Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06P664
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: HENRIQUES GASPAR
Descritores: TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
MEDIDA DA PENA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Nº do Documento: SJ200603220006643
Data do Acordão: 03/22/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Sumário : I  -   Conforme tem sido entendido na jurisprudência e na doutrina a previsão do art. 25.º do DL 15/93, de 22-01, configura um tipo privilegiado em razão do grau de ilicitude em relação ao tipo fundamental do art. 21.º. Pressupõe, por referência ao tipo fundamental, que a ilicitude do facto se mostre «consideravelmente diminuída» em razão de circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção, e a qualidade ou a quantidade dos produtos.

II - A densificação da noção de «ilicitude consideravelmente diminuída», tendo embora como referências ainda a indicação dos critérios da lei, está fortemente tributária da intervenção de juízos essencialmente prudenciais, permitidos (e exigidos) pela sucessiva ponderação da praxis judicial perante a dimensão singular dos casos submetidos a julgamento, em avaliação, não obstante, objectiva e com projecção de igualdade, e não exasperadamente casuística ou fragmentária.

III - Tendo em consideração que o tempo de actividade foi relativamente escasso (entre o início do mês de Novembro de 2004 e o dia 16-01-05, data em que foi detido), que a actividade foi desenvolvida sem apoio, isoladamente, sem sofisticação ou organização, com o consequente menor risco de disseminação, e que, por sobre tudo, paira alguma indeterminação sobre as quantidades de produto transaccionadas, uma vez que o recorrente destinava parte do produto que adquiria para consumo próprio, a ilicitude pode ser vista como consideravelmente diminuída, integrando assim os factos provados o crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo art. 25.º do DL 15/93, de 22-01.

IV - E, dentro da moldura penal abstracta correspondente a este ilícito, tendo em conta que o grau de ilicitude pode situar-se nos limites inferiores a uma projecção média, e que as imposições de prevenção especial, considerada a situação pessoal do recorrente (condenação anterior, consumidor de estupefacientes mas com esforço de tratamento, situação familiar com dois filhos menores, apoio familiar, esforço de integração laboral), aconselham a fixação da pena em moldura que potencie proporcionalmente a reacomodação do recorrente com os valores do direito, sobretudo na relação com produtos estupefacientes, em que tem sido problemática, considera-se adequada a satisfazer as finalidades da punição a pena de 3 anos de prisão.

V  - Dado que o recorrente foi já condenado por crime de tráfico de menor gravidade na pena de 20 meses de prisão, que cumpriu, sendo que tal condenação e cumprimento de pena não se revelaram suficientes para prevenir a prática de novos factos da mesma natureza, não pode ser formulado um juízo de prognose favorável que é pressuposto da aplicação da pena de substituição prevista no art. 50.º do CP.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:


1. "AA", casado, trolha, nascido a 24/05/1969, filho de BB e de CC, natural da freguesia e concelho de Cinfães, onde também reside na Rua de Santa Bárbara, foi acusado pela prática, em autoria material e como reincidente, de um crime e de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93,e 22 de Janeiro.
Na sequência de julgamento perante o tribunal colectivo, foi condenado pela prática, como reincidente, do referido crime na pena de cinco anos e oito meses de prisão.

2. Não se conformando, recorre para o Supremo Tribunal, com os fundamentos da motivação que apresenta e que termina com a formulação das seguintes conclusões:
1ª. Os factos dados por provados, bem como aqueles que, pese embora investigados, se tiveram por não provados, implicam a subsunção da conduta do recorrente ao tipo de ilícito previsto no artigo 25° do DL 15/93 de 22-01 e não, como erradamente fez o Tribunal Recorrido, à previsão do artigo 21° do citado diploma.
2ª. Pois que, dos aludidos factos alcança-se, quer pelas circunstâncias da acção, quer pelo tempo em que os meios foram utilizados, quer pela quantidade das substâncias, uma considerável diminuição da ilicitude.
3ª. O que implicará uma punição face ao tipo privilegiado, ínsito no artigo 25° do DL 15/93, o que o Tribunal Recorrido não fez.
4ª. Sendo que o deveria ter feito, face a tudo o que provado ficou.
5ª. Devendo ainda ser fixada, dentro da moldura penal estabelecida na alínea a) do dito artigo 25°, uma pena concreta de prisão não superior a 16 meses, atentos os factos provados.
6ª. Cuja execução deveria ter sido suspensa nos termos do artigo 50° do C.P..
7ª. Suspensão essa determinada por tudo quanto ficou provado relativo à personalidade do arguido, as suas condições de vida e as circunstâncias da acção.
8ª. O que no caso em apreço permite concluir com toda a segurança, que a censura do facto e a ameaça de prisão realiza, de forma adequada e suficiente, finalidades da punição.
9ª. Quer se subsuma a conduta do recorrente à previsão do artigo 21° do DL 15/93, o que não se concede, que à do artigo 25° desse diploma, sempre deve ter lugar a atenuação especial da pena, nos termos do disposto nos artigos 72° e 73° do C.P..
10ª. Pois que, dos factos dados por provados alcançam-se circunstâncias anteriores e contemporâneas do crime de que resulta, inequivocamente, diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa e da necessidade da pena.
11ª. Para a subsunção da conduta do arguido à previsão do artigo 25° do DL 15/93 ou em qualquer caso para a atenuação especial da pena, mesmo perante a subsunção à previsão do artigo 21° do referido diploma, concorrem todos os factos tidos por provados, com especial enfoque para as seguintes circunstâncias: reduzido lapso temporal em que perdurou a conduta ilícita; reduzido numero de vezes que, em concreto, esta ocorreu; reduzida expressão das quantidades detidas ou transaccionadas; reduzida ou nula sofisticação dos meios empregues; situação de toxicodependência, prolongada no tempo e de autofinanciamento do próprio consumo.
12ª. Pelo que a atenuação especial da pena sempre deverá ter lugar, em qualquer caso, fixando-se em não mais de 16 meses de prisão a pena concreta a aplicar, suspensa na sua execução, pelas razões supra aduzidas.
13ª. A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 25° e 21° do DL 15/93 de 22-01, 40, n° 1, 50, n° 1, e 72 e 73 do CP..
14ª. O Tribunal Recorrido interpretou e aplicou as normas supra descritas no sentido exposto no acórdão recorrido, devendo tê-lo feito no sentido exposto nestas motivações e conclusões.
Pede, em consequência, o provimento do recurso, com a alteração da «respectiva qualificação jurídica» e a atenuação especialmente da pena, «fixando-se esta em 16 meses de prisão, sempre e também em qualquer caso suspensa na sua execução».
O magistrado do Ministério Público respondeu á motivação, concluindo a resposta com as seguintes conclusões:
a) A conduta do arguido, atenta a factualidade dada como provada, foi correctamente enquadrada jundico-penalmente pelo Tribunal "a quo’ consubstanciando, sem margem para dúvidas, a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na previsão do artigo 21.°, n.° l, do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22/01.
b) Não se verifica, no caso concreto, diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa e da necessidade da pena, nos termos previstos no artigo nos artigos 72.° e 73.° do Código Penal, pelo que motivos não havia que justificassem a atenuação especial da pena aplicada.
c) Na aferição da concreta medida da pena a aplicar ao arguido foram devidamente valorados, pelo Tribunal "a quo", os critérios estabelecidos no artigo 71.° do Código Penal, bem como as finalidades das penas (cfr. artigo 40.° do mesmo diploma legal).
d) Não havendo lugar, consequentemente, à suspensão da execução da pena de prisão, atenta a concreta pena de prisão aplicada.
e) Não foi, consequentemente, violado o disposto nos artigos 25.° e 21.° do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22/01, 40.°, n.° l, 50.°, n.° l, 72.° e 73.°, do Código Penal.
3. Neste Supremo Tribunal, o Exmº Procurador-Geral Adjunto teve intervenção nos termos do artigo 426º do Código de Processo Penal, considerando que nada obsta ao conhecimento do recurso.
4. Colhidos os vistos, teve lugar a audiência, com a produção de alegações, cumprindo apreciar e decidir.
O tribunal colectivo considerou provados os seguintes factos:
1) O arguido foi condenado, por acórdão proferido no processo comum colectivo nº 47/2000 (ora 129/00.5TBCNF), deste Tribunal Judicial de Cinfães, datado de 03/07/2000, pela prática, durante cerca de um ano e até 26/11/1999, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, da previsão do art. 25º alínea a) do DL 15/93, de 22/01, numa pena de 20 meses de prisão.
2) Esteve preso desde 26/11/1999 até 26/07/2001, data em que cessou o cumprimento de tal pena e saiu em liberdade.
3) Pelo menos, desde o início do mês de Novembro de 2004, o arguido voltou a dedicar-se à venda de substâncias estupefacientes, mais propriamente de heroína e cocaína, que adquiria em diversas zonas desta região norte, designadamente nas cidades do Porto e do Marco de Canaveses, procedendo depois à sua divisão em doses individuais e à respectiva venda a consumidores de tais substâncias, ao preço de € 5,00 por pacote (vulgo, "panfleto"), em várias zonas deste concelho de Cinfães.
4) Por isso, a condenação referida em 1) não serviu, ao arguido, de suficiente advertência contra o crime.
5) Desde a data referida em 3), à média de duas vezes por semana, o arguido adquiriu entre 7 (sete) e 9 (nove) gramas de heroína e 7 (sete) a 9 (nove) gramas de cocaína, de cada vez e, depois de retirar para o seu consumo uma parte destas substâncias, em quantidades que não foi possível apurar, mas inferiores a metade daqueles valores, procedia à sua divisão em doses individuais, com o auxílio de uma faca ou uma navalha, e embalava-as em pequenos pedaços de plástico (panfletos).
6) Após, procedia à distribuição e venda desses panfletos a diversos consumidores de tais produtos, deslocando-se de carro e indo dessa forma ao encontro dos mesmos que se aproximavam do veículo e adquiriam o respectivo produto estupefaciente pelo preço supra indicado.
7) Entre, pelo menos, o início do mês de Novembro de 2004 e o dia 16/01/2005, data em que foi detido e acabou por ficar preventivamente preso, o arguido vendeu quantidades indeterminadas de heroína e cocaína a vários consumidores destas substâncias, nomeadamente a DD (conhecido pela alcunha de "..."), EE (conhecido pela alcunha de "..."), FF e GG (conhecido pela alcunha de "....").
8) Pelo menos desde Dezembro de 2004, o arguido fazia-se transportar num veículo ligeiro de passageiros, da marca Renault, modelo Clio, de cor vermelha, com a matrícula EO, pertencente a HH, o qual o havia emprestado à então companheira - ora cônjuge - do arguido, de nome II.
9) No dia 16/01/2005, pelas 14,15 horas, na sequência de um telefonema anónimo, uma patrulha da GNR de Cinfães, constituída pelos soldados JJ e KK, deslocou-se ao lugar de Quinta, em Cinfães, onde avistou o arguido que estava acompanhado da identificada II e da testemunha LL.
10) Quando avistou os elementos daquela força policial, o arguido pôs-se em fuga, correndo na direcção do veículo ligeiro de passageiros, Renault Clio, de matrícula EO, que se encontrava nas imediações e no qual ele e os seus identificados acompanhantes se haviam deslocado até ali.
11) Durante a fuga e quando se encontrava já próximo da viatura, o arguido caiu e atirou para o chão e para umas silvas aí existentes uma saca plástica que trazia consigo.
12) Recuperada a saca plástica pelos elementos da referida patrulha, continha a mesma no seu interior 29 (vinte e nove) doses individuais de cocaína, com o peso líquido de 1,746 gramas, que o arguido destinava à venda a consumidores de tal substância.
13) Numa busca então efectuada ao aludido Renault Clio de matrícula EO, os identificados agentes da GNR encontraram no seu interior uma faca de cozinha com uma lâmina de 18 cm, um rolo de papel de alumínio e um cachimbo, objectos estes que foram apreendidos.
14) No dia 18/02/2005, na sequência de denúncia feita pela testemunha LL, outra patrulha da GNR de Cinfães, constituída pelo sargento MM, pelos cabos NN e OO e pelo soldado PP, deslocou-se novamente ao local mencionado em 9) a 11) e aí encontrou um recipiente de plástico, conhecido por "Ovo Kinder", que continha no seu interior 7 (sete) panfletos de heroína, com o peso líquido de 0,328 gramas.
15) O arguido, à data da sua detenção, não desenvolvia, há, pelo menos, um mês, qualquer actividade lícita remunerada que pudesse prover ao seu sustento.
16) O arguido conhecia as características e a natureza da heroína e da cocaína e sabia que não podia tê-las na sua posse, vendê-las ou cedê-las a qualquer título e, que, por isso, a sua actuação era proibida pela legislação penal.
17) Actuou, pela forma descrita, de modo livre, consciente e voluntário, com o propósito de obter proventos económicos.
18) Além da condenação referida em 1), o arguido possui mais duas condenações, datadas de 30/11/1999 e de 20/01/2003, uma em pena de multa e outra em pena de prisão cuja execução ficou suspensa (ambas já declaradas extintas), por crimes de condução de veículo sem habilitação legal praticados, respectivamente, a 14/11/1998 e a 08/11/2002.
19) O arguido era, à data dos factos supra relatados e desde há vários anos, consumidor de heroína e de cocaína, consumindo quantidades que não foi possível apurar com precisão, tendo feito um tratamento de desintoxicação alguns anos antes da sua detenção nestes autos.
20) O arguido está actualmente casado com a identificada II, tem dois filhos menores, com 13 e 11 anos, respectivamente, da mulher com quem esteve anteriormente casado, os quais vivem com a mãe, não contribuindo o arguido com o que quer que seja para o sustento e educação dos mesmos, pelo menos, desde Novembro de 2004.
21) Entre a data da sua libertação no processo mencionado em 1) e 2) e até cerca de um mês antes da sua detenção à ordem destes autos, o arguido exerceu várias actividades profissionais, tendo trabalhado como trolha na construção civil e em obras públicas (estradas), como ajudante de motorista numa empresa de limpezas e como trabalhador rural, fazendo podas, numa propriedade particular sita nesta comarca de Cinfães, auferindo salários mensais que não ultrapassaram os € 500,00.
22) Vive em casa arrendada, cuja renda mensal actual é de € 100,00 e está a ser suportada pela sua cônjuge, tem um veículo automóvel Fiat Punto, de 2001, que adquiriu já depois de preso preventivamente à ordem destes autos.
23) Faz parte de uma família (pais e irmãos) que é bem aceite e está integrada no meio em que se situa, tendo o arguido o apoio dos seus pais e com os quais mantém uma relação normal.
24) Mostrou, no final da audiência, vontade em mudar de atitude e de deixar de vez o mundo das drogas.

5. O recorrente define como primeiro fundamento do recurso a questão relativa à qualificação dos factos provados, que entende dever ser feita no artigo 25º e não no artigo 21º, nº 1 do Decreto-lei nº 15/93, de 22 de Janeiro como fez a acórdão recorrido.
O artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, define o crime de tráfico e outras actividades ilícitas sobre substâncias estupefacientes, descrevendo de maneira assumidamente compreensiva e de largo espectro a respectiva factualidade típica: «Quem , sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver [...], plantas, substâncias ou preparados compreendidos nas Tabelas I a IV, é punido com a pena de prisão de 4 a 12 anos».
O artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93 contém, pois, a descrição fundamental - o tipo essencial - relativa à previsão e ao tratamento penal das actividades de tráfico de estupefacientes, construindo um tipo de crime que assume, na dogmática das qualificações penais, a natureza de crime de perigo. A lei, nas condutas que descreve, basta-se com a aptidão que revelam para constituir um perigo para determinados bens e valores (a vida, a saúde, a tranquilidade, a coesão inter-individual das unidades de organização fundamental da sociedade), considerando integrado o tipo de crime logo que qualquer das condutas descritas se revele, independentemente das consequências que possa determinar ou efectivamente determine: a lei faz recuar a protecção para momentos anteriores, ou seja, para o momento em que o perigo se manifesta.
A construção e a estrutura dos crimes ditos de tráfico de estupefacientes, como crimes de perigo, de protecção (total) recuada a momentos anteriores a qualquer manifestação de consequências danosas, e com a descrição típica alargada, pressupõe, porém, a graduação em escalas diversas dos diferentes padrões de ilicitude em que se manifeste a intensidade (a potencialidade) do perigo (um perigo que é abstracto-concreto) para os bens jurídicos protegidos. De contrário, o tipo fundamental, com os índices de intensidade da ilicitude pré-avaliados pela moldura abstracta das penas previstas, poderia fazer corresponder a um grau de ilicitude menor uma pena relativamente grave, com risco de afectação de uma ideia fundamental de proporcionalidade que imperiosamente deve existir na definição dos crimes e das correspondentes penas.
Por isso, a fragmentação por escala dos crimes de tráfico (mais fragmentação dos tipos de ilicitude do que da factualidade típica, que permanece no essencial), respondendo às diferentes realidades, do ponto de vista das condutas e do agente, que necessariamente preexistem à compreensão do legislador: a delimitação pensada para o grande tráfico (artigos 21º e 22º do Decreto-Lei no 15/93), para os pequenos e médios traficantes (artigo 25º) e para os traficantes-consumidores (artigo 26º) (Cfr.. v. g., LOURENÇO MARTINS, "Droga e Direito", ed. Aequitas, 1994, pág. 123; e, entre vários, o acórdão deste Supremo Tribunal, de 1 de Março de 2001, na "Colectânea de Jurisprudência", ano IX, tomo I, pág. 234).
O artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93, epigrafado de "tráfico de menor gravidade", dispõe, com efeito, que «se, nos casos dos artigos 21º e 22º a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade e as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações», a pena é de prisão de 1 a 5 anos (alínea a)), ou de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias (alínea b)), conforme a natureza dos produtos (plantas, substancias ou preparações ) que estejam em causa.
Trata-se, como é entendido na jurisprudência e na doutrina (v. g., o acórdão deste Supremo Tribunal, cit. de 1 de Março de 2001, com extensa indicação de referências jurisprudenciais) de um tipo privilegiado em razão do grau de ilicitude em relação do tipo fundamental de artigo 21º. Pressupõe, por referência ao tipo fundamental, que a ilicitude do facto se mostre «consideravelmente diminuída» em razão de circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção, e a qualidade ou a quantidade dos produtos.
A essência da distinção entre os tipos fundamental e privilegiado reverte, assim, ao nível exclusivo da ilicitude do facto (consideravelmente diminuída), mediada por um conjunto de circunstâncias objectivas que se revelem em concreto, e que devam ser conjuntamente valoradas por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativa contida na lei, e significativas para a conclusão (rectius, para a revelação externa) quanto à existência da considerável diminuição da ilicitude pressuposta no tipo fundamental, cuja gravidade bem evidente está traduzida na moldura das penas que lhe corresponde. Os critérios de proporcionalidade que devem estar pressupostos na definição das penas, constituem, também, um padrão de referência na densificação da noção, com alargados espaços de indeterminação, de «considerável diminuição de ilicitude».
A diversificação dos tipos apenas conforme o grau de ilicitude, com imediato e necessário reflexo na moldura penal, não traduz, afinal, senão a resposta a realidades diferenciadas que supõem respostas também diferenciadas: o grande tráfico e o pequeno e médio tráfico. Mas estas são noções que, antes de se constituírem em categorias normativas, surgem como categorias empíricas susceptíveis de apreensão directa da realidade das coisas. A justeza da intervenção, para a adequada prossecução também de relevantes finalidades de prevenção geral e especial, justifica as opções legais tendentes à adequada diferenciação do tratamento penal entre os grandes traficantes (artigos 21º, 22º e 24º) e os pequenos e médios (artigo 25º), e ainda daqueles que desenvolvem um pequeno tráfico com a finalidade exclusiva de obter para si as substâncias que consomem (artigo 26º).
A densificação da noção de "ilicitude considerável diminuída", tendo, embora, como referências ainda a indicação dos critérios da lei, está fortemente tributária da intervenção de juízos essencialmente prudenciais, permitidos (e exigidos) pela sucessiva ponderação da praxis judicial perante a dimensão singular das casos submetidos a julgamento.
A qualificação diferencial entre os tipos base (artigo 21º, nº 1) e de menor intensidade (artigo 25º) há-de partir, como se salientou, da consideração e avaliação global da complexidade especifica de cada caso - em avaliação, não obstante, objectiva e com projecção de igualdade, e não exasperadamente casuística ou fragmentária.
No caso, e vistos todos os elementos que configuram especificamente a situação concreta, a imagem global do facto revela uma projecção menor de ilicitude tendo por referência os pressupostos que enquadram o tipo base do artigo 21º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.
Na avaliação externa da imagem global, a natureza, o tipo e o modo como a acção se revela, constituem os elementos essenciais de referência.
Nesta dimensão, o tempo de actividade foi relativamente escasso; a actuação foi desenvolvida sem apoio, isoladamente, sem sofisticação ou organização; o consequente risco de disseminação foi menor; e por sobre tudo, paira alguma incerteza, ou ao menos indeterminação, sobre as quantidades de produto transaccionadas - que, de todo o modo, não atingem volume que mereça destaque - uma vez que o recorrente destinava parte do produto que adquiria para consumo próprio.
Por todos estes elementos, nas circunstâncias do caso, a ilicitude pode ser vista como consideravelmente diminuída - consideravelmente diminuída não por projecção absoluta como realidade auto-avaliável, mas nas correlações internas ao próprio sistema de valorações e de proporcionalidade e na consequente coordenação com os domínios de ilicitude para os quais foi pensado e está construído o tipo base face à amplitude da moldura penal que prevê.
Os factos provados integram, assim, o crime de tráfico de menor gravidade p. e p. no artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.

6. Há, assim, que determinar a medida da pena na qualificação que se considera como adequada, tendo em conta as finalidades das penas e os critérios de determinação da medida concreta da pena- artigos 40º e 71º do Código Penal).
Nos parâmetros pressupostos pelo círculo de abrangência do artigo 25° do Decreto-Lei nº 15/93, o grau de ilicitude pode situar-se nos limites inferiores a uma projecção média, reclamando, por isso, uma pena a encontrar dentro da moldura respectiva que possa satisfazer as exigências de prevenção geral impostas pela natureza dos valores afectados e pela intensidade da violação de tais valores.
As imposições de prevenção especial, tendo em devida consideração a situação pessoal do recorrente (condenação anterior; consumidor de estupefacientes mas com esforça de tratamento; situação familiar com dois filhos menores; apoio familiar; esforço de integração laboral), aconselham por seu lado a fixação da pena em medida que potencie proporcionalmente a reacomodação do recorrente com os valores do direito, sobretudo na relação com produtos estupefacientes em que tem sido problemática.
Não há, por outro lado, que considerar qualquer atenuação especial, uma vez que os fundamentos invocados pelo recorrente, especialmente no que respeita à dimensão da ilicitude, fundamentaram já a integração no tipo privilegiado.
Nestas circunstâncias, considera-se adequada a satisfazer as finalidades da punição a pena de três anos de prisão.
7. O recorrente foi já condenado por crime de tráfico de menor gravidade na pena de vinte meses de prisão, que cumpriu (ponto 1 da matéria de facto).
A condenação e a pena efectiva que cumpriu não se revelaram suficientes para prevenir a prática de novos factos da mesma natureza.
Não pode ser formulado, por isso, um juízo de prognose favorável que é pressuposto da aplicação da pena de substituição prevista no artigo 50º do Código Penal.
8. Nestes termos, no provimento parcial do recurso, condena-se o recorrente, pelo crime p. e p. no artigo 25º do decreto-lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de três anos de prisão.

Lisboa, 22 de Março de 2006
Henriques Gaspar (relator)
Silva Flor
Soreto de Barros
Armindo Monteiro