Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6ª SECÇÃO | ||
Relator: | ANA PAULA BOULAROT | ||
Descritores: | RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA REQUISITOS OPOSIÇÃO DE JULGADOS INSOLVÊNCIA CASO JULGADO TERCEIRO IMOVEL DIREITO DE RETENÇÃO CRÉDITO HIPOTECÁRIO | ||
Data do Acordão: | 02/26/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA | ||
Decisão: | INDEFERIDO | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / CONTESTAÇÃO / EXEÇÕES / SENTENÇA / EFEITOS DA SENTENÇA / RECURSOS / RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA - PROCESSO DE EXECUÇÃO / EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA / PROCESSO ORDINÁRIO / PENHORA / PENHORA DE BENS IMÓVEIS / CONCURSO DE CREDORES / EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA CERTA. DIREITO FALIMENTAR – MASSA INSOLVENTE E INTERVENIENTES NO PROCESSO / MASSA INSOLVENTE E CLASSIFICAÇÕES DOS CRÉDITOS / VERIFICAÇÃO DOS CRÉDITOS / PAGAMENTO AOS CREDORES. | ||
Doutrina: | - A. Costa, Contrato Promessa, Uma síntese do regime actual, 5.ª Edição, p. 68; - Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, p. 116; - Ana Prata, Jorge Morais de Carvalho e Rui Simões, Código Da Insolvência E Recuperação De Empresas Anotado, 2013, p. 380; - Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, p. 726; - Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, p. 726 e ss.; - Castro Mendes, Direito Processual Civil, Acção Executiva, edição 1971, AAFDL, p. 161 ; Direito Processual Civil, Volume III, p. 119; - Gama Prazeres, Do concurso de credores e da verificação e graduação dos créditos nos actuais Código Civil e Código de Processo Civil, edição 1967, p. 65; - José Aberto dos Reis, Código Processo Civil Anotado, Volume VI, p. 269 a 275; - Lebre de Freitas, ROA, Ano 66, Volume II, Setembro 2006, p. 6 e 7 ; A acção executiva, p. 257. - Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, edição 1976, p. 311 a 314 ; Noções elementares de Processo Civil, edição 1963, p. 288 e289; - Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre O Novo Processo Civil, 2.ª Edição, 556 a 567, 594 e 595. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 581.º, 619.º, N.º 1, 621.º, 688.º, N.º 1, 755.º, N.º 1, ALÍNEA F), 759.º, N.º 2, 789.º, N.ºS 4 E 5 E 866.º, N.ºS 3 E 4. CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 46.º, N.ºS 1 E 2, 128.º, N.ºS 1 E 3, 130.º E 173.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 10-10-1989, IN BMJ 390, P. 365; - DE 24-03-1992, IN BMJ 415, P. 622; - DE 12-01-1993, IN BMJ 423, P. 463; - DE 11-11-1995, IN CJSTJ, 1995, TOMO II P. 82; - DE 17-02-1998, IN CJSTJ, 1998, TOMO I, P. 74; - DE 20-05-2010, RELATOR HÉLDER ROQUE, IN WWW.DGSI.PT; - DE 10-01-2013, RELATOR JOÃO BERNARDO, IN WWW.DGSI.PT; - DE 18-02-2015, RELATOR PINTO DE ALMEIDA, IN WWW.DGSI.PT; - DE 07-03-2018, RELATOR GABRIEL CATARINO, IN WWW.DGSI.PT. | ||
Sumário : |
I A admissibilidade do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, está dependente da verificação da existência de uma antinomia entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento, que se mostre essencial na apreciação, valoração e interpretação da normação aplicável ao caso concreto. II A dualidade de posições exigida entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento terá de ser efectiva e não meramente aparente para poder consubstanciar os requisitos impostos pelo artigo 688º, nº1 do CPCivil, de molde a poder ser admitida a impugnação pretendida para uniformização da jurisprudência em oposição. III Na espécie, sem embargo das teses em confronto poderem ser vistas como opostas, ambos os Acórdãos convergiram num ponto essencial que leva ao afastamento daquela previsão normativa: quer o Acórdão recorrido, quer o Acórdão fundamento, puseram a tónica na alegação e prova de materialidade fáctica conducente, naquele, ao apuramento da existência do direito de retenção esgrimido pelas Recorrentes e neste, à alegação e prova por banda do ali exequente e credor hipotecário da factualidade obstativa ao reconhecimento do direito de retenção invocado, o que num e noutro Aresto, se veio a frustrar, impedindo assim, por um lado, de reconhecer a existência do direito das Credoras Reclamantes/ Recorrentes titulares do invocado direito de crédito proveniente de contrato promessa com direito de retenção susceptível de ser tido em atenção e graduado com prioridade face à hipoteca, e, de outra banda, a impossibilidade de o Exequente, credor hipotecário, impedir a prevalência de um direito de retenção face à sua garantia, uma vez que não impugnou na oportunidade a bondade daquele mesmo direito. IV No Acórdão recorrido, o credor hipotecário impugnou os créditos reclamados pelas Recorrentes os quais, na sequência do contraditório efectivado, não se vieram a apurar, em sede de reclamação, verificação e graduação de créditos, o que conduziu inexoravelmente à improcedência do pedido formulado. V No Acórdão fundamento, porque o Exequente – credor hipotecário - não impugnou, como devia, o crédito reclamado pelo titular do direito de retenção nos termos do disposto no artigo 866º, nºs 3 e 4 do CPCivil então aplicável (actual 789º, nºs 4 e 5), acabou por ver aquele direito graduado com prioridade em relação ao seu direito real de garantia, porque como ali se escreveu a «[li]mitação fixada na parte final da norma opera em relação aos impugnantes, dada a eficácia do caso julgado em relação a eles, prevenindo hipóteses como a dos autos.». VI Quer dizer, ambos os Arestos puseram a sua tónica na averiguação factual, considerando-a determinante para o apuramento da eficácia do caso julgado formado por aqueloutra sentença que reconheceu o direito de retenção, que nesta sede reclamatória teria de ser sempre questionado, dependendo a sua (in)existência da alegação e prova da materialidade constitutiva de tal direito ou da ausência da mesma, sendo essencial, portanto, o sentido da decisão para aquilatar a identidade dos respectivos pressupostos, que in casu não se verificam. (APB) | ||
Decisão Texto Integral: |
ACORDAM,EM CONFERÊNCIA, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I As Recorrentes M, P e notificadas da decisão singular da Relatora que faz fls 102 a 114, que lhes rejeitou o recurso para uniformização de jurisprudência interposto nos autos, reclamam agora para a Conferência nos termos do artigo 692º, nº2 do CPCivil, apresentando os seguintes argumentos: - Estão reunidos os pressupostos necessários tendentes à admissibilidade do recurso interposto, existindo nítida contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, uma vez que tal contradição, deverá consubstanciar “a mesma questão fundamental de direito”; - Na decisão proferida, é aludida a inexistência da excepção de caso julgado, sendo certo que, o que é posto em causa pela recorrente não é a excepção de caso julgado mas a autoridade de caso julgado; - A mencionada falta de produção de prova do direito de crédito da recorrente, na perspetiva desta, basta-se com a sentença proferida, em que a recorrente deteve a qualidade de promitente compradora e a insolvente a qualidade de promitente vendedora, em sede de contrato promessa com direito de retenção D) e ainda, a existência do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 4/2014 de 20/03/2014, reportado exclusivamente ao promitente-comprador que detenha, simultaneamente, a qualidade de consumidor, tal como é o caso da recorrente.
Os Recorridos nada disseram.
Vejamos, então.
A decisão singular aqui impugnada é do seguinte teor: «I Por apenso autos de insolvência de F, SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA, foi apresentada pelo Sr. Administrado de Insolvência a lista de credores a que alude o artigo 129º do CIRE, onde - entre outros - reconheceu os créditos invocados por P, M (então, M, LIMITADA), e E. Novo Banco, SA, credor hipotecário, impugnou os créditos reconhecidos como garantidos das credoras Reclamantes P, M (então M, Limitada), e E, pedindo o seu não reconhecimento, ou a sua não qualificação como detentores de privilégio creditório oponível ao credor hipotecário. As Credores impugnadas apresentaram as respectivas respostas, pugnando pela improcedência da impugnação. Mantendo-se controvertidos os créditos das Credoras referidas (e dependendo o seu reconhecimento de produção de prova), realizou-se a tentativa de conciliação prevista no artigo 136º, nº 1 do CIRE e proferiu-se o despacho previsto no seu nº 4, onde se fixou o objecto do litígio e se enunciaram os temas de prova. Efectuado que foi o julgamento, produziu-se sentença a julgar procedente a impugnação deduzida por Novo Banco, SA não reconhecendo nem graduando os créditos reclamados por P, M, (então, M, Limitada) e E. Inconformadas com esta decisão, cada uma daquelas Credoras Reclamantes interpuseram recurso de Apelação, que veio a ser julgado totalmente improcedente, com a confirmação da sentença recorrida. De novo irresignadas com tal desfecho, recorreram aquelas Credoras Reclamantes de Revista excepcional, por oposição de Acórdãos, impugnação essa admitida pela Formação a que alude o artigo 672º, nº3 do CPCivil, cfr Acórdão de fls 985 a 987, porquanto aquelas apresentam «[c]omo questão fundamental de direito sobre que teria havido decisões contraditórias entre o acórdão recorrido e o acórdão da Relação de Guimarães com o n° 734/10.1TBPRG-A, de 2016.05.19, a questão de se saber se o credor hipotecário, que não tenha tido intervenção em ação de execução específica pretérita, já transitada em julgado, movida contra o devedor que constituiu hipoteca em seu favor, por incumprimento do contrato promessa de compra e venda meramente obrigacional de imóvel, mas com pagamento de sinal por parte do promitente-comprador e traditio por parte do promitente vendedor, deverá ser qualificado como um terceiro juridicamente indiferente (em que apenas vê afastada a consistência económica do seu crédito) ou se, pelo contrário, devera ser qualificado como terceiro juridicamente interessado (em que vê afastada a consistência jurídica do seu crédito). Foi produzido Acórdão neste Supremo Tribunal onde se decidiu negar a Revista, mantendo a decisão plasmada no Acórdão recorrido. As Recorrentes, E, P e M vêm agora nos termos dos artigos 688º e 693º do CPCivil, interpor recurso para uniformização de jurisprudência, por oposição do Aresto proferido nestes autos, com um outro deste Supremo Tribunal, datado de 16 de Março de 1999, no processo nº99B084, cuja cópia retirada da base de dados fez juntar e consta de fls 27 a 29, apresentando as seguintes conclusões: - Os Acórdãos em análise foram proferidos no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito. - A questão fundamental de direito, prende-se com a qualificação do credor hipotecário que não tenha tido intervenção em prévia ação movida contra o seu devedor, para reconhecimento de crédito emergente do incumprimento de contrato-promessa com pagamento de sinal, por parte do promitente-devedor, e do correlativo direito de retenção que assistirá por isso ao promitente-comprador. - Para o Acórdão recorrido o credor hipotecário é um terceiro juridicamente interessado, por a preferência da garantia real do direito de retenção sobre a hipoteca, afetar a consistência jurídica da sua posição de credor privilegiado (uma vez que a hipoteca deixa de prevalecer sobre o crédito garantido por direito de retenção); - Para o Acórdão fundamento, o credor hipotecário é um terceiro juridicamente indiferente, que apenas vê a consistência económica do seu crédito (e não também a existência e validade do seu direito) afetada pelo reconhecimento da garantia que prefere à sua. - Acórdão recorrido e Acórdão fundamento, visam a mesma questão fundamental de direito, mas divergem na interpretação que fazem da lei e do ordenamento jurídico. - Os créditos (da recorrente e do credor hipotecário), apesar de emergirem do mesmo devedor, são plenamente autónomos, com garantias diferentes, não colidindo entre si. - O crédito com garantia real - direito de retenção -, não obstante poder afetar economicamente o crédito hipotecário, porque tem preferencio-, na graduação, não retira a consistência jurídica do mesmo, o qual continua a existir e a concorrer na graduação, pese embora, para ser pago com o valor restante dos bens onerados com as garantias ou outros. - A sentença proferida no âmbito da ação intentada pela aqui recorrente contra a então sociedade F e que reconheceu à recorrente o seu direito de retenção sobre coisa hipotecada, dado que não afeta a existência, a validade ou a consistência jurídico do seu direito, terá de constituir caso julgado (autoridade) quanto ao credor hipotecário não interveniente na ação respetiva, pois este é de qualificar como terceiro juridicamente indiferente. - A prevalência do direito de retenção sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido anteriormente registada, não ofende qualquer dos princípios e valores constitucionais, tais como, o princípio da proporcionalidade, o da igualdade e o da confiança. - 0 Acórdão fundamento - com interesse para estes autos -, cinge-se à seguinte questão essencial: A sentença que reconheceu o direito de crédito e de retenção, faz ou não caso julgado (autoridade) em relação ao credor hipotecário?" - Na questão elencada e para lhe dar resposta, torna-se necessário esclarecer se o credor hipotecário é um terceiro juridicamente interessado ou indiferente. - O direito de retenção é uma garantia real que decorre diretamente da própria lei, não precisando sequer de ser judicialmente reconhecida. - Nos termos do disposto no artº 759 nº 2 do C.C., o direito de retenção prevalece sobre a hipoteca, não resultando daqui para o credor hipotecário um prejuízo jurídico mas, quando muito, de mero facto. - O princípio fundamental é o da eficácia relativa do caso julgado, isto é, a sentença só tem força de caso julgado entre as partes. - No que diz respeito aos não intervenientes na ação, isto é, quanto à extensão do caso julgado a terceiros, relembre-se os dizeres do Prof. Manuel de Andrade; se a sentença não trouxer aos terceiros prejuízo jurídico, eles têm de a acatar nos termos em que a mesma foi proferida entre as partes, bem como, a correspondente definição judicial da relação litigada. - E a sentença não causa prejuízo jurídico, sempre que deixar íntegra a consistência jurídica do direito desses terceiros, não afetando nem a sua existência, nem a sua validade, embora lhes possa causar - ainda que hipoteticamente -, um prejuízo de facto ou económico - terceiros juridicamente indiferentes. - Assim não seria, se estivéssemos perante terceiros, em relação aos quais a sentença, a valer, lhes poderia causar um prejuízo jurídico, invadindo a própria existência ou reduzindo o conteúdo do seu direito, e não apenas destruindo ou abalando a sua consistência prática - terceiros juridicamente interessados. - O douto Acórdão fundamento, opta então pela seguinte tese, com a qual não poderíamos estar mais de acordo: a sentença que reconheceu o direito de crédito e de retenção sobre coisa hipotecada não afeta juridicamente o crédito hipotecário e a respetiva garantia, a hipoteca, deixando íntegra a respetiva consistência jurídica, isto é, "o direito continua o mesmo, com o mesmo conteúdo e a mesma garantia hipotecária, sendo apenas afetado na graduação", já que vai situar-se em patamar inferior ao crédito do titular do direito de retenção. - “Esta descida não representa um prejuízo de natureza jurídica, mas tão só, um prejuízo de ordem económica, na medida em que o património do devedor pode não chegar para se pagar”. - Neste sentido, vai então o Acórdão fundamento, para concluir que o credor hipotecário é terceiro juridicamente indiferente, sendo-lhe, consequentemente, tal sentença oponível. - A importância em uniformizar a jurisprudência que se pretende, prende-se com disponibilizar aos cidadãos uma maior segurança jurídica, assegurando, por seu turno, uma maior previsibilidade decisória que, não obstante, as especificidades de cada matéria e de cada caso concreto, visam assegurar a mesma aplicação e interpretação da norma jurídica. - Nestes termos, deverá o presente recurso merecer procedência, devendo, em consequência, proferir-se Acórdão que decida a questão controvertida no sentido acolhido pelo Acórdão fundamento, mais devendo, fixar-se jurisprudência, no sentido de se considerar que o credor hipotecário é um terceiro juridicamente indiferente, que apenas vê a consistência económica do seu crédito (e não também a existência c validade do seu direito) afetada pelo reconhecimento da garantia que prefere à sua, sendo-lhe, consequentemente, oponível a sentença em que não figurou como parte. Nas contra alegações o Recorrido Novo Banco, SA, pugna pela indmissibilidade da impugnação e caso assim se não entenda, conclui pela uniformização de jurisprudência nos termos propugnados pelo Acórdão recorrido. Vejamos. A primeira questão que se nos põe, em sede liminar, é a de saber se estão reunidos ou não os pressupostos de admissibilidade do recurso para Uniformização de Jurisprudência. Resulta do normativo inserto no artigo 688º, nº1 do CPCivil que «As partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça quando o Supremo proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.». Constituem, assim, requisitos para a admissão de tal recurso: i) que exista um Acórdão do STJ transitado em julgado, proferido nos autos onde se suscita a uniformização; ii) contradição entre o Acórdão proferido e outro que o mesmo Tribunal haja produzido anteriormente; iii) que essa contradição tenha ocorrido no domínio da mesma legislação e que respeite à mesma questão essencial de direito. Apesar de os Recorrentes apontarem a contradição existente entre o Acórdão produzido nestes autos, com um outro deste Supremo Tribunal de Justiça datado de 16 de Março de 1999 nos autos 99B084, cuja cópia retirada da base de dados fizeram juntar, efectuando a necessária gestão processual, tendo em atenção o preceituado no artigo 6º, nº1 do CPCivil, sem embargo da incorrecção por parte daquelas ao instruírem os autos com uma mera cópia do Acórdão dito como fundamento, e não uma certidão do mesmo como se imporia, dispensa-se tal junção, face à manifesta impossibilidade de o recurso poder vir a ser recebido, antes de mais e além do mais, porque se não antolha qualquer contradição entre o Acórdão produzido e o Acórdão fundamento, como infra se irá explanar. Se não. A vexata quaestio suscitada nos autos pelas Recorrentes, era a de saber se a decisão que lhes reconheceu o direito de retenção sobre coisa hipotecada, uma vez que não afecta a existência, a validade ou a consistência jurídica do seu direito, terá de constituir caso julgado quanto ao credor hipotecário não interveniente na acção respectiva, pois este é de qualificar como terceiro juridicamente indiferente e não como terceiro juridicamente interessado, sendo que a prevalência do direito de retenção sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido anteriormente registada, não ofende qualquer dos princípios e valores constitucionais, tais como, o princípio da proporcionalidade, o da igualdade e o da confiança. No Acórdão recorrido, desenvolveu-se o seguinte raciocínio a respeito: «[D]ispõe o normativo inserto no artigo 128º, nº1 do CIRE, que dentro do prazo fixado para o efeito, deverão os credores da insolvência reclamar a verificação dos seus créditos, sendo que, tal reclamação é imperativa, mesmo que tais credores tenham o seu crédito reconhecido por sentença transitada em julgado, cfr nº3 do mesmo preceito. Daqui decorre, ao contrário do que sucede na acção executiva que o credor que pretenda reclamar o crédito em sede insolvencial, não necessita de estar munido de título definitivo do seu direito, pois este irá formar-se neste procedimento específico o que decorre inequivocamente dos termos que a própria Lei insolvencial exige para a respectiva reclamação, cfr neste sentido Ana Prata, Jorge Morais de Carvalho, Rui Simões, Código Da Insolvência E Recuperação De Empresas Anotado, 2013, 380. Esta primeira asserção torna-se fundamental para a desconstrução do pensamento das Recorrentes, quando pretendem fazer decorrer o seu direito de um «pretenso» título definitivo anteriormente obtido, título esse constituído pelas sentenças havidas nas acções declarativas que intentaram anteriormente contra a Insolvente e que esta não contestou, nas quais lhes foi reconhecido, além do mais, o direito de retenção sobre os imóveis objecto das promessas acordadas. É que, o processo de Insolvência constitui um procedimento universal e concursal, cujo objectivo é a obtenção da liquidação do património do devedor, por todos os seus credores: concursal (concursus creditorum), uma vez que todos os credores são chamados a nele intervirem, seja qual for a natureza do respectivo crédito e, por outro lado, verificada que seja a insuficiência do património a excutir, serão repartidas de modo proporcional por todos os credores as respectivas perdas (principio da par conditio creditorum); é um processo universal, uma vez que todos os bens do devedor podem ser apreendidos para futura liquidação, de harmonia com o disposto no artigo 46º, nºs1 e 2 do CIRE, normativo este que define o âmbito e a função da massa insolvente. A massa abrange, desta feita, a totalidade do património do devedor insolvente, susceptível de penhora, que não esteja excluído por qualquer disposição especial em contrário, bem como aqueles bens que sejam relativamente impenhoráveis, mas que forem apresentados voluntariamente (exceptuam-se apenas os bens que sejam absolutamente impenhoráveis), e que existam no momento da declaração da insolvência ou que venham a ser adquiridos subsequentemente pelo devedor na pendência do processo. Porque se trata de um procedimento de natureza mista, quer dizer, por um lado contem uma faceta declarativa que visa a apreciação e decisão sobre a verificação dos pressupostos tendentes à declaração do estado insolvencial, por outro, uma faceta executiva conducente à liquidação do património do devedor, com o fito de dar pagamento aos credores, sendo aqui apreciadas e resolvidas todas as questões com vista à satisfação daqueles. Uma das resoluções que se impõem neste processo é a da verificação do passivo, através do reconhecimento (ou não reconhecimento) dos créditos reclamados, sua graduação, com vista ao seu futuro pagamento, sendo através da sentença que se venha a produzir nesta sede que os credores reclamantes podem obter a sua satisfação nos termos do artigo 173º do CIRE. Ora todo este procedimento especial constante do CIRE, afasta a se o raciocínio expendido pelas Recorrentes, por um lado porque impõe que os seus eventuais créditos sejam, como foram, reclamados no processo de insolvência, e, por outro, por força do regime específico estabelecido no CIRE, com a apresentação das pretensões creditícias as mesmas ficam, como ficaram, sujeitas a um regime impugnatório por banda dos restantes interessados, de harmonia com o preceituado no artigo 130º daquele diploma. É óbvio que um dos principais interessados na impugnação dos créditos em questão seria, como foi, o credor hipotecário dos imóveis, o qual não teve, como não teria de ter, qualquer intervenção em sede declarativa, já que esta se desenvolveu apenas entre as Recorrentes e a Insolvente, com vista, no que aqui nos interessa, à resolução do contrato promessa havido por culpa desta, pagamento do sinal em dobro e reconhecimento do direito de retenção daquelas, tal como veio a ser decidido a final, mas a decisão assim obtida – sem qualquer contestação da então Ré, aqui Insolvente – não fez, nem pode fazer caso julgado no que toca ao Credor/Recorrido Novo Banco, SA. Prima facie, porque os requisitos do caso julgado a tal se opõem, cfr artigo 581º do CPCivil, sendo manifesta a diferença entre os sujeitos; secundum, pronunciando-se essa sentença sobre a existência de um direito de retenção por banda das promitentes compradoras sobre os imóveis hipotecados àquele Credor, direito de retenção esse que lhes atribuiria, em sede de verificação e graduação de créditos a proferir nos autos de insolvência, satisfação preferencial dos respectivos créditos em relação aos créditos provenientes das hipotecas constituídas sobre os imóveis nos termos dos artigos 755º, nº1, alínea f) e 759º, nº2 do CCivil, o que constituiria um atropelo aos direitos deste Credor Reclamante, violando-se, assim, de uma forma grosseira, o princípio do contraditório, cfr Lebre de Freitas, Sobre a prevalência, no apenso de reclamação de créditos do direito de retenção reconhecido por sentença, in BOA, Ano 66, Vol II, Setembro 2006. Os limites subjectivos do caso julgado, embora digam apenas respeito à decisão transitada em julgado, resolvendo a questão suscitada ao Tribunal pelas partes em conflito, artigos 619º, nº1 e 621º do CPCivil, não descartam a sua eventual oponibilidade aos terceiros, aferindo-se a sua extensão a estes pela análise da sua vinculação directa, cfr Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre O Novo Processo Civil, 594/595. Se o Credor Reclamante Novo Banco, SA, aqui Recorrido, fosse tido como um terceiro juridicamente indiferente como pretendem as Recorrentes, por forma a serem-lhe oponíveis as sentenças produzidas em sede declarativa, veria ser afectado o posicionamento da sua garantia em confronto com a reconhecida àquelas, sem ter tido qualquer possibilidade de se poder pronunciar, situação esta que a ordem jurídica afasta, atribuindo-lhe antes o estatuto de terceiro juridicamente interessado pois as sentenças declarativas aqui esgrimidas a valerem nos termos esgrimidos reduziriam o conteúdo do seu direito de crédito, cfr Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, 726; Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 311/314; inter alia os Ac STJ de 20 de Maio de 2010 (Relator Hélder Roque) e de 18 de Fevereiro de 2015 (Relator Pinto de Almeida, aqui primeiro Adjunto), in www.dgsi.pt. Temos assim como assente que qualquer sentença produzida em acção declarativa movida contra insolventes para além de não dispensar a pertinente reclamação de créditos em sede insolvencial, não faz a mesma caso julgado em relação a terceiros potencialmente afectados pela mesma, os quais são terceiros juridicamente interessados. Por outro lado, tendo o Credor Reclamante Novo Banco SA, aqui Recorrido, impugnado os créditos reclamados pelas Recorrentes, os quais porque controvertidos ficaram sujeitos a produção de prova, que veio a ser efectuada em sede de julgamento, não tendo as Recorrentes logrado sequer demonstrar os mesmos, como deflui da materialidade dada como não provada, as reclamações apresentadas, estavam, como estão, condenadas ao insucesso. Soçobram, assim, as conclusões das Recorrentes.» O Acórdão fundamento, baseou o seu dispositivo, no seguinte excurso: «[Q]uestões a decidir: 1- a sentença que reconheceu o direito de crédito e o de retenção ao exequente faz ou não caso julgado em relação ao credor hipotecário (CGD)? 2- se não faz caso julgado, o efeito jurídico traduz-se na graduação do crédito hipotecário à frente do crédito do retentor, ao arrepio do art. 759 n. 2 do CC? Na apreciação da 1 questão, há que abordar os seguintes aspectos: a) O credor hipotecário é terceiro juridicamente interessado?; b) Não foi observada, e devia tê-lo sido, a disciplina prevista no art. 869 n. 2 do CPC?; c) a inoponibilidades da sentença não foi alegada, e devia tê-lo sido, pelo exequente no requerimento de execução? a) posição da recorrente: é um terceiro juridicamente interessado, porque o direito de retenção do exequente se traduz para ela num prejuízo de natureza jurídica, pelo que a sentença não faz caso julgado em relação a ela; sendo assim, não pode ser-lhe oposta com êxito, pelo que o seu crédito deve ser graduado antes do exequente, apesar do art. 759 n. 2 do CC; por outro lado, o promitente comprador devia ter provocado a intervenção principal do exequente e credores com garantia real, nos termos do art. 869 n. 2 do CPC. b) posição da Relação: o direito de retenção é uma garantia real que decorre directamente da própria lei, não precisando sequer de ser judicialmente reconhecida; nos termos do art. 759 n. 2 do CC prevalece sobre a hipoteca; a CGD não foi prejudicada juridicamente, sendo o seu prejuízo de mero facto. 1 questão: a) Comecemos por acentuar que o princípio fundamental é o da eficácia relativa do caso julgado, isto é, a sentença só tem força de caso julgado entre as partes. Quanto aos não intervenientes na acção, ou seja, quanto à extensão do caso julgado a terceiros, relembremos o ensino de Manuel de Andrade (Noções elementares de Processo Civil, ed. 1963, p. 288-289). Se a sentença não trouxer aos terceiros prejuízo jurídico, eles têm de a acatar tal como ela foi proferida entre as partes, bem como a correspondente definição judicial da relação litigada. E a sentença não causa prejuízo jurídico sempre que deixar íntegra a consistência jurídica do direito desses terceiros, não afectando nem a sua existência nem a sua validade, embora lhes cause um prejuízo de facto ou económico. A estes terceiros chamava aquele Mestre terceiros juridicamente indiferentes, dando, precisamente, como exemplo destes "os credores relativamente às sentenças proferidas nos pleitos em que seja parte o seu devedor" (p. 288). Ao lado destes, há os terceiros juridicamente interessados, em relação aos quais a sentença, a valer, lhes poderia causar um prejuízo jurídico, invadindo a própria existência ou reduzindo o conteúdo do seu direito, e não apenas destruindo ou abalando a sua consistência prática. Desta distinção que, na esteira de Chiovenda, o Prof. A. Varela também perfilha (Manual de Processo Civil, 2 ed. p. 726 e ss.), partiu a jurisprudência deste Supremo (Acs. de 10-10-89 e de 11-11-95, in BMJ 390, p. 365 e CJ-S, 1995, T2 p. 82) para o seguinte conjunto de situações: 1.- Em princípio, os terceiros não têm que acatar a sentença proferida entre as partes e a correspondente definição judicial da relação litigada, sempre que sejam sujeitos de uma posição jurídica incompatível com a das partes; 2.- A definição da relação jurídica por sentença já se estende a eles, quando esta definição se projecte apenas na destruição ou perturbação da consistência prática do seu interesse. Reconhecendo, embora, que a solução não é líquida, como se acentua nos Acs. deste Supremo de 24-03-92 e de 12-01-93 (in BMJ 415, p. 622 e 423 p. 463 respectivamente), enveredamos decididamente pela tese neles adoptada: a sentença que reconheceu ao exequente o direito de crédito e de retenção sobre a coisa hipotecada não afecta juridicamente o crédito da CGD e a respectiva garantia, a hipoteca, deixando íntegra a respectiva consistência jurídica. Como nos citados arestos se escreveu, "o direito continua o mesmo, com o mesmo conteúdo e a mesma garantia hipotecária, sendo apenas afectado na graduação", já que vai situar-se em patamar inferior ao crédito do exequente. No entanto, "esta descida não representa um prejuízo de natureza jurídica, mas tão só, bem no fundo, um prejuízo de ordem económica, na medida em que o património do devedor pode não chegar para se pagar" (contra, no sentido de que o direito de retenção afecta a consistência jurídica do crédito hipotecário, o cit. Ac. deste Supremo de 10-10-89). Podemos, pois, concluir que, em relação à sentença que reconheceu ao exequente o direito de retenção, a recorrente CGD é terceiro juridicamente indiferente, sendo-lhe, consequentemente, tal sentença oponível. b) Esgrime a recorrente com a inobservância do art. 869 n. 2 do CPC. Sobre este aspecto diremos, muito sumariamente, que o campo de aplicação desta norma é outro que não o dos autos. Ela foi prevista para os casos em que um credor com garantia real sobre o bem penhorado, não dispõe ainda de título no termo do prazo para a reclamação. E neste ponto os autores estão de acordo (cfr. Castro Mendes, Direito Processual Civil, Acção Executiva, ed. de 1971 da AAFDL, p. 161, Dr. Lebre de Freitas, A acção executiva, p. 257 e Cons. Gama Prazeres, Do concurso de credores e da verificação e graduação dos créditos nos actuais CC e CPC. ed. 1967, p. 65, sendo certo que este autor até restringe o campo de aplicação da norma apenas aos casos em que o crédito é privilegiado ou tiver sido assegurado por aresto). Aliás, como se escreveu no Ac. deste Supremo de 17-02-98 (CJ.S, 1998, T1, p. 74) "o que se pretende com tal preceito é dar protecção ao credor que tenha garantia real sobre os bens penhorados e, todavia, ainda não tenha título, podendo embora vir a obtê-lo em acção já proposta ou a propor. Em tal hipótese, a lei possibilita-lhe reclamar o seu crédito mais tarde, depois de obter sentença exequível, traçando-lhe a tramitação adequada a se atingir esse desiderato". No caso sub judicio não se trata de situação em que o credor com garantia real (o exequente) não disponha ainda de título no termo do prazo para a reclamação. Conclusão: o art. 869 n. 2 do CPC foi impertinentemente invocado, para além de que a sua doutrina não pode alargar-se a outras hipóteses que nada têm a ver com o seu campo de aplicação. c) a oponibilidade da sentença faz precludir a apreciação deste aspecto, que deixou de ter interesse. 2 questão: Também a apreciação desta questão pressupunha que se tivesse decidido pela inoponibilidade da sentença à CGD. No entanto, sempre se adiantará que, o que se impunha à ora recorrente, na sequência da jurisprudência que este Supremo vem traçando uniformemente (cfr. os arestos acima citados), era ter impugnado o crédito do exequente e bem assim o seu direito de retenção, nos termos do art. 866 ns. 3 e 4 do CPC. Com efeito, o n. 3 do referido art. 866 estabelece que os restantes credores podem, impugnar os créditos garantidos por bens sobre os quais tenham invocado também qualquer direito real de garantia. E o n. 4 preceitua que a impugnação pode ter por fundamento qualquer das causas que extinguem ou modificam a obrigação ou que impedem a sua existência; mas se o crédito estiver reconhecido por sentença, a impugnação só pode basear-se nalgum dos fundamentos mencionados nos arts. 813 ou 814, na parte em que forem aplicáveis. Esta limitação fixada na parte final da norma opera em relação aos impugnantes, dada a eficácia do caso julgado em relação a eles, prevenindo hipóteses como a dos autos. Recordando o que se escreveu no citado Ac. de 11-11-95, "a possibilidade de contraditar a existência do direito de retenção invocado pelo exequente tem a sua oportunidade no âmbito da fase da convocação de credores e verificação de créditos, como está reconhecido pelo n. 3 do art. 866 do CPC". Ora, a recorrente não o fez. É claro que é compreensível a relutância da recorrente que, detendo uma garantia real com a força da hipoteca, para mais com registo anterior, acaba por ver o seu passo cedido pelo "direito de prioridade" de quem se lhe atravessa à frente munido de um direito de retenção. Mas essa "prioridade" está legalmente consagrada, conhecendo-se as críticas que, de vários lados, foram atiradas a esta deliberada opção legislativa, sem esquecer, todavia, que, em contraponto, também há quem não fique insensível à subjacente política de defesa do consumidor (Prof. A. Costa, Contrato Promessa, Uma síntese do regime actual, 5 ed. p. 68, nota 107). Termos em que se nega a revista.». A admissibilidade do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, está dependente da verificação da existência de uma antinomia entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento, que se mostre essencial na apreciação, valoração e interpretação da normação aplicável ao caso concreto, cfr Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 116; Castro Mendes, Direito Processual Civil, vol III, 119; José Aberto dos Reis, Código Processo Civil Anotado, Vol VI, 269/275; Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, 556/567; Ac STJ de 7 de Março de 2018 (Relator Gabriel Catarino), in www.dgsi.pt. No que tange à ratio essendi consubstanciadora da divergência jurisprudencial em tela a mesma verifica-se na circunstância de o Acórdão fundamento se fundar na ideia, ultrapassada diga-se, de que a sentença que reconheça ao exequente um direito de crédito e de retenção sobre a coisa hipotecada não irá afectar juridicamente o crédito do credor hipotecário e a respectiva garantia, pois deixaria íntegra a sua consistência jurídica, embora afectasse a graduação fazendo colocar em patamar inferior o crédito do exequente, mas esta descida não representaria um prejuízo de natureza jurídica, mas tão só um prejuízo de ordem económica, na medida em que o património do devedor poderia não chegar para se pagar. Esta posição, minoritária neste Supremo Tribunal de Justiça, pecava pelos seus termos contraditórios, porquanto, dizer-se que o reconhecimento de um crédito com direito de retenção não afecta juridicamente o credor hipotecário, quando tal direito pode fazer, a se, inverter a ordem dos pagamentos aos credores e bulir com a satisfação dos respectivos créditos, é, de facto, tresler o preceituado no artigo 759º, nº1 do CCivil e fazer tábua rasa da eficácia relativa do caso julgado, o que se procurou explicar a acentuar na tese desenvolvida no Acórdão recorrido. preceituado no nº1 do artigo 692º do CPCivil rejeita-se o requerido pelas Recorrentes.». Contudo, esta dualidade de posições só aparentemente poderá consubstanciar os requisitos impostos pelo artigo 688º, nº1 do CPCivil, de molde a poder ser admitida a impugnação pretendida para uniformização da jurisprudência em oposição. Efectivamente, sem embargo das teses em confronto poderem ser vistas como opostas, como deixamos exposto, ambos os Acórdãos convergiram num ponto essencial que leva ao afastamento daquela previsão normativa: quer o Acórdão recorrido, quer o Acórdão fundamento, puseram a tónica na alegação e prova de materialidade fáctica conducente, naquele, ao apuramento da existência do direito de retenção esgrimido pelas Recorrentes e neste, à alegação e prova por banda do ali exequente e credor hipotecário da factualidade obstativa ao reconhecimento do direito de retenção invocado, o que num e noutro Aresto, se veio a frustrar, impedindo assim, por um lado, de reconhecer a existência do direito das aqui Recorrentes titulares do invocado direito de crédito proveniente de contrato promessa com direito de retenção susceptível de ser tido em atenção e graduado com prioridade face à hipoteca, e, de outra banda, a impossibilidade de o Exequente, credor hipotecário, impedir a prevalência de um direito de retenção face à sua garantia, uma vez que não impugnou na oportunidade a bondade daquele mesmo direito. No Acórdão recorrido, o credor hipotecário impugnou os créditos reclamados pelas Recorrentes os quais, na sequência do contraditório efectivado, não se vieram a apurar, em sede de reclamação, verificação e graduação de créditos, o que conduziu inexoravelmente à improcedência do pedido formulado. No Acórdão fundamento, porque o Exequente – credor hipotecário - não impugnou, como devia, o crédito reclamado pelo titular do direito de retenção nos termos do disposto no artigo 866º, nºs 3 e 4 do CPCivil então aplicável (actual 789º, nºs 4 e 5), acabou por ver aquele direito graduado com prioridade em relação ao seu direito real de garantia, porque como ali se escreveu a «[li]mitação fixada na parte final da norma opera em relação aos impugnantes, dada a eficácia do caso julgado em relação a eles, prevenindo hipóteses como a dos autos.». Quer dizer, ambos os Arestos puseram a sua tónica na averiguação factual, considerando-a determinante para o apuramento da eficácia do caso julgado formado por aqueloutra sentença que reconheceu o direito de retenção, que nesta sede reclamatória teria de ser sempre questionado, dependendo a sua (in)existência da alegação e prova da materialidade constitutiva de tal direito ou da ausência da mesma, sendo essencial, portanto, o sentido da decisão para aquilatar a identidade dos respectivos pressupostos, que na espécie não se verificam, cfr inter alia, Ac STJ 10 de Janeiro de 2013 (Relator João Bernardo), in www.dgsi.pt. Destarte, porque não estamos perante uma contradição de Acórdãos legitimadora da admissibilidade de um recurso para uniformização de jurisprudência, de harmonia com o preceituado no nº 1 do artigo 692º do CPCivil rejeita-se o requerido pelas Recorrentes.”.
A fundamentação então expendida e aqui transcrita não foi posta em causa pelas Reclamantes, as quais se limitaram a enunciar que «estão reunidos os pressupostos necessários tendentes à admissibilidade do recurso interposto, existindo nítida contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, uma vez que tal contradição, deverá consubstanciar “a mesma questão fundamental de direito”», sem contudo aventarem quaisquer razões que infirmem a decisão singular tomada.
A problemática solvenda daqui radica na oposição de julgados, que inexiste, e não já na aferição da operância da excepcção do caso julgado ou na autoridade do caso julgado, nem tão pouco da qualidade das Recorrentes como consumidoras, questões respeitantes ao fundo e não à forma: a montante estão em tela os pressupostos processuais para a admissibiliidade do recurso e a jusante, a bondade da manutenção da decisão impugnada, sendo que, estamos na primeira fase e não na segunda, as quais não se confundem.
O artigo 688º, nº1, é claro, preciso e conciso: «As partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis quando o Supremo Tribunal de Justiça proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.», sendo certo que como se deixou claramente enunciado, só aparentemente o Acórdão fundamento briga com o Acórdão recorrido.
Assim, indefere-se a reclamação não se admitindo o recurso para uniformização de jurisprudência interposto, uma vez que se não verificam os seus pressupostos.
Custas pelas Impetrantes, com taxa de justiça em 3 Ucs.
Lisboa, 26 de Fevereiro de 2019
Ana Paula Boularot (Relatora)
Pinto de Almeida
José Rainho |