Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1315/11.8TJVNF-A.P1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: RECURSO
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
REJEIÇÃO
Data da Decisão Sumária: 12/16/2014
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO
Decisão: NÃO ADMITIDO O RECURSO
Área Temática:
DIREITO CONSTITUCIONAL - GARANTIA DA CONSTITUIÇÃO / FISCALIZAÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE - TRIBUNAL CONSTITUCIONAL - RECURSOS PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL - PROCESSOS DE FISCALIZAÇÃO CONCRETA.
Legislação Nacional:
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 59.º, N.º1.
LEI DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL (LTC): - ARTIGOS 70.º, N.º1, ALS. A) E B), 72.º, N.º2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-NºS 269/94, 367/94, 115/2014, 786/14, 797/14 E 845/14, IN WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT .
-N.ºS 828/2014, 832/2014 E 847/2014, IN WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT .
Sumário :
I. Dispõe alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC que cabe recurso para o Tribunal Constitucional as decisões dos Tribunais que «Recusem a aplicação de qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade;».
II. Com efeito, constitui pressuposto processual do aludido recurso que o Tribunal recorrido haja recusado a aplicação de uma norma jurídica com fundamento na inconstitucionalidade da mesma, o que manifestamente não aconteceu no caso sujeito e que, adiantamos, se fosse o caso, teria de ter existido recurso obrigatório por banda do Ministério Público para o Tribunal Constitucional.
III. Constitui pressuposto processual do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC a observância, pelo recorrente, do ónus de suscitação, o que essencialmente se traduz no dever de enunciação prévia, pela forma processualmente adequada, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, da questão de constitucionalidade que constitui objecto do recurso (artigo 72º, n.º 2, da LTC).
IV. Nesta impugnação recursiva importa igualmente que se mostrem preenchidos os demais pressupostos processuais: a par do esgotamento dos recursos ordinários de que a decisão recorrida seja passível, impõe-se aos Recorrentes que tenham suscitado de forma adequada uma questão de constitucionalidade, questão essa que deverá ter incidido sobre normas jurídicas que hajam sido a ratio decidendi da decisão posta em crise.
V. No que a este requisito respeita, o Tribunal Constitucional tem vindo a entender, de forma reiterada, constante e unívoca, que afora os casos de uma aplicação normativa de todo em todo imprevisível, que no caso sujeito se não antolha, incumbe aos Recorrentes enunciar concretamente a questão de inconstitucionalidade, de molde a que o Tribunal perante o qual o problema é suscitado, saiba que tem uma determinada problemática de constitucionalidade para decidir, o que demanda a identificação de forma expressa, directa e clara, a norma ou um seu segmento ou uma dada interpretação que se qualifique como violadora da Lei Fundamental
VI. A omissão desta precisa enunciação, importa a rejeição do recurso.

(APB)
Decisão Texto Integral:


I Nos presentes autos de reclamação de créditos que correm por apenso aos autos de insolvência de A, S.A., recorreu o Reclamante S de Revista, a qual lhe veio a ser negada, porquanto se entendeu que não constituindo os imóveis, que foram objecto de construção pela Insolvente para revenda, destinados portanto à sua actividade produtiva e económica, a sua unidade produtiva, por que esta é apenas constituída pela sua sede, não poderão tais bens ser objecto de qualquer oneração especifica e por outro lado, no que tange aos dois outros escritórios da Insolvente, a que se referem as verbas 48 e 49 do auto de apreensão de bens, tendo-se provado que se não se destinavam ao exercício de actividades relacionadas com aquela empresa, sendo frequentados sobretudo pelo Sr. AA, Administrador da Insolvente, não poderão sobre eles, mutatis mutantis, incidir qualquer privilégio imobiliário especial por parte do Recorrente, a que alude o artigo 333º, nº1, alínea c) do CTrabalho, no que tange aos créditos laborais que detém sobre aquela.

Notificado do Aresto que faz fls 418 a 431, veio o Recorrente dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional, com os seguintes fundamentos:
- O Acórdão recorrido, na esteira do critério adoptado na douta sentença da lª instância e no douto Acórdão do Tribunal da Relação de 27.05.2014, acolheu uma interpretação inconstitucional das disposições contidas no artigo 333° do Código do Trabalho. - O Acórdão recorrido, ao dar o sentido que deu às disposições contidas no artigo 333º do Código do Trabalho, violou a norma do artigo 59º, nº1, al. a), da Constituição da República Portuguesa.
- Por força do disposto naquele artigo 59º, nº1, al. a), da CRP, encontra-se constitucionalmente incluído entre os direitos fundamentais dos trabalhadores o direito à retribuição do trabalho que visa garantir uma existência condigna, consoante preceitua o mesmo artigo 59º, nº1, al. a), da CRP, e que a jurisprudência do Tribunal Constitucional já considerou expressamente como direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias.
- E, no que respeita ainda ao âmbito da tutela constitucional do direito à retribuição religiosamente consagrado no citado artigo 59º, nº1, a1. a), da CRP, a tutela não incide apenas sobre o direito ao salário mas abrange também os créditos indemnizatórios emergentes do despedimento ou da cessação do contrato de trabalho, devendo ser apreciada a inconstitucionalidade da interpretação das disposições contidas no artigo 333° do Código do Trabalho acolhida pelo Acórdão recorrido.

O Recorrido Banco X, SA, na resposta apresentada opôs-se à admissão do recurso, uma vez que na sua tese não se mostram preenchidos os requisitos aludidos na alínea a) do nº1 do artigo 70º da LTC.

II Recorre o Reclamante para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº1, alínea a), 75º, 75º-A e 78º da LTC.

Dispõe o supra mencionado normativo que cabe recurso para o Tribunal Constitucional as decisões dos Tribunais que «Recusem a aplicação de qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade;»

Com efeito, constitui pressuposto processual do recurso previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC que o Tribunal recorrido haja recusado a aplicação de uma norma jurídica com fundamento na inconstitucionalidade da mesma, o que manifestamente não aconteceu no caso sujeito e que, adiantamos, se fosse o caso, teria de ter existido recurso obrigatório por banda do Ministério Público para o Tribunal Constitucional, cfr inter alia os Ac do TC nºs 828/2014, 832/2014 e 847/2014, in www.tribunalconstitucional.pt

Concerteza, por lapso manifesto, o Reclamante invocou a alínea a), quando quereria dizer alínea b) do mencionado normativo, posto que, nesse outro, atentas as razões plasmadas no seu requerimento de interposição recursiva, se enquadrará melhor o que peticionado vem, já que naquela alínea se postula que caberá recurso para o Tribunal Constitucional as decisões judiciais que «Apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo;».

Ora, o Reclamante baseia a sua pretensão, precisamente, na asserção de que este Supremo Tribunal aplicou as disposições contidas no artigo 333º do Código do Trabalho, em violação da norma do artigo 59º, nº1, alínea a), da CRPortuguesa.

Com efeito, constitui pressuposto processual do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC a observância, pelo recorrente, do ónus de suscitação, o que essencialmente se traduz no dever de enunciação prévia, pela forma processualmente adequada, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, da questão de constitucionalidade que constitui objecto do recurso (artigo 72º, n.º 2, da LTC).

Sendo esta impugnação recursiva, como pensamos, interposta ao abrigo do mencionado normativo, importa igualmente que se mostrem preenchidos os demais pressupostos processuais: a par do esgotamento dos recursos ordinários de que a decisão recorrida seja passível, impõe-se aos Recorrentes que tenham suscitado de forma adequada uma questão de constitucionalidade, questão essa que deverá ter incidido sobre normas jurídicas que hajam sido a ratio decidendi daquela decisão agora posta em crise.

No que a este requisito respeita, o Tribunal Constitucional tem vindo a entender, de forma reiterada, constante e unívoca, que afora os casos de uma aplicação normativa de todo em todo imprevisível, que aqui se não antolha, incumbe aos Recorrentes enunciar concretamente a questão de inconstitucionalidade, de molde a que o Tribunal perante o qual o problema é suscitado, saiba que tem uma determinada problemática de constitucionalidade para decidir, o que demanda a identificação de forma expressa, directa e clara, a norma ou um seu segmento ou uma dada interpretação que se qualifique como violadora da Lei Fundamental, cfr neste conspectu e entre muitos, os Ac do TC nºs 269/94, 367/94, 115/2014, 786/14, 797/14 e 845/14, in www.tribunalconstitucional.pt.

Com efeito, constitui pressuposto processual do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC a observância, pelo Recorrente, do ónus de suscitação, o que essencialmente se traduz no dever de enunciação prévia, pela forma processualmente adequada, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, da questão de constitucionalidade que constitui objecto do recurso (artigo 72º, n.º 2, da LTC).

A questão de inconstitucionalidade na interpretação normativa que é imputada à decisão aqui proferida, inexiste pois, por não ter sido abordada na decisão de que se recorre.

Face à obrigatoriedade de o objecto de recurso deter natureza normativa, impendendo sobre os Recorrentes o ónus de enunciar uma norma ou interpretação normativa, reportando-a, de forma certeira, a uma concreta disposição ou conjugação de disposições legais, em cuja literalidade o critério normativo enunciado encontre um mínimo de correspondência, compreendemos o ensaio efectuado pelos Recorrentes nesse sentido, sendo certo que, todavia, o mesmo constitui, no nosso modesto entendimento um «acto falhado».

Ao longo de todo o processo, nas diversas peças processuais apresentadas, maxime, nas alegações dos recursos que foram sendo interpostos, nunca o Reclamante suscitou qualquer questão de constitucionalidade da norma jurídica que constituí a ratio decidendi das decisões que foram proferidas no rigoroso cumprimento do iter processual imposto.

Efectivamente, o aqui e então Recorrente, apenas se insurgiu quanto à bondade legal da decisão e não indicou especificadamente, como se imporia, o sentido normativo julgado desconforme com a constituição, por forma a que o Tribunal Constitucional com ele confrontado e se viesse a concluir pela sua inconstitucionalidade, a pudesse reproduzir de molde a que os respectivos destinatários ficassem cientes do concreto sentido normativo julgado desconforme com a nossa Lei Fundamental.

Uma coisa é o dissenso com a decisão proferida, o que se mostra estranho ao objecto do recurso de constitucionalidade, coisa outra, diversa portanto, seria este Supremo Tribunal ter efectuado uma aplicação das normas jurídicas convocáveis para a resolução do dissídio da inexistência de qualquer privilégio imobiliário especial, objecto dos presentes autos, que tivesse contendido com matérias que pudessem ser alvo de um processo de fiscalização concreta de constitucionalidade.

Não basta, pois, que o Recorrente venha agora aventar que o Tribunal violou o preceituado no artigos 59º, nº1, alínea da CRPortuguesa, isto é, que todos têm direito «À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna;», para que a mera arguição do cometimento de tal irregularidade possa franquear as portas para o acesso a uma impugnação recursiva constitucional.

Tal impugnação, não se poderá basear na mera alegação de transgressões à Lei Fundamental, mas antes deverá assentar na sua concreta correspondência com os preceitos legais mobilizados para a fundamentação da decisão recorrida e por esta especificamente aplicados, o que na espécie não aconteceu.

O problema de constitucionalidade aqui suscitado, sob um manto de aparência normativa, não mais traduz, que uma construção forçada de um objecto recursivo que tem apenas a finalidade de por em causa o modus operandi deste Supremo Tribunal aquando do julgamento efectuado em última instância, o que manifestamente transcende o objecto do recurso para o Tribunal Constitucional.

III Destarte, não se admite o recurso interposto, por o meio não ser idóneo, tendo em atenção o preceituado na alínea b) do nº1 do artigo 70º da LTC.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 16 de Dezembro de 2014

(Ana Paula Boularot)