Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2/12.4TBMTJ.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
REMUNERAÇÃO
LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 07/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL / PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / LIMITES DA CONDENAÇÃO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º 2, 1154.º, 1156.º, 1158.º, N.ºS 1 E 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 609.º, N.º 2.
Sumário :
I. No contrato de prestação de serviço com retribuição, quem encomenda a prestação está obrigado a pagar a respetiva retribuição.

II. Não havendo elementos para fixar o valor exato da retribuição, o tribunal condena então no que vier a ser liquidado, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 609.º do Código de Processo Civil.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



I – RELATÓRIO


AA - Arquitetos, Lda., instaurou, em 2 de janeiro de 2012, no então 1.º Juízo da Comarca de … (Juízos Centrais de Almada, Comarca de Lisboa), contra BB - Assocuação de Iniciativas populares para a infância do Concelho de A..., ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo que a Ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 72 523,87, acrescida de juros de mora à taxa legal.

Para tanto, alegou, em síntese, que elaborara para a R. quatro projetos de arquitetura, os quais não foram pagos.

Contestou a R., por impugnação, concluindo pela improcedência da ação.

Prosseguindo o processo e realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, condenando a R. a pagar à A. a quantia de € 45 000,00, acrescida de juros de mora, à taxa de 4 %, desde 9 de janeiro de 2012.


Inconformada, a Ré apelou para o Tribunal da Relação de …, que, por acórdão de 12 de janeiro de 2017, revogou a sentença e absolveu a Ré do pedido.


Também inconformada, a Autora recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou essencialmente as conclusões:

a) Quatro projetos foram executados pela Recorrente.

b) Foram entregues à Recorrida e não foram pagos.

c) Há dívida e a 1.ª instância fixou-a recorrendo a critérios de equidade.

d) Verifica-se a violação dos artigos 1158.º, n.º s 1 e 2, e 1154.º do CC.


Com a revista, a Recorrente pretende a revogação do acórdão recorrido, com as legais consequências, nomeadamente a repristinação da sentença.


Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


Neste recurso, está essencialmente em discussão o direito de crédito pela prestação de serviços de arquitetura.


II – FUNDAMENTAÇÃO


2.1. No acórdão recorrido, foram dados como provados os seguintes factos:


1. A A. dedica-se à elaboração e execução de projetos de arquitetura e a R. é uma instituição particular de solidariedade social.

2. A R. tem os seus serviços espalhados por vários edifícios, na sua maior parte em instalações utilizadas há muitos anos, pelo que tem sido intenção das suas sucessivas direções melhorar tais infraestruturas e conseguir novas instalações, de forma a melhorar o seu serviço à comunidade do concelho de A….

3. Quando começaram a surgir programas de segurança social de incentivo ao investimento em equipamentos sociais, como o denominado programa PARES, a R. tentou candidatar-se, de forma a melhorar os seus equipamentos.

4. Aqueles programas contemplam o financiamento público de uma percentagem do investimento elegível de cada projeto, e não a sua totalidade.

5. Para poder candidatar-se aos referidos programas de financiamento, a R. necessitava de apresentar um estudo prévio, incluindo memória descritiva e justificativa, um projeto-base e uma estimativa do custo das obras.

6. A R. vive, há muitos anos a esta parte, com dificuldades para fazer face às suas despesas ordinárias.

7. A R. não tinha, como não continua a ter, capacidade financeira para suportar, por si, o financiamento do investimento elegível não participado, bem como o eventual investimento não elegível, pelo que esteve sempre dependente de conseguir outro tipo de financiamento, nomeadamente junto da Banca.

8. Daí que, cada vez em que existia um aviso de abertura de candidaturas a esse tipo de programas, a R. tentasse a candidatura, sempre na esperança de conseguir tais financiamentos para as despesas não comparticipadas pelo Estado.

9. Desde inícios de 2008 que a R. tem contratado e confiado à A. a elaboração e execução de diversos projetos de arquitetura com vista à recuperação de espaços usados e à criação de novos equipamentos sociais para o prosseguimento dos objetivos educativos.

10. A A., desde 2008 até ao presente, já elaborou seis projetos, solicitados pela direção da R., de acordo com as especificações desta e apresentadas para sua aprovação prévia.

11. A elaboração e a execução dos projetos solicitados à A. são de dificuldade acrescida, dado estarem sujeitos a inúmeros requisitos legais, aprovações e vistorias das entidades reguladoras da segurança social que tutelam a atribuição de licenças a este tipo de equipamentos de ensino, mormente para jardins-de-infância e ensino básico e pré-escolar prosseguidos pela R.

12. Dos seis projetos inicialmente apresentados, dois deles foram concluídos e pagos à A. os honorários.

13. A R., no dia 11 de setembro de 2007, por carta, comunicou à A., que, de acordo com a deliberação da direção, lhe adjudicava, pelo valor de € 15 850,00, acrescido do IVA, o projeto de arquitetura/execução e especialidades para a obra de equipamento para a Infância da C….

14. Esse projeto só foi pago à A. após a aprovação da candidatura ao programa de financiamento.

15. O advogado do Arq. CC dirigiu à R., no dia 25 de março de 2011, carta do seguinte teor: “Fui contactado pelo meu cliente (…), a propósito de uma dívida no montante de € 32 760,00, relativos às faturas n.º 1…1, de 10 de janeiro de 2011, no valor de € 17 850,00, e n.º 1…3, de 18 de fevereiro de 2011, no valor de € 14 910,00, vencidas e ainda não liquidadas e relativas a projetos já executados. Considerando o exposto e os compromissos assumidos pelo meu cliente, nomeadamente, todas as despesas efetuadas para a execução e entrega dos projetos e os compromissos de caráter fiscal com IVA resultantes da faturação desses projetos, solicitamos a V.Ex.ª o pronto pagamento dos valores em dívida, para o que entendemos ser razoável o prazo de 15 dias. Esgotado o prazo acima referido sem que proceda ao solicitado pagamento ou à apresentação de um plano de pagamentos credível e razoável, outra alternativa não nos restará que não seja o recurso à via judicial, muito mais gravosa para V.Ex.ª s ”.


***



2.2. Delimitada a matéria de facto, expurgada de redundâncias e juízos conclusivos, importa conhecer do objeto do recurso, definido pelas suas conclusões, nomeadamente o direito de crédito por serviços de arquitetura prestados.

O acórdão recorrido, revogando a sentença, absolveu a Recorrida do pedido formulado na ação, com o fundamento de não se saber quais os projetos que ficaram por pagar e não resultar também provada qualquer dívida.

A Recorrente, por sua vez, na revista, sustentando a existência da dívida, alegou, em conclusão, que fosse repristinada a sentença, que condenara a Recorrida a pagar à Recorrente a quantia de € 45 000,00, acrescida de juros de mora, à taxa de 4 %, desde 9 de janeiro de 2012, tendo aquele valor sido determinado através de um juízo de equidade.

Delineados, esquematicamente, os termos da controvérsia do processo, é altura de apreciar a materialidade apurada e o direito aplicável.


Como bem se referiu na sentença, entre as partes, foi celebrado contrato de prestação de serviço, mediante o qual a Recorrente se obrigou perante a Recorrida a elaborar projetos de arquitetura, mediante retribuição, com vista à recuperação de espaços usados e à criação de novos equipamentos sociais, para o prosseguimento dos objetivos educativos da Recorrida.

Dedicando-se a Recorrente, uma sociedade comercial, à elaboração e execução de projetos de arquitetura, presume-se legalmente a retribuição do contrato de prestação de serviço, nos termos do disposto no art. 1158.º, n.º 1, do Código Civil (CC), por remissão do art. 1156.º do mesmo Código.

É inquestionável, face aos factos provados, que a relação jurídica estabelecida entre as partes reconduz-se ao contrato de prestação de serviço, tipificado no art. 1154.º do CC.

Tratando de um contrato de prestação de serviço com retribuição, como se viu, a Recorrida, que encomendou a elaboração e execução dos projetos, está obrigada a pagar à outra parte a retribuição por essa prestação de serviço.

Dos seis projetos elaborados pela Recorrente em apenas dois foi paga a retribuição (n.º 12).

Deste facto resulta que se encontram por pagar quatro projetos elaborados, prova que, como facto extintivo do direito, cabia à Recorrida, nos termos da distribuição do ónus da prova, consagrada no art. 342.º, n.º 2, do CC, embora não se tenha provado o montante da retribuição, dadas as respostas negativas à base instrutória, como a própria Recorrente não deixa de reconhecer.

No entanto, provada a elaboração dos quatro projetos de arquitetura, a obrigação da de pagar a retribuição ficou provada e, por isso, mantendo-se a prestação do devedor, não podia a Recorrida ter sido absolvida do pagamento.

A circunstância de não se ter provado o valor da retribuição não permite tirar, como no acórdão recorrido, essa consequência, sabendo-se que a obrigação de pagar a retribuição não fora cumprida, como, aliás, se reconhece também no acórdão recorrido, ao aludir-se, nomeadamente, que a Recorrida não fez a prova do pagamento da retribuição.  

Na verdade, não havendo elementos para fixar o valor exato da retribuição da prestação de serviço, o tribunal condena, então, no que vier a ser liquidado, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 609.º do Código de Processo Civil (CPC).


Sendo ainda possível, por outro lado, provar-se o valor certo da retribuição, justifica-se, nomeadamente por razões de justiça, uma nova oportunidade para tal efeito, antes de se recorrer ao critério da equidade, que poderá não garantir a justiça do caso, para a determinação do valor exato da retribuição. Importa, por isso, esgotar as possibilidades legais de prova e, só então, confrontado com a sua falta, determinar a retribuição com a aplicação do critério da equidade, a que faz apelo o disposto no art. 1158.º, n.º 2, do CC.

O tipo de prestação de serviço referenciado nos autos, supostamente com contabilidade organizada da credora, é bastante propício à prova, designadamente documental, do valor exato da retribuição da prestação de serviço, escapando à aplicação, sempre algo aleatória, do critério da equidade.

Neste contexto, apresenta-se mais justo recorrer, prioritariamente, à liquidação ulterior da obrigação da retribuição e, só depois, não sendo possível a averiguação do valor exato e para evitar uma situação de non liquet, utilizar, na determinação do valor, o critério da equidade.

Assim, sendo certa a obrigação de retribuição pelos quatro projetos elaborados, deve a Recorrida ser condenada, na ação, a pagar a quantia que, a esse título, vier a ser apurada, em liquidação ulterior, acrescida dos juros de mora determinados na sentença.

 

Nestes termos, sendo de conceder a revista, justifica-se a revogação do acórdão recorrido, devendo a Recorrida ser condenada a pagar à Recorrente a quantia que vier a ser liquidada, acrescida dos juros de mora legais, desde a citação.

 

2.3. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:

 

I. No contrato de prestação de serviço com retribuição, quem encomenda a prestação está obrigado a pagar a respetiva retribuição.

II. Não havendo elementos para fixar o valor exato da retribuição, o tribunal condena então no que vier a ser liquidado, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 609.º do Código de Processo Civil.


2.4. As partes, ao ficarem vencidas por decaimento, são responsáveis pelo pagamento das custas, provisoriamente e em partes iguais, em todas as instâncias, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil.


III – DECISÃO


Pelo exposto, decide-se:


1) Conceder a revista, revogando o acórdão recorrido e, em consequência, condenar a Ré a pagar à Autora a quantia que vier a liquidar-se, acrescida dos juros legais de mora, desde a citação.


2) Condenar ambas as partes, provisoriamente e em partes iguais, no pagamento das custas, em todas as instâncias.


Lisboa, 13 de julho de 2017


Olindo Geraldes (Relator)

Nunes Ribeiro

Maria dos Prazeres Beleza