Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4473/07.2TBGDM.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: FERNANDA ISABEL PEREIRA
Descritores: REPRESENTAÇÃO
PROCURAÇÃO
REVOGAÇÃO
TERCEIRO
OPONIBILIDADE
CONTRATO-PROMESSA
TERMO ESSENCIAL
INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
SINAL
RESTITUIÇÃO DO SINAL
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 06/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / REPRESENTAÇÃO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES / FIANÇA / NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR - DIREITOS REAIS / DIREITO DE PROPRIEDADE / USUFRUTO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / FUNDAMENTOS DA REVISTA.
Doutrina:
- Helena Mota, Do Abuso de Representação, Teses e Monografias, Coimbra Editora 2001, 106 e 107.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 262.º, 265.º, N.º 2, 266.º, 344.º, N.º 1, 405.º, 432.º, 436.º, 442.º, N.º 2, 627.º, 628.º, 799.º, N.º 1, 808.º, N.º 1, 1476.º, N.º 1, ALÍNEA A).
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 674.º, 682.º, N.ºS 2 E 3.
Sumário :
I - Sendo o STJ um tribunal de revista, está, por princípio, excluída a possibilidade de sindicar questões de facto, como decorre da previsão dos n.ºs 2 e 3 do art. 682.º do NCPC (2013), circunscrevendo-se a sua intervenção no domínio do facto ao campo da designada prova vinculada, ou seja, aos casos em que a lei exige determinado tipo de prova para a demonstração de certas circunstâncias factuais ou atribui específica força probatória a determinado meio probatório.

II - A procuração é um acto unilateral atributivo de poderes representativos. Por seu intermédio é conferido ao procurador o poder de celebrar negócios jurídicos em nome de outrem, em cuja esfera jurídica se vão produzir os seus efeitos (art. 262.º do CC).

III - O procurador actua como um intermediário, situação que comporta riscos para o representado, mas que lhe traz simultaneamente vantagens, sendo estas que o motivam a fazer-se representar na conclusão de negócios jurídicos por outrem – procurador – em vez de o fazer pessoalmente.

IV - A lei tutela os terceiros relativamente às modificações e à revogação da procuração – as quais devem ser-lhes comunicadas por meios idóneos – e, bem assim, às demais causas extintivas dos poderes de representação que aqueles ignorem sem culpa (art. 266.º do CC).

V - As vicissitudes da procuração, sejam elas decorrentes da sua modificação ou da extinção dos poderes representativos, são inoponíveis aos terceiros que, desconhecendo-as ou ignorando-as sem culpa, contrataram com o procurador.

VI - A confiança e autonomia que revestem a procuração não permitem que os efeitos de um mau uso ou um uso abusivo da procuração se projectem sobre o terceiro, fazendo-os recair sobre este.

VII - Decorrendo da factualidade provada que a revogação da procuração através da qual foi celebrado o contrato-promessa operou em data posterior à sua celebração, independentemente das vicissitudes que a relação entre os promitentes-vendedores e o seu procurador possa ter sofrido, os actos ou negócios jurídicos praticados por este, em representação daqueles, subsistem perante terceiros, não sendo afectados.

VIII - Ainda que assim não fosse, não teria a revogação da procuração a virtualidade de se reflectir no negócio celebrado por não ter sido comunicada por qualquer meio aos promitentes-compradores.

IX - Tendo-se os promitentes-vendedores obrigado a rectificar a área global dos dois prédios objecto do contrato, no prazo máximo de 90 dias a contar da outorga do contrato-promessa, tendo as partes consignado que a não rectificação importava incumprimento definitivo, sem necessidade de outra interpelação, e, apesar disso, os promitentes-compradores interpelado admonitoriamente os promitentes-vendedores para cumprirem essa obrigação num prazo mais dilatado, sem que tal tenha sido cumprido, incorreram estes em incumprimento definitivo do contrato-promessa, conferindo àqueles o direito de resolver o contrato e de exigir a restituição do sinal prestado em dobro.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I. Relatório:

AA e BB intentaram, em 28 de Novembro de 2007, a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra:

CC e marido DD;

Herança aberta por óbito de EE;

Herança aberta por óbito de FF;

Herança aberta por óbito de GG;

HH.

Pediram a condenação dos réus no pagamento da quantia de € 60 000,00 a título de restituição de sinal em dobro derivada do incumprimento e resolução de um contrato-promessa de compra e venda de dois terrenos, no qual intervieram como promitentes-compradores e CC, DD, EE e FF, como promitentes vendedores, estes representados por GG, na qualidade de procurador, advindo a responsabilidade da herança aberta por óbito deste e da ré HH do facto de se terem responsabilizado individualmente como fiadores pela integral liquidação de todas as responsabilidades assumidas pelos promitentes vendedores no contrato-promessa, no caso de incumprimento.


Contestaram os réus CC, DD e HH.

Os dois primeiros alegaram que prometeram vender os prédios ao referido GG, ou a quem ele entendesse, pelo preço global de € 37 500,00, dos quais apenas receberam € 15 000,00, tendo outorgado procuração ao mesmo para permitir essa venda. O referido GG celebrou contratos-promessa de compra e venda dos prédios com várias pessoas, pelo que lhe revogaram a procuração. Não obstante, aquele procedeu à venda dos prédios.

Concluíram não lhes ser imputável o invocado incumprimento, sendo responsável por este o referido GG, devendo ser absolvidos do pedido.


A ré HH alegou não ter recebido qualquer quantia dos autores e nenhuma obrigação ter assumido perante aqueles relativamente ao contrato-promessa em questão.


Nos apensos A e B foram habilitados, por sentença de 10.09.2010, os réus CC e DD como herdeiros das referidas EE e FF, entretanto, falecidas.


    No apenso C, por terem renunciado validamente à herança os herdeiros conhecidos do falecido II, foi julgada habilitada a herança jacente aberta por seu óbito.


Realizada a audiência de discussão e julgamento e fixados os factos provados, foi a acção julgada procedente, por sentença de 08.04.2013, rectificada por despacho de 17.05.2013, e foram os réus CC e DD, herança de GG e HH condenados a pagarem aos autores AA e BB a quantia de € 60 000,00.

Devido ao falecimento da co-ré HH foi decidido, em 07.10.2015, que a causa seguisse com o Ministério Público em representação dos incertos por se desconhecer a existência de herdeiros.


  Apelaram os réus CC e DD.

          

    O Tribunal da Relação do Porto proferiu Acórdão, em 26 de Novembro de 2015, julgando a apelação improcedente e confirmando a sentença da 1ª instância.


    Inconformados, recorreram de revista os réus CC e DD.

     Na sua alegação de recurso deduziram as conclusões que, na parte relevante, se transcrevem:

«1º Salvo o devido respeito os Recorrentes não concordam com o douto acórdão recorrido.

2º O douto acórdão recorrido não contém indicação à procedência parcial do recurso, atenta a alteração da decisão de facto, mediante o aditamento como provada da factualidade constante de fls. 786 e 787 dos autos.

3º Os Recorrentes não aceitam que seja dado como provado o facto constante do item 26 dos factos dados como provados, relativamente ao qual não foi produzida qualquer prova, quer testemunhal, quer documental (recorde-se que estamos perante um alegado pagamento em cheque).

4º Inexiste, assim, prova nos autos do pagamento de qualquer sinal.

5º A obrigação de rectificação de áreas assumida pelo procurador dos Recorrentes, e que serviu de base à resolução por incumprimento efectuada pelos Recorridos, não decorreu de poderes que lhe foram conferidos em procuração. Nunca os Recorrentes assumiram ou concederam poderes ao seu procurador para assumir tal encargo,

6º Como tal o acto em causa não é imputável aos Recorrentes.

7º Igualmente não o sendo o incumprimento de tal obrigação e, logo, a resolução que estes efectuaram do contrato promessa em causa.

8º Os ora Recorrentes eram, apenas, proprietários da raiz do prédio em causa, cabendo o usufruto a outras duas pessoas.

9º A acção foi proposta e prosseguiu apenas contra os proprietários da raiz daqueles imóveis, contra os quais foi pedida a totalidade da condenação, a qual veio a ser julgada procedente.

10° Inexiste, assim, fundamento legal para que tal sucedesse nos termos em que veio a conceder-se.

11° Os Recorrentes apenas podem ser condenados no que respeita ao direito de que eram proprietários (raiz ou nua propriedade) e nunca por referência a um direito de que não eram proprietários (usufruto).

12° Inexistiu fundamento para que se verificasse o incumprimento da parte dos promitentes vendedores, tal como alegado e verificado na sentença proferida.

13° A decisão recorrida viola o disposto nos arts. 156°, 659°, 660° do Código de Processo Civil, arts. 258° e seguintes, 262° e seguintes, 334°, 405°, 432°, 441°, 442°, 799° do Código Civil.

(…)».

Finalizam, pedindo a revogação do Acórdão recorrido, alterando-se a matéria de facto dada como provada nos termos expostos e a decisão de direito, por forma a serem absolvidos do pedido.


Os recorridos deduziram, em 14 de Janeiro de 2016, pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.


Os autores contra-alegaram, defendendo a manutenção do Acórdão recorrido.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II. Fundamentos:

De facto:

Após conhecimento da impugnação da decisão fáctica pelo Tribunal da Relação resultaram provados os seguintes factos relevantes para a apreciação do recurso:

1 - Em 14 de Outubro de 2003, a aquisição do direito de propriedade dos prédios infra descritos encontrava-se inscrita a favor dos Réus CC, DD, EE e FF na competente conservatória do registo predial e o usufruto daqueles dois prédios estava constituído a favor de EE e FF: prédio rústico denominado "Bouça do Pedro", sito no Lugar de Méguas, freguesia de Jovim, concelho de Gondomar, a confrontar a Norte com JJ, Este com KK, Sul com LL e Oeste com caminho público, descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar, com o n.° 848/…93 e inscrito na Repartição de Finanças de Gondomar, sob o artigo matricial 1406; e prédio rústico, sito no Lugar de Bolhão, freguesia de Jovim, concelho de Gondomar, a confrontar a Norte e Este com Caminho Público, a Sul com KK e a Oeste com MM (Herdeiros), descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar, com o n° 770/…93 e inscrito na Repartição de Finanças de Gondomar, sob o artigo matricial 1407 (alíneas A) a C)).

2 - Em 13.02.2003, CC, DD, EE e FF, declararam vender a GG ou a quem este entendesse, livre de ónus ou encargos, pelo preço global de € 35 000, os prédios identificados em 1) (alínea R)).

3 - Os aqui Réus receberam de GG como sinal e princípio de pagamento a quantia de € 15 000,00 da qual lhes deram quitação (alínea S)).

4 - Os restantes € 22 500,00 seriam pagos no acto da escritura (alínea T)).

5 - Escritura essa que não chegou a ser feita entre os aqui Réus e o mencionado GG (alínea U)).

6 - O prazo acordado para outorgar a escritura foi de 30 dias, a contar da data em que os prédios se encontrassem devidamente legalizados na Conservatória em relação a áreas e artigos matriciais (alínea V)).

7 - Em 10 de Outubro de 2003, os Réus identificados no ponto anterior constituíram GG como seu procurador, concedendo-lhe poderes para vender ou prometer vender, os prédios rústicos descritos nos artigos anteriores, e receber o respectivo preço até € 65 000.00, além de outorgar e assinar as respectivas escrituras e contratos de promessa de compra e venda, requerer quaisquer registos, provisórios ou definitivos, seus averbamentos ou cancelamentos, assim como junto das Repartições de Finanças, requerer e assinar o quanto se torne necessário aos indicados fins (alínea D)).

8 - Em 14 de Outubro de 2003, por documento particular, os Réus identificados em 1., representados por GG, declararam prometer vender os prédios identificados aos Autores, pelo preço global de € 125 000,00 (alínea E).

9 - Naquele documento, os Réus identificados em 1), representados por GG, declararam ter recebido dos Autores a quantia de € 30 000,00, da qual davam quitação (alínea F)).

10 - Naquele documento, os Réus GG e esposa HH declararam responsabilizar-se individualmente como fiadores pela integral liquidação de todas as responsabilidades assumidas pelos Réus identificados em 1., nomeadamente, o pagamento em dobro das quantias entregues a título de sinal, no caso de incumprimento, renunciando ao benefício da excussão prévia (alínea G)).

11 - Mais se obrigaram todos os Réus a, no prazo máximo de noventa dias a contar da outorga do contrato-promessa de compra e venda, ou seja até 15 de Janeiro de 2004, rectificar a área global dos dois prédios para vinte mil metros quadrados (alínea H)).

12 - De acordo com as cláusulas 9.° e 10.º do denominado contrato promessa de compra e venda a não rectificação das áreas dos prédios, por parte dos aqui Réus, importava incumprimento definitivo, sem necessidade de outra interpelação, e a devolução ao autor do dobro do sinal, entregue pelos aqui Autores (alínea Q)).

13 - EE faleceu em 15 de Maio de 2004 (alínea X)).

18 - Em 10.05.2004, o autor remeteu a GG e HH, a missiva a fls. 36, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, declarando "....fixamos um novo prazo ou seja até ao próximo dia 10 de Junho do corrente para V. Exa cumprir com o estabelecido.  (...). Sendo o prazo ora fixado - ou seja 10 de Junho de 2004- admonitório para a celebração do contrato prometido. (...) Assim, caso não seja efectivado o previsto nas supra referidas alíneas da cláusula 4.ª até ao dia 10 de Junho de 2004, perderemos todo o interesse na celebração do contrato prometido e consideraremos resolvido o contrato promessa de compra e venda, com todas as demais consequências legais, nomeadamente pedido de devolução do sinal em dobro" (alínea K)).

19 - Em 10.05.2004, o autor remeteu a CC a missiva a fls. 40, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, declarando "....fixamos um novo prazo ou seja até ao próximo dia 10 de Junho do corrente para V. Exa cumprir com o estabelecido (...). Sendo o prazo ora fixado - ou seja 10 de Junho de 2004 - admonitório para a celebração do contrato prometido. (...) Assim, caso não seja efectivado o previsto nas supra referidas alíneas da cláusula 4º até ao dia 10 de Junho de 2004, perderemos todo o interesse na celebração do contrato prometido e consideraremos resolvido – o contrato promessa de compra e venda, com todas as demais consequências legais, nomeadamente pedido de devolução do sinal em dobro" (alínea L)).

20 - Em 10.05.2004 o autor remeteu a EE a missiva a fls. 44, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, declarando "....fixamos um novo prazo ou seja até ao próximo dia 10 de Junho do corrente para V. Exa cumprir com o estabelecido (...). Sendo o prazo ora fixado - ou seja 10 de Junho de 2004 – admonitório para a celebração do contrato prometido. (...) Assim, caso não seja efectivado o previsto nas supra referidas alíneas da cláusula 4a até ao dia 10 de Junho de 2004, perderemos todo o interesse na celebração do contrato prometido e consideraremos resolvido o contrato promessa de compra e venda, com todas as demais consequências legais, nomeadamente pedido de devolução do sinal em dobro" (alínea O)).

21 - Em 10.05.2004 o autor remeteu a FF a missiva a fls. 48, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, declarando "....fixamos um novo prazo ou seja até ao próximo dia 10 de Junho do corrente para V. Exa cumprir com o estabelecido (...). Sendo o prazo ora fixado - ou seja 10 de Junho de 2004 - admonitório para a celebração do contrato prometido. (...) Assim, caso não seja efectivado o previsto nas supra referidas alíneas da cláusula 4a até ao dia 10 de Junho de 2004, perderemos todo o interesse na celebração do contrato prometido e consideraremos resolvido o contrato promessa de compra e venda, com todas as demais consequências legais, nomeadamente pedido de devolução do sinal em dobro" (alínea P)).

22 - FF faleceu em 14 de Maio de 2006 (alínea Z)).

23 - Em 22 de Janeiro de 2004, os RR outorgaram instrumento de revogação junto do Cartório Notarial de Gondomar, pelo qual revogaram a procuração id. em 4 (alínea A`)).

26 - Os Autores entregaram a quantia de € 30 000,00 a GG (n.º 1 da base instrutória).

27 - GG emitiu, no dia 3 de Dezembro de 2003, um cheque da empresa NN – Construções Imobiliárias, SA, no montante de € 18 500,00, que entregou aos aqui Réus (n.º 4 da base instrutória).

28 - Tal cheque veio devolvido pelo Banco de Portugal, por falta de provisão, no dia 10 de Dezembro de 2004 (resposta ao n.º 5 da base instrutória).

29 - Quando confrontado com tal facto, GG emitiu no dia 10 de Janeiro de 2004, o cheque n.º …., do BANCO OO, em substituição daquele outro (n.º 6 da base instrutória).

30 - O cheque referido no ponto anterior foi emitido para pagamento do montante de € 18 250,00 (n.º 7 da base instrutória).

31 - Também esse cheque veio devolvido por falta de provisão (n.º 8 da base instrutória).

32 - Os Réus identificados em 1 decidiram revogar a procuração mencionada em 4 quando constataram que o GG prometera vender o prédio a mais de uma pessoa (n.º 10 da base instrutória).

40 - Em 06 de Julho de 2004, no Cartório Notarial do concelho de Paços de Ferreira, foi celebrada a escritura pública de compra e venda dos prédios identificados em 1), cuja cópia consta de fls. 140 a 142, na qual GG outorgou na qualidade de procurador e em representação dos vendedores CC, DD, EE e FF e como compradora figura a sociedade NN - Construções Imobiliária, SA, representada pelo referido GG, na qualidade de seu único administrador. O preço declarado foi de € 5000,00 pela nua propriedade dos dois prédios e € 13 000,00 pelo usufruto dos mesmos.    

41 - Nessa escritura de 06 de Julho de 2004, o procurador utilizou a procuração que fora outorgada por CC, DD, EE e FF em 10 de Outubro de 2003, que fora revogada em 22.01.2004, revogação notificada ao procurador em 18.02.2004.

42 - Em 12 de Agosto de 2004, no 1 ° Cartório de Matosinhos, pela escritura cuja cópia consta de fls. 144 a 146, o GG, na qualidade de único administrador da sociedade "NN - Construções Imobiliária SA declarou vender a PP os prédios em causa, pelo preço de € 60.000,00 pelos dois prédios rústicos, €20.000,00 pelo primeiro prédio e € 40.000.00 pelo segundo.

                                                          

De direito:

Perante a síntese conclusiva contida na alegação dos recorrentes, a qual delimita o objecto do recurso, sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, emergem como questões essenciais a decidir as seguintes:

- errada valoração dos meios de prova que conduziram à demonstração do ponto 26 da matéria de facto provada;

- falta de fundamento legal para a resolução do contrato-promessa pelos autores, ora recorridos.

- relevância jurídica do facto de os recorrentes serem apenas proprietários de raiz dos imóveis prometidos vender;


1. Os recorrentes começam por colocar em crise o acórdão recorrido relativamente ao julgamento da impugnação da decisão sobre a matéria de facto por entenderem que não foi produzido qualquer meio de prova susceptível de conduzir à demonstração de que «Os Autores entregaram a quantia de € 30 000,00 a GG (n.º 1 da base instrutória)», facto enunciado sob o número 26 da materialidade provada, pugnando pela sua eliminação.

A discordância dos recorrentes radica no seu inconformismo relativamente à valoração pela Relação das provas produzidas no âmbito do conhecimento da impugnação da decisão fáctica em conformidade com o estatuído no artigo 662º do Código de Processo Civil, uma vez que entende que não foi produzida qualquer prova que permitisse julgar provado aquele facto.

O que está na origem da divergência do recorrente é o juízo de facto quanto à materialidade em questão, um eventual erro de julgamento no âmbito da livre apreciação da prova pelo julgador sobre o facto em causa.

Trata-se de matéria que escapa aos poderes de cognição deste Supremo Tribunal traçados nos artigos 674º e 682º do Código de Processo Civil, preceitos que apenas lhe permitem conhecer de direito, ou seja, aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue mais adequado aos factos fixados pela Relação, salvo, quanto a estes, os casos de prova vinculada.

Sendo o Supremo Tribunal de Justiça um tribunal de revista, está, por princípio, excluída a possibilidade de sindicar questões de facto, como decorre da previsão dos nºs 2 e 3 do artigo 682º do Código de Processo Civil, circunscrevendo-se a sua intervenção no domínio do facto ao campo da designada prova vinculada, ou seja, aos casos em que a lei exige determinado tipo de prova para demonstração de certas circunstâncias factuais ou atribui específica força probatória a determinado meio probatório (artigo 674º nº 3).

A dissonância dos recorrentes não radica em qualquer destas situações que consentem, excepcionalmente, a ingerência do Supremo Tribunal no âmbito da matéria de facto, assentando no erro de julgamento sobre o factos, isto é, na errada apreciação das provas, questão que está subtraída ao seu conhecimento, razão por que lhe está vedado apreciá-la.


2. Insistindo na linha argumentativa apresentada no recurso de apelação, continuam os recorrentes a afirmar que o incumprimento contratual não lhes é imputável, não podendo ser responsabilizados por este.

Não existe controvérsia nos autos acerca da natureza jurídica do contrato celebrado, tratando-se de um contrato-promessa bilateral de compra e venda de dois prédios rústicos, no qual os autores assumiram a posição de promitentes-compradores e os ora recorrentes, entre outos, de promitentes-vendedores.

Os promitentes-vendedores não outorgaram pessoalmente no contrato-promessa celebrado por documento particular no dia 14 de Outubro de 2003. Nele interveio GG na qualidade de procurador, em virtude de os proprietários dos prédios rústicos referidos, por procuração de 10 de Outubro de 2003, lhe terem conferido poderes para os vender ou prometer vender e receber o respectivo preço até € 65 000.00, além de outorgar e assinar as respectivas escrituras e contratos-promessa de compra e venda, requerer quaisquer registos, provisórios ou definitivos, seus averbamentos ou cancelamentos, assim como requerer e assinar junto das Repartições de Finanças o quanto se tornasse necessário aos indicados fins (ponto 7 da matéria de facto).

Munido dessa procuração, GG declarou ter recebido dos autores a quantia de 30.000,00 €, da qual foi dada quitação, obrigando-se ainda, na qualidade de procurador dos promitentes-vendedores, a, no prazo máximo de noventa dias a contar da outorga do contrato-promessa de compra e venda, ou seja, até 15 de Janeiro de 2004, rectificar a área global dos dois prédios para vinte mil metros quadrados (pontos 8 e 11 dos factos provados).

A procuração é um acto unilateral atributivo de poderes representativos. Por seu intermédio é conferido ao procurador o poder de celebrar negócios jurídicos em nome de outrem, em cuja esfera jurídica se vão produzir os seus efeitos (artigo 262º do Código Civil)

A concessão desses poderes de representação não é ilimitada. Está circunscrita ao âmbito dos poderes contidos na procuração, sob pena de, sendo tais poderes extravasados, existir abuso de representação.

O procurador actua como um intermediário, situação que comporta riscos para o representado, mas que lhe traz simultaneamente vantagens, sendo estas que o motivam a fazer-se representar na conclusão de negócios jurídicos por outrem – procurador – em vez de o fazer pessoalmente.

Estes riscos correm naturalmente por conta de quem se faz representar.

Na verdade, a lei tutela os terceiros relativamente às modificações e à revogação da procuração, as quais devem ser-lhes comunicadas por meios idóneos, e, bem assim, às demais causas extintivas dos poderes de representação que aqueles ignorem sem culpa (artigo 266º do Código Civil).

As vicissitudes da procuração, sejam elas decorrentes da sua modificação ou da extinção dos poderes representativos, são inoponíveis aos terceiros que, desconhecendo-as ou ignorando-as sem culpa, contrataram com o procurador.

A confiança e autonomia que revestem a procuração não permitem que os efeitos de um mau uso ou um uso abusivo da procuração se projectem sobre o terceiro, fazendo-os recair sobre este.

Como escreve Helena Mota (Do Abuso de Representação, Teses e Monografias, Coimbra Editora 2001, págs. 106 e 107) “…de acordo com os princípios gerais de direito, quem beneficia ou retira vantagens de uma actividade arriscada deve arcar com os prejuízos que ela provoque. Quem suscita a confiança de outrem deve levar até ao fim aquilo a que se propôs, não desvirtuando esse estado.

No caso da representação, é precisamente na concessão de poderes representativos que se alicerça essa confiança e expectativa: de uma só vez são eles que legitimam externamente o representante a actuar em nome alheio, produzindo o efeito representativo; são também eles que «aparecem» ao terceiro, são a face visível da vontade do representado”.

No caso dos autos, a revogação da procuração, expressamente consentida pelo n.º 2 do artigo 265º do Código Civil, tornou-se eficaz em relação ao procurador logo que chegou ao seu conhecimento, extinguindo-se então os poderes de representação de que dispunha.

Contudo, a extinção só opera para o futuro (ex nunc), deixando incólumes os actos anteriormente praticados pelo procurador, sendo certo que, não tendo sido a revogação comunicada aos autores, nenhum efeito produziu ou podia produzir quanto aos mesmos.

Quer isto significar que, independentemente das vicissitudes que a relação entre os promitentes-vendedores e o seu procurador possa ter sofrido, os actos ou negócios jurídicos praticados por este, em representação daqueles, subsistem perante terceiros, não sendo afectados.

Decorre dos factos provados que a revogação da procuração operou em data posterior à celebração do contrato-promessa. Mas ainda que assim não fosse, não teria a virtualidade de se reflectir no negócio celebrado por não ter sido comunicada por qualquer meio aos promitentes-compradores.

Logo, o GG actuou em representação dos promitentes-vendedores a coberto de uma procuração que lhe atribuía poderes para intervir, gerando nos autores a convicção e a confiança de que podiam com ele validamente contratar, obrigando-se com tal intervenção os donos dos terrenos objecto do contrato-promessa.

Para os autores a rectificação das áreas dos prédios constituía um elemento essencial na negociação, tanto que, ao abrigo do princípio da liberdade contratual (artigo 405º do Código Civil), fizeram consignar, com o acordo do referido procurador e, por via disso, dos promitentes-vendedores, uma cláusula contratual através da qual estes se obrigaram a, no prazo máximo de noventa dias a contar da outorga do contrato-promessa de compra e venda (até 15 de Janeiro de 2004), rectificar a área global dos dois prédios para vinte mil metros quadrados (ponto 11 dos factos provados).

Mais fizeram consignar os contraentes que a não rectificação das áreas dos prédios, por parte dos promitentes-vendedores, importava incumprimento definitivo, sem necessidade de outra interpelação, e a devolução do dobro do sinal entregue pelos aqui autores (ponto 12 dos factos provados).

Não obstante, os autores dilataram o prazo para cumprimento dessa obrigação contratual até 10 de Maio de 2004, data em, após insistências várias por escrito, remeteram cartas aos promitentes-vendedores, ao procurador GG e à mulher deste, a ré HH, nas quais declararam "....fixamos um novo prazo ou seja até ao próximo dia 10 de Junho do corrente para V. Exa cumprir com o estabelecido (...). Sendo o prazo ora fixado - ou seja 10 de Junho de 2004 - admonitório para a celebração do contrato prometido. (...) Assim, caso não seja efectivado o previsto nas supra referidas alíneas da cláusula 4ª até ao dia 10 de Junho de 2004, perderemos todo o interesse na celebração do contrato prometido e consideraremos resolvido o contrato promessa de compra e venda, com todas as demais consequências legais, nomeadamente pedido de devolução do sinal em dobro" (pontos 18 a 21 dos factos provados).

Revestindo esta cartas a natureza de interpelação admonitória aos promitentes-vendedores para cumprirem uma obrigação contratualmente assumida e não tendo, apesar disso, cumprido no prazo que lhes foi razoavelmente fixado pelos credores, promitentes-compradores, incorreram aqueles em incumprimento definitivo do contrato-promessa (artigo 808º nº 1 do Código Civil), conferindo aos segundos o direito de resolver o contrato (artigos 432º e 436º do Código Civil).  

A resolução do contrato-promessa imputável aos promitentes-vendedores, cuja culpa, aliás, se presume (artigo 799º nº 1 do Código Civil), presunção que não lograram ilidir (artigo 344º nº 1 do Código Civil), tornou-se eficaz ao ser recepcionada pelos promitentes-vendedores, pois a lei basta-se com uma declaração resolutiva receptícia.

Neste contexto, estão todos os réus, incluindo os recorrentes, vinculados à restituição aos autores do sinal por estes prestado em dobro, ou seja, 60.000,00 €, advindo a obrigação dos promitentes-vendedores do disposto no artigo 442º nº 2 do Código Civil, uma vez que faltaram culposamente e em definitivo ao cumprimento do contrato, e resultando a obrigação do procurador GG e de HH, ao tempo sua mulher, da garantia pessoal que prestaram no contrato em causa ao declararem responsabilizar-se individualmente como fiadores pela integral liquidação de todas as responsabilidades assumidas pelos primeiros, nomeadamente, o pagamento em dobro das quantias entregues a título de sinal, no caso de incumprimento, renunciando ao benefício da excussão prévia – artigos 627º e 628º do Código Civil (ponto 10 da matéria de facto provada).


3. Suscitam ainda os recorrentes a questão de serem apenas proprietários de raiz dos prédios prometidos vender, concluindo que a sua responsabilidade pela restituição do sinal em dobro não abrange a totalidade.

Não têm, porém, razão.

Como observaram as instâncias, o usufruto que incidia sobre aqueles prédios na data em que foi outorgado o contrato-promessa, constituído a favor de EE e FF – também intervenientes nesse contrato como promitentes-vendedoras – extinguiu-se com a sua morte, tendo-se consolidado nos ora recorrentes, proprietários de raiz e também promitentes-vendedores, a propriedade plena, pelo que sobre estes recai integralmente, a obrigação de proceder à restituição do sinal em dobro (artigo 1476º nº1 alínea a) do Código Civil).


III. Decisão:

Termos em que se acorda no Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista e confirmar o douto acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 16 de Junho de 2016


Fernanda Isabel Pereira (Relatora)

Olindo Geraldes

Pires da Rosa