Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
33/12.4GTSTB.E1.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: MANUEL BRAZ
Descritores: PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
DANO MORTE
INDEMNIZAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS FUTUROS
Data do Acordão: 02/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO O RECURSO
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES AS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS.
DIREITO PROCESSUAL PENAL – EXECUÇÕES / EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE / EXECUÇÃO DA PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE.
Doutrina:
-Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, Volume I, 9.ª Edição, p. 627 e 628 ; 10.ª Edição, p. 616.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 494.º E 496.º, N.º 3.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 495.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 29-01-2008, PROCESSO N.º 07B4397;
- DE 27-11-2008, PROCESSO N.º 08P1413;
- DE 18-09-2012, PROCESSO N.º 973/09.8TBVIS.C1.S1;
- DE 28-11-2013, PROCESSO N.º 177/11.0TBPCR.S1;
- DE 11-02-2015, PROCESSO N.º 6301/13. 0TBMTS.S1;
- DE 03-11-2016, PROCESSO N.º 6/15.5T8VFR.P1.S1;
- DE 08-06-2017, PROCESSO N.º 2104/4TBPVZ.P1.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I  -   A indemnização por danos não patrimoniais é, de acordo com o disposto nos arts. 496.º, n.º 3 e 494.º, do CC, fixada equitativamente, considerando a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, as especiais circunstâncias do caso e a gravidade do dano.

II - A vida é o bem mais precioso, sendo que, na procura do valor da compensação devida pela mesma não podem deixar de ser tidas em conta as circunstâncias específicas de cada vítima, como a idade, a saúde, a vontade de viver, a situação familiar, a realização profissional, etc. No caso, a vítima era um jovem de 25 ano de idade, solteiro, saudável, com formação académica superior, sendo piloto da Força Aérea, com a patente de alferes, competente, dedicado e com fundadas aspirações de progressão na carreira.

III -      Tendo em vista a necessidade de uniformização de critérios, que é uma decorrência do princípio da igualdade, não pode deixar de ter-se como referência o que vem sendo decidido pelos tribunais em casos comparáveis. O STJ vem atribuindo indemnizações pela perda do direito à vida que, na maioria dos casos, oscilam entre 50.000,00€ e 100.000,00€. Pelo que, tudo ponderado, considera-se adequado o valor de 120.000,00€ fixado pelo acórdão recorrido da relação.

IV - O dano referente ao sofrimento da vítima antes da morte consubstancia-se no sofrimento físico e/ou psíquico suportado pela vítima entre o momento em que sofre a lesão e o momento da morte. São aqui valorizáveis as dores físicas causadas directamente pelas lesões sofridas e eventualmente no âmbito de subsequentes tratamentos e/ou intervenções cirúrgicas e ainda a angústia sentida com o aproximar da morte. Neste circunstancialismo, não há fundamento para fixar por este dano indeminização superior à de 30.000,00€ decidida pela relação.

V - Não obstante a regra ser a de que o direito à indemnização pertence ao titular do direito ofendido, excepcionalmente, nos casos previstos na lei, esse direito pode caber a terceiros. Relativamente a danos patrimoniais futuros é o que acontece nos casos referidos no art. 495.º, do CPP, encontrando-se a demandante na situação prevista no n.º 3. É esta a única via que lhe confere o direito a ser indemnizada pelos danos patrimoniais decorrentes da morte da vítima, seu filho. Não pela via sucessória, com referência a um suposto direito à indemnização pela perda da capacidade de ganho que se terá constituído na esfera jurídica do falecido.

VI - Não se tendo provado que a vítima prestava apoio financeiro à demandante nem, por falta de alegação, qual é a idade e a sua situação económico-financeira, tornando inviável um juízo sobre se tem ou previsivelmente virá a ter necessidade de alimentos, a indemnização de 50.000,00€ fixada pela relação de modo algum pode ser considerada insuficiente.

Decisão Texto Integral:

                    Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

            O tribunal de 1ª instância proferiu sentença, que, além do mais que aqui não importa, condenou AA, SA, a pagar à demandante BB, a título de indemnização, a quantia de 495 984,60 €, acrescida de juros de mora, sendo 250 000 € pela perda do direito à vida da vítima; 50 000 € pelo dano não patrimonial da própria vítima, traduzido no sofrimento entre a lesão e a morte; 30 000 € pelo dano não patrimonial da demandante; 5 984,60 € por danos patrimoniais já verificados; e 160 000 € por danos patrimoniais futuros.

     No julgamento de recurso interposto pela demandada AA, a Relação de Évora alterou os montantes da indemnização pelo dano não patrimonial da perda do direito à vida, pelo dano não patrimonial da própria vítima e pelos danos patrimoniais futuros, fixando-os em, respectivamente, 120 000 €, 30 000 € e 50 000 €, ficando, em consequência, a demandada condenada a pagar à demandante a quantia global de 235 984,60 €, acrescida de juros de mora.

      Inconformada com o assim decidido, a demandante interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo e pedindo nos termos que se transcrevem:

 «A) Salvo o devido respeito pela Relação de Évora, os valores indemnizatórios atribuídos não se ajustam em conformidade com todos os factos consignados nos autos

B) É prova assente que o Arguido embateu violentamente e a alta velocidade na traseira do motociclo conduzido por Dário Gil Cabral Mendonça, causando-lhe morte não imediata.

C) Os valores indemnizatórios aplicados pelo acórdão a quo revelaram-se desadequados.

D) Assim, pelo Acórdão proferido pela Relação, foi arbitrada à Recorrente, a título de dano morte indemnização no valor de € 120.000,00, em detrimento do valor de € 250.000,00 decididos em 1ª Instância.

E) Consistindo o Direito à Vida o supremo bem indisponível a proteger num Estado de Direito, quando esse é violado, na sequência da prática de um crime, é justo e equitativo que, perante a impossibilidade absoluta de reparação absoluta desse direito, o valor pecuniário associado seja superior a € 120.000,00.

F) Pelo que reputa a Recorrente que o Dano Morte deverá fixar-se em € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), conforme atribuído pela decisão de 1ª Instância e cuja fundamentação não mereceu qualquer reparo pelo Acórdão recorrido.

G) Quanto aos danos não patrimoniais sofridos pelo Dário, o Acórdão reduziu de € 50.000,00 para € 30.000,00, entendendo que seria "altamente provável (...) que a vítima tenha perdido a consciência, se não antes, pelo menos nos momentos que se seguiram à sua queda para o asfalto".

H) Contudo, nenhum elemento dos autos determina que tal seja possível concluir ou que leve o Acórdão a fazer esse raciocínio. Pelo contrário, dos autos é possível fazer o raciocínio oposto: CC, militar da Força Aérea Portuguesa, tinha de ter uma resistência ao embate superior a qualquer homem médio, em virtude das especiais aptidões físicas e treino que têm de ter todos os pilotos aviadores de caças da Força Aérea e por esse facto era altamente provável que resistisse durante mais tempo à violência do embate que sofreu, e encontrando-se vivo e a respirar depois de arrastado e quando foram auxiliados os meios de socorro, o que aliás é confirmado pelo arguido (o CC estava a respirar, quando o arguido se aproximou dele).

I) Por via das perfeitas condições de saúde, da boa condição física e da resistência militar de um piloto aviador, o CC não teve morte imediata, o que agravou o sofrimento.

J) Acresce ainda que o mesmo morreu prostrado na auto-estrada, sem dignidade, sem analgésicos, sem reconforto, só com dor física e dor emocional, derivada da ansiedade, medo e todos os sentimentos derivados do reconhecimento da morte iminente.

K) Pelo que, face a toda à base factual reconfirmada pela Relação, entende a Recorrente que a decisão da 1ª Instância mostra-se mais adequada, equitativa e ajustada ao caso em concreto, em detrimento da decisão da Relação, devendo fixar-se os danos não patrimoniais do Dário em € 50.000,00 (cinquenta mil euros).

L) Por fim e quanto aos danos patrimoniais futuros, não pode a Recorrente aceitar a redução de € 160.000,00 (cento e sessenta mil euros) para € 50.000,00 (cinquenta mil euros), atendendo que a redução neste aspecto não poderá apenas cingir-se ao que a Relação pauta equitativo no geral e com base na demais Jurisprudência, mas sim à particularidade da profissão em concreto da vítima, que auferia rendimentos superiores a um homem médio e às perspectiva da progressão na carreira, facto patente também na prova assente.

M) Ora, de acordo com o artigo 2°, alínea b) da Portaria 377/2008, com a alteração introduzida pela Portaria 679/2009, o valor mínimo de dano futuro, seria de € 121.092,46 (cento e vinte e um mil e noventa e dois euros e quarenta e seis cêntimos), valor que é tido em consideração para auxílio, mas que não comporta a majoração do ordenado em progressão de carreira. Provado está que CC tinha 25 anos quando sofreu o acidente e subsequente morte. Também se deu por provado que Dário era saudável, pelo que não apresentava qualquer defeito físico nem era portador de qualquer incapacidade, à data do acidente.

N) CC tinha 25 anos, solteiro, era saudável, era piloto aviador na Força Aérea Portuguesa, na categoria de Alferes, era igualmente chefe de esquadrilha, com aspiração a tirar curso de piloto de helicópteros para salvamentos e missões de risco, era um profissional dedicado e ambicioso, cidadão responsável, afeiçoado à família, activo e naturalmente exemplar, aspirando à progressão de carreira, tendo ficado impossibilitado de constituir uma família, elemento a que dava muito valor (cfr. pontos 21 a 25 da base factual provada).

O) De acordo com o relatório da Organização Mundial de Saúde, a esperança de média de vida em Portugal é de 81,1 anos. Face ao perfil do CC, é legítimo pensar que o mesmo iria progredir na carreira e consequentemente, auferir rendimentos superiores aos que tinha à data da sua morte, elemento que não é tido em conta na fórmula, razão pela qual, o valor é majorado para € 160.000,00 (cento e sessenta mil euros).

P) É entendimento pacífico que uma indemnização justa reclama a atribuição de um capital que produza um rendimento mensal que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual, durante o período de vida profissional activa do lesado, sem esquecer a necessidade de se ter em conta a sua esperança de vida.

Q) A indemnização de 50.000,00 € (cinquenta mil euros) arbitrada pelo Acórdão recorrido a título de danos patrimoniais futuros, não é justa, pois é manifestamente insuficiente para igualar o rendimento de que o CC foi privado e é manifestamente inferior ao critério indicativo fixado na Portaria 377/2008, com a alteração introduzida pela Portaria 679/2009, pelo que se revela despropositado de critério de equidade.

R) Entende a Recorrente que observadas todas as circunstâncias do caso concreto e a inexistência de qualquer invalidade da sentença de 1ª Instância, perante o critério desajustado do acórdão recorrido, a indemnização por dano patrimonial futuro deverá fixar-se em 160.000,00 € (cento e sessenta mil euros), a qual é perfeitamente razoável e enquadrável nos factos provados nos presentes autos.

S) O Acórdão recorrido não logrou demonstrar qualquer inexactidão da douta sentença de 1ª Instância quanto à inadequação daqueles valores ou da desproporcionalidade no presente caso, mas tão-só alegou genericamente que se revela desproporcional com outros casos e outra Jurisprudência.

T) Face a todo o exposto, pauta a Recorrente pela manutenção integral da decisão da 1ª Instância, que se demonstrou objectiva, isenta e equilibrada a todos os factos aduzidos nos autos e integralmente provados, e que se adequam aos valores violados e aos danos produzidos e necessariamente indemnizáveis.

U) Por tais motivos, deve a douta decisão recorrida ser revogada, já que foram violados os artigos 483°, 496°, 562° e 566°, todos do Código Civil.

Só assim decidindo será feita JUSTIÇA».

O recurso foi admitido.

Respondendo, a recorrida defendeu a sua improcedência.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação:

Foram considerados provados os seguintes factos (transcrição):

1. No dia 5 de Fevereiro de 2012, pelas 18 horas e 30 minutos, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de marca Land Rover, modelo LS (Range Rover Sport) e matrícula ...-AT-..., na auto-estrada A2, quilómetro 78,627, em Alcácer do Sal, no sentido Norte-Sul.

2. Nesse momento, CC conduzia o motociclo de marca Leonart, modelo Daytona e matrícula ...-MQ-... na mesma via e sentido, mas à frente do arguido.

3. Na referida data e local, a estrada consistia numa auto-estrada, constituída por uma faixa de rodagem com 7,52 metros de largura, dividida em duas vias de trânsito destinadas à circulação no mesmo sentido, tendo cada uma delas 3,86 metros de largura.

4. No local em apreço a estrada tem a configuração de recta, com uma inclinação média descendente de 2%, sem obstruções visuais.

5. Para além de um sinal de informação turística, não existia sinalização vertical no local que impusesse limite de velocidade diferente do legalmente previsto para as auto-estradas.

6. O piso era betuminoso, em regular estado de conservação.

7. O tempo encontrava-se seco, o céu estava limpo e a intensidade do trânsito era reduzida.

8. No dia em questão, o Sol pôs-se pelas 18:00, pelo que, no momento dos factos em apreço, o dia estava em fase de crepúsculo.

9. Tanto o veículo conduzido pelo arguido como o veículo conduzido pelo referido CC circulavam com as luzes de cruzamento (médios) ligadas.

10. O arguido circulava a uma velocidade não concretamente apurada, mas superior à do referido CC e muito superior a 120 km/h.

11. Ao aproximar-se do motociclo acima referido, o arguido não travou, nem abrandou, nem se desviou do mesmo.

12. Em virtude da conduta do arguido, o veículo que conduzia foi embater com a sua parte frontal, sobre a direita, na parte traseira do mencionado motociclo.

13. Na sequência do referido embate, CC foi projectado para trás, bateu no capot, no pára-brisas e no tejadilho do veículo conduzido pelo arguido e caiu no asfalto, por onde resvalou durante, pelo menos, 47,26 metros.

14. Desde o local em que embateu no motociclo e até se imobilizar, o veículo conduzido pelo arguido percorreu cerca de 144 metros a arrastar o referido motociclo.

15. No momento em que CC atingiu o asfalto, o seu corpo ia projectado a uma velocidade superior a 96 km/h.

16. Como consequência directa e necessária da actuação do arguido, CC sofreu as lesões traumáticas crânio-meníngeo-encefálicas descritas no relatório de autópsia de fls.43 a 46, cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos, lesões essas que foram causa adequada da sua morte, a qual ocorreu no próprio dia do acidente.

17. O arguido agiu de forma livre e consciente, em desrespeito pelas regras de circulação rodoviária aplicáveis e sem as cautelas exigíveis, já que conduziu de forma desatenta e em velocidade excessiva, aproximando-se do motociclo sem se desviar do mesmo, nem reduzir a velocidade do veículo que conduzia, assim ignorando a obrigação de manter uma distância de segurança em relação aos veículos que circulassem à sua frente.

18. Omitiu o arguido os mais elementares deveres de cuidado e diligência que, segundo as circunstâncias descritas e as suas capacidades, estava obrigado e de que era capaz, desse modo provocando o acidente acima descrito e causando a morte de CC, resultado que não previu nem quis.

19. Mais sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.

20. À data do acidente, 05-02-2012, CC tinha 25 anos de idade e era militar efectivo na Base Aérea de Beja, Força Aérea Portuguesa, com o documento de identificação militar nº ....

21. No âmbito da sua actividade profissional detinha a categoria de Alferes e exercia a profissão de Piloto Aviador desde Outubro de 2010, correspondendo a sua remuneração mensal bruta ao montante total de € 2.293,92.

22. CC frequentou os estudos superiores na Academia da Força Aérea, estabelecimento militar de ensino superior universitário, academicamente exigente, que tem por Missão incorporar os cidadãos mais aptos, dotados de capacidades e requisitos adequados para servir a Nação.

23. Era um cidadão responsável, afeiçoado à família, activo, saudável e um profissional dedicado, competente e naturalmente exemplar, aspirante à progressão na sua carreira.

24. Tinha 25 anos à data do acidente, ocorrido a 5 de Fevereiro de 2012, era solteiro e vivia com a mãe, quando não se encontrava na Base Militar, à qual providenciava apoio emocional.

25. Desde 5 de Fevereiro de 2012 que a demandante está irremediavelmente privada do seu filho.

26. Em consequência, CC sofreu várias lesões traumáticas crânio-meníngeo-encefálicas, conforme relatório de autópsia, tais como:

-Ferida abrasiva interessando a região frontal e parietal à direita;

-Ferida abrasiva na região frontal e malar à esquerda;

-Ferida abrasiva no dorso do nariz e aba esquerda;

-Ferida cortante no canto esquerdo do lábio superior;

-Três escoriações no terço inferior, face posterior do antebraço direito;

-Escoriação no terço inferior, face posterior do antebraço esquerdo;

-Sufusões hemorrágicas na face interna, região frontal e parietal do couro cabeludo;

-Fractura linear do etmóide à esquerda, dos temporais, dos rochedos e do occipital; Hematoma subdural;

-Hemorragia sub-aracnóideia interessando o hemisfério esquerdo e o cerebelo;

-Rim esquerdo com sufusões hemorrágicas na face posterior.

27. Por contrato de seguro titulado pela apólice nº ..., a proprietária do veículo com a matrícula ...-AT-... conduzido pelo arguido transferiu para a demandada a sua responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergentes da sua circulação.

28. Apesar das receitas médicas e do tratamento prescrito, a demandante não tem respondido positivamente às estimulações médicas, sofrendo diariamente intensa dor e angústia indescritível, não sendo a mesma capaz de prosseguir qualquer actividade laboral, pelas graves lesões psíquicas decorrentes da morte do filho.

29. Com despesas de funeral, a demandante despendeu a quantia de 2.450 €.

30. O veículo conduzido pela vítima foi considerado perda total, tinha um mês de matrícula e estava avaliado em 3.534,60 €.

31. A título de subsídio de morte a assistente recebeu a quantia de 2.515,32 €.

32. O arguido não tem antecedentes criminais.

33. Vive com a mulher e dois filhos.

34. É pessoa educada, trabalhadora, calma e ponderada.

E foi dado como não provado que CC prestava apoio financeiro à sua mãe desde o falecimento do seu pai.

Conhecendo:

1. Os valores controvertidos são os referentes ao dano não patrimonial da perda do direito à vida, ao dano não patrimonial da vítima traduzido no seu sofrimento entre a lesão e a morte e ao dano patrimonial futuro, fixados em 120 000 €, 30 000 € e 50 000 €, respectivamente.

2. A indemnização por danos não patrimoniais é, de acordo com o disposto nos artºs 496º, nº 3, e 494º do CC, fixada equitativamente, considerando a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, as especiais circunstâncias do caso e a gravidade do dano.

Como ensina Antunes Varela, “o montante da reparação deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida” (Das Obrigações em Geral, Almedina, 9ª edição, 1º volume, páginas 627 e 628). Por outro, sendo certo que cada caso é, nas circunstâncias atendíveis, tendencialmente diferente dos restantes, devem ser tidos em conta todos os dados que permitam evitar grandes disparidades, ou seja, o excesso de subjectivismo na fixação dos valores da compensação por estes danos, o que não colide com a ideia de equidade e é até uma decorrência do princípio da igualdade.

3. Sobre o dano da perda do direito à vida:

A vida é o bem mais precioso, pelo que a sua perda é um dano da maior gravidade, que deve ser compensado em consonância. Na procura do valor dessa compensação não podem deixar de ser tidas em conta as circunstâncias específicas de cada vítima, como a idade, a saúde, a vontade de viver, a situação familiar, a realização profissional, etc.

No caso, a vítima era um jovem de 25 anos de idade, solteiro, saudável, com formação académica superior, sendo piloto aviador da Força Aérea, com a patente de alferes, competente, dedicado e com fundadas aspirações de progressão na carreira. Tinha, pois, toda uma vida pela frente e condições para dela tirar satisfação. A privação da vida da vítima constitui assim um dano situado no patamar superior da escala de gravidade configurável para este tipo de danos.

Além disso, o lesante agiu com elevado grau de culpa, na medida em que conduzia o seu veículo a uma velocidade que excedia “muito” o limite máximo e, à aproximação do motociclo conduzido pela vítima, não travou, não abrandou nem se desviou dele, embatendo-lhe por trás (facto nº 10).

Por outro lado, tendo em vista a necessidade de uniformização de critérios, que é uma decorrência do princípio da igualdade, não pode deixar de ter-se como referência o que vem sendo decidido pelos tribunais em casos comparáveis. Ora, pelo dano não patrimonial concretizado na privação da vida, o Supremo Tribunal de Justiça vem atribuindo indemnizações que, na maioria dos casos, oscilam entre 50 000,00 € e 100 000.00 €, como informam os seus acórdãos de 03/11/2016, proferido no processo nº 6/15.5T8VFR.P1.S1, e de 08/06/2017, proferido no processo nº 2104/4TBPVZ.P1.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

Tendo tudo isso presente, não se pode considerar fundada a pretensão da recorrente de fixação por este dano de um valor indemnizatório superior ao decidido pela Relação – 120 000,00 € –, que excede significativamente o mais elevado daqueles valores.

4. Sobre o dano referente ao sofrimento da vítima antes da morte:

Este dano consubstancia-se no sofrimento físico e/ou psíquico suportado pela vítima entre o momento em que sofre a lesão e o momento da morte. São aqui valorizáveis as dores físicas causadas directamente pelas lesões sofridas e eventualmente no âmbito de subsequentes tratamentos e/ou intervenções cirúrgicas e ainda a angústia sentida com o aproximar da morte.

No caso, está assente que o motociclo conduzido pela vítima, seguindo à frente e no mesmo sentido de marcha do automóvel conduzido pelo lesante, foi por este embatido na traseira, tendo aquela sido projectada para trás, caindo sobre o capot do automóvel e sendo depois sucessivamente atirada para o pára-brisas e para o tejadilho, após o que, projectada a uma velocidade superior a 96 km/hora, caiu no asfalto, nele resvalando numa distância de, pelo menos, 47,26 metros, sofrendo lesões traumáticas crânio-meníngeo-encefálicas que foram causa da sua morte, ocorrida no próprio dia do acidente. Mas não se provou que a vítima estivesse consciente depois do embate e, portanto, tivesse sofrido dores físicas para além das que naturalmente terá sentido com o primeiro choque, nem que tivesse sentido angústia com o aproximar da morte, que, à face dos factos que se provaram, e só esses importam, pode mesmo ter ocorrido logo no momento em que a vítima foi projectada do motociclo.

Neste circunstancialismo, não há fundamento para fixar por este dano indemnização superior à decidida no acórdão recorrido – 30 000,00 € –, que se situa acima do que o Supremo vem considerando justo em situações em que o dano apurado apresenta maior gravidade. Por exemplo, no acórdão de 03/11/2016, acima identificado, num caso em que vítima “sofreu dores intensas em consequência do acidente e das graves lesões que a atingiram, suportou cerca de 23 dias de clausura hospitalar e dolorosos tratamentos e perspectivou a sua morte, o que lhe causou angústia e medo”, este tribunal considerou acertada a indemnização de 20 000,00 €.

5. Sobre os danos patrimoniais futuros:

O tribunal de 1ª instância fixou neste âmbito a indemnização de 160 000,00 €, na consideração de que a morte da vítima lhe causou, para além do dano da perda da vida, um dano patrimonial, também indemnizável, concretizado na perda da capacidade de ganho durante o tempo de vida activa que previsivelmente ainda teria pela frente, transmitindo-se o direito a essa indemnização à recorrente, por via sucessória.

A Relação, sem aludir a essa fundamentação, limitou-se a referir que “o facto de não ter sido considerado (…) provado que a vítima prestava apoio financeiro à demandante não obsta à atribuição de indemnização a esse título”, nos termos do artº 495º, nº 3, do C. Civil, na medida em que, embora “não os estivesse a receber e/ou deles tivesse carência ao tempo, sempre existiria a possibilidade de a demandante vir a necessitar de alimentos”, considerando, com base num juízo de equidade e perante a escassez de elementos, adequada por este dano a indemnização de 50 000,00 €.

A recorrente argumenta na sua motivação de recurso em apoio da tese construída pelo tribunal de 1ª instância, ignorando a fundamentação em que se apoia a decisão da Relação.

Não lhe assiste razão.

Se a regra é a de o direito à indemnização pertencer ao titular do direito ofendido, excepcionalmente, nos casos previstos na lei, esse direito pode caber a terceiros. Relativamente a danos patrimoniais, é o que acontece nos casos referidos no artº 495º do C. Civil, encontrando-se a demandante na situação prevista no nº 3 [«Têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural»], com referência ao artº 2009º, nº 1, alínea c) [«Estão vinculados à prestação de alimentos, pela ordem indicada: (…) Os descendentes»], do mesmo código.

É esta a única via que lhe confere o direito a ser indemnizada pelos danos patrimoniais decorrentes da morte da vítima, seu filho. Não pela via sucessória, com referência a um suposto direito à indemnização pela perda da capacidade de ganho que se terá constituído na esfera jurídica do falecido.

Como ensina Antunes Varela, “o dano traduzido na perda da vida do lesado ocorre (quer se trate de morte instantânea ou não) num momento em que, deixando ele de existir, o direito à reparação já se não pode constituir na sua esfera jurídica” (Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª edição, página 616).

É neste sentido que o Supremo Tribunal de Justiça vem repetidamente decidindo, indicando-se, a título de exemplo, os acórdãos de 11/02/2015, processo nº 6301/13. 0TBMTS.S1 [IV - Tendo a vítima falecido, em consequência, necessária e imediata da colisão, não gozam os autores, seus progenitores, do direito a perceberem qualquer indemnização, a título de danos patrimoniais pela perda futura da sua capacidade de ganho, mas, apenas, com fundamento na obrigação legal de alimentos, a que se reporta a 1ª parte do nº 3 do art. 495° do CC, desde que se verificassem os respectivos pressupostos legais, o que, de todo, os autores recusam. V - Fora das hipóteses previstas no art. 495°, nº 3, do CC, não podem os herdeiros, pais da vítima mortal, com fundamento na transmissão «mortis causa», nos termos do disposto no art. 2142°, do CC, peticionar outros danos patrimoniais, não lhe sendo reconhecido o direito a indemnização pela perda futura de rendimentos decorrentes da sua morte]; de 28/11/2013, processo nº 177/11.0TBPCR.S1; de 18/09/2012, processo nº 973/09.8TBVIS.C1.S1 [II - Os pais de um filho solteiro, falecido sem descendentes, num acidente de viação, não têm direito a indemnização pela perda de capacidade de ganho futura da vítima. III - A personalidade jurídica, que se adquire com o nascimento completo e com vida, cessa com a morte. IV - A morte impede a possibilidade de aquisição de direitos, de tal modo que não podem radicar-se no património da pessoa falecida direitos que supostamente nasceriam com o próprio facto da morte. V - O problema da reparação, em caso de morte, é tratado como um caso especial de indemnização, nos arts. 495 e 496, nº 2, do C.C., respectivamente, para os danos patrimoniais e não patrimoniais, atribuindo-se a determinadas pessoas um direito próprio de serem indemnizadas e abstraindo-se de quaisquer regras sucessórias]; de 27/11/2008, processo nº 08P1413; e de 29/01/2008, processo nº 07B4397, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Deste modo, como fez a Relação, o direito da demandante a ser indemnizada por danos patrimoniais futuros só pode ser perspectivado à luz do artº 495º, nº 3, do C. Civil.  

E, sendo assim, não se tendo provado que a vítima prestava apoio financeiro à demandante nem, por falta de alegação, qual é a idade e a situação económico-financeira desta, tornando inviável um juízo sobre se tem ou previsivelmente virá a ter necessidade de alimentos, a indemnização fixada pela Relação a este título – 50 000,00 € – de modo algum pode ser considerada insuficiente.

Decisão:

Em face do exposto, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça acordam em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 22/02/2018

Manuel Braz (Relator)

Isabel São Marcos