Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03P3370
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PEREIRA MADEIRA
Descritores: RECURSO PENAL
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Nº do Documento: SJ200311060033705
Data do Acordão: 11/06/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2 V CR LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 641/01
Data: 04/10/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Sumário : I - Não é a pena concreta aplicada pelo tribunal recorrido - seja ela qual for - mas a moldura penal abstracta cominada para o crime em causa que serve de referência à recorribilidade da decisão para o Supremo Tribunal de Justiça.
II - A matéria de facto recolhida pelo tribunal recorrido enferma do vício de insuficiência sempre que dela conste não serem conhecidas as condições pessoais do arguido e se comprove que aquele tribunal nada fez para o conseguir.
III - A indagação das condições pessoais do arguido, mormente em caso de condenação, é um elemento inseparável do thema probandum delineado pelo objecto do processo, que o tribunal tem o dever de esgotar convenientemente.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


1. O Ministério Público acusou, em processo comum, com a intervenção de Tribunal Colectivo, o arguido JMV, devidamente identificado, imputando-lhe a prática de factos que o permitem ter como autor, em concurso real, de um crime de dano, p. e p. no art.º 212°, n° 1, de dois crimes de ofensa à integridade física, p. e p. no art. 143.°, n.° 1, e de um crime de ameaças, do art.º 153.°, n.° 1, todos do Código Penal.
Efectuado o julgamento, veio a ser proferida sentença em que, além do mais, foi decidido julgar a acusação procedente por provada e, em consequência, condenar o arguido como autor em concurso real, de um crime de dano, do art. 212.°, n° 1, de dois crimes de ofensa à integridade física, do art. 143.°, n.° 1, e de um crime de ameaças, do art. 153.°, n.° 1, todos do Código Penal, respectivamente nas penas de dez meses de prisão (dano), quinze meses de prisão, nove meses de prisão (ofensa à integridade física) e sete meses de prisão (ameaça).
Em cúmulo jurídico, na pena única conjunta de vinte meses de prisão.
Inconformado, recorre o arguido ao Supremo Tribunal de Justiça, delimitando assim conclusivamente o objecto do recurso:
1 - Quanto ao crime de dano, e sendo este de natureza semi-pública sempre teria de haver queixa por parte do titular do interesse que alei quis proteger. Não tendo havido, sempre seria absolver o arguido.
2 - Quanto ao crime de ofensa à integridade física simples, e tendo em conta o resultado da acção (três dias de doença sem incapacidade para o trabalho) bem assim como a moldura penal abstracta do crime - prisão até 3 anos ou pena de multa - em nosso entender, sempre seria de optar por pena de multa, nos termos do artigo 70.º e 71.º do C.P.
3 - Quanto ao crime de ameaças, por não estarem preenchidos os elementos tipo do crime, (artigo 153.º do C.P.) sempre seria de absolver o arguido deste crime.
Pois não constam da matéria dada como provada pelo Tribunal "a quo" os elementos tipo dos crimes subsumíveis pelos artigos 212.º e 153.º do C.P., bem como não consta qualquer agravante do agente.
Mesmo que assim se não entendesse e tendo em conta as circunstâncias em que a expressão foi proferida sempre seria de optar por aplicar uma pena de multa e não uma pena de prisão.
4 - Porque estamos perante concurso de crimes cometidos nas mesmas circunstancias de tempo e lugar e porque desencadeados por uma mesma determinação, tendo em conta a pouca gravidade do resultado da conduta, sendo os crimes punidos com pena de prisão ou multa, nos termos do artigo 70.º e 71.º do C.P. sempre seria de optar pela pena de multa, tanto mais que o arguido é primário, e não consta da decisão recorrida qualquer circunstância, que não fazendo parte do tipo de crime depusesse contra o arguido, não constando atenuantes, como já se referiu, em virtude da sua ausência.
5 - Mesmo que se optasse por uma pena de prisão, o que só por mera hipótese se admite, sempre seria de suspender a execução da mesma nos termos do preceituado no artigo 50.º do C.P.. Tanto mais que o arguido é primário.
6- Pelo supra exposto violou o acórdão recorrido o preceituado nos artigos, 143.º, 153.º, n.º l, 212.º, 70.º, 71.º e 50.º do C.P.
Termos em que revogando o douto acórdão e alterando-o em conformidade com o supra alegado, se fará a acostumada (sic) Justiça.

Respondeu o Ministério Público junto do tribunal recorrido em defesa do julgado.

Neste Supremo Tribunal, onde os autos, entretanto, subiram, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto suscitou como questão prévia a incompetência do Mais Alto Tribunal para conhecer do recurso, já que, na sua interpretação dos atinentes preceitos processuais, o Supremo deve ser preservado do conhecimento de casos de pequena e média gravidade.
Respondeu o recorrente em defesa da competência do Supremo, embora sem lhe repugnar que os autos sejam remetidos à Relação.
O relator, no despacho preliminar, suscitou, por seu turno, nova questão prévia, esta consistente na insuficiência da matéria de facto para a decisão, associada à omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade.

2. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

1.ª questão prévia: Competência do Supremo para conhecer do recurso

Vejamos antes de mais, pela sua prejudicialidade, a questão suscitada pelo Ministério Público junto deste Supremo Tribunal:
Entende aquele Magistrado, numa interpretação sua dos atinentes preceitos processuais, que a competência para decisão do caso radica na Relação.
Não é esse o entendimento que se perfilha, pese embora o muito respeito pela tese proposta.
Já assim foi decidido em recentes arestos aqui proferidos, mormente com o mesmo relator deste, como é o caso do acórdão de 16/10/03, proferido no recurso n.º 2641/03-5, e outros que se lhe têm seguido.

Com efeito, se é certo e indiscutível que, em termos de política criminal, se deve preservar o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de topo que é, de intervir na solução de casos configurantes ou tidos como de meras «bagatelas penais» e, mesmo, nos de pequena e média criminalidade, não é menos verdade que tal solução importa, claramente, uma tomada de posição legislativa que a mera interpretação das normas positivadas não permite atingir sem atropelo dos princípios respectivos.

Citando Simas Santos e Leal-Henriques (1), «O limite máximo da interpretação da lei penal - e não só da lei penal, acrescenta-se agora - é o sentido literal possível dos termos linguísticos utilizados no texto legal. Em direito penal toda a interpretação que exceda este sentido literal possível (excepto quando exista um evidente defeito de redacção no texto legal) deixa de ser uma interpretação para se converter numa criação de direito por via judicial ou doutrinal e, na medida em que sirva para fundamentar ou agravar a responsabilidade penal, viola o princípio da legalidade».
No ensinamento sempre actual do Mestre intemporal que foi Manuel de Andrade, na sua insuperável clareza de expressão (2) "...não há dúvida que as palavras da lei podem comportar, e em regra comportam, diversos pensamentos. Mas nem todos têm, sob este ponto de vista, a mesma legitimidade. Um deles representará a significação natural imediata, espontânea dos dizeres legais; outro, uma significação artificiosa ou arrevesada. Um deles encontrará no teor verbal da lei uma expressão perfeitamente adequada; outro, uma notação vaga, tosca, infeliz. Um deles sente-se como que à vontade dentro do texto legal; outro, só lá se aguenta com certo mal estar. Ora isto há-de ser um motivo de preferência a favor do primeiro pensamento, que deverá reputar-se o verdadeiro sentido da lei, salvo se os demais factores da interpretação muito resolutamente aconselharem ou impuserem outra solução".
A norma essencial - art.º 432.º, d), do Código de Processo Penal - que está na base da tese proposta pelo Ministério Público reza singelamente:
Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:
(...) d) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito;
Daí que não possa, sem dificuldades porventura insuperáveis, inscrever-se ali a tese ora proposta, tendo em conta que o recurso versará apenas matéria de direito e versa sobre acórdão final do tribunal colectivo.

É certo que a regra é a de que os recursos se interpõem para a Relação e que aquela instância conhece de facto e de direito - art.º 427.º do mesmo diploma adjectivo.

Porém, a lei é muito clara ao exceptuar explicitamente desse regime-regra «os casos em que há recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça» - art.º 427.º citado.

A interpretação proposta, decerto muito defensável jure constituendo - até pelo número a breve trecho incomportável de recursos que é pedido a este Alto Tribunal para decidir, a maioria com carácter de urgência, com arguidos presos e em regra com todos os prazos de prisão preventiva esgotados ou em vias disso - não logra na letra, porventura, mesmo, no espírito da lei vigente, a necessária consagração.

Ao invés do sentido literal, que se sente como que à vontade dentro do texto legal, pode afirmar-se sem temor que o sentido interpretativo proposto pelo MP na falada questão prévia, só lá se aguenta com certo mal estar, nas palavras singulares do Mestre de Coimbra citado.
E se do ponto de vista político-legislativo essa solução deve merecer uma reanálise cuidada, tal não invalida a conclusão interpretativa a que se chega, na certeza de que, tal como ficou expresso na declaração de voto de 26/6/03, do ora relator, no recurso n.º 1797/03-5, a propósito de questão paralela, sendo a questão de política legislativa só o legislador pode dar-lhe resposta adequada e os tribunais, em nome mesmo do princípio da separação dos poderes que enforma o estado de direito, independentemente da visão crítica que sobre ela possam ter, outro caminho não têm que dever respeitá-la.
Assim, a gravidade do crime para efeitos de determinação da competência do Supremo e dos outros tribunais, é aferida, como deve ser, pela moldura abstracta, sendo bastante, para, independentemente qualquer que tenha sido a pena concreta, justificar, daquela óptica político- legislativa, que uns devam ser recorríveis para o Supremo e outros não.
Se tal critério se revelar desajustado ao legislador compete alterá-lo, não competindo ao tribunal substituir-se-lhe.
Retomado-se aqui, aliás, o que, sem desprimor para a tese proposta e seus ilustres sequazes, a propósito, se decidiu, maioritariamente, no acórdão de 8 de Julho de 2003 deste Supremo Tribunal, proferido no recurso n.º 2155/03-5, quanto à mesma questão prévia, e cujos fundamentos - merecedores da nossa adesão, se transcrevem aceita-se também que:
«O recurso da decisão proferida por tribunal de 1.ª instância interpõe-se para a Relação, "exceptuados os casos em que há recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça" (art. 427.º do CPP).
Ora, "recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça (...) de acórdãos proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito" (art. 432.º, al. d).
Foi o que o arguido fez, pois impugnou acórdão proferido pelo tribunal colectivo e visou exclusivamente o reexame de matéria de direito, pelo que recorreu directamente para o Supremo Tribunal de Justiça.
Ora, a letra da lei, nesse art. 432.º, al. d), é clara e imperativa, não devendo ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (art. 9.º, n.º 2, do CC).
De resto, em matéria de recursos, há que respeitar a segurança jurídica que os sujeitos processuais só podem encontrar no conforto da lei e não em interpretações jurisprudenciais que dela se tendem a afastar.
Note-se que não estamos perante um recurso "per saltum", mas perante um "recurso directo" para o STJ, pelo que não há que conferir à relação uma competência que a lei em caso algum lhe atribui, ainda que por título alternativo ou opcional.
O recorrente, ao limitar o seu recurso a questões de direito, quer vê-las decididas pelo mais Alto Tribunal e, com essa pretensão, não está a escolher uma instância de recurso, mas a obedecer ao dito imperativo legal.
A vingar a tese defendida pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, o arguido nunca saberá, no momento da interposição, se dirige o recurso ao STJ ou à Relação, pois que se o assistente ou o M.º P.º também recorrerem, o que ele ignora, já não ocorrerá a proibição da "reformatio in pejus" e já não se verificará o pressuposto (negativo) de não se estar perante uma (futura) decisão da Relação que viesse a ser irrecorrível.
Essa insegurança não pode ser tolerada e, por isso, as regras de competência são definidas antecipadamente e de modo abstracto. E como tal têm de ser interpretadas.
Não ignoramos que, assim, o STJ acabará por conhecer de casos de pequena e média gravidade. Mas também não podemos perder de vista que, se foram julgados pelo tribunal colectivo, em algum momento tiveram gravidade suficiente para fazer intervir esse tribunal e não o singular, circunstância que, só por si, justifica a intervenção deste Supremo Tribunal. Tanto mais que o processo pode voltar a uma fase anterior, por virtude de reenvio ou de anulação do acórdão.
Termos em que não se atende à questão prévia e admite-se o recurso, para ser processado e julgado neste Supremo Tribunal.»
Tanto basta para, em resumo, dar nota da posição do Supremo Tribunal quanto ao ponto prévio ora focado, o mesmo é dizer, que rejeita a invocação de incompetência para o julgamento do recurso, para cujo julgamento dispõe de competência legal..

2.ª questão prévia - Insuficiência da matéria de facto para a decisão

Vejamos, antes de mais, os factos dados como provados.

«Entre as 0 e as 7 horas do dia 13 de Agosto de 2001, por motivo não apurado, o arguido partiu duas montras do café "Elby" sito em Alfornelos, Amadora, explorado pela ofendida MERF.
Bem sabia o arguido que o estabelecimento em causa lhe não pertencia e que com tal actuação causava estragos no mesmo contra a vontade da respectiva dona.
Quis ainda assim agir dessa forma, justamente com o propósito de causar estragos.
A reparação dos mesmos, importou na quantia de cerca de 90.000$00/448,92 Euros.
Cerca das 9 horas da referida data, junto ao estabelecimento em causa, a ofendida MERF veio a interpelar o arguido, instando-o a explicar os motivos da sua actuação.
Veio então o arguido a agredir a mesma, desferindo-lhe pontapés nas pernas, agarrando-lhe e torcendo-lhe os braços.
Enquanto tal agressão ocorria, a ofendida LMLMM foi em socorro daquela, tentando apartar o arguido da mesma.
Contudo, veio ainda o arguido a agredir LMLMM agarrando-a pelo pescoço e mão esquerda, dando-lhe unhada nesta.
Bem sabia o arguido que ao agir do modo descrito molestava corporalmente aquelas que agredia, agindo justamente com um tal propósito.
Em resultado das agressões, a ofendida MERF sofreu equimose no terço superior da face interna de ambos os braços, escoriações transversal com 2 cm de comprimento na face dorsal da mão direita e linear (vertical na face posterior do braço direito, edema no tornozelo e equimose na massa dos gémeos, tudo da perna direita.
Tais lesões determinaram-lhe quatro dias de doença, sem incapacidade para o trabalho .
Quanto à ofendida LMLMM, em resultado das agressões sofreu a mesma escoriação linear arciforme de convexidade anterior na face externa do primeiro metacárpio esquerdo (estigmas ungueais).
Tal lesão demandou-lhe doença por três dias, sem incapacidade para trabalho.
Cessadas as agressões veio o arguido a dirigir-se à ofendida MERF dizendo-lhe "quando te apanhar, corto-te o pescoço".
Bem sabia o arguido que, ao proferir uma tal frase na sequência de agressão, a faria temer nova agressão.
Quis proferir tal frase, justamente com o intuito de atemorizar a ofendida.
Com efeito, esta, dada a violência que o arguido acabara de exercer sobre si bem como a exercida contra a sua propriedade, temeu que o arguido viesse a agredi-la em ocasião futura.
O arguido agiu livre e conscientemente, bem sabendo que as suas actuações eram proibidas.
A ofendida MERF, que não conhecia o arguido, sofreu forte abalo psicológico, acabando por "'vender" o café dos autos.
Desconhece-se a situação pessoal do arguido.
Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.»
Factos não provados
«Nada a referir».
Pois bem.
Entre as circunstâncias decisivas para concretização da medida da pena, impõe a Lei - maxime o art.º 71.º, n.º 2, do Código Penal, que o tribunal faça apelo a «todas as circunstâncias» que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, designadamente, «...d) - as condições pessoais do agente e a sua condição económica».
O arguido não compareceu a julgamento, e, por isso, as respectivas condições pessoais e situação económica, ficaram por averiguar. Tanto assim que nos factos não provados não consta qualquer referência a esse capítulo importante do julgamento do facto.
Mas tal postura do tribunal recorrido não pode, nem de perto nem de longe, lograr aplauso deste Supremo Tribunal, já que, esteja ou não o arguido presente, é dever do tribunal indagar oficiosamente desses elementos de facto relativos às respectivas condições pessoais, sob pena, até, de violação do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado - art.º 13.º da Constituição - pois essa ausência a julgamento não justifica uma tal discriminação negativa relativamente aos arguidos presentes.
Ademais, estando em causa, no caso, crimes cuja punição se bastará, porventura, ao menos aparentemente, com a aplicação de pena de multa, ao menos como alternativa, importa, sobremaneira, para efeito do respectivo doseamento, que a matéria de facto acolha essa plausível solução de direito, tanto mais que como dos factos recolhidos ressalta, a ilicitude do caso não será das mais elevadas, e o arguido não tem antecedentes criminais.
É mesmo referido nos autos que o arguido tem duas residências - «a dos autos e em Mogadouro», tal como terá dito a fls. 162 verso e é mencionado na resposta do MP junto do tribunal a quo (fls. 181), o que faz supor, para já, a existência de algum desafogo económico.
Ora, não se tendo dignado esclarecer este ponto crucial da matéria de facto, indubitavelmente abrangido no thema probandum já que abrangido pelo objecto do processo, o tribunal a quo ficou aquém do que devia, (3) não esgotou o thema probandum que lhe estava acometido, pelo que se fixou num quadro de facto insuficiente para a decisão a que chegou.
Tanto mais que, acaso o Supremo Tribunal agora entendesse ser de dar provimento ao recurso na aspiração a ver a prisão substituída por pena pecuniária, não dispunha de elementos capazes para, com um mínimo de fundamento, e sem cair num inaceitável arbítrio, fixar o respectivo quantitativo diário.
O que, em suma, significa que a sentença padece do vício a que alude o artigo 410.º, n.º 2, a) do Código de Processo Penal - insuficiência da matéria de facto para a decisão - o que implica o reenvio do processo nos termos do disposto no artigo 416.º, n.º 1, daquele diploma, apenas para o efeito de indagação das condições pessoais do arguido e subsequente repensar da pena a aplicar em conformidade com o resultado dessa indagação.
Em suma, improcede a questão prévia suscitada pelo Ministério Público neste Supremo Tribunal, mas, em contrapartida, procede a suscitada pelo relator no despacho preliminar.

3. Termos em que, anulando o julgamento, determinam o reenvio do processo nos termos e para o efeito apontados, para o tribunal a que alude o artigo 426.º-A do Código de Processo Penal.
Pelo decaimento parcial o recorrente pagará 4 unidades de conta de taxa de justiça.

Supremo Tribunal de Justiça, 6 de Novembro 2003
Pereira Madeira (relator)
Simas Santos (vencido quanto à 1.ª instância prévia, nos termos dos acórdãos que relatei sobre o tema e o voto de vencido que exarei no acórdão citado no texto)
Costa Mortágua
__________________
1 Código Penal Anotado Edição Rei dos Livros, 1995, págs. 93.
2 Cfr. Ensaio Sobre A Teoria da Interpretação das Leis, 2.ª edição, Arménio Amado Editor, Sucessor, Coimbra, 1963, págs. 30
3 O que não significa, obviamente, que se exija que o tribunal chegue sempre a uma resposta positiva nessa indagação, pois bem pode suceder, que, desenvolvendo todas as diligências razoavelmente reclamadas para o efeito, o tribunal fique, afinal sem saber qual seja a situação económica e condição pessoal do arguido. Mas então, e só então, haverá regras processuais de valoração da prova que lhe apontam o caminho a seguir.