Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
22224/15.6T8LSB-I.L1-A.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANA RESENDE
Descritores: INSOLVÊNCIA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
PRESSUPOSTOS
ACORDÃO FUNDAMENTO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO
BOA FÉ
PRINCÍPIO DISPOSITIVO
PRINCÍPIO DA AUTORRESPONSABILIDADE DAS PARTES
PRINCÍPIO DO ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS
CONSTITUCIONALIDADE
REJEIÇÃO DE RECURSO
RECLAMAÇÃO
Data do Acordão: 03/15/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC (COMÉRCIO)
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA.
Sumário :
I- O princípio da cooperação, que conjuntamente com outros princípios, como o de boa-fé processual, mas também o dever de recíproca correção, que devem pautar as relações jurídico-processuais, não afastam o princípio do dispositivo e da autorresponsabilização das partes, em termos da formulação das suas pretensões em juízo, e dos respetivos ónus que sobre as mesmas possam impender.

II- O legislador tem um “amplo poder de conformação na concreta modelação processual ”, competindo ao julgador, assim, aferir dos pressupostos de admissibilidade do recurso, com vista ao conhecimento do seu objeto, que necessariamente terão de ser observados pelas partes.

Decisão Texto Integral:

Reclamação n.º 22224/15.6T8LSB-I.L1-A.S1





ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 6ª SECÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


A. RELATÓRIO

1. Por despacho de 27.01.2022, foi fixada a AA, Administrador de insolvência (substituído) nos autos de insolvência da Q..., SA a remuneração variável pelos atos de liquidação da massa insolvente, no montante de 64.980,61€.

2. Por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 7.07.2022, foi julgada parcialmente procedente a apelação interposta pelo atual AI, decidindo-se alterar o despacho recorrido quanto ao montante fixado a título de remuneração variável, reduzido a um quinto, sendo que o valor assim alcançado apenas deveria ser pago aquando do encerramento do processo.

3. Inconformado, veio o ora Recorrente, AA, interpor recurso de revista, mencionando no seu requerimento de recurso, ser admissível recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto no artigo 14º, n.º 1, “in fine”, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa (CIRE.) e, subsidiariamente, nos artigos 629.º, n.º 1, 671.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC), porquanto o fundamento para a revista consubstancia-se na circunstância do Acórdão recorrido ter violado lei substantiva (artigo 674º, nº 1, alínea a), do CPC), uma vez que julgou ser aplicável ao caso em apreço o disposto na parte final do artigo 24.º, n.º 2, da Lei 22/2013.


Sucede que lhe escapou que, ao caso sob escrutínio, é o artigo 23.º, n.º 11, dessa mesma Lei, introduzido pelos artigos 5.º e 10.º, n,º 1, da Lei 9/22, de 11 de Janeiro, a qual entrou em vigor muito recentemente, em 12 de Abril de 2022, que tem de prevalecer, por força de, tratando-se de normas da mesma hierarquia, ser a de vigência posterior que se impõe, de harmonia com o determinado pelo artigo 7º, nº 2, do Código Civil.


Ora, não se tendo verificado a “dupla conforme”, na medida em que a 1ª Instância decidiu num sentido e o Acórdão recorrido noutro, tem de se concluir pela necessidade premente do Supremo Tribunal de Justiça dirimir sobre a existência dum eventual conflito de normas, em concreto, do artigo 23.º, n.º 11 e do artigo 24.º, nº 2, ambos da Lei 22/2013, atenta a relevância jurídica da questão até para uma melhor aplicação do direito, no futuro, a casos semelhantes que, por certo, vão acontecer.


Acresce que se torna dispensável demonstrar que o Aresto ora colocado em crise se encontra em oposição com outros Acórdãos de tribunais superiores na medida em que tal evidência é admitida pela própria Senhora Desembargadora Relatora que cita, entre outras decisões com sentidos opostos, aquele que foi proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, em 20 de Setembro de 2011 e que, aliás, também foi invocado pelo Apelado nas Contra-Alegações que subscreveu.


3.1. Nas suas alegações formula as seguintes conclusões:


1ª – Este recurso inclui-se entre aqueles que não podem deixar de ser interpostos já que urge repor o respeito pelas normas legais que se aplicam ao caso em apreço.


2ª – É imprescindível que o Mais Alto Tribunal proceda à interpretação – e, naturalmente, à aplicação a estes autos daquele que se ajustar – de dois preceitos legais, os artigos 23º, nº 11 e 24º, nº 2, ambos da Lei 22/2013, tendo o primeiro passado a vigorar no ordenamento jurídico português, desde 12 de Abril de 2022 e tratando-se de normas que podem, aparentemente, estar em conflito.


3ª – O ponto fulcral do Aresto ora colocado em crise é exatamente a (incorreta) aplicação ao caso “sub judice” do artigo 24.º, n.º 2, da Lei 22/2013, que é o Estatuto do Administrador Judicial, em detrimento do artigo 23.º, n.º 11, da mesma Lei, introduzida no ordenamento jurídico português pelo artigo 5.º, da Lei 9/22, que é aquele que se impõe perante a factualidade que resulta dos autos.


4ª – É lastimável que ao Acórdão recorrido - que se enredou em variadíssimas citações das normas que integram o Estatuto do Administrador Judicial sem relevância para o caso em apreço - tenha escapado o que, desde o pretérito mês de Abril, é determinado pelo artigo 23º, nº 11, desse Estatuto.


5ª – O que se infere das decisões judiciais nos dois graus anteriores é que, enquanto a Meritíssima Juiz de 1ª instância revelou ter feito uma leitura – muito atenta – do diploma legal em causa (Lei 9/22), a Senhora Desembargadora Relatora não demonstrou igual cuidado na consulta a essa fonte de direito, na medida que ignorou – sem sequer lhe fazer uma singela menção – a alteração efectuada pelo legislador, há poucos meses atrás, através da introdução do artigo 23º, nº 11, do Estatuto do Administrador Judicial.


6ª - Mesmo que se entenda que as duas normas em causa (artigos 23º, nº 11 e 24º, nº 2, do Estatuto do Administrador Judicial) são contraditórias entre si, existem princípios de direito que impõem que, pelo critério cronológico, perante normas da mesma hierarquia prevaleça a de vigência posterior.


7ª – O princípio de “lei posterior derroga lei anterior” está consagrado, desde logo, no artigo 7º, nº 2, do Código Civil.


8ª – Não podia o Tribunal recorrido fazer tábua rasa do princípio da proporcionalidade a que, taxativamente, o artigo 23º, nº 11, do Estatuto dos Administradores Judiciais, apela, até por o mesmo ter consagração na Lei Fundamental (cfr. artigo 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa).


9ª – Uma vez que o ora Recorrente cessou funções nos autos, em Novembro de 2020 e por, em tal data, já estar encerrada a liquidação do ativo levada a cabo pelo mesmo, é a esse administrador judicial que tem que ser atribuída a remuneração variável, como decidiu – meritoriamente – a 1ª instância e não àquele que o veio substituir.


10ª – Sendo o mencionado artigo 23º, nº 11, do Estatuto dos Administradores Judiciais, uma norma recentíssima, compreende-se que apenas seja conhecido sobre o tema o estudo efetuado pelo Meritíssimo Juiz, titular do Juízo de Comércio de ..., Juiz ..., denominado “A remuneração do administrador judicial e sua apreciação depois de 2022”.


11ª – Todavia, a situação a que alude tal reflexão é àquela em que se verifica destituição do administrador judicial - o que a diferencia, manifestamente, do “caso sub judice” – pois não havendo justa causa para a destituição do Recorrente (veja-se que é o próprio Acórdão recorrido que assegura que: “Como já referido, o primitivo AI foi substituído nos termos previstos pelo artigo 53.º, n.º 1 do CIRE (não tendo essa substituição sido motivada por qualquer atitude incorreta ou negligente assumida pelo mesmo no exercício de tais funções.) não é tolerável que este venha a ser penalizado nos honorários que a lei lhe atribui por um mero capricho do credor hipotecário – ou melhor, dos respetivos mandatários – que o quiseram colocar fora do processo, mesmo tendo sido o primitivo Administrador de Insolvência o único responsável pela angariação da totalidade dos fundos depositados na massa insolvente.


12ª – Assim, por maioria de razão, é indubitável que a remuneração variável em causa tem que ser paga – integralmente – “ex vi” da entrada em vigor do artigo 23.º, n.º 11, do Estatuto do Administrador Judicial, ao Recorrente que, subsequentemente a ter liquidado a globalidade do ativo, foi objeto duma mera substituição, em nada tendo contribuído para a mesma e estando assente que não cometeu quaisquer atos censuráveis no decurso do processo, o que impediu a destituição urdida pelo “NOVOBANCO, SA.”.


13ª – Note-se que é o próprio estudo, a que se aludiu na conclusão 10ª, que alerta para a eventual iniquidade (isto é, falta de equidade, injustiça grave ou perversidade, de acordo como Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 5ª Edição) da solução pela qual optou o Tribunal recorrido de reduzir o montante da remuneração variável, com base no artigo 24º, nº 2, do Estatuto do Administrador Judicial.


14ª – É injusta e censurável a decisão do Acórdão recorrido de pretender retribuir com 4/5 da remuneração variável um interveniente processual que em nada contribuiu para conseguir a receita alcançada para a massa insolvente, deixando 1/5 da mesma para quem, na verdade, liquidou o ativo que apreendeu à insolvente, sendo certo que essa decisão viola – de modo flagrante – o disposto no artigo 23º, nº 11, do Estatuto do Administrador Judicial.


15ª – Ao não ter sido aplicado a estes autos o artigo 23º, nº 11, do Estatuto do Administrador Judicial, introduzido pelos artigos 5º e 10º, nº 1, da Lei 9/22, de 11 de Janeiro, torna-se indispensável revogar o Acórdão impugnado e manter o despacho proferido na 1ª instância.

2. Foram apresentadas contra-alegações, para além do mais, pugnando pela inadmissibilidade do recurso interposto.

3. Na resposta apresentada ao abrigo do disposto no art.º 655, n.º 2, do CPC, o Recorrente alegou que no último parágrafo do requerimento que acompanhou as alegações ora do Recorrente verifica-se a previsão do art.º 14, n.º1, in fine do CIRE, uma vez que a divergência jurisprudencial que decorre do facto de terem sido proferidos Acórdãos por tribunais superiores que se encontram em franca oposição com o Acórdão recorrido é desde logo admitida por este último que até ilustra com o Aresto do Tribunal da Relação do Porto de 20 de Setembro de 2011, nota de rodapé, n.º 27, por sua vez a matéria em causa assume contornos de inegável relevância jurídica, o que o coloca sob a égide da revista excecional que tem consagração no art.º 672, n.º 1, a), do CPC, estando reunidos os pressupostos para tanto, nos termos do n.º 3, da mesma disposição legal.


3.4. O recurso não foi admitido, por a invocada contradição jurisprudencial não se mostrar devidamente enunciada, conforme o disposto no n.º 1 do art.º 14 do CIRE, com a mera indicação do acórdão tão só no corpo das alegações, nem o mesmo se mostrar junto.


4. O Recorrente/reclamante, não concordando com essa decisão veio formular a presente reclamação, alegando:


Verificam-se os requisitos para o recurso ser admitido uma vez que:


(i) Não há dupla conforme, em face do teor das decisões das duas instâncias anteriores (cfr. artigo 671º, nº 3, do C.P.C.);


(ii) Permitem-no o valor da causa e o valor da sucumbência (cfr. artigo 629º, nº 1, do C.P.C.);


(iii) Sendo a revista uma só, encontram-se reunidos os pressupostos quer do recurso pela via ordinária da lei especial (cfr. artigo 14º, nº 1, do C.I.R.E.), quer por força do estabelecido pelo artigo 629º, nº 2, alínea d), do C.P.C. e, caso assim não se entendesse, sempre se devia convolar o recurso como de revista excecional (cfr. artigo 672º, nº 1, alíneas a) e c), do C.P.C.), dado se verificarem dois dos requisitos desse preceito legal;


Acresce que há que salvaguardar, “maxime”, o direito ao recurso do Reclamante que tem de ser assegurado - em um grau - na exata medida em que não viu apreciado o recurso que interpôs do Acórdão que impugnou (já que, obviamente, não recorreu do despacho de 1ª instância), donde resulta que, sem prejuízo do Supremo Tribunal de Justiça ser o terceiro grau de jurisdição, para aquele, no caso concreto, não o é.


Vejamos a factualidade que decorre dos autos e o correspondente enquadramento jurídico:


1 – Em 27 de Janeiro de 2022, o ora Reclamante foi notificado da douta decisão proferida pela Senhora Juiz de 1ª instância na qual se deixou consignado o seguinte:


“Importa fixar a remuneração variável do Administrador da Insolvência, nos termos do disposto no art.º 23.º, da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, e Portaria n.º 5172005, de 20 de janeiro. (…)


Assim, fixa-se a remuneração variável do Administrador da Insolvência responsável pelos atos de liquidação da massa insolvente, Dr. AA, em € 64.980,61 (sessenta e quatro mil novecentos e oitenta euros e sessenta e um cêntimos), montante a suportar pela massa insolvente.”


2 – Tendo tal despacho sido objeto de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, este, em 7 de Julho de 2022, proferiu Acórdão no qual, no último ponto do respetivo sumário, ficou exarado que: “III – O montante que resultar apurado para efeito de remuneração variável do administrador substituído, deverá ser reduzida a um quinto, nos moldes consignados pela parte final do nº 2 do artigo 24.º da Lei n.º 22/2013.”


3 – O que se extrai, desde logo, dessas duas decisões judiciais, em sentidos opostos, é que invocam preceitos legais distintos para as fundamentar, pelo que se torna imperioso, além de dar por integralmente verificada a previsão do artigo 674º, nº 1, alínea a), do C.P.C., analisar, antes de mais, o que estabelece cada um deles.


4 – Atente-se, pois, no que dispõe o artigo 23º, nº 11, da Lei 22/2013 (que é o Estatuto dos Administradores Judiciais, daqui em diante, E.A.J.), a qual vigora no ordenamento jurídico português, desde 12 de Abril de 2022, tendo a mencionada norma sido publicada no artigo 5º, da Lei 9/22, de 11 de Janeiro de 2022:


No caso de o administrador judicial cessar funções antes do encerramento do processo, a remuneração variável é calculada proporcionalmente ao resultado da liquidação naquela data.”


5 – Acontece, também, que o artigo 10º, nº 1, da Lei 9/22, determina que:


Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a presente lei é imediatamente aplicável aos processos pendentes na data da sua entrada em vigor.”


6 – Atente-se, ainda, no preceituado pelo artigo 24º, nº 2, do E.A.J.:


O administrador da insolvência nomeado pelo juiz que for substituído pelos credores, nos termos do nº 1 do artigo 53º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, tem direito a receber, para além da remuneração determinada em função dos atos por si praticados, remuneração variável, em função do resultado da recuperação do devedor, ou do produto percebido pela massa insolvente fruto das diligências por si efetuadas, proporcionalmente ao montante total apurado para satisfação de créditos recuperados, sendo o valor assim calculado reduzido a um quinto.”


7 – A consequência da aplicação da norma indicada no número que antecede aos presentes autos é a de o Administrador de Insolvência em funções – pese embora não tenha procedido à liquidação de nenhum ativo – vir a receber 4/5 da remuneração variável, ou seja, o valor de € 51.984,49, sobrando 1/5 desse montante, ou seja, € 12.996,12, para o administrador judicial que, efetivamente, levou a cabo a alienação dos imóveis em causa.


8 – Assim, no modesto entendimento do Reclamante, torna-se crucial que o Mais Alto Tribunal se pronuncie sobre a seguinte questão, a qual se pode incluir no âmbito do recurso de revista de cariz excecional (cfr. artigo 672º, nº 1, alínea a), do C.P.C.):


A eventualidade do teor dos artigos 23º, nº 11 e 24º, nº 2, do Estatuto dos Administradores Judiciais, nas quais se basearam as decisões judiciais dos dois graus anteriores, constituírem uma situação de verdadeiro conflito de normas e qual delas deve prevalecer no caso em apreço.


9 – Ora, se é indubitável que o Acórdão impugnado se absteve de fazer menção – por mínima que fosse – ao artigo 23º, nº 11, do E.A.J., o certo é que esse hipotético conflito foi abordado no único Estudo conhecido sobre o tema (junto às Alegações do ora Reclamante) tendo-se nele alertado para a putativa iniquidade da solução de redução do montante da remuneração variável, à luz do artigo 24º, nº 2, do E.A.J.


10 – Perante o que atrás fica exposto, o Reclamante entende que não assiste razão à Senhora Juiz Desembargadora Relatora para não admitir o recurso de revista interposto.


11 – Desde logo, mal se compreende o despacho impugnado na parte em que confere um alcance interpretativo ao artigo 14º, nº 1, do C.I.R.E., que não levou em consideração o elemento racional da norma, tal como o mesmo tem vindo a ser realçado pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a qual se ilustra com o Acórdão, de 13 de Novembro de 2014, proferido no âmbito do Proc. n.º 1444/08.5TBAMT-A.P1.S1, relatado pelo Senhor Juiz Conselheiro, Pinto de Almeida, disponível em www.dgsi.pt, cujo seguinte trecho se aproveita para citar:


“É sabido que o regime instituído no citado art. 14º nºs 1 e 2 se justifica por uma manifesta preocupação de celeridade processual (cfr. carácter urgente consagrado no art. 9º); a limitação do direito de recurso consagrada no nº 1 funda-se também na declarada necessidade de rápida estabilização das decisões judiciais (cfr. ponto 16 do Preâmbulo do DL 53/2005, de 18/3).


Neste âmbito, certamente que o legislador terá sido mais sensível à exigência de uma célere definição da situação de insolvência que estiver em questão; assim se explica o regime restritivo previsto no art. 14º, nº 1, limitado ao processo de insolvência e aos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, ou seja, os processos em que está em causa tal definição.”


12 - Ora, bem se vê que, tendo a liquidação integral do ativo sido realizada pelo Administrador de Insolvência substituído, há mais de seis anos atrás, o mencionado fim, de celeridade processual, visado pelo legislador com a introdução de tal norma se esfumou.


13 – Sucede que é verdade que o Reclamante recorreu do Acórdão impugnado, ao abrigo do disposto no artigo 14º, nº 1, “in fine”, do C.I.R.E. e, subsidiariamente, dos artigos 629º, nº 1 e 671º, nº 1, do C.P.C., na medida em que existem Arestos de tribunais superiores com decisões divergentes sobre situações idênticas ao do caso “sub judice”, os quais, aliás, aquele reconhece e identifica (do Tribunal da Relação do Porto, de 20 de Setembro de 2011, que serve como Acórdão fundamento).


14 – Vejamos, a propósito, o que decidiu esse Aresto, do Tribunal da Relação do Porto, relatado pelo Venerando Juiz Desembargador João Proença, proferido no âmbito do Proc. 153/06.4TBSTS-E.P1, disponível em www.dgsi.pt e que o Acórdão recorrido teve o cuidado de transcrever, através da citação da parte final do respetivo sumário:


“IV – Há, no entanto, um pressuposto essencial, implícito no próprio conceito de remuneração: que o montante apurado para a massa insolvente corresponda ao produto da venda de bens por si apreendidos ou que, de todo o modo, tenha sido determinado em função de atos por ele praticados.”


15 – Conclui-se, pois, que em face da oposição entre o Acórdão recorrido e aquele que se designa como Acórdão fundamento, não restava outra possibilidade ao ora Reclamante que não fosse interpor o competente recurso de revista.


16 – Insurge-se o despacho recorrido por “… o recorrente não identificou expressamente qual a espécie de revista que interpõe (…)”, mas sucede que o mesmo acompanha o que defende o Venerando Juiz Desembargador, Luís Brites Lameiras, na nota 5 ao artigo “Recurso excecional de revista”, publicado em 6 de Abril de 2019, suscetível de consulta em www.direitoemdia.pt: “ (…) esta terminologia (revista excecional e revista normal), embora operativa como método de trabalho, não é rigorosa e é equívoca, posto que a revista é apenas uma, não há duas (excecional e normal). O que há são duas realidades distintas: o recurso de revista, por um lado, e, por outro, um mecanismo específico de acesso ao STJ, pensado para certos casos de irrecorribilidade, que permite que excecionalmente se possa aceder ao recurso de revista.”


17 – No mesmo parágrafo, o despacho que vai ser alvo de escrutínio acrescenta que “… dúvidas inexistem de se tratar de um recurso ordinário de revista, conclusão que se impõe extrair face às normas invocadas – artigos 671.º, n.º 1 e 672.º, n.º 1, al. a).”, no entanto, entende-se ser tal conclusão precipitada uma vez que é inquestionável o facto do Reclamante se ter reportado, logo no requerimento que acompanhou as Alegações, à existência dos requisitos exigidos pela revista excecional.


18 – Pois que de outra forma se pode justificar a seguinte asserção:


“ (…) tem de se concluir pela necessidade premente do Supremo Tribunal de Justiça dirimir sobre a existência dum eventual conflito de normas, em concreto, do artigo 23º, nº 11 e do artigo 24º, nº 2, ambos da Lei 22/2013, atenta a relevância jurídica da questão até para uma melhor aplicação do direito, no futuro, a casos semelhantes que, por certo, vão acontecer.”


19 – Recorde-se que é o próprio despacho impugnado que reconhece que:


Apenas na sequência do despacho proferido por esta Relação para que exercesse o contraditório quanto à (in)admissibilidade do recurso (questão expressamente suscitada em sede de contra-alegações), é que veio referir, estarem preenchidos os requisitos da revista excecional.”


20 - Assim, aquilo que se deduz das Alegações do aqui Reclamante, bem como do requerimento que as acompanhou, é que, sendo a revista uma só, considera ser viável a revista ordinária, bem como, a título cumulativo ou subsidiário, da revista excecional dado estarem reunidos os respetivos requisitos.


21 – O que se infere da análise às decisões da Formação a que faz referência o artigo 672º, nº 3, do C.P.C., é que os pressupostos do nº 1, alínea a), do mesmo artigo, se devem considerar verificados perante situações (i) de particular complexidade, (ii) em que ocorram divergências significativas na jurisprudência ou (iii) que assumam características inéditas (no caso, fruto da entrada em vigor, há seis meses, da Lei 9/22), as quais (iv) fundamentam a superior intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, a fim de diminuir as discordâncias e contribuir para mais ampla uniformização da jurisprudência.


22 – Por fim, no que respeita à aplicação da lei no tempo, é forçoso concluir-se que, ao se consubstanciar a remuneração variável do administrador judicial num ato processual, o qual se destina a pagar o trabalho desenvolvido por este durante o período em que exerceu funções, recai sobre tal ato a regra de aplicação imediata da lei nova, consagrada no artigo 12º, nº 1, 1ª parte, do Código Civil.


23 – O que constitui um motivo adicional para que não subsista na ordem jurídica o Acórdão recorrido por ter apreciado o “caso sub judice” sem atender ao que prescreve a lei nova, isto é, a Lei nº 9/22, de 11 de Janeiro, nos respetivos artigos 5º (que introduz o nº 11 ao artigo 23º, do E.A.J.) e 10º, nº 2, optando por lhe aplicar aquela que é a norma antiga, ou seja, o artigo 24º, nº 2, do E.A.J.


4.1. Foi indeferida a reclamação deduzida.


4.2. O Reclamante veio requerer que sobre a decisão recaia Acórdão, com os seguintes fundamentos:


A- Questão prévia


1.º Compulsados os autos, através da plataforma “Citius” verifica-se que em 4 de janeiro de 2023, o Supremo Tribunal de Justiça pediu à 1.ª instância que lhe facultasse o acesso a estes autos.


2.º E, em 16 de Janeiro de 2023, o mesmo foi-lhe disponibilizado.


3.º Sucede que a Decisão Singular que ora se coloca em crise, foi proferida dois dias depois, ou seja, 18 de janeiro de 2023.


4.º Não cabe ao Recorrente avaliar se 48 horas é muito ou pouco tempo para que o tribunal superior decida – ponderada toda a factualidade em causa, assim como o direito aplicável – a questão em apreço, no entanto, analisado desde logo, o ponto n.º1 da Decisão Singular, conclui-se que esse lapso de tempo não foi suficiente na medida em que o mesmo padece de erro manifesto já que nele se lê o seguinte:


“1. 1. AA, Administrador de insolvência (substituído) nos autos de insolvência da Q..., SA., inconformado com o despacho de 27.01.2022, que lhe fixou a remuneração variável pelos atos de liquidação da massa insolvente, no montante de 64.980,61€, veio interpor recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa (…)”


5.º Acontece que tal afirmação causou – desconhece-se outra forma de o expressar – estupefação pois não foi isso que se passou: o aqui Recorrente e primitivo Administrador de Insolvência aceitou a douta decisão tomada pela 1ª instância, uma vez que a mesma obedece ao disposto no artigo 23º, nº 11, do Estatuto do Administrador Judicial, com a redação que lhe foi conferida pelo artigo 5º, da Lei 9/22, de 11 de Janeiro.


6.º Quem recorreu do despacho de 1ª instância para o Tribunal da Relação de Lisboa não foi o Administrador de Insolvência que liquidou a totalidade do ativo apreendido à insolvente, mas antes o Administrador de Insolvência que o substituiu e que irá beneficiar do trabalho desenvolvido por quem o antecedeu no cargo.


7.º Nessa sequência, ao ler-se o ponto 2, da Decisão Singular, deteta-se reincidência no erro, dado a asserção abaixo indicada se encontrar em absoluta dissonância com a tramitação processual:


2. Novamente inconformado, veio o Recorrente interpor recurso de revista (…)”


8.º Ao invés, o que decorre da realidade é que só então - e por força do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa revogar a decisão do Tribunal de 1ª instância – o Recorrente veio interpor recurso de tal Acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça.


9.º A ideia veiculada pela leitura dos pontos 1 e 2 da Decisão Singular é que o Recorrente, qual interveniente processual afetado por “psicose litigante”, interpôs recurso das decisões tomadas pelos dois graus anteriores quando essa ideia não corresponde à verdade dado que apenas recorreu numa única ocasião e mesmo exercício desse direito que lhe assiste está a ser-lhe negado …


B – Da Reclamação para a Conferência


10.º É sobejamente reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência que o fim da denominada dupla conforme é evitar a sindicância das decisões da segunda instância, mas, caso se venham a acrescer a tais situações aquelas – como no caso em apreço – em que as decisões das duas primeiras instâncias são divergentes, então, salvo melhor entendimento, o que se está – implicitamente – é a abolir o acesso ao terceiro grau de jurisdição, o que se torna inaceitável na medida em que o recurso a este é um direito conferido ao cidadão que não lhe pode ser cerceado de modo discricionário.


11.º Acresce que, pela Decisão Singular, o Recorrente vê o seu direito constitucional de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva negado pelo simples facto de não ter indicado o Acórdão fundamento, junto cópia do mesmo e ter apontado as contradições existentes entre o Acórdão fundamento e o Acórdão recorrido.


12.º Com o devido respeito, o Recorrente nas suas alegações de recurso de revista indicou que o Aresto em crise se encontrava em oposição com outros Acórdãos de tribunais superiores, invocado para o efeito o Acórdão da Relação do Porto de 20 de Setembro de 2011, identificado no Acórdão recorrido a páginas 21 e 22, como se alcança da nota de rodapé nº27 e do segmento daquela decisão ali vertido.


13.º A indicação do Acórdão fundamento também foi feito no requerimento de 13.10.2022, com a referência 43548675, em resposta ao despacho proferido pela Exma. Sra. Relatora Desembargadora para o Recorrente se pronunciar da admissibilidade do recurso para Supremo Tribunal de Justiça, veja-se o ponto 4 dessa peça processual.


14.º Logo, o Recorrente cumpriu com a indicação do Acórdão fundamento.


15.º As contradições dos Acórdão também estão evidenciadas nas alegações de recurso, por referência ao Acórdão recorrido e ao Acórdão fundamento indicado, sendo a divergência jurisprudencial em causa é saber se o Administrador de Insolvência quando substituído, e quanto à liquidação do ativo realizada, deve receber, a título de remuneração variável, 1/5 do total do valor apurado, ou, se tem direito a receber a remuneração que corresponda ao produto da venda dos bens apreendidos pelo Recorrente ou que, de todo o modo, seja determinada em função de atos por este praticados, como se decidiu no Acórdão da Relação do Porto de 2011, proferido no processo nº153/06.4TBSTS-E.P1, em que foi relator João Proença.


16.º Por fim, a falta de junção do Acórdão de fundamento também não é impedimento para o recurso não ser admitido, bastando para tal o Supremo Tribunal de Justiça convidar o Recorrente para fazer a sua junção, aliás, na esteira do que tem sido decidido, quer pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão nº620/2013, disponível in www.tribunalconstitucional.pt, quer pela jurisprudência do Mais Alto Tribunal, como decorre, a título exemplificativo do Acórdão de 29 de Setembro de 2020, proferido no processo nº267/14.7TBOAZ-P1-S1, em que foi relatora Ana Paula Boularot, disponível in www.dgsi.pt


Em face do que atrás se deixa consignado,


Entende o Recorrente que a Decisão Singular deve ser objeto de um Acórdão, levando-se os autos à conferência, a qual também deve apreciar a questão prévia aqui suscitada, o que, de harmonia com o disposto nos artigos 679º e 652º, nºs 3 e 4, ambos do C.P.C., se vem requerer.


4.3. Foi apresentada resposta, concluindo pela manifesta falta de fundamento da reclamação.


5. Cumpre apreciar.


BENQUADRAMENTO JURÍDICO

1. Da questão prévia.


Do relatado pelo Reclamante, divisa-se, até porque o mesmo não o contraria, que entendeu, de forma completa a Decisão Singular proferida, não tendo tal perceção sido coartada por lapso de escrita, no relatório, pelo que nada mais importa referir.


Quanto ao demais, como não questão, por despiciendo e despropositado, não suscita por parte deste Tribunal que sejam tecidas quaisquer considerações.

2. Da Reclamação.

1. Na Decisão singular que indeferiu a reclamação deduzida, consignou-se:


Em termos breves, o procedimento previsto no art.º 643, do CPC, consubstancia-se num mecanismo legal de reação à não admissão de um recurso, tendo assim por finalidade, única, a alteração do decidido quanto à inadmissibilidade do recurso, em termos de indeferimento, não cabendo no seu âmbito o conhecimento de questões que extravasam os fundamentos nos quais a decisão reclamada fundou o juízo formulado, importando necessariamente a motivação com os fundamentos que na perspetiva do reclamante devem determinar a revogação do despacho, e desse modo a admissão do recurso.


Nos presentes autos, em termos que o Reclamante não enjeita, estamos perante o regime de recursos restrito, previsto no art.º 14, n.º1, do CIRE, que exclui de forma expressa e clara a admissibilidade de recurso de revista dos acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação, estando em causa o processo de insolvência assim como os embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, salvo se for verificada oposição de julgados.


Tem merecido consenso que a admissibilidade da revista prevista no art.º 14, do CIRE, pressupõe que seja demonstrado pelo recorrente que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das Relações ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito, não tendo sido fixada pelo Supremo jurisprudência com ele conforme, exige também que se mostrem verificados os pressupostos gerais de admissão dos recursos previstos no art.º 629, n.º 1, do CPC, que se configuram como verificados no caso dos autos.


A oposição de acórdãos pressupõe que o acórdão recorrido esteja em contradição com algum acórdão anteriormente proferido pela Relação (ou STJ), o denominado acórdão fundamento, tendo ambos os acórdãos sido proferidos no domínio da mesma legislação, e sobre a mesma questão fundamental de direito1, no sentido neste último caso, que se revele essencial para a resolução do litígio em ambos os processos, sendo consequentemente irrelevantes questões marginais ou que se reportem a argumentos sem valor determinante para a decisão emitida2.


Haverá assim oposição/contradição de acórdãos relativa à mesma questão fundamental de direito, “quando a mesma disposição legal se mostre, num e noutro, interpretada e/ou aplicada em termos opostos, havendo identidade da situação de facto subjacente a essa aplicação”3, ou, isto é, quando o núcleo da situação de facto, à luz da norma é idêntico, havendo conflito jurisprudencial se os mesmos preceitos são interpretados e aplicados a enquadramentos factuais idênticos4.


A contradição deve ser frontal, e não implícita, não bastando que se tenha abordado o mesmo instituto, pressupondo que a subsunção jurídica realizada em quaisquer das decisões tenha operado sobre o mesmo núcleo factual, sem ser atribuída relevância a elementos de natureza acessória, sublinhando, que tendo o recurso sido admitido com o único fundamento de contradição jurisprudencial, e desse modo como objetivo reapreciar o acórdão recorrido a partir da resposta que seja dada à apontada questão essencial de direito, não podem ser abordadas outras questões5.


Em suma, a oposição relevante em termos de admissibilidade de recurso pressupõe que as situações versadas no acórdão fundamento e no acórdão recorrido, analisadas e confrontadas no plano factual ou material, sejam rigorosamente equiparáveis quanto ao seu núcleo essencial, que determine a aplicação em cada um do mesmo regime legal, de modo direto conflituantes, com soluções de direito opostas e como tal inconciliáveis, e em conformidade contraditórias.


Neste quadro delineado, avulta desde logo que não foi indicado o Acórdão fundamento, não se compadecendo o regime legal com o reporte a referências jurisprudenciais que possam ter sido efetuadas em sede do Acórdão recorrido, ou no âmbito de contra-alegações, nem se mostrando junta cópia, ainda que não certificada do acórdão fundamento, o que desde logo determinava a rejeição do recurso, art.º 638, n.º2, do CPC, e certamente não menos relevante, o exercício do apontamento das contradições existentes que permitisse a sua verificação aquando da admissibilidade da revista, mostrando-se assim afastada a respetiva admissão.


Na sequência do mencionado não se mostram reunidos os pressupostos de admissão de uma revista, dita normal, até por não invocada nem demonstrada qualquer uma das situações elencadas nas alíneas a) a c) do nº 2 do art.º 629, do CPC, em que o recurso é sempre admissível.


Por último, quando ao pretendido acolhimento da pretensão de recurso de revista extraordinária, resulta do já enunciado regime, a não verificação dos requisitos para tanto, pois não se está num caso passível de ser enquadrado no n.º1, do art.º 671, do CPC, quanto à admissão da revista, que por ocorrência da existência de dupla conforme, n.º3 da mesma disposição legal, ainda assim poderia vir a ser apreciado, se existisse alguma dos pressupostos do n.º1, do art.º 672, a ponderar pela Formação, n.º3, ainda do art.º 672.


Nestes termos, e pelo exposto, indefere-se a reclamação deduzida.”

2. Não se vislumbra que não sejam de atender as razões vertidas no Despacho impugnado pelo Reclamante, como fundamento da inadmissibilidade do recurso de revista (normal ou excecional) interposto pelo mesmo, desde logo até porque não são aduzidas quaisquer novas razões, no estrito âmbito do conhecimento da reclamação, reiterando ter cumprido o ónus que sobre si recaia no que concerne à existência do acórdão fundamento e a decorrente oposição de julgados, apreciadas na aludida Decisão Reclamada.


Diga-se que a menção a um possível convite a efetuar por este Tribunal, para a junção do acórdão fundamento, sempre seria manifestamente intempestiva, para além de, por si só, como se explanou, não suprir a insuficiência de alegação quanto à oposição exigível, já amplamente referenciada.


Com efeito, se visado o princípio da cooperação, que conjuntamente com outros princípios, como o de boa-fé processual, mas também o dever de recíproca correção, devem pautar as relações jurídico-processuais, o certo é que os mesmos não afastam o princípio do dispositivo e da autorresponsabilização das partes, em termos da formulação das suas pretensões em juízo, e dos respetivos ónus que sobre as mesmas possam impender.


De qualquer forma, no que ao caso sob análise diz respeito, o Reclamante foi tempestivamente alertado após a interposição do recurso, no exercício do contraditório face à então logo questionada sua admissibilidade, ainda em sede do Tribunal da Relação, tendo optado por manter a posição, que ainda agora defende na presente impugnação, e assim sibi imputet.


Por último, quanto a um possível afloramento de uma violação ao direito constitucional de acesso ao direito e tutela jurisdicional, art.º 20, do CRP, mostra-se consensual a Jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal de Justiça, no sentido que o legislador tem um “amplo poder de conformação na concreta modelação processual6, competindo ao julgador, assim, aferir dos pressupostos de admissibilidade do recurso, com vista ao conhecimento do seu objeto, que necessariamente terão de ser observados pelas partes.


Pelo exposto, decide-se indeferir o pedido de impugnação da Decisão singular que indeferiu a reclamação apresentada, confirmando-a nos precisos termos.


Custas pelo Reclamante, com três UCs de taxa de Justiça.



Lisboa, 15 de março de 2023


Ana Resende (Relatora)

Maria José Mouro

Maria Amélia Ribeiro





Sumário (art.º 663, n.º 7, do CPC):


___________________________________________________

1. “A contradição ou oposição de julgados há de determinar-se atendendo a dois elementos: a semelhança entre as situações de facto e a dissemelhança entre os resultado da interpretação e/ou da integração das disposições legais relevantes em face das situações de facto consideradas, in Ac do STJ de 14.09.2021, processo n.º 380/20.0T8ESP.P1.S1., www.dgsi.pt.↩︎

2. Cf. Ac. do STJ de 14.07.2021, processo n.º 12889/20.9T8PRT-A.P1.S1, referenciando Jurisprudência do STJ nesse sentido, in www.dgsi.pt.↩︎

3. Cf. Ac. STJ de 12.01.2021, processo n.º 817/16.4T8FLG.P1.SA-A, in www.dgsi.pt.↩︎

4. Cf. Ac STJ de 9.03.2021, processo n.º 4359/19.8T8VNF.G1.S1, apud Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8.ª edição, pág. 116/117, in www.dgsi.pt.↩︎

5. Cf. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª edição, pág. 76/77.↩︎

6. Ac. STJ de 17.11.2021, processo n.º 9561/19.0T8VNG.P1.S1, in www.dgsi.pt.↩︎