Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
18/06.GAVCT.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA MENDES
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
MATÉRIA DE FACTO
PERDA DE BENS A FAVOR DO ESTADO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/20/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Legislação Nacional: DL 15/93, DE 22-01: ARTIGO 25º, LEI 5/02, DE 11-01 (ALTERADA PELA LEI 19/08, DE 21-04): ARTIGO 7.º
Sumário :
I - O crime de tráfico de menor gravidade, previsto no art. 25.º do DL 15/93, de 22-01, como a sua própria denominação legal sugere, caracteriza-se por constituir um minus relativamente ao crime matricial, previsto no art. 21.º do diploma citado.
II - Trata-se de um facto típico cujo elemento distintivo do crime tipo reside, apenas, na diminuição da ilicitude do facto, redução que o legislador impõe seja considerável, indicando como factores aferidores de menorização da ilicitude do facto, a título meramente exemplificativo, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção e a qualidade ou quantidade das plantas substâncias ou preparações. É, pois, a partir do tipo fundamental, concretamente da ilicitude nele pressuposta, que se deve aferir se uma qualquer situação de tráfico se deve ou não qualificar como de menor gravidade. Tal aferição, consabido que a ilicitude do facto se revela, essencialmente, no seu segmento objectivo, com destaque para o desvalor da acção e do resultado, deverá ser feita a partir de todas as circunstâncias que, em concreto, se revelem e sejam susceptíveis de aumentar ou diminuir a quantidade do ilícito, quer do ponto de vista da acção, quer do ponto de vista do resultado.
III - Assim e para além das circunstâncias atinentes aos factores de aferição da ilicitude indicados no texto do art. 25.º, há que ter em conta todas as demais circunstâncias susceptíveis de interferir na graduação da gravidade do facto, designadamente as que traduzam uma menor perigosidade da acção e/ou desvalor do resultado, em que a ofensa ou o perigo de ofensa aos bens jurídicos protegidos se mostre significativamente atenuado, sendo certo que para a subsunção de um comportamento delituoso (tráfico) ao tipo privilegiado do citado art. 25.º, como vem defendendo o STJ, torna-se necessária a valorização global do facto, tendo presente que o legislador quis aqui incluir os casos de menor gravidade, ou seja, aqueles casos que ficam aquém da gravidade justificativa do crime tipo, o que tanto pode decorrer da verificação de circunstâncias que, global e conjugadamente sopesadas, se tenham por consideravelmente diminuidoras da ilicitude do facto, como da não ocorrência daquelas circunstâncias que o legislador pressupôs se verificarem habitualmente nos comportamentos e actividades e contemplados no crime tipo, isto é, que aumentam a quantidade do ilícito colocando-o ao nível ou grau exigível para a integração da norma que prevê e pune o crime tipo.
IV - Estando provado que:
- desde o ano de 2006 o arguido juntamente com outro, se dedicava à venda de doses de heroína e cocaína a terceiros, no acampamento em que viviam, destinando-se o numerário obtido ao sustento da família;
- pelo menos, até ao dia 3 de Agosto de 2007, o arguido preparava doses individuais de heroína e de cocaína, que acondicionou em saquetas de plástico, as quais foi vendendo aos vários clientes que para o efeito convergiam para o acampamento, pelo valor de € 10 por unidade;
- durante esse período, o arguido e outro venderam tais doses a vários clientes habituais, bem como a clientes ocasionais, ou a indivíduos por eles transportados nas respectiva viaturas;
- no dia 3 de Agosto de 2007, pelas 18.05h, achavam-se na barraca do arguido setenta e nove embalagens de plástico, que se encontravam acondicionadas num saco de plástico, no interior de uma bolsa de cor preta, colocada sobre uma mesa, contendo um produto em pó, de cor castanha, com o peso líquido de 6,736 g, composto por heroína, substância que se encontra abrangida pela Tabela I-A, anexa ao DL 15/93, de 22-01, bem como três sacos de plástico, no interior de um faqueiro, contendo trinta e seis recortes de plástico, de cor transparente, a fim de serem utilizados no acondicionamento de doses individuais de estupefacientes, tal quadro factual, aponta claramente no sentido de que a sua actividade de tráfico não pode ser subsumida à norma do art. 25.º, do DL 15/93, de 22-01, mas à norma do art. 21.º do diploma legal.
V - O DL 15/93 dispõe de regulamentação própria no que concerne à perda dos instrumenta e producta sceleris, bem como às vantagens e direitos retirados do facto, estabelecendo que as vantagens e os direitos dele decorrentes, bem como os eventuais juros, lucros e outros benefícios obtidos através daqueles, são declarados perdidos a favor do Estado – arts. 35.º a 38.º.
VI - O art. 7.º, da Lei 5/02, de 11-01 (alterada pela Lei 19/08, de 21-04) estabelece uma presunção, aplicável, entre outros, aos crimes de tráfico de estupefacientes, segundo a qual se presume constituir vantagem da actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 18/06.0GAVCT, do 1º Juízo Criminal da comarca de Viana do Castelo, foram condenados os arguidos AA e BB, com os sinais dos autos, nas penas de 6 anos e 6 meses de prisão e 6 anos e 6 meses de prisão e 80 dias de multa à taxa diária de € 10, respectivamente, o primeiro pela co-autoria de um crime de tráfico de estupefacientes, o segundo pela co-autoria de um crime de tráfico de estupefacientes e pela autoria de um crime de condução sem habilitação legal (1).
Os arguidos AA e BB interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
São do seguinte teor as conclusões extraídas das motivações de recurso (2):
AA
1 - A existência do critério de determinação da medida da pena exprime pois, que a fixação do quantum da pena concreto se deve fazer na base da culpa e prevenção, afastando-se assim definitivamente, quer a ideia de que o juiz deve partir do meio da moldura penal do crime para encontrar a pena concreta, quer a dualidade de procedimento, fazendo funcionar as circunstâncias atenuantes e agravantes gerais.
2 - No caso concreto, atento ao circunstancialismo pessoa apurado quanto ao recorrente e descrito nos pontos 5 a 8 do item medida da pena, designadamente, o seu comportamento processual após a detenção, não cometendo qualquer acto ilícito, associado ao apoio familiar de que dispõe, ao facto de desempenhar no mesmo um papel preponderante, sendo o chefe da família. Família numerosa e ainda constituída por três filhos menores com quem matem laços de afectividade muito fortes, pese embora integrado num agregado que vive em condições humildes, a sua conduta tem-se pautado pela adequação às regras sociais não manifestando a comunidade qualquer sentimento de rejeição à sua pessoa.
A segurança social tem acompanhado o percurso do agregado familiar, sendo mesmo apoiado pelos mecanismos sociais que o Estado disponibiliza às pessoas mais carenciadas, beneficiando do R.I.S.
Tal prestação associada ao espírito de inter-ajuda dos restantes elementos que compõem o agregado e que desenvolvem actividade ainda que não com carácter regular de venda ambulante, permitem ao arguido e respectivo agregado viver sem estarem ligados à prática de actos ilícitos.
Na verdade, o tempo decorrido desde a data da prática do facto e o momento da condenação, 23 meses, são elucidativos, de que o arguido após a detenção e pese embora se tenham mantido dificuldades económicas do agregado, não voltou a ter comportamentos desviantes, mantendo uma conduta adequada às regras institucionais e uma dinâmica positiva com a comunidade da área da residência.
O arguido esteve preso preventivamente à ordem destes autos, teve percepção das consequências da sua conduta delituosa, tendo por isso alterado o seu comportamento em sociedade.
Reportando-nos ao momento da decisão, o tribunal teria que ter em conta, a postura que o arguido manteve em audiência de julgamento, confessando os factos com relevância para a descoberta da verdade material, a sua integração familiar e social, e a dimensão da sua conduta delituosa caracterizada por um “tráfico de rua” de pequenas quantidades de droga (pacotes de 10 euros), que não era efectuado diariamente, que não era dotado de capacidade organizativa e que proporcionou ao arguido apenas o suficiente para custear as necessidades básicas do agregado, não tendo sido apurados quaisquer sinais exteriores de riqueza.
Pelo que, face ao supra aduzido, dever-se-ia ter fixado a pena de 4 anos de prisão.
5 - Violou-se o disposto nos arts. 70 e 71 do C.P.
6 - Tudo isto, faz ponderar para que ao arguido seja dada a possibilidade de provar, que a simples ameaça da pena serão suficientes para o afastar da criminalidade, pautando o arguido a sua conduta como adequada às regras institucionais.
As condições familiares e pessoais de que dispõe, aliadas ao seu comportamento posterior à detenção são indicadores, de que não estando isenta de riscos a decisão de suspender a pena anteriormente sugerida na sua execução, assegurará de forma segura, as necessidades de prevenção especial e geral, porque, condicionadas à imposição de regras de conduta (manutenção da actividade laboral e afastamento de pessoas e locais conotados com o tráfico de droga) e sujeição ao regime de prova, nos termos dos arts. 50, 52 e 53 do C.P.
7 - Pelo que, face às razões aduzidas, a pena de 4 anos de prisão, deveria ser suspensa na sua execução por igual período, condicionada à imposição de regras de conduta supra indicadas e a regime de prova.
8 - Violou-se o disposto nos arts.50, 52 e 53 do C.P.
BB
1 - Entende o recorrente dever ser condenado não pelo crime p.p. no artigo 21 mas pelo artigo 25 do DL 15/93 de 22-01, face à factualidade provada de que o arguido detinha nas circunstâncias de tempo, modo e lugar, o produto estupefaciente apreendido, (6,736 gramas de heroína (79 embalagens) e 36 recortes de plásticos próprios para o acondicionamento de produtos estupefacientes), aliadas ao facto de ao longo de um ano de investigação, apenas terem sido vistos esporadicamente alguns consumidores, que não tendo sido interceptados se desconhece, o tipo de droga e quantidade adquirida, os proventos que poderia auferir com a venda do produto apreendido, não serem particularmente elevados, ausência de organização e a não utilização de meios sofisticados para o exercício da actividade ilícita, uso da própria barraca onde residia para a prática dos actos, local onde não foram apreendidas balanças, nem produtos usualmente utilizados no “corte” aliado ao facto de o arguido ter apoio da família, progenitores e companheira, ter mantido após a detenção, um comportamento às regras institucionais, estando a desenvolver a actividade profissional regular e remunerada nas feiras, tal circunstancialismo, - interpretada à luz do espírito do sistema global, tendo presentes as implicações do princípio da proporcionalidade, faria concluir que se está perante uma actividade de tráfico de menor gravidade relativamente à ilicitude típica do Art. 25º do Dec.-Lei 15/93, de 22 de Janeiro. Atento a baixa perigosidade da acção e o reduzido desvalor do resultado.
2 - Violou-se o disposto no artigo 25 do citado diploma legal.
3 - A determinação da medida da pena parte do postulado de que as finalidades de aplicação das penas são, em primeiro lugar, a tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, constituindo a medida da culpa o limite inultrapassável da medida da pena.
4 - Na determinação concreta da medida da pena, o julgador atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele (art. 71 do C.P.), ou seja, as circunstâncias do complexo integral do facto que relevam para a prevenção e para a culpa.
5 - Ponderada a globalidade da matéria factual provada, a conduta do arguido deveria ser subsumível à previsão dos disposto no artigo 25 n.º 1 do D.L. 15/93 de 22-01.
6 - Face aos critérios legais (arts. 70 e 719 o recorrente deveria ser punido atento às razões aduzidas na motivação do recurso interposto, designadamente a quantidade de droga apreendida, número de vendas apuradas e valor auferido, poder-se qualificar-se a sua conduta como mero “vendedor de rua”, a sua condição económica modesta, o apoio familiar de que dispõe, desenvolver actividade profissional regular e o tempo decorrido desde a prática dos factos e a condenação sem que tenha praticado qualquer acto delituoso, associado aos antecedentes criminais de pouco relevo e de natureza diversa, e a sua juventude, tem actualmente, 27 anos, em medida não superior a 3 anos de prisão.
7 - Violou-se o disposto nos arts 70 e 71 do C.P.
8 - Tudo isto, faz ponderar para que ao arguido seja dada a possibilidade de provar, que a simples ameaça da pena serão suficientes para o afastar da criminalidade, pautando o arguido a sua conduta como adequada às regras institucionais.
As condições pessoais e familiares de que dispõe, aliados ao seu comportamento posterior à detenção são indicadores, de que não estando isenta de riscos a decisão de suspender a pena anteriormente sugerida na sua execução, assegurará de forma segura, as necessidades de prevenção especial e geral, porque, condicionadas à imposição de regras de conduta, (manutenção da actividade laboral e afastamento de pessoas e locais conotados com o tráfico de droga) e sujeição a regime de prova, nos termos dos arts. 50, 52 e 53 do C.P.
9 - Pelo que, face às razões aduzidas, a pena de 3 anos de prisão, deveria ser suspensa na sua execução por igual período, condicionada à imposição de regras de conduta supra indicadas e a regime de prova.
10 - Violou-se o disposto nos arts 50, 52 e 53 do C.P.
11 - Sem prescindir, e mesmo entendendo que da conjugação dos factos provados e não provados, a conduta do arguido se subsume ao ilícito p.p. no artigo 21º n.º 1 do DL 15/93 de 22-01, haveria, atento ao circunstancialismo favorável apurado, designadamente, a já referido nos ponto 5 a 7 do item medida da pena da motivação de recurso e reiterado no ponto 6 das conclusões do mesmo, o Tribunal deveria ter aplicado, a pena de 4 anos de prisão, suspendendo-a na sua execução por igual período, atendendo que no caso em apreço, existe um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, sendo que a simples ameaça da pena será suficiente para acautelar as exigências de prevenção especial e geral que o caso concreto aconselha.
Na contra-motivação apresentada o Exm.º Procurador da República pugna pela confirmação da decisão impugnada.
A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no qual se pronuncia no sentido da condenação do arguido BB pela prática do crime de tráfico de menor gravidade, com o fundamento de que o grau de ilicitude dos factos por si cometidos é consideravelmente diminuído, visto que não vivia à custa da venda de produtos estupefacientes e só detinha na sua posse 6, 736 gramas de heroína, entendendo que a pena a cominar deve ser fixada em 3 anos de prisão, com suspensão da sua execução.
Relativamente ao arguido AA é de parecer que a pena aplicada deve ser reduzida para 5 anos de prisão, com o fundamento de que é primário, pena que entende dever ser igualmente suspensa na sua execução.
Suscita ainda questão atinente à perda a favor do Estado das importâncias de € 195,00 e 590,00 apreendidas ao arguido AA e da quantia de € 6. 930,00 apreendida ao arguido BB, sob a alegação de que se não provou a proveniência das mesmas, o que faz incorrer a decisão de perda em nulidade por omissão de pronúncia.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Delimitando o objecto dos recursos, verificamos que o arguido AA impugna a medida da pena, considerando dever ser condenado em 4 anos de prisão suspensa na sua execução, sendo que o arguido BB se insurge, em primeira linha, relativamente à qualificação jurídica dos factos, alegando que os mesmos devem ser subsumidos ao crime do artigo 25º, n.º 1, alínea a), do DL 15/93, de 22 de Janeiro, crime pelo qual entende deve ser condenado na pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução, defendendo, subsidiariamente, a redução da pena que lhe foi imposta para a de 4 anos de prisão, com suspensão da sua execução.
A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta suscita questão atinente à declaração de perdimento a favor do Estado das importâncias de € 195,00 e 590,00 apreendidas ao arguido AA e da quantia de € 6. 930,00 apreendida ao arguido BB, sob a alegação de que não se provou a sua proveniência.
O tribunal colectivo considerou provados os seguintes factos (3)(3) - O texto que a seguir se transcreve corresponde integralmente ao do acórdão impugnado.:
«Desde o ano 2006, os arguidos AA, e o seu filho BB, dedicavam-se à venda de doses de heroína e cocaína a terceiros, no acampamento da Aguieira, sito no Lugar de R…, em Vila Nova de Anha, Viana do Castelo, cujo numerário obtido era destinado ao sustento da família, que integrava a arguida M… J…, esposa do primeiro, e os arguidos J… e A…, para além da esposa do BB.
Uma vez que nenhum dos elementos da família N… M… era titular de carta de condução, o arguido AA contratou o arguido H… G… para, mediante remuneração acordada, transportar aqueles arguidos, designadamente nas deslocações para as feiras, onde exerciam a actividade de vendedores ambulantes.
Em ordem à execução de tais tarefas, o arguido H… G… pernoitava ocasionalmente numa das barracas do acampamento.
Pelo menos, até ao dia 3 de Agosto de 2007, os arguidos AA e BB, prepararam doses individuais de heroína e cocaína, que acondicionaram em saquetas de plástico, as quais foram vendendo aos vários clientes que para o efeito convergiam para o acampamento, pelo valor de € 10,00 por unidade.
Durante esse período venderam tais doses a vários clientes habituais, bem como a clientes ocasionais, ou a indivíduos por eles transportados nas respectivas viaturas, nomeadamente, a:
- A… J… C… R…;
- C… A… da S… M…;
- I… J… de P… M…;
- P… A… R… E…;
- A… J… A… da S…;
- R… M… M… M…;
- S… M… C… F…;
- F… A… F… P… F…;
- M… da A… T…;
- S… M… M… B… da S…; e,
- A… M… N…;
No dia 4 de Maio de 2007, pelas 14,20 horas, C… A… da S… M… e a sua companheira, I… J… de P… M…, deslocaram-se ao acampamento, no veículo automóvel de matrícula SF-…-…, tendo um dos arguidos vendido e entregue àquela duas porções de heroína, pelo montante de € 20,00, em numerário, que receberam das mãos da mesma.
No dia 4 de Maio de 2007, pelas 19,05 horas, Alexandre Joaquim Azevedo da Silva, acompanhado de Ricardo Manuel Malheiro Martins, deslocou-se ao acampamento, no seu veículo automóvel de matrícula …-…-GN, altura em que este último se dirigiu à barraca de AA, a quem adquiriu e de cujas mãos recebeu uma porção de heroína e uma porção de cocaína, como contrapartida do montante de € 20,00, em numerário que entregou a este.
No dia 16 de Julho de 2007, pelas 17,52 horas, H… D… da C… G… deslocou-se ao acampamento, no seu veículo automóvel de matrícula …-…-HH, tendo-se dirigido à barraca de AA, onde adquiriu duas porções de cocaína, pelo montante de € 20,00, em numerário.
No dia 19 de Julho de 2007, pelas 17,10 horas, P… A… R… E…, acompanhado de um amigo, deslocou-se ao acampamento, no veículo automóvel de matrícula QO-…-…, tendo este último abordado os arguidos BB e AA, a quem adquiriu heroína.
No dia 19 de Julho de 2007, pelas 18,05 horas, S… M… C… F…, acompanhado de um amigo, deslocou-se ao acampamento, no veículo automóvel de matrícula …-…-OE, o segundo contactou uma mulher de etnia cigana, que não foi possível identificar, tendo-se dirigido depois à barraca do arguido AA, onde adquiriu uma porção de estupefaciente, como contrapartida do montante de € 10,00, em numerário.
No dia 3 de Agosto de 2007, pelas 18,05 horas, na sequência de uma busca efectuada, foram encontrados na barraca do arguido AA, entre outros objectos:
- no compartimento que serve de cozinha e quarto:
1- sobre uma mesa situada junto da entrada:
a) sessenta e duas embalagens de plástico, no interior de uma bolsa de cor castanha, contendo um produto em pó, de cor branca, com o peso líquido de 4,283 g, composto por cocaína, substância que se encontra abrangida pela Tabela I-B, anexa ao DL 15/93, de 22 de Janeiro;
b) duas embalagens de plástico, contendo um produto em pó, de cor branca, com o peso líquido de 0,150 g, composto por cocaína, substância que se encontra abrangida pela Tabela I-B, anexa ao DL 15/93, de 22 de Janeiro;
c) três embalagens de plástico, no interior de uma bolsa, contendo um produto em pó, de cor castanha, com o peso líquido de 20,373 g, composto por heroína, substância que se encontra abrangida pela Tabela I-A, anexa ao DL 15/93, de 22 de Janeiro;
d) duas embalagens de plástico, no interior de uma bolsa, contendo um produto em pó, de cor branca, com o peso líquido de 15,914 g, composto por cocaína, substância que se encontra abrangida pela Tabela I-B, anexa ao DL 15/93, de 22 de Janeiro;
e) uma porção de um produto em pó, de cor branca, sobre um prato, com o peso líquido de 0,647 g, composto por cocaína, substância que se encontra abrangida pela Tabela I-B, anexa ao DL 15/93, de 22 de Janeiro;
f) uma bolsa, de cor azul, contendo € 195,00, em notas do Banco Central Europeu;
g) uma bolsa, de cor preta, contendo € 590,00, em notas do Banco Central Europeu;
h) um saco de plástico, de cor preta, contendo vários sacos de plástico, de cor transparente, a fim de serem recortados em várias partes para acondicionamento de doses individuais de estupefacientes;
i) vários recortes de plástico, de cor transparente, a fim de serem utilizados no acondicionamento de doses individuais de estupefacientes;
j) uma faca, com lâmina de 16,5 cm de comprimento, com resíduos de cocaína;
2- várias peças de ouro, com o peso de 29,4 g, no interior de uma bolsa da arguida M.. M…, que se encontrava no interior de um armário da cozinha;
3- uma embalagem de plástico contendo um produto em pó, de cor branca, que se encontrava no chão junto à janela das traseiras da barraca, sobre um prato, com o peso líquido de 0,027 g, composto por cocaína;
4- uma mala de senhora contendo uma nota de € 20,00, do Banco Central Europeu;
5- uma embalagem de plástico contendo um produto em pó, de cor branca, que se encontrava no perfil de uma peça de alumínio situada no interior da lareira, com o peso líquido de 0,064 g, composto por cocaína;
6- vários recortes de plástico, de cor transparente, com resíduos de cocaína;
7- uma caixa de metal, de cor amarela, contendo várias peças de metal dourado, com o peso de 8,9 g, que se encontravam no quarto de uma filha do arguido AA.
Nessa ocasião, a arguida M… J… N… M… detinha em seu poder várias peças de metal dourado, com o peso de 29 g.
Por sua vez, o arguido H… G.. detinha na sua carteira uma porção composta por um produto vegetal prensado, de cor acastanhado, com o peso líquido de 1,866 g, que faz parte da espécie botânica Cannabis (resina), abrangida pela Tabela I-C anexa ao DL 15/93 de 22 de Janeiro, que destinava ao seu consumo pessoal.
E no seu veículo automóvel, da marca e modelo “Renault 19”, de cor branca, com a matrícula …-…-CP, encontrava-se uma navalha de ponta e mola contendo resíduos de cocaína.
No mesmo dia 3 de Agosto de 2007, pelas 18,05 horas, achavam-se na barraca do arguido BB, para além de duas máquinas fotográficas digitais e três telemóveis:
1- setenta e nove embalagens de plástico, que se encontravam acondicionados num saco de plástico, no interior de uma bolsa de cor preta, colocada sobre uma mesa, contendo um produto em pó, de cor castanha, com o peso líquido de 6,736 g, composto por heroína, substância que se encontra abrangida pela Tabela I-A, anexa ao DL 15/93, de 22 de Janeiro;
- ao serem surpreendidos pela força policial, S… M…, mulher de BB, escondeu a referida bolsa de cor preta, com as referidas 79 embalagens, no espaço inferior de uma janela, onde foi localizada;
2- três sacos de plástico, no interior de um faqueiro, contendo trinta e seis recortes de plástico, de cor transparente, a fim de serem utilizados no acondicionamento de doses individuais de estupefacientes;
3- um saco de plástico contendo € 6.930,00, em notas do Banco Central Europeu, que se encontravam sobre a referida mesa, ao lado da bolsa de cor preta;
4- várias peças de metal dourado, com o peso de 53,9 g:
- uma pulseira com um adereço pendurado, com o peso aproximado de 11g;
- um brinco, com o peso aproximado de 0, 5 g;
- uma aliança com as inscrições no interior “M. A… 09-10-76”, com o peso aproximado de 3 g;
- um anel, com duas bolas maiores no cimo e mais dez pequenas, com o peso aproximado de 2,1 g;
- um coração, com o peso aproximado de 0,6 g;
- um anel com várias pedras e uma flor, com o peso aproximado de 2,1 g;
- um anel com uma pedra, com o peso aproximado de 1,1 g;
- dois brincos com uma pérola cada e uma pedra de cor encarnada, com o peso aproximado de 2,6 g;
- um fio, com o peso aproximado de 6,3 g;
- um fio, com o peso aproximado de 3 g;
- um crucifixo, com o peso aproximado de 1 g;
- um crucifixo, com o peso aproximado de 1,2 g;
- um crucifixo, com o peso aproximado de 1,6 g;
- um adereço com uma pérola, com o peso aproximado de 3,7 g;
- um anel com uma pérola no cimo, com o peso aproximado de 4 g;
- um brinco em forma de meia libra, com o peso aproximado de 1,3 g;
- um adereço com uma pedra verde e oito pedras brancas, com o peso aproximado de 2 g; e,
- um alfinete com medalha, com o peso aproximado de 6,8 g.
Nessa ocasião, a referida S… M… detinha num bolso da sua saia € 210,00, em notas do Banco Central Europeu.
Os arguidos BB e A… M… não são titulares de carta de condução (cfr. docs. de fls. 950 e 951).
Não obstante, têm vindo a conduzir veículos automóveis ligeiros de passageiros na via pública desde o início do ano de 2007, pelo menos.
Designadamente, o arguido BB conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca e modelo “Opel Corsa, de matrícula UF-…-…, nos dias 17/7, 19/7 e 12/11/2007, em várias artérias de Darque e Vila Nova de Anha, Viana do Castelo.
Por sua vez, o arguido A… M… conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca “Renault”, de matrícula VD-…-…, nos dias 19/7, 20/7, 21/9 e 12/11/2007, em várias artérias de Darque e Vila Nova de Anha, Viana do Castelo.
Os arguidos AA e BB, agiram livre, deliberada e voluntariamente, de mútuo acordo e em comunhão de esforços, cientes das características estupefacientes dos produtos mencionados nos autos, bem sabendo que a respectiva compra, detenção, transporte e venda é proibida e punida por lei, e que não estavam autorizados a proceder de tal forma.
Os arguidos BB e A… M… que tinham perfeito conhecimento de que só poderiam conduzir veículo a motor na via pública desde que fossem titulares das respectivas cartas de condução não se abstiveram, no entanto, de tal comportamento exercido livre e conscientemente e que sabiam proibido.
Sabiam ser proibidas e punidas tais condutas.
Mais se provou:
Os arguidos AA e M… J… M… são casados entre si, segundo os rituais ciganos, têm oito filhos, três deles ainda menores, nos quais se incluem os arguidos BB, J… e A… M… .
Vivem todos integrados na mesma comunidade cigana, da qual fazem parte vários agregados da mesma família, tendo o seu processo de socialização decorrido de acordo com os costumes, os valores e as rotinas do grupo social a que pertencem.
AA, tal como a M… J…, é praticamente analfabeto, a única actividade com a qual terá alguma afinidade é a de vendedor/feirante, pese embora não a exerça com regularidade e da mesma não apresente rendimentos, razão pela qual a sua família é beneficiária do RSI há vários anos.
O seu agregado, do qual é o chefe e autoridade máxima, apresenta uma estrutura coesa, mas vive em condições precárias ao nível habitacional e económico.
O agregado reside em barracas de madeira ou outros materiais pouco resistentes, sem condições mínimas de habitabilidade, higiene ou segurança, instaladas em terreno próprio inscrito numa zona de mata.
O AA apresenta antecedentes criminais pela prática de crimes de condução sem habilitação legal.
A M… J… não tem antecedentes criminais.
O BB “casou”, segundo o ritual cigano, e vive autónomo da família de origem.
Construiu uma pequena barraca de madeira junto dos pais e irmãos.
Frequentou a escola, tendo concluído o 5º ano de escolaridade.
O arguido, à semelhança dos seus pais e sogros, dedica-se, com a companheira, à venda de perfumes e peças de vestuário pelas feiras do norte do país.
Já respondeu, no tribunal de Matosinhos, por um crime de detenção ilegal de arma, no âmbito do processo sumário nº 540/06.8 GCMTS, tendo sido condenado em pena de multa, que pagou.
O J… M… é solteiro, vive integrado no agregado familiar dos pais.
Frequentou a escola, tendo concluído o 5º ano de escolaridade.
Ajuda os pais na actividade de vendedor ambulante, nas feiras e mercados.
Não tem antecedentes criminais.
O A… M… é solteiro, vive integrado no agregado familiar dos pais.
Frequentou a escola, tendo concluído o 5º ano de escolaridade.
Ajuda os pais na actividade de vendedor ambulante, nas feiras e mercados.
Respondeu uma vez, no Tribunal de Vila Nova de Famalicão, no âmbito do processo sumário nº 1454/05.4 GAVNF, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, tendo sido admoestado.
O arguido H… G… foi criado num agregado familiar pobre, disfuncional e na ausência de um processo educativo minimamente eficiente, decorrendo o seu processo de socialização, prioritariamente no contexto dos pares, num meio social adverso e conhecido pelos problemas sócio-económicos, de marginalidade, toxicodependência e desagregação social.
Realizou um percurso académico básico e do ponto de vista profissional não apresenta qualquer carreira de relevo, destacando-se a situação de inactividade prolongada nos últimos 10/12 anos, o que parece ser indissociável dos problemas aditivos, da ausência de hábitos de trabalho e de competências profissionais, bem como do estilo de vida actual e rotinas diárias.
Aparentemente, convive em dois agregados familiares constituídos, embora não assuma responsabilidades parentais ou familiares concretas, nem participe economicamente nas despesas dos mesmos, mantendo-se inactivo e dependente de expedientes ou de apoios externos concedidos às companheiras e filhos.
Foi motorista dos arguidos M… e M… J… M….
Andou na escola até ao 6º ano de escolaridade.
Apresenta antecedentes criminais pela prática de crimes de condução sem carta, injúrias, desobediência, ofensa à integridade física e tráfico de estupefacientes de menor gravidade».

Qualificação Jurídica dos Factos Perpetrados pelo Arguido BB
Alega o arguido BB que o facto de apenas lhe haver sido apreendida a quantidade de 6, 736 gramas de heroína e de traficar sem meios sofisticados, na própria barraca onde residia, aliado à circunstância de ao longo de um ano de investigação apenas terem sido vistos esporadicamente alguns consumidores, sem que se haja apurado o tipo e a quantidade de droga por si alienada e os proventos que daí auferiu, justificam seja censurado, apenas, pelo crime de tráfico de menor gravidade.
Vejamos se assim é ou não.
O crime de tráfico de menor gravidade, previsto no artigo 25º, do DL 15/93, como a sua própria denominação legal sugere, caracteriza-se por constituir um minus relativamente ao crime matricial, ou seja, ao crime do artigo 21º, do DL 15/93 (4).
Trata-se de um facto típico cujo elemento distintivo do crime-tipo reside, apenas, na diminuição da ilicitude do facto, redução que o legislador impõe seja considerável, indicando como factores aferidores de menorização da ilicitude do facto, a título meramente exemplificativo, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção e a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações. É pois a partir do tipo fundamental, concretamente da ilicitude nele pressuposta, que se deve aferir se uma qualquer situação de tráfico se deve ou não qualificar como de menor gravidade (5).
Tal aferição, consabido que a ilicitude do facto se revela, essencialmente, no seu segmento objectivo, com destaque para o desvalor da acção e do resultado, deverá ser feita a partir de todas as circunstâncias que, em concreto, se revelem e sejam susceptíveis de aumentar ou diminuir a quantidade do ilícito, quer do ponto de vista da acção, quer do ponto de vista do resultado (6).
Assim e para além das circunstâncias atinentes aos factores de aferição da ilicitude indicados no texto do artigo 25º, do DL n.º 15/93, já atrás citados, há que ter em conta todas as demais circunstâncias susceptíveis de interferir na graduação da gravidade do facto, designadamente as que traduzam uma menor perigosidade da acção e/ou desvalor do resultado, em que a ofensa ou o perigo de ofensa aos bens jurídicos protegidos se mostre significativamente atenuado, sendo certo que para a subsunção de um comportamento delituoso (tráfico) ao tipo privilegiado do artigo 25º, do DL 15/93, como vem defendendo este Supremo Tribunal (7), torna-se necessária a valorização global do facto, tendo presente que o legislador quis aqui incluir, como já atrás se consignou, os casos de menor gravidade, ou seja, aqueles casos que ficam aquém da gravidade justificativa do crime-tipo, o que tanto pode decorrer da verificação de circunstâncias que, global e conjugadamente sopesadas, se tenham por consideravelmente diminuidoras da ilicitude do facto, como da não ocorrência (ausência) daquelas circunstâncias que o legislador pressupôs se verificarem habitualmente nos comportamentos e actividades contemplados no crime-tipo, isto é, que aumentam a quantidade do ilícito colocando-o ao nível ou grau exigível para integração da norma que prevê e pune o crime-tipo (8).
Vem provado que desde o ano de 2006 os arguidos Manuel e BB se dedicavam à venda de doses de heroína e cocaína a terceiros, no acampamento em que viviam, destinando-se o numerário obtido ao sustento da família.
Pelo menos, até ao dia 3 de Agosto de 2007, os arguidos M… e BB prepararam doses individuais de heroína e de cocaína, que acondicionaram em saquetas de plástico, as quais foram vendendo aos vários clientes que para o efeito convergiam para o acampamento, pelo valor de € 10,00 por unidade.
Durante esse período venderam tais doses a vários clientes habituais, bem como a clientes ocasionais, ou a indivíduos por eles transportados nas respectiva viaturas, nomeadamente, a:
- A… J… C… R…;
- C… A… da S… M…;
- I… J… de P… M…;
- P… A… R… E…;
- A… J… A… da S…;
- R… M… M… M…;
- S… M… C… F…;
- F… A… F… P… F…;
- M… da A… T…;
- S… M… M… B… da S…; e,
- A… M… N…;
No dia 3 de Agosto de 2007, pelas 18,05 horas, achavam-se na barraca do arguido BB setenta e nove embalagens de plástico, que se encontravam acondicionadas num saco de plástico, no interior de uma bolsa de cor preta, colocada sobre uma mesa, contendo um produto em pó, de cor castanha, com o peso líquido de 6,736 g, composto por heroína, substância que se encontra abrangida pela Tabela I-A, anexa ao DL 15/93, de 22 de Janeiro, bem como três sacos de plástico, no interior de um faqueiro, contendo trinta e seis recortes de plástico, de cor transparente, a fim de serem utilizados no acondicionamento de doses individuais de estupefacientes.
Os arguidos AA e BB, agiram livre, deliberada e voluntariamente, de mútuo acordo e em comunhão de esforços, cientes das características estupefacientes dos produtos mencionados nos autos, bem sabendo que a respectiva compra, detenção, transporte e venda é proibida e punida por lei, e que não estavam autorizados a proceder de tal forma.
Tal quadro factual, apontando claramente no sentido de que o arguido BB se dedicou ao tráfico de heroína e de cocaína, com carácter de habitualidade, pelo menos, desde o ano de 2006 até Agosto de 2007, substâncias aquelas que vendia no acampamento onde residia a quem ali se dirigia, designadamente a clientes habituais, pelo menos, em número de onze, actividade que exercia concertadamente e em conjunto com o co-arguido AA, seu pai, dúvidas não restam de que a sua actividade de tráfico não pode ser subsumida à norma do artigo 25º, do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
Improcede nesta parte, pois, o recurso do arguido BB.

Medida das Penas
Sob a alegação de que é primário, confessou os factos com relevância para a descoberta da verdade, tem mantido bom comportamento, desempenha um papel preponderante como chefe de família numerosa e de que a actividade por si exercida carecia de capacidade organizativa e apenas lhe proporcionava o suficiente para custear as necessidades básicas do seu agregado familiar, o arguido AA entende que a pena imposta deve ser reduzida para 4 anos de prisão e suspensa na sua execução, tanto mais que dispõe das condições que lhe permitirão afastar-se da criminalidade.
Com argumentação segundo a qual deve ser tido como mero “vendedor de rua”, atenta a quantidade de droga apreendida, o número de vendas apuradas e o lucro por si auferido, sem esquecer a sua juventude (27 anos de idade), a sua condição social e económica e o tempo já decorrido desde a prática dos factos, considera o arguido BB dever ser condenado, também, na pena de 4 anos de prisão suspensa na sua execução.
Culpa e prevenção, constituem o binómio que o julgador tem de utilizar na determinação da medida da pena – artigo 71º, n.º 1, do Código Penal.
A culpa como expressão da responsabilidade individual do agente pelo facto e como realidade da consciência social e moral, fundada na existência de liberdade de decisão do ser humano e na vinculação da pessoa aos valores juridicamente protegidos (dever de observância da norma jurídica), é o fundamento ético da pena e, como tal, seu limite inultrapassável – artigo 40º, n.º 2, do Código Penal (9).
Dentro deste limite a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.
É este o critério da lei fundamental – artigo 18º, n.º 2 – e foi assumido pelo legislador penal de 1995 (10).
O crime de tráfico de estupefacientes tutela a saúde pública em conjugação com a liberdade da pessoa, aqui se manifestando uma alusão implícita à dependência e aos malefícios que a droga gera (11).
As necessidades de prevenção geral são prementes, visto que a situação que se vive em Portugal em termos de tráfico e de toxicodependência é grave, traduzida num significativo aumento da criminalidade e na crescente degradação social de parte importante do sector mais jovem da comunidade.
Os últimos dados conhecidos sobre as consequências nefastas do consumo de estupefacientes apresentam-nos um quadro muito negativo, traduzido num aumento significativo do número de mortes ocorridas, em especial por overdose. Segundo o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência, as mortes provocadas pelo consumo de estupefacientes subiram 45% entre 2006 e 2007, situando-se no preocupante patamar de 314 óbitos (12), o valor mais elevado desde 2001 (13).
Certo é, por outro lado, que em 2007, no âmbito da Lei da Droga, foram condenadas 1420 pessoas, a maioria esmagadora por tráfico, com associação ao consumo em 2% dos casos. Em 31 de Dezembro de 2007 encontravam-se detidas 2524 pessoas condenadas por tráfico, representando 27% da população reclusa, o que significa ter sido interrompida a tendência decrescente de reclusos por tráfico que se vinha verificando desde o ano 2000 (14).
Esta situação mostra-se consonante, aliás, com a que se verifica na generalidade dos demais países, bem retratada no comunicado emitido em Novembro de 2009 pelo Conselho de Segurança da ONU, no qual se refere que o tráfico de drogas está a transformar-se numa séria ameaça que afecta todas as regiões do mundo.
Considerando, porém, a limitada dimensão da actividade de tráfico desenvolvida por ambos os arguidos, traduzida no nível sócio-económico dos seus agregados familiares, caracterizado pelas precárias condições das respectivas habitações, duas barracas de madeira, sem qualquer higiene e segurança, entende-se proceder a uma redução em um ano de prisão nas penas cominadas, fixando-as em 5 anos e 6 meses de prisão, patamar mais consonante com o padrão sancionatório deste Supremo Tribunal.

Importâncias Declaradas Perdidas a Favor do Estado
Entende a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta que o acórdão impugnado é nulo no segmento em que declarou perdidas a favor do Estado as importâncias em dinheiro apreendidas aos arguidos AA e BB, com o fundamento de que se não provou a proveniência das mesmas.
O Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, dispõe de regulamentação própria no que concerne à perda dos instrumenta e producta sceleris, bem como às vantagens e direitos retirados do facto, estabelecendo que as vantagens e os direitos dele decorrentes, bem como os eventuais juros, lucros e outros benefícios obtidos através daqueles, são declarados perdidos a favor do Estado – artigos 35º a 38º.
Do exame do acórdão recorrido resulta que o tribunal a quo declarou perdidas a favor do Estado as importâncias em dinheiro apreendidas aos arguido AA e BB sob a argumentação de que aquelas resultaram da actividade de tráfico a que os arguidos se dedicavam e oferecem sérios riscos de virem a ser utilizadas no cometimento de factos idênticos.
No entanto, da leitura da decisão proferida sobre a matéria de facto, concretamente do segmento relativo aos factos provados, decorre que em parte alguma se abordou questão atinente à proveniência das importâncias em dinheiro apreendidas aos arguidos AA e BB, ou seja, em parte alguma se considerou provado terem aquelas importâncias resultado da actividade criminosa dos arguidos.
É certo que o artigo 7º, da Lei n.º 5/02, de 11 de Janeiro (alterada pelo lei n.º 19/08, de 21 de Abril), estabelece uma presunção, aplicável, entre outros, aos crimes de tráfico de estupefacientes, segundo a qual se presume constituir vantagem da actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito, sendo certo que tal presunção tem sido considerada consonante com os princípios e normas constitucionais (15). No caso vertente, porém, não se verificam os pressupostos integrantes da presunção juris tantum.
Com efeito, vindo provado que ambos os arguidos também se dedicavam à venda de perfumes e peças de vestuário em feiras e que o agregado familiar do arguido AA é beneficiário do rendimento social de inserção há vários anos, não se poderá concluir, sem mais, que as importâncias em dinheiro apreendidas, face ao seu concreto valor, não provenham daquelas fontes de rendimento, tanto mais que na dúvida o tribunal está obrigado, face ao princípio in dubio pro reo, a proceder à valoração da prova em favor do arguido.
Assim sendo, a condenação na perda a favor do Estado das importâncias em dinheiro apreendidas aos arguidos AA e BB não pode manter-se, sendo de revogar, nessa parte, o acórdão recorrido.
Termos em que se acorda conceder parcial provimento aos recursos, reduzindo a pena cominada ao arguido AA para 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão e a pena aplicada ao arguido BB para 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão a que acresce a de 80 dias de multa à taxa diária de € 10.
Mais se revoga o acórdão recorrido na parte em que declarou perdidas a favor do Estado as importâncias de € 195,00 e 590,00 apreendidas ao arguido AA e a importância de € 6.930,00 apreendida ao arguido BB.
Custas pelos recorrentes, fixando em 4 UC a taxa de justiça devida por cada um deles.
Lisboa, 20 de Janeiro de 2010
Oliveira Mendes (Relator)
Maia Costa
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(1) - Foram ainda absolvidos do crime de tráfico de estupefacientes agravado os arguidos M… J… N… M…, J… N… M…, A… N… M… e H… N… M… G…, tendo sido o arguido A… M… condenado na pena de 100 dias de multa à taxa diária de € 5,00, pela prática do crime de condução sem habilitação legal.
(2) - Os textos que a seguir se transcrevem correspondem integralmente aos das motivações apresentadas.
(3) - O texto que a seguir se transcreve corresponde integralmente ao do acórdão impugnado.
(4) - Com efeito, com a previsão do crime de tráfico de menor gravidade quis o legislador abranger os casos e as situações que ficam aquém da gravidade do ilícito justificativa do crime-tipo.
(5) - Constitui jurisprudência constante e pacífica deste Supremo Tribunal o entendimento de que o privilegiamento do crime de tráfico dá-se, exclusivamente, em função de uma considerável diminuição da ilicitude do facto – entre outros, os acórdãos de 05.05.12, 05.05.19 e 05.07.12, proferidos nos Processos n.ºs 1272/05, 1751/05 e 2432/05, bem como o acórdão de 03.12.12, publicado na CJ (STJ), XI, I, 191, no qual se dá conta da diversíssima jurisprudência sobre a definição de tráfico de menor gravidade.
(6) - O texto legal ao incluir nos factores exemplificativos da diminuição da ilicitude do facto as circunstâncias da acção, não pretende abranger os elementos subjectivos conformadores do tipo de ilícito (motivação delituosa, atitude interna do agente), antes os elementos objectivos. Assim, circunstâncias da acção serão os meios ou formas concretamente utilizados pelo agente, tendo em vista a maior ou menor capacidade e possibilidade de afectação do bem jurídico tutelado.
(7) - Cf. entre muitos outros, os acórdãos de 99.12.07 e de 02.20.03, proferidos nos Processos n.ºs 1005/99 e 4013/01.
(8) - Cf. entre outros, o acórdão de 07.11.14, proferido no Processo n.º 3410/07.
(9) - A pena da culpa, ou seja, a pena adequada à culpabilidade do agente, deve corresponder à sanção que o agente do crime merece, isto é, deve corresponder à gravidade do crime. Só assim se consegue a finalidade político-social de restabelecimento da paz jurídica perturbada pelo crime e o fortalecimento da consciência jurídica da comunidade – Cf. Claus Roxin, Culpabilidad Y Prevención En Derecho Penal (tradução de Muñoz Conde – 1981), 96/98.
(10) - Vide Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001), 104/111. Na esteira desta doutrina, entre muitos outros, o acórdão deste Supremo Tribunal de 04.10.21, na CJ (STJ), XII, III, 192.
(11) - Especialmente as drogas duras, concretamente a cocaína e a heroína, as quais se caracterizam pelos graves danos que causam à saúde. Para além de afectar a pessoa do consumidor, o consumo de cocaína ou de heroína produz efeitos colaterais graves, gerando a desorganização social e a necessidade de assistência médica – cf. Fernando Sequeros Sazatornil, El Trafico de Drogas Ante El Ordenamiento Jurídico, 87/88 –, constituindo um dos factores criminógenos mais importantes, sendo causador da maior parte da criminalidade violenta contra a propriedade, como nos dá conta Arroyo Zapatero, “Aspectos penales del tráfico de drogas”, Poder Judicial n.º 11, Junho de 1984, 22.
(12) - Edição de 13 de Novembro de 2008 do Jornal de Notícias
(13) - O número de mortes relacionadas com o consumo de drogas desde o início do século é o seguinte:
- 2000 – 318, 2001 – 280, 2002 – 156, 2003 – 153, 2004 – 156, 2005 – 219, 2006 – 216 e 2007 – 314.
(14) - Todos estes dados constam do relatório anual apresentado à Assembleia da República.
(15) - Cf. o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 294/08, proferido no Processo n.º 11/08 – 3ª secção.