Regulamento CCP.

29. A alínea c) do artigo 3º do Regulamento CCP não se refere a uma mera comparação entre certificados complementares de protecção, como indica o Tribunal Recorrido, mas sim análise sobre se o segundo certificado complementar de protecção – neste caso o CCP189 – reflete uma invenção autónoma que constitui o cerne da atividade inventiva da patente – neste caso a EP720599.

30. O Tribunal recorrido não realizou a análise sobre se a combinação de ezetimiba com sinvastatina constitui o cerne da atividade inventiva da patente EP720599.

31. A decisão do Tribunal a quo desconsiderou o facto de ter sido dado como provadono ponto 24) “A EP599 não revela a vantagem da terapia de associação face à monoterapia, nem revela dados experimentais

32. Segundo uma correta interpretação da alínea c) do artigo 3º do Regulamento CCP, terá de se identificar se aquela composição farmacêutica tem justamente de ser a solução para um problema concreto no tratamento, prevenção ou diagnóstico de doenças, que a patente de base já tem de tratar no momento da prioridade, para tal combinação corresponder ao "cerne da atividade inventiva" da patente de base.

33. Olhando para os factos dados como provados, apenas restaria concluir pela negativa, isto é que aquela combinação não constitui o cerne da atividade inventiva da EP70599.

34. O Tribunal Recorrido não almejou aquela conclusão face à, salvo o devido respeito, incorreta interpretação do artigo 3º, alínea c) do Regulamento CCP.

35. Nestes termos deverá concluir-se que o Tribunal da Relação incorreu em interpretação incorreta do artigo 3º, alíneas a) e c) do Regulamento CCP, devendo revogar-se o acórdão recorrido e substituir-se por outro que conclua que declare nulo o CCP189 e ordene o cancelamento do respetivo registo.

Nestes termos e nos mais de Direito, requer-se a V. Ex.as

a) Seja admitido o recurso de revista excecional ao abrigo do artigo 672.º, n.º 1, alínea a) do CPC; e

b) Seja a revista julgada procedente, revogando-se o acórdão recorrido e ordenando a sua substituição por decisão que declare nulo o Certificado Complementar de protecção n.º 189 e ordene o cancelamento do respetivo registo.

13. A Ré contra-alegou, pugnando pela inadmissibilidade e subsidiariamente da improcedência do recurso.

           

14. Finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

O presente recurso deverá ser considerado liminarmente inadmissível, desde logo porque as Recorrentes não cumpriram com o requisito da apresentação de requerimento prévio contendo as razões que justificam a admissibilidade do recurso de revista excepcional, nos termos do disposto nos arts. 672.º, n.ºs 2 e 3 do CPC;

Sem prejuízo do referido supra:

Em qualquer circunstância, sempre se dirá que o presente recurso de revista não é admissível, por não se verificar preenchida a excepção prevista no art, 672.º, n.º 1, al. a).

De facto, as Recorrentes, não se conformando com a decisão a quo, vêm, ao arrepio da referida disposição legal, apresentar recurso de revista invocando a excepção prevista no art. 672.º, n.º 1, al. a).

Para o efeito alegam que «A questão jurídica em causa nestes autos prende-se com a validade do CCP 189 à luz do requisito previsto no artigo 3.º, alíneas a) e c) do Regulamento CCP, o que implica forçosamente a correta interpretação dessa norma, em particular à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) sobre essa mesma questão.»

E que a «interpretação de quaisquer dos requisitos do artigo 3.º do Regulamento CCP, em particular das alíneas a) e c) daquela norma, configura uma questão jurídica de elevada complexidade cuja expressiva relevância para muitos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos aconselha a apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça».

Ora, como sucintamente se demonstrará, não só as Recorrentes estão a induzir em erro o Tribunal ad quem quanto à questão jurídica em causa, como nos presentes autos não existe nenhuma questão cuja apreciação seja necessária para uma melhor aplicação do direito.

Aliás, as Recorrentes não indicaram, como lhes competia, as razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor clarificação do direito, o que deveriam ter feito ao abrigo do disposto no art. 672.º, n.º 2, al. a).

Ainda que tal não se entenda, o que, salvo melhor opinião, não se concede, o recurso de revista deverá sempre ser julgado inadmissível relativamente ao pedido de apreciação da interpretação da al. c) do art. 3.º do Regulamento CCP, formulado pelas Recorrentes, por extravasar em larga medida o pedido e a causa de pedir dos presentes autos;

Em qualquer circunstância, resulta evidente que os argumentos das Recorrentes quanto à interpretação das alíneas a) e c) do Regulamento CCP são totalmente infundados, pelo que o recurso de revista deve ser considerado totalmente improcedente.

Com efeito, o Tribunal a quo fez uma correcta interpretação do Artigo 3 (a), que é o único fundamento em causa nos presentes autos, e não teve quaisquer dúvidas em considerar que o CCP189 preenche todos os restantes requisites plasmados no art. 3.º do Regulamento CCP, incluindo o da alínea c).

Termos em que, nos melhores de Direito, e sempre com o mui Douto suprimento de V. Exas.,

a) deve a presente revista excepcional ser julgada totalmente inadmissível por não terem as Recorrentes cumprido com a formalidade da apresentação de requerimento previo de interposição de recurso contendo as razões que justificam a aceitação do recurso de revista;

ou, ainda que assim não se entenda,

b) deve a presente revista excepcional ser sempre julgada totalmente inadmissível por não preencher as condições plasmadas no art. 672.º, n.º 1), al. a) do CCP;

Sem prescindir, por mera cautela e dever de patrocínio:

c) deve o recurso de revista ser julgado parcialmente inadmissível no quediz respeito à apreciação da al. c) do art. 3.º do Regulamento CCP por extravasar o pedido e a causa de pedir dos presentes autos;

d) deve ser negado total provimento ao presente recurso de revista excepcional.

15. Existindo dúvidas sobre a admissibilidade do recurso — em consequência do art. 45.º, n.º 3, do Código da Propriedade Industrial —, foi proferido o despacho previsto no art. 655.º do Código de Processo Civil.

16. As Autoras, agora Recorrentes, responderam lhe, alegando em síntese:

    I. — que o art. 45.º, n.º 3, do Código da Propriedade Industrial não é aplicável aos recursos judiciais de decisões proferidas em acção de anulação e sim — só — aos recursos judiciais de decisões do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI, IP);  II. — que estão preenchidos os requisitos do art. 672.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil.

17. A Ré, agora Recorrida, respondeu-lhe alegando em síntese que estão preenchidos os requisitos do art. 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil e que as Rccorrentes

“não indicaram nas suas conclusões do requerimento de interposição de recurso nenhum dos fundamentos específicos de admissibilidade da revista excepcional, nos termos do disposto no art. 637.º n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil”.

18. Entendendo-se que as dúvidas sobre a admissibilidade do recurso — em consequência do art. 45.º, n.º 3, do Código da Propriedade Industrial — estavam esclarecidas, constatou-se

  I. — que estavam preenchidos os pressupostos do art. 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil; II. — que as Recorrentes tinham pedido que a revista fosse admitida, a título excepcional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do art. 672.º do Código de Processo Civil.

19. Em Novembro de 2020, foi proferido despacho de envio dos autos à Formação prevista no art. 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

20. A Formação prevista no art. 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil admitiu o recurso.

21. Em Março de 2021, as Recorrentes apresentaram requerimento com o seguinte teor:

1. As Recorrentes vêm requerer a junção aos autos da decisão proferida pelo Tribunal Federal de Patentes Alemão que julgou nulo o Certificado Complementar de Proteção equivalente ao Certificado Complementar de Proteção n.º 189 (Documento 1).

2. As Recorrentes vêm igualmente requerer a junção aos autos da decisão proferida pelo Tribunal de Recurso Irlandês que julgou improcedente o recurso da aqui Recorrida, contra a decisão que julgou o certificado complementar de protecção equivalente ao CCP n.º 189 nulo (Documento 2).

3. Significa isto que, a nível europeu, PRATICAMENTE TODAS declararam o certificado complementar de protecção relativo à combinação simvastatina/ezetimiba, tendo por base a patente europeia EP720599, nulo por violação do artigo 3º al. c) do Regulamento CCP.

4. Perante isto, urge repor a justiça material na jurisdição portuguesa com uma decisão que declare a nulidade do CCP189

5. Nesta decisão mais recente, o Tribunal Alemão altamente especializado, abordou várias das questões jurídicas em apreço no presente recurso.

6. Em primeiro lugar, ao contrário do que concluiu o Tribunal da Relação, o Tribunal Federal de Patentes Alemão clarificou que a aplicação do artigo 3º, al. c) do Regulamento CCP, de acordo com a interpretação do TJUE nos processos Actavis v Sanofi e Actavis v Boehringer, e consequentemente a combinação simvastatina e ezetimiba reflete uma mera variação do produto ezetimiba(mono),e já foi concedido um CCP para este produto ezetimiba. Por este motivo, a simvastatina/ezetimiba é o mesmo produto que a ezetimiba (mono) em termos jurídicos.

7. Em segundo lugar, o Tribunal Federal de Patentes Alemão ensinou ainda qual a jurisprudência do TJUE que deverá ser utilizada para a interpretação do artigo 3º, alíneas a) e al. b).

8. Ou seja, aquele tribunal explicou que a jurisprudência do TJUE aplicável a cada uma das alíneas é distinta.

9. Ora, tal como se afirmou no recurso de revista, o acórdão recorrido não soube aplicar a interpretação do artigo 3º do Regulamento CCP, nomeadamente através da utilização correta dos acórdãos do TJUE.

10. E o Tribunal Federal Alemão esclareceu que:

— A invenção da patente europeia EP720599 tem de ser analisada por um perito na matéria;

— Atento o estado da técnica, o perito já estaria conhecimento da utilização de combinações, e mesmo o perito indicado pela Merck Sharp & Dohme naquele processo recomendava a utilização de Estatinas com outras substâncias ativas antes da data da prioridade

— O facto de as combinações utilizadas na data da prioridade terem efeitos secundárias não eram impeditivas para a sua utilização

— A patente não contém quaisquer dados sobre vantagens ou efeitos surpreendentes da combinação e a própria Merck Sharp & Dohme reconheceu este facto;

— O perito concluiria que a combinação não tem a natureza de uma invenção autónoma do produto ezetimiba (mono)

— Os dados posteriores à data da prioridade da patente são irrelevantes para aferir da validade de um CCP à luz do Regulamento CCP.

11. As Recorrentes também requerem a junção de decisão proferida pelo Tribunal de Recurso Irlandês na qual concluiu que o Certificado Complementar de Proteção equivalente ao CCP n.º 189 é nulo por violação do disposto no artigo 3, al. a) e c) do Regulamento CCP.

12. Nesta decisão, o Tribunal de Recurso Irlandês fez uma análise cuidada da interpretação correta do artigo, alíneas a) e c) do Regulamento CCP.

13. No que concerne à apreciação do artigo 3º, alínea a) do Regulamento CCP, aquele tribunal concluiu, em suma, que:

— A interpretação do TJUE nas decisões Royalty Pharma e Teva Gilead induz à conclusão de que para a avaliação da validade de um CCP exige-se a verificação de que o produto está de facto incluído na invenção protegida pela patente;

— Não basta que as reivindicações da patente refiram a combinação de duas substâncias ativas;

— O produto simvastatina/ezetimiba não constitui a invenção protegida pela patente EP720599 e, consequentemente, não poderá ser protegido por tal patente base.

14. Já no que concerne à apreciação do artigo 3, alínea c) do Regulamento CCP, aquele tribunal concluiu, em suma, que:

— A definição de “produto” para os propósitos do artigo 3(c) é a mesma definição utilizada para o artigo 3(a).

— O produto protegido pela patente é a ezetimiba, o produto mono, e não a combinação de ezetimiba com simvastatina.

15. Fica assim demonstrado tudo quanto tem vindo reiteradamente invocado pelas Recorrentes relativamente à manifesta nulidade do CCP 189

16. Quanto à junção dos documentos nesta fase processual, cumpre esclarecer que as Recorrentes apenas tiveram conhecimento da decisão alemã quando foram notificadas da mesma, em fevereiro de 2021 e da decisão irlandesa muito recentemente, tal como se exige nos termos do artigo 425º do CPC e 651º do CPC.

17. Acresce que a jurisprudência tem vindo a sustentar que as decisões estrangeiras se equiparam a pareceres (artigo 425º do CPC), podendo ser juntos até ao prazo fixado no artigo 651º, n.º 2 do CPC.

18. Nestes termos, deverão ser admitidos os documentos ora juntos.

 22. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes:

  I. — se a combinação das substâncias activas sinvastatina e ezetimiba preenche o requisito da alínea a) do art. 3.º do Regulamento (CE) n.º 469/2009, de 6 de Maio de 2009; II. — caso afirmativo, se o certificado complementar de protecção CCP189 preenche o requisito da alínea c) do art. 3.º do Regulamento (CE) n.º 469/2009.

II. — FUNDAMENTAÇÃO

    OS FACTOS

 23. O Tribunal da Propriedade Intelectual deu como provados os factos seguintes:

1. — A R. Merck Sharp & Dohme Corp é uma subsidiária da Merck & CO, INC, sedeada em New Jersey, nos EUA cuja actividade consiste na investigação, indústria e comércio de produtos farmacêuticos;

2. — A R. foi titular da patente EP720599, requerida em 14/09/1994 e caducada em 14/09/2014 e com prioridade de 21/09/1993;

3. — A R. foi titular do Certificado Complementar de Protecção 150 (CCP 150), que se refere à autorização de introdução no mercado (AIM) do medicamento Adacai (ezetimiba) e que tem por base a EP720599, este CCP foi requerido em 08/07/2003 e concedido em 14/08/2003;

4. — A R. foi titular do Certificado Complementar de Protecção 189 (CCP189), que se refere à autorização de introdução no mercado (AIM) do medicamento Inegy (combinação de sinvastatina e ezetimiba) e que tem por base a EP720599;

5. — Em 04/08/2015 foi requerida a extensão pediátrica para o CCP 150, a qual foi concedida em 28/08/2015;

6. — A vigência do CCP150 terminou a 17/04/2018;

7. — O CCP189 foi requerido em 14/03/2005 e concedido em 28/04/2005;

8. —A vigência do CCP189 terminou a 02/04/2019;

9. — A EP599 tem como título – DESCRIÇÃO “Compostos de Azetidinona Hidroxi-Substituída Úteis como Agentes Hipocolesterolémicos”;

10. — Dos Antecedentes da Invenção consta «A presente invenção relaciona-se com azetidinonas hidroxi-substituídas úteis como agentes hipocolesterolémicos no tratamento e prevenção da aterosclerose, e a uma combinação de uma azetidinona hidroxi-substituída desta invenção com um inibidor de biossíntese do colesterol para o tratamento e a prevenção da aterosclerose. A invenção também se relaciona com um processo para a preparação de azetidinonas hidroxi-substituídas»;

11. — Do sumário da EP599 consta:

«Os compostos hipolesterolémicos inovadores da presente invenção são representados pela fórmula I

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Ou um sal farmaceuticamente aceitável dela derivado (…)».

«Esta invenção também se relaciona com um método para baixar o colesterol sérico num mamíferonecessitado desse tratamento compreendendo a administração de uma quantidade eficaz de um composto de fórmula I. Isto é, também é reivindicada a utilização de um composto da presente invenção como um agente hipocolestereolémico».

«Ainda noutro aspecto, a presente invenção relaciona-se com uma composição farmacêutica compreendendo uma quantidade hipocolesterolémica eficaz de um composto de fórmula I num veículo farmacêuticamente aceitável».

«A presente invenção também se relaciona com um método para reduzir os níveis de colesterol plasmático, e com um métodos para o tratamento ou a prevenção da aterosclerose, compreendendo a administração a um mamífero necessitado desse tratamento de uma quantidade eficaz de uma combinação de uma azetidinona hidroxi-substituída de fórmula I inibidora da absorção do colesterol e de um inibidor de biossíntese do colesterol. Isto é, a presente invenção relaciona-se com a utilização de uma azetidinona hidroxisubstituída de fórmula I inibidora da absorção do colesterol para utilização combinada com um inibidor da biossíntese do colesterol (e, analogamente, a utilização de um inibidor da biossíntese do colesterol para utilização combinada com uma combinação de uma azetidinona hidroxi-substituída de fórmula I inibidora da absorção do colesterol) para o tratamento ou a prevenção da aterosclerose ou para reduzir os níveis de colesterol plasmático.»

«Ainda noutro aspecto, a invenção relaciona-se com uma composição farmacêutica compreendendo uma quantidade eficaz de uma azetidinona hidroxi-substituída de fórmula I inibidora da absorção do colesterol, um inibidor da biossíntese do colesterol, e um veículo farmaceuticamente aceitável. Num aspecto final, a invenção relaciona-se com um “kit” compreendendo num recipiente uma quantidade eficaz de uma azetidinona hidroxi-substituída de fórmula I inibidora do colesterol num veículo farmaceuticamente aceitável, e num recipiente separado, uma quantidade eficaz de um inibidor da biossíntese do colesterol num veículo farmaceuticamente aceitável».

«Ainda noutro aspecto, a invenção relaciona-se com um processo para a preparação de certos compostos de fórmula I (…)».

12. — Da página 11 da EP599, referente à descrição pormenorizada consta:

«Os inibidores da biossíntese do colesterol para a utilização na combinação da presente invenção incluem inibidores de HMG CoA redutase tais como lovostatina, pravastatina, fluvastatina, simvastatina, e CI-981; inibidores de HMG CoA sintetase, por exemplo L-659,699 (…); inibidores da síntese de esqualeno, por exemplo esqualestatina 1; e inibidores de esqualeno epoxidase, por exemplo, NB-598 (…) e outros inibidores da biossíntese do colesterol tais como DMP-565. Os inibidores de HMG CoA redutase preferidos são a lovastatina, a pravastatina e a simvastatina»;

13. — Da página 32 referentes à dosagem, consta:

«A dose diária hipocolestereolémica de um composto de fórmula I é cerca de 0,1 até cerca de 30mg/kg de peso corporal por dia, preferencialmente cerca de 0,1 até 15 mg/kg. Para um peso corporal médio de 70 kg, o nível de dosagem é portanto desde cerca de 5mg até cerca de 1000 mg de fármaco por dia, administrado numa dose única ou em 2-4 doses divididas. A dose exacta, contudo, é determinada pelo médico assistente e está dependente da potência do composto administrado, da idade, peso, estado e resposta do doente».

«Para as combinações desta invenção em que a azetidinona hidrixi-substituída é administrada em combinação com um inibidor de biossíntese do colesterol, a dose diária típica do inibidor da biossíntese do colesterol é de 0,1 até 80 mg/kg de peso do mamífero por dia administrados numa dose única ou em doses divididas, geralmente uma ou duas vezes por dia: por exemplo, para inibidores de HMG CoA redutase, são administrados cerca de 10 até 40 mg por dose 1 a 2 vezes por dia, dando uma dose diária total de cerca de 10 a 80 mg por dia, e para os outros inibidores da biossíntese do colesterol, são administrados cerca de 1 a 1000 mg por dose 1 a 2 vezes por dia, dando uma dose diária total de cerca de 1 até 2000 mg por dia. A dose exacta de qualquer componente da combinação a ser administrada é determinada pelo médico assistente e está dependente da potência do composto administrado, da idade, peso, estado e resposta do doente.»

14. — O CCP189 foi concedido com base na patente EP599 e na AIM do medicamento INEGY, o qual contém a combinação de sinvastatina e ezetimiba.

15. —A patente EP599 tem 21 reivindicações.

16. — Na EP599 há várias referências referentes às vantagens da combinação da ezetimiba com a sinvastatina. Doc 3, p. 6,7, 11, 32 e 33.

17. — A EP720599 descreve duas invenções:

a) A EZETIMIBA e,

b) A associação da EZETIMIBA com inibidores de HMG CoA redutase, como seja a Sinvastatina.

18. —Da reivindicação 9 consta «Composição farmacêutica para o tratamento ou prevenção da aterosclerose, ou para a redução dos níveis de colesterol plasmático, compreendendo uma quantidade eficaz de um composto tal como reivindicado em qualquer das reivindicações 1 a 8, só ou em combinação com um inibidor da biossíntese do colesterol, num veículo farmaceuticamente aceitável»

19. — Da revindicação 16 consta «Composição farmacêutica de qualquer das reivindicações 9, 12 ou 15 em que o inibidor da biossíntese do colesterol é selecionado do grupo que consiste de inibidores de HMG CoA redutase, inibidores da síntese de esqualeno e inibidores de esqualeno epoxidase.»

20. — Da reivindicação 17 consta «Composição farmacêutica da reivindicação 16 em que o inibidor da biossíntese do colesterol é seleccionado do grupo que consiste de lovastatina, pravastatina, fluvastatina, sinvastatina, CI-981, DMP-565, L-659,699, esqualestatina 1 e NB-598»;

21. — A sinvastatina, e outras estatinas, como a mevastatina, lovostatina e pravastatina, eram conhecidas em 1993;

22. — À data da reivindicação da patente a ezetimiba não era conhecida;

23. — O problema técnico que se pretendeu resolver com a EP599 era a redução dos níveis de colesterol plasmático e o método de tratamento ou prevenção da ateroesclerose;

24. — A EP599 não revela a vantagem da terapia de associação face à monoterapia, nem revela dados experimentais.

25. — A EP599 indica como uma das soluções para resolver o problema técnico referido em 23 a terapia de associação de um inibidor da biossíntese do colesterol e um inibidor da absorção;

26. — Na apelação nº 409/17.0YRLSB. L1 que correu termos no Tribunal da Relação de Lisboa., este Tribunal considerou o CCP189 válido;

27. — Na decisão proferida pelo Tribunal Arbitral Português de 07/09/2018, foi decidido não declarar a invalidade do CCP nº 189 e condenar a demandada Sandoz A/S a abster-se, em território português ou tendo em vista a comercialização nesse território, de importar, fabricar, armazenar, introduzir no mercado, vender ou oferecer medicamentos genéricos contendo a associação Ezetimiba + Sinvastatina enquanto o CCP nº …. se encontrar em vigor;

28. — O Tribunal da Relação de Borgarting de 21/12/2018 negou provimento ao recurso interposto pela Sandoz A/S, da decisão que a tinha condenado a abster-se de fabricar e comercializar produtos farmacêuticos que contivessem os ingredientes activos Ezetimiba + Sinvastatina;

29. — O Tribunal de Comércio de Lingua Neerlandesa de Bruxelas, por decisão de 21/12/2018 concluiu que a patente base descreve duas invenções e que por isso era possível haver um segundo CCP válido, tendo, consequentemente condenado a Mylan a se abster de infringir tal CCP e de colocar no mercado o medicamento “Ezetimibe/Sinvastatina Mylan” ou qualquer outro medicamento genérico que contenha uma associação de dose fixa de ezetimiba e sinvastatina no mercado belga;

30. —O perito nomeado pelo Tribunal de Milão também concluiu que o CCP 913 (equivalente ao CCP 189) podia ser considerado válido e que a associação ezetimiba + sinvastatina constitui uma inovação separada e independente no que diz respeito apenas ao produto isolado ezetimiba em conformidade com a patente de base EP599;

31. — A decisão proferida pela 3ª Câmara do Tribunal de Primeira Instância de Paris de 25/10/2018 que apreciou os pedidos formulados pela TEVA Sante e pela Teva Pharmaceuticals Europe BV contra a ora R., negou provimento aos mesmos, não tendo declarado a nulidade das reivindicações 9 a 18 da EP599, nem do CCP05C0040, equivalente ao CCP 189;

32. — O Tribunal de 1ª Instância de Atenas, Divisão de Medidas Provisórias, por decisão de 12/09/2018 proibiu a Sandoz Pharmaceuticals DD de se abster de fabricar e comercializar produtos farmacêuticos contendo os ingredientes activos Ezetimiba e Sinvastatina;

33. — O Acórdão do TJUE de 25/07/2018, proferido no âmbito do p. C-121/17 declarou:

“O artigo 3º, do Regulamento nº 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho de 6 de maio de 2009, relativo ao certificado complementar de protecção para os medicamentos, deve ser interpretado no sentido de que um produto composto por vários princípios activos de efeito combinado é «protegido por uma patente base em vigor», na acepção desta disposição, quando a combinação dos princípios activos que o compõem, mesmo que não esteja expressamente mencionada nas reivindicações da patente base, é necessária e especificamente visada nessas reivindicações. Para o efeito, do ponto de vista do especialista na matéria e com base na evolução técnica à data de depósito ou de prioridade da patente de base:

- a combinação desses princípios activos deve ser necessariamente abrangida, à luz da descrição e dos desenhos da patente, pela invenção coberta por esta, e

- cada um dos referidos princípios activos deve ser especificamente identificável, à luz de todos os elementos divulgados pela referida patente.”;

34. — O Tribunal de Comércio de Viena, por decisão de 21/01/2019 negou provimento ao recurso interposto pela Sandoz A/S da decisão que a tinha condenado a se abster de fabricar e comercializar produtos farmacêuticos contendo os ingredientes activos Ezitimiba e Sinvastatina;

35. — Do pedido da patente U.S. 5.767.115 consta como antecedentes da invenção:

«A presente invenção refere-se a azetidinonas substituídas por hidroxi, úteis como agentes hipocolesterolémicos no tratamento preventivo da aterosclerose, e à combinação de uma azetidinona substituída por hidrroxi desta invenção com um inibidor da biossíntese do colesterol para o tratamento e prevenção da aterosclerose. A invenção também se refere a um processo para preparar azetidinonas substituídas por hidroxi.»

«Demonstrou-se que os inibidores (EC1.1.134) são uma forma eficaz de reduzir o colesterol no plasma (Witzum, Circulation, 80, 5 (1989), p. 1101-1114) e de reduzir a atereosclerose. A terapia de combinação de um inibidor da HMG CoA redutase e de um sequestrante do ácido biliar demonstrou ser mais eficaz em pacientes humanos hiperlipidémicos do que com um ou outro agente em monoterapia (lllingworth. Drugs.36 (supl.3) (1988). Pp 63-71)». 36 – O medicamento Inegy refere-se à combinação ezetimiba com sinvastatina, cuja combinação foi reivindicada e encontra-se dentro do âmbito da patente EP599;

37. — Na década de 90 era controverso fazer associação de medicamentos para tratar o colesterol;

38. — A Sinvastatina já era conhecida à data da prioridade da Patente EP599;

39. — Em Setembro de 1993 o perito da matéria desconhecia que a ezetimiba podia ser combinada com a sinvastatina;

40. — A ezetimiba é uma substância activa inovadora da EP720599;

41. — A primeira AIM (Autorização de Introdução no Mercado) em Portugal do CCP 189 data de 08/11/2004 e na UE data de 02/04/2004.

24. O Tribunal da Relação julgou improcedente a impugnação da matéria de facto.

    O DIREITO

25. O requerimento apresentado pelas Recorrentes em Março de 2021, relativo à junção aos autos de duas decisões de tribunais estrangeiros, determinar que deva apreciar-se e decidir-se a questão prévia da sua admissibilidade.

26. O art. 651.º do Código de Processo Civil é do seguinte teor: 

1. — As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.

2. — As partes podem juntar pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão

27. Consideradas as datas das duas decisões — 9 de Outubro de 2020 e 24 de Fevereiro de 2021 — e a circunstância de os requerimentos terem sido apresentados dentro do prazo do art. 651.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, admite-se a junção requerida pelas Recorrentes.   

28. A primeira questão suscitada pelas Recorrentes SANDOZ A/S e SANDOZ FARMACÊUTICA, LDA., consiste em determinar se a combinação das substâncias activas sinvastatina e ezetimiba preenche o requisito da alínea a) do art. 3.º do Regulamento (CE) n.º 469/2009, de 6 de Maio de 2009.

29. O art. 3.º do Regulamento (CE) n.º 469/2009, de 6 de Maio de 2009, relativo ao certificado complementar de protecção para os medicamentos, é do seguinte teor:

O certificado é concedido se no Estado-Membro onde for apresentado o pedido previsto no artigo 7.º e à data de tal pedido:

a) O produto estiver protegido por uma patente de base em vigor;

b) O produto tiver obtido, enquanto medicamento, uma autorização válida de introdução no mercado, nos termos do disposto na Directiva 2001/83/CE ou na Directiva 2001/82/CE, conforme o caso;

c) O produto não tiver sido já objecto de um certificado;

d) A autorização referida na alínea b) for a primeira autorização de introdução do produto no mercado, como medicamento.

30. O Tribunal de Justiça da União Europeia pronunciou-se sobre a interpretação do art. 3.º, alínea a), no sentido de que “um produto composto por vários princípios activos de efeito combinado é ‘protegido por uma patente de base em vigor’” em duas situações:

   I. — quando a combinação dos princípios activos que o compõem esteja expressamente mencionada nas reivindicações da patente de base; ou — II. — ainda que não esteja expressamente mencionada nas reivindicações da patente de base, quando seja implícita, mas necessariamente, visada nas reivindicações da patente de base[1].

31. Os acórdãos do Tribunal de Justiça de 12 de Novembro de 2012 — proferido no processo C-210/13 (no caso de Eli Lilly and Company Ltd contra Human Genome Sciences Inc.) — e de 25 de Outubro de 2018 — proferido no processo n.º C-527/17 [no caso de Teva UK Ltd, Accord Healthcare Ltd, Lupin Ltd, Lupin (Europe) Ltd e Generics (UK) Ltd contra Gilead Sciences Inc.] — dizem que uma combinação será implícita, mas necessariamente, visada nas reivindicações desde que preencha três requisitos cumulactivos.

    I. — Em primeiro lugar, a combinação de princípios activos deve corresponder à “definição funcional constante das reivindicações de uma patente”[2]; II. — em segundo lugar, “a combinação [de] princípios activos deve ser necessariamente abrangida, à luz da descrição e dos desenhos …, pela invenção coberta [pela patente]” e, — III. — em terceiro lugar, “cada um dos… princípios activos deve ser especificamente identificável, à luz de todos os elementos divulgados pela referida patente”[3]

32. O acórdão de 30 de Abril de 2020 — proferido no processo C‑650/17 (no caso da Royalty Pharma Collection Trust contra Deutsches Patent- und Markenamt) — esclarece:

  I. — que não é necessário que o produto resulte “de forma individualizada, enquanto composição concreta, das especificações técnicas da… patente”; II. — que é suficiente que resulte do conjunto dos elementos divulgados, considerados por um especialista na matéria, “com base nos seus conhecimentos gerais no domínio em questão”:

“quando o produto não é explicitamente divulgado pelas reivindicações da patente de base, … o especialista na matéria deve poder deduzir directa e inequivocamente da especificação da patente, tal como foi depositada, que o produto objecto do certificado complementar de protecção se insere no objecto da protecção desta patente”.

33. Em face dos acórdãos do Tribunal de Justiça de 25 de Julho de 2018 e de 30 de Abril de 2020, a data a que deve atender-se para averiguar se, do ponto de vista de uma especialista na matéria, a combinação é implícita, mas necessariamente, visada nas reivindicações é data do depósito do pedido ou, em alternativa, a data da prioridade da patente de base [4].

34. Face à interpretação do art. 3.º do Regulamento (CE) n.º 469/2009, deve averiguar-se a combinação das substâncias activas sinvastatina e ezetimiba é um produto protegido pela Patente Europeia 720599 (EP 720599 ou EP 599). 

35. Os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de Setembro de 2017 — processo n.º 409/17.0YRLSB.L1-7 — e de de 23 de Janeiro de 2020 — processo n.º 1002/19.9YRLSB-6 — chegaram a uma conclusão coincidente: — a Patente Europeia 720559 “[abrange] a associação, para efeitos terapêuticos, entre a Ezetimiba e a Sinvastatina” e, em consequência, “encontra-se preenchida a alínea a) artigo 3º, do Regulamento (CE) nº 469/2009, de 6 de Maio de 2009, do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia, no que se refere às condições de obtenção do Certificado Complementar de Protecção…’”.

36. Em consonância com os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de Setembro de 2017 — processo n.º 409/17.0YRLSB.L1-7 — e de de 23 de Janeiro de 2020 — processo n.º 1002/19.9YRLSB-6 —, o Tribunal da Propriedade Intelectual afirma que,

“… na patente base, designadamente na reivindicação 17, está expressamente prevista a combinação de ezetimiba com sinvastatina, pelo que se terá de concluir que estão preenchidos os requisitos a que se reporta o art. 3º, a), do Regulamento 469/2009 para se considerar válido o CCP….”, e o Tribunal da Relação de Lisboa confirma-o, dizendo que

“… a combinação dos princípios activos Ezetimiba e Sinvastatina que caracteriza o medicamento INEGY, que na sequência da Patente, beneficiou da AIM, encontra-se referenciada por diversas vezes na descrição da patente, como expressamente mencionada das reivindicações, sendo precisamente uma das invenções patenteadas, ou um seu ‘cerne inventivo’ como resulta dos factos provados, mais marcadamente na reivindicação n.º 17, como uma das soluções para resolver o problema técnico – a redução dos níveis de colesterol plasmático, o tratamento ou prevenção da aterosclerose”.

37. Ora, não se encontra razão suficiente para divergir da conclusão de todos os tribunais portugueses que se pronunciaram sobre casos semelhantes:

   I. — dos factos dados como provados sob os n.ºs 17 e 20 decorre que a combinação dos dois princípios activos estava explicitamente mencionada nas reivindicações;

  II. — ainda que não estivesse explicitamente mencionada, sempre dos factos dados como provados sob os n.ºs 10, 11, 17, 20 e 21 decorreria que a combinação de princípios activos era implícita, mas necessariamente, visada nas reivindicações da patente de base.

32. Em primeiro lugar, a combinação de princípios activos ezetimiba e sinvastatina corresponde à definição funcional constante das reivindicações da patente — cf. factos provados sob os n.ºs 10 e 11.

32. Em segundo lugar, é necessariamente abrangida pela invenção coberta pela patente.

33. O facto provado sob o n.º 11 refere-se à descrição da patente, para dizer que “os inibidores da biossíntese do colesterol para a utilização na combinação da presente invenção incluem inibidores de HMG CoA redutase tais como… simvastatina” e que “os inibidores de HMG CoA redutase preferidos são a lovastatina, a pravastatina e a simvastatina” e os factos provados sob os n.ºs 17, 20 e 21, coodenados com a descrição da patente, confirma-o — um especialista na matéria, “com base nos seus conhecimentos gerais no domínio em questão”, deduziria que a combinação da ezetimiba com algum dos inibidores de HMG CoA redutase preferidos, como a sinvastativa, era necessariamente abrangida pela invenção.

34. Em terceiro lugar, como a sinvastatina era conhecida em 1993 — cf. facto provado sob o n.º 21 —, um especialista na matéria, “com base nos seus conhecimentos gerais no domínio em questão”, estaria em condições de identificar especificamente cada um dos princípios activos.

35. Citando o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, agora recorrido, dir-se-á que

“… dúvidas não podem validamente colocar-se de que um perito na matéria, conhecedor das características e das formas de atuação de cada uma das substâncias, se lhe afiguraria plausível, ou melhor ‘lógico’… que a combinação era adequada ao tratamento da hipercolestrolemia, designadamente nos casos mais severos em que a monoterapia revelava insuficiências”.

36. As Recorrentes alegam que, de acordo com os acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia de 25 de Julho de 2018 — processo C‑121/17 [no caso Teva UK Ltd, Accord Healthcare Ltd, Lupin Ltd, Lupin (Europe) Ltd e Generics (UK) Ltd contra Gilead Sciences Inc.] — e de 30 de Abril de 2020 — processo C‑650/17 (no caso Royalty Pharma Collection Trust contra Deutsches Patent‑ und Markenamt) —, o objecto do certificado complementar de protecção deve estar abrangido pela invenção coberta pela patente; que a invenção coberta pela patente deve corresponder a um “avanço técnico”, ou a uma “vantagem”, e que, ainda que a ezemitiba corresponda a um “avanço técnico”, a combinação da ezimitiba com a sinvastatina não corresponde a “avanço técnico” algum.

O facto provado sob o n.º 24 — “a EP599 não revela a vantagem da terapia de associação [ezetimiba+sinvastatina] face à monoterapia [ezetimiba], nem revela dados experimentais” — seria, só por si, suficiente para que se concluísse que a combinação da ezetimiba com a sinvastatina não está coberta pela Patente Europeia 599.

37. Invocam em favor da sua tese o acórdão do Tribunal Federal de Patentes alemão (Bundespatentgericht) de 9 de Outubro de 2020 e o acórdão do Court of Appeal da Irlanda de 24 de Fevereiro de 2021 — e não invocaram, mas podiam ter invocado, p. ex., o acórdão da Cour d’appel de Paris de 25 de Setembro de 2020 — n° 18/23642.

38. Embora a interpretação do art. 3.º, alínea a), do Regulamento (CE) nº 469/2009, de 6 de Maio de 2009, seja controvertida, entende-se que o requisito de que o produto esteja protegido por um patente de base em vigor não implica que o produto deva representar um “avanço técnico”, ou em todo o caso uma “vantagem” revelada por dados experimentais.

39. O critério foi afirmado, com alguma clareza, nas conclusões do advogado-geral II:

“72. Em meu entender, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça, nomeadamente nos Acórdãos de 24 de novembro de 2011, Medeva (C-322/10, EU:C:2011:773); de 12 de dezembro de 2013, Eli Lilly and Company (C‑493/12, EU:C:2013:835); e de 12 de março de 2015, Actavis Group PTC e Actavis UK (C‑577/13, EU:C:2015:165), que o único meio de verificar se uma patente de base protege um princípio ativo, na acepção do artigo 3.o do Regulamento n.o 469/2009, reside estritamente no texto ou na interpretação do texto das reivindicações da patente concedida.

73. Qualquer outro critério adicional, como o requisito proposto pelo órgão jurisdicional de reenvio de que o princípio activo incorpore ‘a atividade inventiva da patente’ comporta o risco, em meu entender, de gerar confusão com os critérios de patenteabilidade de uma invenção. Ora, a questão de saber se um produto está protegido por uma patente na acepção do artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009 não é a mesma que a de saber se esse produto é patenteável, sendo esta última questão regida exclusivamente pelo direito nacional ou pelo direito convencional”.

40. Os argumentos do advogado-geral II foram desenvolvidos nas conclusões do advogado-geral HH, nos processos C-650/17 (Royalty Pharma Collection Trust contra  Deutsches Patent- und Markenamt) e C-114/18 (Sandoz Ltd e Hexal AG contra G.D. Searle LLC e Janssen Sciences Ireland), em que se afirma, de forma inequívoca,

“considero que, à luz do Acórdão de 25 de julho de 2018, Teva UK e o. (C-121/17, EU:C:2018:585), o conceito de ‘cerne da atividade inventiva’ da patente não é aplicável nem pertinente no contexto do artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009”.

41. O critério preconizado pelos advogados-gerais II e HH corresponde ao parágrafo 37 do acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 25 de Julho de 2018 — proferido no processo C-121/17 — e aos parágrafos 30-32 do acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 2020 — proferido no processo C-650/17 (no caso de Royalty Pharma Collection Trust contra Deutsches Patent- und Markenamt).

42. O parágrafo 37 do acórdão de 25 de Julho de 2018 declara que

“um produto só pode ser considerado protegido pela patente de base em vigor, na acepção do artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009, quando o produto objecto do CCP seja expressamente mencionado, ou seja necessária e especificamente visado, nas reivindicações dessa patente”

43. Os parágrafos 30-32 do acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 2020 dizem que deve excluir-se, por irrelevante, o critério do cerne da actividade inventiva:

30. A título preliminar, importa sublinhar que, tal como mencionado no n.º 23 do presente acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu manter o seu pedido de decisão prejudicial, a fim de obter certos esclarecimentos quanto ao alcance do Acórdão de 25 de julho de 2018, Teva UK e o. (C-121/17, EU:C:2018:585), para efeitos da resolução do litígio no processo principal. Mais precisamente, este órgão jurisdicional interroga‑se sobre se o conceito de ‘cerne da atividade inventiva’ é pertinente para interpretar o artigo 3.º, alínea a), do Regulamento n.º 469/2009. Constata que, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça se pronunciou sem mencionar as críticas formuladas pelo advogado-geral II nas suas Conclusões no processo Teva UK e o. (C‑121/17, EU:C:2018:278), em especial no n.o 73, sobre a utilização deste conceito para determinar o objeto da protecção conferida por uma patente de base. O órgão jurisdicional de reenvio deduz daí que, ao não ter explicitamente excluído a aplicação deste conceito, para apreciar se uma combinação de princípios activos podia beneficiar da protecção conferida por uma patente de base em vigor, o Tribunal de Justiça podia ter implicitamente consagrado o referido conceito. O órgão jurisdicional de reenvio sublinha, além disso, que as interrogações quanto ao conceito de «cerne da atividade inventiva» estão na origem de várias divergências de interpretação do artigo 3.º, alínea a), do Regulamento n.º 469/2009 entre os órgãos jurisdicionais e os institutos de patentes nacionais competentes.

31. A este respeito, importa observar que, na sua resposta à questão submetida no processo que deu origem ao Acórdão de 25 de julho de 2018, Teva UK e o. (C‑121/17, EU:C:2018:585, n.os 34 e 35), o Tribunal de Justiça não utilizou o conceito de ‘cerne da atividade inventiva’, apesar de o órgão jurisdicional de reenvio o ter convidado a fazê-lo no seu pedido de decisão prejudicial. Pelo contrário, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça recordou o papel essencial das reivindicações, em aplicação do artigo 69.o da CPE e do artigo 1.o do protocolo interpretativo deste artigo 69.o, confirmando, assim, que o objecto da protecção conferida por um CCP se deve limitar às características técnicas da invenção coberta pela patente de base, conforme reivindicadas por essa patente (Acórdão de 25 de julho de 2018, Teva UK e o., C‑121/17, EU:C:2018:585, n.o 46), e não se deve estender ao ‘cerne da atividade inventiva’.

32. Ao fazê‑lo, o Tribunal de Justiça baseou‑se claramente numa interpretação do artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009, no âmbito da qual o conceito de «cerne da atividade inventiva» não é pertinente.

44. Em consonância com as conclusões dos advogados-gerais e com o teor dos acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia de 25 de Julho de 2018 e de 30 de Abril de 2020, a fundamentação da sentença do Tribunal da Propriedade Intelectual contém a seguinte passagem:

“Face à redacção do citado art. 3, a) do Regulamento do certificado complementar de protecção e face à jurisprudência da União Europeia, não nos parece que seja exigível que a patente base do certificado complementar de protecção tivesse de conter dados científicos ou experimentais sobre a combinação reclamada no certificado complementar de protecção. […].

O art. 51.º, n.º 1, do Código da Propriedade Intelectual não… exige que a actividade inventiva tenha de ser vantajosa face ao estado da técnica, daí não ser exigível que a patente base que deu lugar ao CCP 189 tenha de revelar o efeito aditivo ou sinergético da composição EZETIMIBA+SINVASTATINA, para que aquele tivesse sido concedido”.

45. Embora os tribunais, incluindo os tribunais superiores, dos Estados-membros da União Europeia estejam divididos, o Tribunal da Propriedade Intelectual está longe de estar isolado.

46. O acórdão da Court of Appeal da Inglaterra e do Pais de Gales de 19 de Dezembro de 2019, no caso de Teva UK Ltd, Accord Heaalthcare Ltd, Lupin Ltd, Lupin (Europe) Ltd e Generics Ltd (UK) contra Gilead Sciences, Inc., p. ex., interpretou o acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 25 de Julho de 2018 no sentido de não se exigir que o produto represente um avanço ou um contributo técnico inovador.

47. O argumento de Lord Justice Floyd, aceite por unanimidade, é o seguinte:

“I do not think that by using the term ‘fall under the invention covered by the patent’ the court is intending to refer to the inventive advance or technical contribution of the patent. The court has definitely set its face against the introduction of such a test. Although there is no reference to it in the reasoning of the court in the reference in this case, the retention of such a test would be inconsistent with the proposition in paragraph [37] of the court's judgment. That paragraph states that express mention of the active ingredient in the claim is enough. Express mention in a claim says nothing about whether the added ingredient forms part of the inventive advance. Moreover, the opinion of Advocate General II in that case and (since the Second Judgment) that of Advocate General HH in Sandoz v Searle, both roundly reject such a test. Whatever might be said for it from a policy point of view, it must now be regarded as wrong”[5].

48. Ora o texto das reivindicações da EP 720599 é claro no sentido de que se pretende abranger duas invenções — a ezetimiba e a combinação da ezetimiba com inibidores de HMG CoA redutase, entre os quais está a sinvastatina (cf. factos provados sob os n.ºs 17 e 20) —; logo, no sentido de que a combinação da ezetimiba com a sinvastatina está protegido pela EP 720599.

49. Em resposta à primeira questão, deverá concluir-se que a combinação das substâncias activas sinvastatina e ezetimiba preenche o pressuposto da alínea a) do art. 3.º do Regulamento (CE) n.º 469/2009, de 6 de Maio de 2009.

50. A segunda questão suscitada pelas Recorrentes consiste em determinar se o certificado complementar de protecção CCP 189 preenche o requisito da alínea c) do art. 3.º do Regulamento (CE) n.º 469/2009 — ou seja, o requisito de que “o produto não tenha sido já objecto de um certificado.

51. O teor da alínea c) do art. 3.º do Regulamento (CE) n.º 469/2009 explica-se pela circunstância de o certificado complementar de protecção constituir um “mecanismo de prorrogação do prazo de duração da patente, admitido para os medicamentos e para os produtos fitofarmacêuticos”[6] e de, no regime dos certificados complementares de protecção, se pretender chegar a um compromisso entre “todos os interesses em causa num sector tão complexo e sensível como o farmacêutico, incluindo os relactivos à saúde pública”[7] —  com a consequência, designadamente, de que “o titular de uma patente e de um certificado deve poder beneficiar no total de um período máximo de quinze anos de exclusividade a partir da primeira autorização de introdução no mercado da Comunidade do medicamento em causa”[8].

52. Os factos provados sob os n.ºs 3-7 e 24 são do seguinte teor:

3. — A R. foi titular do Certificado Complementar de Protecção 150 (CCP 150), que se refere à autorização de introdução no mercado (AIM) do medicamento Adacai (ezetimiba) e que tem por base a EP720599, este CCP foi requerido em 08/07/2003 e concedido em 14/08/2003;

4. — A R. foi titular do Certificado Complementar de Protecção 189 (CCP 189), que se refere à autorização de introdução no mercado (AIM) do medicamento Inegy (combinação de sinvastatina e ezetimiba) e que tem por base a EP720599;

5. — Em 04/08/2015 foi requerida a extensão pediátrica para o CCP 150, a qual foi concedida em 28/08/2015;

6. — A vigência do CCP150 terminou a 17/04/2018;

7. — O CCP 189 foi requerido em 14/03/2005 e concedido em 28/04/2005;

8. —A vigência do CCP189 terminou a 02/04/2019;

24 – A EP599 não revela a vantagem da terapia de associação face à monoterapia, nem revela dados experimentais.

53. Em consonância com aquilo que alegaram relativamente ao preenchimento da alínea a), as Recorrentes alegam que a invenção coberta pela patente de base é exclusivamente a ezetimiba; que a ezetimiba foi objecto do certificado complementar de protecção 150; e que, de acordo com os acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia de 12 de Dezembro de 2013 — proferido no processo C‑443/12 (no caso de Actavis Group PTC EHF e Actavis UK Ltd contra Sanofi) — e de 12 de Março de 2015 — proferido no processo C‑577/13 (no caso de Actavis Group PTC EHF e Actavis UK Ltd contra Boehringer Ingelheim Pharma GmbH & Co. KG) —, o art. 3.º, alínea c), do Regulamento (CE) n.º 469/2009, de 6 de Maio de 2009, opõe-se a que seja concedido um certificado complementar de protecção para a combinação da ezetimiba com a sinvastatina.

54. O acórdão proferido no processo C‑443/12 diz que “o artigo 3.°, alínea c), do Regulamento (CE) n.° 469/2009 […] deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que, com fundamento na mesma patente, mas numa autorização de introdução no mercado posterior de um medicamento diferente que contém o referido princípio activo em associação com outro princípio activo que, enquanto tal, não está protegido pela referida patente, o titular dessa mesma patente obtenha um segundo certificado complementar de protecção para esta associação de princípios activos” e o acórdão proferido no processo C‑577/13, esse diz que “deve ser interpretado no sentido de que, quando uma patente de base inclui uma reivindicação de um produto que contenha um princípio activo que constitui o único objecto da invenção, para o qual o titular dessa patente já obteve um certificado complementar de protecção, e uma reivindicação ulterior de um produto que contenha uma associação desse princípio activo com outra substância, essa disposição se opõe a que esse titular obtenha um segundo certificado complementar de protecção para a referida associação”.

55. Entendendo-se, como entendemos, que a combinação da ezetimiba com a sinvastatina é um produto protegido pela patente de base no sentido do art. 3.º alínea a), do Regulamento (CE) n.º 469/2009, deve entender-se as invenções coberta pela patente de base são duas — a ezetimiba e a combinação da ezetimiba com inibidores de HMG CoA redutase, como a sinvastatina— e que, ainda que a ezetimiba tivesse sido objecto de um certificado complementar de protecção (do CCP 150), a combinação da ezetimiba com a sinvastatina podia ser objecto do certificado complementar de protecção 189.

56. O caso concreto — combinação da ezetimiba com a sinvastatina — distingue-se das situações subjacentes aos acórdãos de 12 de Dezembro de 2013 e de 12 de Março de 2015.

57. Em primeiro lugar, distingue-se da situação subjacente ao acórdão proferido no processo C‑443/12, pelo facto de a patente de base proteger dois produtos distintos.

58. O caso está mais próximo da situação subjacente ao acórdão do Tribunal de Justiça proferido no processo C‑484/12[9] do que da situação subjacente ao acórdão proferido no processo C‑443/12[10]; ora, no acórdão proferido no processo n.º C‑484/12, decidiu-se que,

“[e]m circunstâncias como as do processo principal em que, com fundamento numa patente de base e numa autorização de introdução no mercado de um medicamento que consiste numa composição de vários princípios activos, o titular da patente já obteve um certificado complementar de protecção para esta composição de princípios activos, protegida por esta patente na acepção do artigo 3.°, alínea a), do Regulamento (CE) n.° 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009, relativo ao certificado complementar de protecção para os medicamentos, o artigo 3.°, alínea c), deste regulamento deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que esse titular obtenha igualmente um certificado complementar de protecção para um desses princípios activos, que, considerado individualmente, está também protegido como tal pela referida patente”[11].

58. Em segundo lugar, o caso da combinação da ezetimiba com a sinvastatina distingue-se da situação subjacente ao acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no processo C‑577/13, pelo facto de a patente de base não conter um único princípio activo, e/ou de o princípio activo não constituir o único objecto da invenção.

59. O art. 1.º, alínea c), do Regulamento (CE) n.° 469/2009 define a patente de base como “a patente que protege um produto como tal, um processo de obtenção de um produto ou uma aplicação de um produto e que tenha sido designado pelo seu titular para efeitos do processo de obtenção de um certificado” e a alínea b) define o produto protegido pela patente como “princípio activo ou associação de princípios activos contidos num medicamento”.

 60. Os acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia de 12 de Dezembro de 2013 — processos C‑484/12[12] e C‑443/12[13] — dizem expressamente

“… que uma patente que protege vários ‘produtos’ distintos pode permitir, em princípio, obter vários CCP relacionados com cada um desses produtos distintos, desde que nomeadamente cada um deles esteja ‘protegido’ como tal por essa ‘patente de base’ na acepção do artigo 3.°, alínea a), do Regulamento n.° 469/2009, interpretado em conjugação com o seu artigo 1.°, alíneas b) e c)”.

61. Ora a EP 720599 protege dois produtos, no sentido do art. 1.º, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 469/2009 — a ezetimiba e a combinação entre a ezetimiba com um inibidor de HMG CoA redutase, como a sinvastatina —; o certificado complementar de protecção …0 tem como objecto um produto com um único princípio activo a ezetimiba —; o certificado complementar de protecção 189 tem como objecto um produto com uma associação de princípios activos — a combinação da ezetimiba com a sinvastatina.

62. Os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de Setembro de 2017 — processo n.º 409/17.0YRLSB.L1-7 — e de 23 de Janeiro de 2020 — processo n.º 1002/19.9YRLSB-6 — colocaram em evidência, com razão, para a diferença entre o objecto dos certificados complementares de protecção 150 e 189, nos seguintes termos:

“… o Certificado Complementar de Protecção 189 tem efectivamente um objecto e alcance diversos do anterior Certificado Complementar de Protecção 150, abrangendo especificamente, de forma inovatória e inventiva, a associação entre a Ezetimiba e a Sinvastanina, o que não acontecia com este último Certificado Complementar de Protecção.

Logo, e por este motivo, não tem aplicação o obstáculo legal constante do artigo 3º, alíneas a) e c), do Regulamento (CE) nº 469/2009, de 6 de Maio de 2009, do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia, respeitante às condições de obtenção do certificado complementar de protecção, vigorando validamente o Certificado Complementar de Protecção 189, de que é titular a A. e conforme foi pacificamente reconhecido pelas autoridades a nível europeu que o concederam”.

 63. Invocando os critérios enunciados no acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 12 de Dezembro de 2013 — processo C‑443/12 —, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa explicam que

“In casu, a associação, numa base de sinergia, entre a Ezetimiba e a Sinvastatina é objecto de reivindicações específicas na patente de base, relativamente ao Certificado Complementar de Protecção ... e à EP 720599, constituindo ademais a essência da actividade investigatória em termos de inovação e invenção, nada tendo a ver com qualquer tipo de reivindicação ulterior que justificaria, então, a impossibilidade legal de obtenção de novo Certificado Complementar de Protecção”.

64. A resposta à primeira questão no sentido de que a associação ou combinação da ezimitiba com a sinvastatina é um produto protegido pela patente de base no sentido do art. 3.º alínea a), do Regulamento (CE) n.º 469/2009 determina, em substância, a resposta à segunda questão — no sentido de que os certificados complementares de protecção 150 e 189 têm como objecto produtos diferentes, protegidos pela Patente Europeia 720599.

 65. Ou seja — em resposta à segunda questão suscitada pelas Recorrentes SANDOZ A/S e SANDOZ FARMACÊUTICA, LDA, deverá concluir-se que a combinação das substâncias activas sinvastatina e ezetimiba preenche o requisito da alínea c) do art. 3.º do Regulamento (CE) n.º 469/2009, de 6 de Maio de 2009.

III. — DECISÃO

 Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o acórdão recorrido.

            Custas pelas Recorrentes SANDOZ A/S e SANDOZ FARMACÊUTICA, LDA.


Lisboa, 18 de Março de 2021


Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator)


José Maria Ferreira Lopes


Manuel Pires Capelo

 Nos termos do art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos Exmos. Senhores Conselheiros José Maria Ferreira Lopes e Manuel Pires Capelo.


_______

[1] Cf. designadamente os acórdãos do TJUE de 12 de Novembro de 2012 — processo C-493/12 (Eli Lilly and Company Ltd contra Human Genome Sciences Inc) — de 25 de Julho de 2018 — processo C‑121/17 (Teva UK Ltd, Accord Healthcare Ltd, Lupin Ltd, Lupin (Europe) Ltd e Generics (UK) Ltd contra Gilead Sciences Inc.) — e de 30 de Abril de 2020 — processo C‑650/17 (Royalty Pharma Collection Trust contra Deutsches Patent‑ und Markenamt).

[2] Cf. acórdão do TJUE de 12 de Novembro de 2012 — processo C-493/12 (n.º 39).

[3] Cf. acórdão do TJUE de 25 de Julho de 2018 — processo C-121/17

[4] Cf. designadamente os acórdãos do TJUE de 25 de Julho de 2018 — processo C‑121/17 (Teva UK Ltd, Accord Healthcare Ltd, Lupin Ltd, Lupin (Europe) Ltd e Generics (UK) Ltd contra Gilead Sciences Inc.) — e de 30 de Abril de 2020 — processo C‑650/17 (Royalty Pharma Collection Trust contra Deutsches Patent‑ und Markenamt).

[5] Em tradução aproximada: “Não me parece que, ao usar a expressão ‘abrangido pela invenção coberta pela patente’ o Tribunal tenha a intenção de se referir ao avanço inventivo ou à contribuição técnica da partente. O Tribunal pronunciou-se, em definitivo, contra a introdução de um tal teste. Não obstante não haja nenhuma referência [a tal pronúncia] no raciocínio do tribunal [no caso de Teva UK Ltd., e outros], a adopção de um tal teste seria incoerente com a proposição contida no parágrafo 47 do acórdão. Essse parágrafo sustente que a expressa menção do princípio activo na reivindicação é suficiente. [Ora, a] expressa menção numa reivindicação não diz nada sobre se o ingrediente adicionado faz parte do avanço inventivo. O argumento só pode ser reforçado pela constatação de as conclusões do advogado-geral II neste caso e (desde o segundo acórdão) do advogado geral HH em Sandoz v. Searle rejeitam expressamente um tal teste. O que quer que seja que possa ser dito a seu favor do ponto de vista do direito a constituir, ou do direito desejável de um ponto de vista de política legislativa, deve agora ser considerado errado [do ponto de vista do direito constituído]” .

[6] Cf. acórdãos do Tribunal da Relação …. de 23 de Jaaneiro de 2020 — processo n.º 1002/19.9YRLSB-6 —  e de 21 de Abril de 2020 — processo n.º 281/17….. - … (agora recorrido).

[7] Cf. considerando 10 do Regulamento (CE) n.º 469/2009, de 6 de Maio de 2009.

[8] cf. considerando 9 do Regulamento (CE) n.º 469/2009, de 6 de Maio de 2009.

[9] No caso de Georgetown University contra Octrooicentrum Nederland.

[10] No no caso de Actavis Group PTC EHF e Actavis UK Ltd contra Sanofi.

[11] Em termos em tudo semelhantes, vide, p. ex., o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 23 de Janeiro de 2020 — processo n.º 1002/19.9YRLSB-6.

[12] No caso de Georgetown University contra Octrooicentrum Nederland.

[13] No caso de Actavis Group PTC EHF, Actavis UK Ltd contra Sanofi.