Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
628/14.1TBBGC-C.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: SOUSA LAMEIRA
Descritores: PRESTAÇÃO DE CONTAS
ADMINISTRAÇÃO DOS BENS DOS CÔNJUGES
DIVÓRCIO
CONTA CORRENTE
REJEIÇÃO
JUROS DE MORA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
INCONSTITUCIONALIDADE
PROCESSO ESPECIAL
Data do Acordão: 11/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – LEIS, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO / FONTES DE DIREITO – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÕES EM GERAL / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATO-PROMESSA / TRANSMISSÃO DE CRÉDITOS E DE DÍVIDAS / SUB-ROGAÇÃO / TRANSMISSÃO SINGULAR DE DÍVIDAS / GARANTIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES / CONSERVAÇÃO DA GARANTIA PATRIMONIAL / DECLARAÇÃO DE NULIDADE / IMPUGNAÇÃO PAULIANA / FIANÇA / PENHOR / DOACÇÃO / SOCIEDADE / LIQUIDAÇÃO DA SOCIEDADE E DE QUOTAS.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS / PRESUNÇÕES / CONFISSÃO.
Doutrina:
-Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 132;
-Grande Dicionário de Língua Portuguesa, 231.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 3.°, 4.°, 5.º, ALÍNEA B), 7.°, 415.°, 591.°, 595.º, 596.º, 604.º, 615.º, N.º 1, ALÍNEAS D) E E), 627.º, N.º 1, 635.º, 662.º, N.º 4, 682.º, N.º2, 674.º, N.º 3, 941.º, 943.º, N.ºS 1 E 2, 944.º, N.ºS 1 E 2, 945.º, 946.º, N.º 1, 1014.º, 1016.º, 1017.º, N.º 3 E 1018.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º 1, 351.º E 352.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 2.º, 12.º, N.º 1, 13.º, N.º 1 E 20.°.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 11-05-1995;
- DE 26-01-2017;
- DE 12-09-2017, PROCESSO N.º 13/08.4TMFAR.F4.S1.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:


- DE 24-03-1976, IN COLETÂNEA DE JURISPRUDÊNCIA 1976, 2.°, 461.
Sumário :
I - O processo especial “geral” de prestação de contas é o meio processual adequado para a prestação de contas, forçada ou espontânea, por todo aquele que tenha de as prestar e que não esteja abrangido pelos processos “especialíssimos” dessa prestação.

II - Uma prestação de contas sob a forma de conta-corrente – tal como impõe o art. 944.º, n.º 1 do CPC – é uma forma simples de escrituração de transacções, em rubricas (de deve e haver), que releva a situação patrimonial de uma conta em dado momento, ou num determinado período de tempo, através do saldo resultante das entradas/receitas/créditos e das saídas/despesas/débitos.

III - A lei não impõe como consequência inevitável e inexorável da falta de apresentação das contas sob aquela forma a sua rejeição, uma vez que se afirma literalmente no art. 944.º, n.º 2, do CPC “pode determinar” e não “determina”.

IV - Podendo a apresentação das contas de uma determinada entidade (colectiva ou singular) revestir outras formas para além da conta-corrente, não deve o juiz rejeitá-las quando as mesmas sejam apresentadas de modo a que seja possível determinar o saldo final da gestão em causa.

V - As contas são julgadas segundo o prudente arbítrio do julgador, não sendo obrigatório nomear pessoa idónea para dar parecer sobre elas quando tal não se revele necessário, designadamente quando, tal como sucede no caso presente, estão em causa contas simples que qualquer pessoa de mediana instrução apreende.

VI - A solução prevista no art. 944.º, n.º 2, do CPC de acordo com a qual, sendo rejeitadas as contas apresentadas pelo réu, a autora pode apresentá-las, sem que aquele seja admitido a contestá-las, não viola o princípio do contraditório, nem essa interpretação é inconstitucional já que se trata de um processo especial em que não se prevê qualquer audiência prévia para o efeito.

VII - Neste tipo de processo, o autor deve limitar-se a pedir a condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se e daí que só após notificação do réu para proceder ao pagamento do saldo apurado se poderá falar em mora (no caso de não pagamento), sendo os juros devidos, à taxa legal, no prazo de dez dias contado dessa notificação.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I – RELATÓRIO

  

l. AA, residente no Bairro de …, Quinta …, Lote 73, 4.º esq., em Bragança, instaurou acção de prestação de contas, com processo especial, contra BB, residente em 5, Av. …, 9…0 …, França, pedindo que este seja condenado na apresentação das contas da sua administração desde 1998 até 2006.

A acção foi, por sentença, julgada procedente, nos termos do disposto no artigo 1014.º-A, n.º 5 do antigo CPC (correspondente ao artigo 942.º, n.º 5, do novo CPC), condenando-se o R a prestar contas da sua administração desde 02.10.1998.

Notificado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1014.º-A, n.º 5 do CPC, o R apresentou contas sem dar cumprimento ao disposto no artigo 1016.º, n.º 1, do CPC, tendo sido determinada a rejeição das mesmas e a apresentação de contas pela A.

Inconformado, o R interpôs recurso de agravo de tal despacho.

O Tribunal da Relação do Porto julgou não provido o agravo e confirmou o despacho que determinou a apresentação de contas pela A.

Notificada para esse efeito, conforme o disposto no artigo 1015.º, n.º 1 do CPC (correspondente ao artigo 943.º, n.º 1 do novo CPC), a Autora veio apresentar as contas constantes de fls. 333-338 e pediu que o R seja condenado a pagar-lhe metade do saldo positivo apurado, no valor de € 75.748,54, acrescido dos respectivos juros moratórios desde 04.09.2006, até integral e efectivo pagamento.

Foi proferida decisão nos termos do disposto no artigo 943.º, n.º 2, do CPC.

Na decisão proferida, foi decidido aprovar parcialmente as contas apresentadas pela Autora e, por conseguinte, condenar o R a pagar-lhe o valor de € 31.360,07 (trinta e um mil trezentos e sessenta euros e sete cêntimos), acrescido de juros de mora contados desde 07.11.2008, até efectivo e integral pagamento.

Inconformados com tal decisão, Autora e Réu interpuseram recurso contra a mesma, tendo a Relação de …, por Acórdão de 16.02.2017, decidido «julgar parcialmente procedente o recurso do Réu e parcialmente procedente o recurso da Autora, revogando-se a decisão recorrida e, em consequência, condenar o Réu a pagar à Autora o montante de € 47.054,91».


4. Inconformado, o Réu, BB, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou as seguintes conclusões:

1ª. De acordo com as regras da experiência e a prudente convicção, perante a P.I., os factos e as decisões tomadas nos autos em causa não pode ser considerado que o réu tenha que prestar contas no período compreendido entre 2000 e 2006, sob pena de se violar o princípio estabelecido no artigo 615, n.º 1 alínea d) segunda parte do C.P.C.

2ª. Tal como a douta sentença proferida nos autos (a fls. 197 a 200), determina, que a autora requer a prestação de contas desde 1988 a 2000 e estar o réu obrigado a prestar contas neste período, desde 2/10/1988 a 2000 (fls. l98 e 199).

3ª. Deste modo o douto acórdão recorrido viola o artigo 615°, n.º 1, al. d) segunda parte, do C.P.C., ao considerar que a sentença recorrida podia conhecer de questões de que não devia tomar conhecimento, e não padece de nulidade.

4ª. Apenas pode reagir à decisão tomada na sentença, neste caso quanto a admissão dos documentos, através do recurso, tal como decorre das regras estabelecidas nos artigos 613° a 617°, 627°, 639°, 640° do CPC, uma vez que não teve o réu oportunidade de o fazer anteriormente, nos termos do artigo 415° do CPC.

5ª. Foi apenas apresentado o articulado (a fls. 337), em 9/5/2013, e um requerimento em 30/4/2015 com duas folhas, com os títulos emendados "Relatório de rendas" e "património comum", com os dizeres que lá se encontram inscritos, e uma factura simplificada, fls. 364, 365 e 366, (que se encontram localizadas a seguir a fls. 339 dos autos) que foram impugnados pelo réu.

6ª. Além das folhas pessoalmente apresentadas pela autora em 30/4/2015, (passados mais de dois anos, quando foi notificada para presentar as contas em 21/2/2013), nada mais foi entregue pela autora, nem relatórios de gestão, nem juntou quaisquer documentos aos autos.

7ª. Além de não terem sido apresentados documentos ou relatórios de gestão que disse apresentar, nunca foram apresentadas quaisquer contas sob a forma de Conta Corrente, onde devia ser especificada a proveniência das receitas e aplicação das despesas, com o respectivo saldo.

8ª. Também não foram apresentadas em duplicado e instruídas com quaisquer documentos justificativos dos valores apresentados.

9ª. A prática dos actos fora do prazo estabelecido decorrente da lei ou fixado judicialmente, extingue direito de praticar o acto, motivo pelo qual, independentemente da sua validade, não deviam ter sido aceites as peças processuais, entregues passados mais de dois anos, sob pena de ser violando o artigo 139° e 423° do C.P.C.

10ª. Quando se considere que o réu não as apresentou as contas sob a forma de conta corrente no prazo devido, as contas que o autor pode apresentar, nos termos do artigo 943°CPC, devem ser apresentadas sob a forma de conta corrente, obedecendo aos requisitos legais, tal como determina o n.º 1 deste artigo.

11ª. A mera indicação discricionária de valores globais discricionários, sem apresentação de documentos comprovativos, não possibilita conhecer a proveniência e o momento desses valores, não permitindo que que as mesmas sejam julgadas segundo o prudente arbítrio do julgador, que deve obter as informações e realizar as averiguações convenientes, podendo incumbir pessoa idónea de dar parecer sobre todas ou parte das verbas inscritas pelo autor, nos termos do n.° 2 do artigo 943° do CPC.

12ª. A admissão das contas pela autora sem a forma de conta corrente, tal como considera o douto acórdão recorrido, viola o principio do n.º 1, do artigo 943° do CPC.

13ª. Quando o autor apresente as contas de forma imprecisa e incompleta deve ser convidado a perfeiçoa-las e serem obtidas as informações e realizadas as averiguações convenientes, não tendo o juiz de aprovar as contas necessariamente, devendo proferir decisão justa. Ao ter decidido em contrario, o tribunal a quo viola a regra imposta pelo n.° 2 do artigo 943° do CPC.

14ª.   Deviam as contas da A. ter sido consideradas como não apresentadas e o réu absolvido da instância, como estabelece o n.º 4 do artigo 943° do CPC.

15ª. De acordo com o princípio do artigo 674°, n° 3, e as normas que se consideram violadas, deve ser apreciado se existe ofensa de disposição legal na apreciação da prova, por não serem alterados para não provados, pelo tribunal a quo, os factos; 3, 7, 9, 10, 11 e 12 da matéria de facto, considerada provada na lª instância.

16ª. A livre apreciação da prova, não abrange os factos para cuja prova se exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos (artigo 607° n.º 5 C.P.C.)

17ª.   Dado que esta questão foi julgada improcedente pelo douto acórdão do tribunal a quo, deve ser apreciada em sede de recurso dado ser legalmente exigido, no mínimo, obter as informações e realizar as averiguações convenientes, podendo ser incumbida pessoa idónea de dar parecer sobre todas ou parte das verbas inscritas pelo autor, como impõe o do n.°2 do artigo 943°, 607.°, n.°s 4 e 5, do CPC, 341°, 342°, n.° l e 351° do Cód. Civil, a fim de se poder julgar de acordo com o prudente arbítrio do julgador.

18ª. Rejeitadas as contas que o réu apresentou, devia ter tido em algum momento a oportunidade, mesmo não as contestando, de se pronunciar sobre as contas aparentadas pela Autora, e os alegados documentos, assegurando-se o princípio do contraditório, da igualdade das partes e cooperação.

19ª. Ao não entender deste modo, o Tribunal da Relação de …, viola neste segmento, aqueles princípios consagrados no actual Processo Civil, nos artigos 3.°, 4.°, 5º alínea b), 7°, 415°, 591°, 604°, 595 e 596 do C.P.C, o estabelecido no artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa (CRP) e até, os artigos 12.°, n.º 1 e 13, n.º l e o principio da protecção da confiança dos cidadãos, consagrado no artigo 2.° do mesmo diploma.

20ª. O douto acórdão, que julgou parcialmente procedente a prestação e contas, devia ter revogado totalmente a sentença recorrida e julgado totalmente improcedente a prestação de contas em virtude de o réu não ter obrigação de prestar contas.

21ª. Normas jurídicas violadas: artigos 3.° e 4.°, 5° alínea b), 7o, 591°, ó04° do Código de Processo Civil (C.P.C); artigos 186°, n.°s 1 e 2, 576.°, n.°s l e 2 e 577° b) do C.P.C.); artigos 415° e 423°, artigo 607°, n.º 4 e 5, artigo 615°, n.º 1, ai d) e e), artigo 943° do C.P.C.; n.°s 3 e 5 do artigo 10° da portaria.° 280/2013, de 26/8.

Artigos: 341°, 342°, n.º 1, 351° do Código Civil.

Artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa e indirectamente os artigos; 12.°, n.º 1 e 13, n.º 1 e o princípio da protecção da confiança dos cidadãos, consagrado no artigo 2.° do mesmo diploma.

22ª. No entender do recorrente devia ainda ter sido interpretado e aplicado o artigo 943°. n.º 1 do C.P.C, com o sentido, que a autora não apresentou as contas sob a forma de conta corrente, com especificação das receitas, despesas e respectivo saldo, nem apresentou quaisquer documentos comprovativos, e ainda que os elementos trazidos aos autos não foram apresentados nos prazos definidos, de acordo com os requisitos legais estabelecidos, que não foram cumpridos, ainda termos dos artigos 139.°. 415° e 423° do CPC.

23ª.   Ao considerar as contas, tal como foram apresentadas pela autora, e ao serem julgadas, viola-se o artigo o n.º 2 do artigo 943°, 607, n.º 5, 341°, 342°, n.º 1, 351° do Código Civil, por carecer de informações e averiguações convenientes e por não se incumbir pessoa idónea de dar parecer sobre todas as verbas inscritas pelo autor, embora facultativo, mas necessário por falta de elementos, no caso sub-judice.

24ª.   Devia ter sido aplicado o princípio estabelecido no n.º 4 deste artigo 943°, e o réu ter sido absolvido da instância.

25ª. Não obstante o estabelecido no artigo 943°, n° 2, do C.P.C., devia ter sido dada oportunidade ao réu de se pronunciar em obediência ao princípio da igualdade das partes e do contraditório e da cooperação, estabelecidos nos artigos 3.° e 4.°, 5º alínea b), 7°, 591°, 604° e 415° e 423° do C.P.C

Entende ainda o recorrente que o esclarecimento destas questões, pelas razões invocadas e correcta aplicação dos princípios que considera violados, é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

Conclui pedindo que o presente recurso deve merecer total provimento e em consequência deve ser proferido acórdão que revogue o acórdão recorrido, substituindo-os por outro em que não se verifiquem os pressupostos e o dever de prestar contas por parte do réu/ recorrente.

 

5. A Autora AA veio interpor Recurso Subordinado de Revista, formulando as seguintes conclusões:

1ª. O cônjuge administrador tem a obrigação de conferir o que deve ao património comum e portanto, de prestar contas ao outro cônjuge, pela gestão do património comum desde a instauração da acção de divórcio, data à qual retroagem os efeitos patrimoniais do divórcio.

2ª. O cônjuge administrador constitui-se em mora desde que seja interpelado pelo outro cônjuge para cumprir aquela sua obrigação.

3ª. Não obsta à constituição em mora naquela data a iliquidez do crédito do cônjuge não administrador, por ser a mesma imputável ao cônjuge administrador do património comum.

4ª. A interpelação do R. para a prestação de contas ocorreu com a sua citação para os termos do presente processo, em 16/04/2007, desde quando o R. não mais podia ignorar que a A. lhe exigia judicialmente a prestação das contas a que estava obrigado.

5ª. O R. não pode retirar qualquer benefício da iliquidez do crédito da A., por lhe ser imputável tal iliquidez, porquanto a podia fazer cessar em qualquer altura, prestando contas e assim, cumprindo a sua obrigação.

6ª. Deve por isso, o Réu ser condenado a pagar à A. os juros de mora desde 16/04/2007 até integral e efectivo pagamento.

7ª. O raciocínio expendido no douto Acórdão recorrido e as conclusões nele formuladas estão dirigidas para situações muito distintas da que se nos depara nos presentes autos, nomeadamente, para o caso normal e genérico de prestação de contas pelo R. a tal obrigado, com apresentação pelo próprio R. de um saldo positivo a favor do A., não sendo este o caso dos autos.

8ª. O disposto no art° 944°, n° 5, do C.P.C., não afasta a aplicação de preceitos legais substantivos de onde decorra expressamente um momento para a constituição em mora diferente daquele que se pode entender que decorre daquele preceito (o termo do prazo de 10 dias subsequente à notificação do Réu, para o efeito requerida pelo A., para aquele pagar a importância do saldo das contas que ele próprio apresentou), como sucede no caso sub Júdice.

9ª. De resto, a cominação contida no art° 944°, n° 5 do C.P.C. não é a de serem devidos juros de mora pelo R. devedor depois de decorrido e não cumprido o tal prazo de 10 dias, mas antes o de se proceder à penhora dos seus bens e se seguirem os termos posteriores da execução por quantia certa.

10ª. Nem faria muito sentido que a obrigação de pagamento de juros de mora encontrasse fundamento legal numa disposição processual, em vez de radicar, como deve, na lei substantiva.

11ª. Na presente acção, o R. foi citado para prestar contas, impugnou tal obrigação e não obstante ter sido proferida decisão que determinou tal prestação a seu cargo e ter sido notificado para apresentar contas no prazo de 30 dias, não as prestou, tendo sido devolvido à A., o direito de as apresentar.

12ª. Não pode razoavelmente entender-se que a consequência da conduta processual do Réu é a de que "não há por ora qualquer condenação em juros", desde logo porque, se o R. tivesse cumprido oportunamente a sua obrigação, em vez de atrasar a liquidação e o reconhecimento do crédito da A., teria de pagar juros depois de decorrido o prazo de 10 dias após a notificação que a A. requeresse para proceder ao pagamento do saldo positivo que ele próprio apresentasse!

13ª. A conduta processual errática e dilatória do R. nos presentes autos não pode merecer tão chorudo prémio!

14ª. Deve por isso, entender-se que o art° 944°, n° 5 do C.P.C. não tem aplicação no caso dos autos.

15ª. Sem conceder, caso se entenda dever ser aplicável ao caso sub Júdice o disposto no art° 944°, n° 5 do C.P.C., interpretado no sentido defendido pelo douto Acórdão recorrido, então há-de aplicar-se tal preceito devidamente adaptado, mutatis mutandis, às circunstâncias processuais da presente lide.

16ª. Considerando que o R. não prestou as contas a que estava obrigado, que estas foram consequentemente, apresentadas pela A. e que o R. não tem o direito de contestar ou impugnar as contas apresentadas, deve entender-se que a apresentação das contas pela ora Recorrente e o pedido expressamente então formulado de condenação do R. a pagar-lhe metade do saldo positivo apurado, acrescido dos respectivos juros moratórios, equivale ao pedido de pagamento do saldo e dos respectivos juros de mora e fez incorrer o R. em mora após o decurso do prazo de 10 dias subsequente à sua notificação daquele requerimento, sem prejuízo do julgamento das mesmas (e portanto, do apuramento do concreto saldo devedor) segundo o prudente arbítrio do julgador.

17ª. Tendo em conta que o Requerimento da A. com a apresentação das contas foi oferecido nos autos através do Citius, em 9/05/2013 e que o mesmo foi nessa data notificado por via electrónica ao Ilustre mandatário do R., deve então entender--se que o R. se considera notificado em 13/05/2013 (art° 248° do C.P.C.) e que, uma vez que não pagou até hoje, à A. o saldo ali apurado ou qualquer outra importância, se constituiu em mora, pelo menos, no dia 23/05/2013 incorrendo desde então, na obrigação de pagar juros moratórios sobre o valor que a final, vier a ser considerado como devido pelo R. à A./Recorrente.

18ª. Foram violados ou mal interpretados os artigos 805°, n° 1 e n° 3; 1.164°; 1.688°; 1.689°, n° 1; 1.789°, n° 1; do Cód. Civil e os artigos 942°, n° 1; 943°, n° 2 e 944°, n° 5; do C.P.C.

Conclui pedindo a condenar do R./Recorrido a pagar à A./Recorrente, além do mais, os juros de mora vencidos desde 16/04/2007, ou pelo menos, desde 23/05/2013, até integral e efectivo pagamento.


O Tribunal da Relação admitiu ambos os recursos (fls. 487).


Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.



II – FUNDAMENTAÇÃO


Foram dados como provados os seguintes factos:


1 - O casamento entre a Autora e o Réu foi dissolvido por divórcio decretado pelos Tribunais Franceses no dia 15.04.1999 e confirmado pelo Tribunal da Relação do Porto por acórdão proferido a 22.05.2001 e transitado a 19.06.2001.

2 - A acção de divórcio foi intentada pela Autora, junto dos Tribunais Franceses, em 02.01.1998.

3 - No período compreendido entre 1998 e 2006, o Réu recebeu a título de rendas de prédios urbanos comuns a importância global de € 59.949,47.

4 - Despendeu no mesmo período, em serviços de manutenção, a quantia total de € 678,32.

5 - Pagou de impostos relativos àqueles bens, nomeadamente Contribuição Autárquica e IMI, despesas de execuções fiscais e outras, o montante total de € 16.555,16.

6 - Suportou ainda a quantia de € 6.655,68 com outras despesas de administração do património, a saber seguros, electricidade e administração de condomínio.

7 - Ainda em 1998, o Réu recebeu de rendas da fracção autónoma inscrita com o artigo 4293.º-AC, sita na Q…, a importância total de € 4.193,99.

8- Em 1998, o Réu recebeu de rendas da fracção autónoma inscrita com o artigo 266.º-E, sita em B…., a importância total de € 1.024,56.

9- Em 02.01.1998, o Réu tinha depositada na conta n.º 01…/800, junto da CGD, a importância de € 1.132,07, que era comum do casal e da qual dispôs em proveito exclusivo.

10 - Em 02.01.1998, o Réu tinha também depositada na conta n.º 0002…70, junto do Banco CC, S.A., na Puebla de Sanábria, a importância de € 9.773,67, que era comum do casal e da qual dispôs em proveito exclusivo.

11 - Em 02.01.1998, o Réu tinha ainda depositada na conta n.º 040…0, junto do mesmo banco BB, SA, na Puebla de Sanábria, a importância de € 10.036,33, que era comum do casal e da qual dispôs em proveito exclusivo.

12 - Em certificados de aforro dos Serviços Financeiros Postais, o casal tinha o valor de € 10.354,73, importância da qual dispôs o Réu em proveito exclusivo.

13 - O casal era proprietário, em 02.01.1998, de um veículo automóvel de marca Ford Fiesta, matrícula QJ-...-..., que foi alienado pelo Réu em Março de 1999, a DD, pelo montante de € 498,80.

14 - No período de Janeiro/1998 até Dezembro/2000, o Réu teve na sua inteira disponibilidade, o prédio urbano inscrito na respectiva matriz predial com o artigo 229.º, sito em B…, o qual tinha o valor locatício de, pelo menos, € 500,00/mês.

15 - No período de Março/1999 até Agosto/2006, o Réu teve na sua inteira disponibilidade, a fracção autónoma inscrita na respectiva matriz predial com o artigo 266.º-I, sita em B…, a qual tinha o valor locatício de, pelo menos, € 150,00/mês.

16 - O Réu teve ainda, no período de Janeiro/1998 até Agosto/2006, na sua inteira disponibilidade, a fracção autónoma inscrita na respectiva matriz predial com o artigo 3283.º-AI, sita em B…, a qual tinha o valor locatício de, pelo menos, € 150,00/mês.

17 - O Réu teve finalmente, no período de Janeiro/1999 até Dezembro/2000, na sua inteira disponibilidade, a fracção autónoma inscrita na respectiva matriz predial com o artigo 4293.º-AC, sita na Q…, a qual tinha o valor locatício de, pelo menos, € 350,00/mês.”



III – DA SUBSUNÇÃO – APRECIAÇÃO


Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal, corridos os vistos, cumpre decidir.


A) O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do Recorrente, artigo 635 do Código de Processo Civil.

Lendo as alegações do recurso principal bem as do recurso subordinado, e tendo em consideração as conclusões formuladas por ambos os Recorrentes, as questões concretas de que cumpre conhecer são as seguintes:


No recurso principal


1ª- O Tribunal da Relação pronunciou-se indevidamente sobre uma questão nova, sendo o Acórdão nulo, nos termos do artigo 615 n.º 1 al. d) (parte final) e e) do CPC?

2ª- Extemporaneidade da apresentação de documentos e da prestação de contas?

3ª- As contas apresentadas pela Autora obedecem aos requisitos legais (não apresentação sob a forma de «conta-corrente») e existe ofensa de disposições legais na apreciação da prova?

4ª- Houve desrespeito pelo contraditório?


            No recurso subordinado

           

1ª- Desde quando devem ser contados os juros devidos pelo Réu?


Vejamos

B) Analisemos a primeira questão arguida pela Recorrente: O Tribunal da Relação pronunciou-se indevidamente sobre uma questão nova, sendo o Acórdão nulo, nos termos do artigo 615 n.º 1 al. d) (parte final) e e) do CPC?


Nos termos do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, relativo às causas de nulidade da sentença uma sentença é nula quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.

Estas são as causas de nulidade de sentença.

Tendo presentes estes princípios jurídicos, sumariamente enunciados, vejamos se o Tribunal se pronunciou indevidamente sobre uma questão nova e se condenou em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.

A resposta terá necessariamente que ser negativa.

Refira-se que é «frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar, desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades», Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, pág. 132.

No caso concreto, entendemos, sem margem para dúvidas que a sentença recorrida não é nula, nos termos do artigo 615 n.º al. d) do CPC, como afirma o Recorrente.

O Recorrente defende que o Acórdão é nulo pois que ao ser o Réu «condenado a prestar contas no período correspondente de 1998 a 2006 o Tribunal está a tomar conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento».

Não lhe assiste qualquer razão, como aliás já referiu o acórdão recorrido que apreciou exactamente a mesma nulidade aí invocada também pelo ora Recorrente.

Basta ler a petição inicial para se verificar a falta de razão do recorrente.

Aí no artigo 1º a Autora alega «o ora requerido nos termos do artigo 1014 do CPC, administrou bens provenientes do divórcio entre o ora requerido e ora requerente, desde 1998 a 2006».

E na sentença de fls. 198 e ss o que está decidido é que «está o Reu obrigado a prestar contas desde 02.10.1998».

Como é manifesto o Acórdão em recurso não cometeu nenhum excesso de pronúncia, não se pronunciou indevidamente sobre uma questão de que não pudesse conhecer.

O Tribunal da Relação não conheceu de matéria nova que não tivesse sido alegada, pelo que não se vislumbra que tenha cometido a invocada nulidade do artigo 615 n.º 1 al. d) do CPC, pois toda a matéria de que tomou conhecimento podia ser apreciada pela Relação (art. 627.º/1 do CPC).

Não se verifica a imputada nulidade de sentença com fundamento na invocada al. d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC.


C) Analisemos a segunda questão: Extemporaneidade da apresentação de documentos e da prestação de contas?

O Recorrente volta nesta instância a colocar a mesma questão que já apresentou em sede de recurso para a Relação.

Mas mais uma vez sem qualquer razão o faz.

Desde logo, como bem salienta o Acórdão «tal questão nunca foi suscitada perante o tribunal a quo e teria sido oportuno fazê-lo aquando da apresentação de tais peças (note-se que não poder deduzir oposição é diferente de não pode arguir nulidades)».

E visando os recursos modificar decisões e não criar decisões sobre matéria nova não podia a questão em apreço ser apreciada.

Mas apesar disso a Relação conheceu da questão pois que afirmou «Ainda assim, sempre se dirá que a lei prevê no art.º 943.º, n.º 1 do CPC, a prorrogação do prazo e, por isso, tendo a Mmª Juíza admitido as contas em causa, temos de concluir que as considerou em prazo justificado».

E a Relação aderindo à posição da 1ª. Instância também entendeu que as contas tinham sido apresentadas em tempo.

Saber se deviam ter sido apresentados outros documentos é questão que se prende com o mérito da acção, com a validade das contas apresentadas e não com a sua extemporaneidade.

Improcede, assim, esta questão.


D) Vejamos a terceira questão colocada: As contas apresentadas pela A obedecem aos requisitos legais?

 

1 - Nos termos do artigo 941.º do Código de Processo Civil « A acção de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se».

Este preceito corresponde ao antigo artigo 1014º do CPC.

Nos termos do n.º 1 do artigo 944.º do Código de Processo Civil « As contas que o réu deva prestar são apresentadas em forma de conta-corrente e nelas se especifica a proveniência das receitas e a aplicação das despesas, bem como o respectivo saldo».

Acrescenta o n.º 2 do mesmo preceito que «A inobservância do disposto no número anterior, quando não corrigida no prazo que for fixado oficiosamente ou mediante reclamação do autor, pode determinar a rejeição das contas, seguindo-se o disposto nos n.os 1 e 2 do artigo anterior».

Trata-se de um preceito praticamente idêntico ao antigo artigo 1016º do CPC.

Estatui o n.º 1 do artigo 946.º do Código de Processo Civil, relativo à Prestação espontânea de contas, que «sendo as contas voluntariamente oferecidas por aquele que tem obrigação de as prestar, é citada a parte contrária para as contestar no prazo de 30 dias».

Acrescenta o n.º 2 do mesmo normativo que «É aplicável neste caso o disposto nos dois artigos anteriores, devendo considerar-se referido ao autor o que aí se estabelece quanto ao réu, e inversamente».

Corresponde ao antigo artigo 1018º do CPC.

Nos termos do artigo 945.º do Código de Processo Civil, relativo à apreciação das contas apresentadas:

1 - Se o réu apresentar as contas em tempo, pode o autor contestá-las no prazo de 30 dias, seguindo-se os termos, subsequentes à contestação, do processo comum declarativo.

2 - Na contestação pode o autor impugnar as verbas de receita, alegando que esta foi ou devia ter sido superior à inscrita, articular que há receita não incluída nas contas ou impugnar as verbas de despesa apresentadas pelo réu; pode também limitar-se a exigir que o réu justifique as verbas de receita ou de despesa que indicar.

3 - Não sendo as contas contestadas, é notificado o réu para oferecer as provas que entender e, produzidas estas, o juiz decide.

4 - Sendo contestadas algumas verbas, o oferecimento e a produção das provas relativas às verbas não contestadas têm lugar juntamente com os respeitantes às das verbas contestadas.

5 - O juiz ordena a realização de todas as diligências indispensáveis, decidindo segundo o seu prudente arbítrio e as regras da experiência, podendo considerar justificadas sem documentos as verbas de receita ou de despesa em que não é costume exigi-los.

Este preceito corresponde ao antigo artigo 1017º n.º 3 do CPC.

 

2 - Como resulta dos citados preceitos legais o processo especial “geral” de prestação de contas, é o meio processual adequado para a prestação de contas, forçadas ou espontaneamente, por todo aquele que tenha de as prestar e que não esteja abrangido pelos processos “especialíssimos” dessa prestação.

O processo em apreço tem pois por finalidade a apresentação de contas por parte do Réu, da administração que fez no período que em causa (a partir de 02.10.1998 e até 2006), dos bens do casal.

O Tribunal deve apreciar essas contas e determinar o saldo existente.

Que o Réu tem o dever de prestar contas afigura-se ser inequívoco (estando aliás, tal questão já definitivamente assente).

O processo em apreço tem pois por finalidade a apresentação de contas por parte do réu, da administração que fez no período que decorre a partir de 02.10.1998 (até 4/09/2006).

O Tribunal deve apreciar essas contas e determinar o saldo existente.

Que o Réu tinha o dever de prestar contas afigura-se ser inequívoco. Como não as apresentou veio a Autora apresentar tais contas.

Entende o Recorrente, todavia, que a Autora não apresentou as contas na forma imposta pelo artigo 944 n.º 1 do CPC – ou seja, sob a forma de conta-corrente – e, por isso, as contas apresentadas deveriam ser rejeitadas.

Entendemos que não assiste razão ao Recorrente.

O artigo em causa estabelece que as contas devem ser apresentadas em forma de conta-corrente (artigo 944º n.º 1 do CPC), estatuindo o seu n.º 2 que a inobservância desta disposição, pode determinar a rejeição das contas.

O termo “conta-corrente” significa “escrituração do crédito e do débito de uma pessoa ou entidade”, Grande Dicionário de Língua Portuguesa, P. 231.

Uma Prestação de Contas sob a forma de Conta-Corrente é uma forma simples de escrituração de transacções, em rubricas de (deve e haver), (débitos e créditos), que releva a situação patrimonial de uma conta em cada momento, ou num determinado período de tempo, através do saldo resultante das entradas/receitas/créditos e das saídas/despesas/débitos.

Este tipo de escrituração deve ser efectuado num só documento do tipo:

Este tipo de escrituração deve ser efectuado num só documento do tipo:

MOVIMENTOS
Data Designação Débitos Créditos Saldo/Situação

                    

Apresentar as contas sob a forma de conta-corrente é uma das formas de contabilidade, é uma das artes de escriturar as contas.

No Acórdão da Relação de Lisboa de 24.03.1976, in Col. Jur., 1976, 2° - 461, escreveu-se: “... Quando se diz - as contas devem ser apresentadas em forma de conta corrente - quer-se aludir a uma forma gráfica de contabilidade, a um determinado método de dar a conhecer as operações de crédito e débito entre duas pessoas. A espécie gráfica conta-corrente decompõe-se em três elementos fundamentais: receitas, despesas e saldo. As contas apresentam a expressão ou a forma gráfica de conta corrente, quando em colunas separadas se inscrevem as verbas de receitas, as verbas de despesa e o saldo resultante do confronto de umas e de outras. As verbas de receita inserem-se em coluna que tem a rubrica Haver, as verbas de despesa em coluna encimada pela palavra Deve.”

A apresentação das contas sob a forma de conta corrente visa a representação do movimento patrimonial e monetário, a exposição sintética de todos os dados e movimentos monetários da actividade de uma determinada entidade, (no caso concreto seria da actividade de gestão do Réu).

A lei não impõe como consequência inevitável e inexorável a rejeição das contas. A não apresentação das contas sob a forma de conta-corrente pode determinar a sua rejeição mas não determina obrigatoriamente essa rejeição.

O preceito legal afirma literalmente “pode determinar” e não “determina”.

A redacção deste normativo não impõe que sempre que as contas não sejam apresentadas sob a forma de conta-corrente o Juiz tenha obrigatoriamente de as rejeitar. Pode ter de o fazer mas não é obrigado a fazê-lo.

Como se disse supra o presente processo visa fundamentalmente determinar o quantitativo que uma parte deve à outra, ou dito de outro modo determinar o saldo existente nas contas.

E a apresentação das contas segundo a técnica contabilística de escrituração na forma de conta-corrente pretende facilitar a análise dos dados que são levados ao processo.

Mas como se sabe a apresentação ou escrituração das contas de uma determinada entidade (colectiva ou singular) pode revestir outras formas.

Uma delas é a que foi apresentada pelo Autor.

As contas encontram-se apresentadas pela Autora, a fls. 333 a 338, sob a forma de receitas e despesas relativamente a prédios urbanos comuns (recebimento de rendas e despesas respectivas), contas bancárias comuns que o Ré teria utilizado em proveito pessoal, venda de um veículo automóvel, utilização pelo Réu de imóveis comuns.

Ora, ainda que as contas não tenham sido apresentadas segundo a forma que a lei aconselha (a forma de conta-corrente) isso não impunha obrigatoriamente que o Sr. Juiz a quo as rejeitasse, uma vez que é possível determinar-se e avaliar-se o saldo final da gestão do Réu.

Podemos afirmar que a Autora apresentou as contas segundo uma técnica imperfeita, (sendo certo que não existem elementos documentais de suporte dos valores apresentados), não usando a forma de escrituração que a lei aconselha (o processo de escrituração designado por conta-corrente).

A Sr. Juiz a quo, apesar de a Autora não ter apresentado as contas sob a forma de escrituração que a lei aconselha (por conta-corrente), devia ter apreciado, como apreciou, essas contas ainda que, se assim o entendesse, colhesse as informações que tivesse por convenientes ou mesmo se incumbisse pessoa idónea para dar parecer sobre as contas apresentadas.

As contas apresentadas ainda que não sob a forma de conta corrente deveriam ser apreciadas segundo o prudente arbítrio do julgador.

Como se afirma no Acórdão recorrido, citando Alberto dos Reis «não estamos aqui perante o exercício de um poder discricionário, sendo, antes, dado ao juiz um poder latitudinário. Acrescentando que no «julgamento das contas o juiz move-se com grande liberdade e largueza; mas não pode emitir a decisão que lhe apetecer; há-de lavrar a sentença que, em seu prudente arbítrio, corresponder ao estado dos autos; e a sentença fica sujeita, mediante recurso, à censura da Relação, que, usando por sua vez de prudente arbítrio pode revogá-la ou alterá-la».

E prosseguindo com palavras de Lopes do Rego «o “prudente arbítrio” do julgador tem de ser entendido como pressupondo uma apreciação jurisdicional necessariamente “não arbitrária”, efectuada segundo critérios de ponderação e razoabilidade, que oriente os critérios de conveniência e oportunidade que estão na sua base sempre em função da realização dos fins do processo».

Em suma e em conclusão entendemos que pelo mero facto de a Autor não ter apresentado as contas sob a forma de escrituração aconselhada pela lei, ou seja a conta-corrente, tendo-as apresentado sob uma outra forma de escrituração contabilística, não é motivo para o Juiz rejeitar as contas apresentadas, devendo pronunciar-se sobre as mesmas (aprovando-as ou não).

Mas o recorrente afirma ainda que as contas não podiam ter sido aprovadas pois que a autora não teria feito prova dos factos que alegou e no mínimo deveria ter sido incumbida pessoa idónea para dar o parecer sobre as contas apresentadas, pelo que teriam sido violados os artigos 943 do CPC e 342 n.º 1 e 351 ambos do CC.

Não assiste qualquer razão ao recorrente.

Quanto ao facto de não ter sido nomeada pessoa idónea para dar parecer sobre as contas já se disse supra que as contas são julgadas segundo o prudente arbítrio do julgador.

A lei refere que pode ser incumbida pessoa idónea para dar parecer sobre todas ou parte das verbas inscritas pelo autor. Não dispõe que tem de ser nomeado.

A Sr.ª Juiz não entendeu ser necessário que alguém desse parecer sobre as contas e julgou-as segundo o seu prudente arbítrio.

Lembre-se que estamos perante contas simples, contas que qualquer pessoa de mediana instrução apreende, contas relativas a assuntos que a maioria dos cidadãos domina com facilidade.

Não seria necessário nomear um perito para dar parecer sobre contas de tal simplicidade.

Nada há a censurar neste ponto.

Como também nenhuma censura merece, nem se mostram violados os artigos 342 e 352 do CC.

No entender do recorrente o Tribunal da Relação, como o da 1ª. Instância não teria considerado devidamente as provas, pois que a autora teria o ónus da prova e não teria feito a prova.

Em suma, pretende o Recorrente colocar em causa a matéria de facto que a Relação deu como Provada.

Dispõe o n.º 4 do artigo 662.º do CPC que « das decisões da Relação previstas nos n.ºs 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça », sendo que nos termos do n.º 1 do mesmo preceito « A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa ».

Estatui ainda o n.º 2 do artigo 682.º do CPC que «A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 3 do artigo 674.º».

E, relativamente aos fundamentos da revista diz-nos o n.º 3 do artigo 674.º n.º do CPC que «O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova».

Afigura-se-nos ser inequívoco que não estamos perante aquela excepção de «ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova».

Desta forma, ainda que tivesse havido erro na «apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa», o mesmo não poderia ser objecto de recurso de revista, não se podendo conhecer do recurso nesta parte, cfr. neste sentido o Ac. do STJ de 26.01.2017, citado pela Recorrida bem como o Ac. do STJ de 12 de Setembro de 2017, proferido no processo n.º 13/08.4TMFAR.F4.S1.

Em suma, nesta parte não se conhece do recurso apresentado pela Recorrente

Impõe-se, assim, igualmente a improcedência desta questão.

  

E) Resta decidir a questão de saber se ocorreu violação do princípio do contraditório?

O recorrente entende que apesar de não contestado as contas deveria ter tido oportunidade de se pronunciar sobre as contas apresentadas pela Autora, e os alegados documentos, assegurando-se o princípio do contraditório, da igualdade das partes e cooperação.

Teriam sido violados os princípios consagrados nos artigos 3.°, 4.°, 5º alínea b), 7°, 415°, 591°, 604°, 595 e 596 do C.P.C, o estabelecido no artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa (CRP) e até, os artigos 12.°, n.º 1 e 13, n.º l e o princípio da protecção da confiança dos cidadãos, consagrado no artigo 2.° do mesmo diploma.

O Recorrente insiste nesta questão que já havia colocado na apelação para a Relação, tendo defendido que se deveria ter marcado uma audiência prévia ou uma tentativa de conciliação.

Entendemos que não se mostra violado qualquer preceito legal, como também não se mostra violado nem o princípio do contraditório nem o princípio da protecção da confiança dos cidadãos na justiça.

Importa recordar que o ora Recorrente foi inicialmente citado para apresentar contas da administração que ele fez de um património comum (dele e da Autora).

O ora Recorrente, após condenação para o efeito, apresentou contas que foram rejeitadas (o que foi confirmado por decisão de um tribunal superior).

Por isso veio a autora apresentar as contas relativas ao período em que o recorrente administrou bens comuns e pediu o pagamento de metade do saldo apurado.

Ora, nos termos do n.º 2 do artigo 944 do CPC rejeitadas as contas apresentadas pelo Réu segue-se o disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 943 do CPC.

Ou seja, rejeitadas as contas apresentadas pelo Réu pode a autora apresenta-las e o réu não é admitido a contestar as contas apresentadas, que são julgadas segundo o prudente arbítrio do julgador, depois de obtidas as informações e feitas as averiguações convenientes, podendo ser incumbida pessoa idónea de dar parecer sobre todas ou parte das verbas inscritas pelo autor.

Estamos a analisar uma fase processual em que já não é admitida a contestação das contas por parte do R e, por isso como se disse no Acórdão recorrido «se recorre à metodologia empregue: análise do parecer, apuramento das receitas, despesas e respectivo saldo, exame discriminado das contas e sua conferência com a documentação existente nos autos.

Não havia, pois, que designar qualquer audiência prévia, até porque estamos perante um processo especial e o seu regime não o prevê, pelo menos nesta fase processual».

O Recorrente já teve oportunidade para se pronunciar sobre as «contas» da sua administração, houve uma pronúncia prévia sobre tal questão, pelo que sempre estaria assegurado o princípio do contraditório.

O Recorrente alude a uma eventual inconstitucionalidade por violação do artigo 20 e indirectamente os artigos 12 e 13, todos da CRP.

Em nosso entendimento não foi adoptada qualquer interpretação que possa ser acusada de inconstitucional, seja por violação do princípio do contraditório seja por violação do principio da protecção da confiança dos cidadãos, pelo que não faz sentido ver na tramitação adoptada qualquer interpretação susceptível de violar os princípios constitucionais.

 Aliás, o próprio recorrente não aduz uma única razão em abono das eventuais inconstitucionalidades suscitadas.

Deste modo, é manifesto que se impõe a improcedência desta questão, uma vez que não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade.

Em suma, entendemos que se impõe a improcedência total das alegações do recorrente, pelo que se nega a revista.


F) Resta apreciar o recurso subordinado

A questão que se coloca no recurso da autora é apenas uma saber desde quando devem ser contados os juros devidos pelo réu.

A sentença de primeira instância considerou que o R deve pagar juros de mora desde 07.11.2008, data em que foi interpelado judicialmente para prestar as contas da sua administração.

O acórdão recorrido entende que só prestadas as contas pode o autor pedir que o réu seja notificado para lhe pagar o saldo que elas apresentem a seu favor e, se o réu não pagar o saldo apurado nas suas contas no prazo de 10 dias após a notificação, incorre em mora e terá de pagar juros à taxa legal a partir do dia seguinte ao décimo posterior à notificação.

A Autora/recorrente defende que o R./Recorrido a pagar à A./Recorrente, além do mais, os juros de mora vencidos desde 16/04/2007, data da sua citação para os termos do presente processo, ou pelo menos, desde 23/05/2013, (uma vez que o requerimento da A. com a apresentação das contas foi oferecido nos autos através do Citius, em 9/05/2013 e que o mesmo foi nessa data notificado por via electrónica ao Ilustre mandatário do R., deve então entender-se que o R. se considera notificado em 13/05/2013 e que, uma vez que não pagou até hoje, à A. o saldo ali apurado ou qualquer outra importância), se constituiu em mora, pelo menos, até integral e efectivo pagamento.

Entendemos que a razão se encontra do lado da decisão recorrida.

Efectivamente, nos termos do artigo 941 do CPC o autor neste tipo deve limitar-se a pedir a condenação «no pagamento do saldo que venha a apurar-se».

Como é evidente neste saldo não estão incluídos os juros de mora.

Só após a notificação do réu para pagar o saldo apurado é que se poderá falar em mora (no caso de não pagamento).

Neste sentido o Ac. do STJ de 11.05.1995, citado pelo Acórdão recorrido.

Por isso, bem andou o Acórdão recorrido em decidir que só prestadas as contas pode o autor pedir que o réu seja notificado para lhe pagar o saldo que elas apresentem a seu favor e, se o réu não pagar o saldo apurado nas suas contas no prazo de 10 dias após a notificação, incorre em mora e terá de pagar juros à taxa legal a partir do dia seguinte ao décimo posterior à notificação.

Deste modo os juros não podem ser contabilizados nem a partir de 16/04/2007, nem desde 23/05/2013, como pretende a Recorrente/autora, uma vez que ainda não havia mora do Réu.

Improcede assim esta questão e consequentemente o recurso subordinado interposto pela Autora/recorrente.


  III – DECISÃO


Pelo exposto, decide-se negar a revista do Réu bem como o recurso subordinado da Autora, confirmando-se o Acórdão recorrido.

Custas pelos Recorrentes na proporção dos respectivos decaimentos.


Lisboa, 09 de Novembro 2017


José Sousa Lameira (Relator)

Hélder Almeida

Maria dos Prazeres Beleza