Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
413/14.0TBOAZ.P2.S2
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: RECLAMAÇÃO DA CONTA
RECURSO DE REVISTA
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
VALOR DA CAUSA
SUCUMBÊNCIA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
DIREITO AO RECURSO
INCONSTITUCIONALIDADE
INTERPRETAÇÃO DA LEI
SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO
SUPRIMENTO JUDICIAL
Data do Acordão: 03/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
DIREITO CIVIL – LEIS, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO / VIGÊNCIA, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DAS LEIS.
Doutrina:
- Pinto Furtado, Recursos em Processo Civil, Quid Juris, p. 141.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º 4 E 639.º, N.º 1.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 9.º, N.ºS 1, 2 E 3.
REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS (RCP): - ARTIGOS 11.º, 12.º E 31.º, N.º 6.
Sumário :

I. A previsão expressa dos tribunais de recurso na Lei Fundamental, leva-nos a reconhecer que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática, porém, já não está impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões.

II. Como direito adjectivo, a lei processual estabelece regras quanto à admissibilidade e formalidades próprias de cada recurso, podendo dizer-se que a admissibilidade de um recurso depende do preenchimento cumulativo de três requisitos fundamentais, quais sejam, a legitimidade de quem recorre, ser a decisão proferida recorrível e ser o recurso interposto no prazo legalmente estabelecido para o efeito.

III. Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

IV. Exige-se, ao reconhecimento da contradição de julgados, a identidade substancial do núcleo essencial das situações de facto que suportam a aplicação, necessariamente diversa, dos mesmos normativos legais ou institutos jurídicos, sendo que as soluções em confronto, necessariamente divergentes, têm que ser encontradas no “domínio da mesma legislação”, de acordo com a terminologia legal, a par de que para ser admissível o recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência, e na reconhecida contradição de acórdãos da Relação, é necessário que não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, requisito que se verifica no recurso da reclamação da conta, conforme prevenido no art.º 31º n.º 6 do Regulamento das Custas Processuais, estabelecendo, em principio, como limite recursivo o Tribunal da Relação.

V. Reconhecendo-se que no acórdão recorrido, bem como, no acórdão fundamento, está em causa, a reclamação da conta elaborada, sendo que, no requerimento de interposição de recurso, não foi indicado pelos recorrentes, o respectivo valor, sustentando-se que na conta foi indevidamente considerado para efeito dos valores dos recursos o valor da acção, quando deveria apenas atender-se aos valores de sucumbência, e pressupondo estar em causa uma mesma questão jurídica, foram dadas soluções divergentes, na medida em que o acórdão recorrido entendeu que a menção do valor da sucumbência (quando determinável ou quantificável) no requerimento de interposição do recurso é condição essencial da redução do valor do recurso para efeito de custas, donde, se o recorrente não quantificar a referida sucumbência na acção, não pode beneficiar desta atenuação da obrigação de pagamento da taxa de justiça, o acórdão fundamento, conquanto mantenha a obrigação de indicar o valor da sucumbência, por razões de boa técnica processual, de simplicidade e clareza, entende que, caso falte essa indicação, uma vez que o valor da sucumbência está determinado ou determinável, não há razão para que não seja esse o valor do recurso a ter em conta para efeitos de cálculo da taxa de justiça, mostrando-se, assim, verificada a essencialidade da contradição entre o acórdão recorrido e acórdão fundamento, importando a admissibilidade do recurso de revista.

VI. Na interpretação das leis o julgador não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, não podendo ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, presumindo que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados - art.º 9º, nºs. 1, 2 e 3 do Código Civil - .

VII. Com vista à exegese do art.º 12º do regulamento das Custas processuais, interessando saber qual o sentido da aludida norma em assacar ao recorrente o dever de indicar, no requerimento de interposição do recurso o valor da sucumbência, e, na sua falta, colher a respectiva consequência, temos que, interpretando o art.º 12º n.º 2 do Regulamento das Custas Judiciais, reconstituindo-o a partir do art.º 11º do Código das Custas Judiciais, resulta, desde logo, inequívoca dissemelhança de redacção, sendo meridiano concluir que, se no art.º 11.º n.º 2 do Código das Custas Judiciais, se prevenia, indubitavelmente, que na falta de indicação do valor da sucumbência, o valor do recurso seria igual ao valor da acção (2 - Se o valor da sucumbência não for determinável ou na falta da sua indicação, o valor do recurso é igual ao valor da acção), o actual diploma que estatui sobre custas judiciais, conquanto mantenha a obrigação de indicação, por parte do recorrente (Nos recursos, o valor é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o respectivo valor no requerimento de interposição do recurso), assume diversa redacção, querendo significar que a sanção cominatória, para o respectivo incumprimento (inequívoca, no anterior diploma [art.º 11º do Código das Custas Judiciais]), foi deixada cair, no actual art.º 12º do Regulamento das Custas Judiciais.

VIII. Se, cotejado o requerimento de interposição de recurso, resultar manifesto que a utilidade económica do pedido recursório é perfeitamente balizada, é razoável que o recorrente só suporte os custos processuais na respectiva dimensão.

IX. Se o valor da sucumbência era determinável, pese embora se aceite a obrigação de indicar o valor da sucumbência, por razões de boa técnica processual, reconhecemos que, em prol da justiça processual, a falta de indicação pelo recorrente, do valor da sucumbência, no caso, determinável, deve ser colmatada pelo Tribunal, sem que este procedimento imponha gravosos desequilíbrios, ou ponha em causa a facilitação das tarefas dos Tribunais.

Decisão Texto Integral:

                 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I – RELATÓRIO

Na presente acção declarativa com processo comum que AA e BB moveram contra CC, S.A. e DD, após o trânsito da decisão final foi elaborada a conta de custas, tendo as Rés apresentado nota discriminativa e justificativa de custas de parte, requerendo a sua liquidação.

Notificados da conta e da nota justificativa, vieram os Autores reclamar das mesmas, sustentando não só, que na conta foi indevidamente considerado para efeito dos valores dos recursos o valor da acção, quando deveria apenas atender-se aos valores de sucumbência, mas também que a nota justificativa foi apresentada já para além do prazo que as Rés dispunham para o efeito.

Sobre as aludidas reclamações recaiu decisão com o seguinte teor:

“Reclamação à conta de fls. 809 e seguintes:

Assiste inteira razão ao Sr escrivão contador: de facto, ao contrário do que se defende na reclamação em apreço, a sucumbência no recurso só deve ser tida em consideração em alternativa ao valor da acção quando for determinável e o recorrente indique o respectivo valor no requerimento de interposição do recurso – cfr artigo 12º, número 2 do Regulamento das Custas Processuais (DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro).

Os Autores apresentaram recurso subordinado sem que tenham indicado o valor da sucumbência.

Logo, bem andou a secção ao fazer prevalecer o valor da acção para efeitos de contagem dos autos.

Indefere-se, pois, a reclamação em apreço.

Custas do incidente pelos reclamantes fixando-se a taxa de justiça em 0, 5 UCs - cfr artigo 539º do Código de Processo Civil e Tabela II do Regulamento das Custas Processuais (DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro).

Notifique.

Reclamação à nota de custas de parte de fls. 813 verso e seguintes:

Vêm os Autores reclamar do aditamento à nota de custas de parte apresentada pela Ré alegando que o mesmo é intempestivo.

Não lhes assiste razão.

De facto, sendo aplicável aos autos o Regulamento das Custas Processuais (DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro) e estando-se perante uma causa de valor superior a 275000 € a final poderia o tribunal ter dispensado o pagamento da taxa de justiça remanescente, o que não sucedeu. Nestes casos, portanto, e como prescreve o artigo 14º, número 9 do Regulamento das Custas Processuais (DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro), apenas a final pode o responsável pelas custas ser notificado para proceder ao pagamento da taxa de justiça remanescente, com fixação de prazo de 10 dias para o efeito.

Donde, não só não podia a Ré apresentar no prazo legal a que alude o artigo 25º, número 1 do Regulamento das Custas Processuais (DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro) já que a taxa de justiça ora reclamada não estava ainda paga nem se sabia se tal viria a ser exigido (cfr artigo 25º, número 2 b)), como apenas o podia fazer depois de notificada para o efeito pela secção e do seu efectivo pagamento. Apenas em despacho de 18-01-2017 foi proferido despacho que expressamente, perante requerimento em sentido contrário decidiu de não dispensar o pagamento da taxa de justiça remanescente. Apenas em 31-08-2017 foi a Autora notificada para pagamento da taxa de justiça remanescente tendo o aditamento à nota de custas de parte sido apresentada no dia imediato, dia 01-09-2017.

É pois inteiramente tempestiva a nota de custas alvo de reclamação. É também correcta a indicação de dois montantes iguais a título de honorários devidos já que se está perante duas Rés, representadas em juízo por dois diferentes mandatários não havendo qualquer arrimo legal para a não aplicação do previsto no arº 26º, número 3 c) do Regulamento das Custas Processuais (DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro).

Improcede, pois, totalmente a reclamação em apreço.

Custas do incidente pelos reclamantes fixando-se a taxa de justiça em 0, 5 UCs – cfr artigo 539º do Código de Processo Civil e Tabela II do Regulamento das Custas Processuais DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro. Notifique”.

Não se conformando com o assim decidido, vieram os Autores recorrer de apelação, tendo o Tribunal a quo proferido decisão singular que julgou improcedente o interposto recurso.

Inconformados com a proferida decisão singular, os recorrentes reclamaram para a Conferência requerendo que fosse proferido acórdão sobre a matéria da decisão, tendo o Tribunal recorrido consignado no respectivo dispositivo:

“Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em não atender a reclamação, mantendo, pois, a decisão singular que julgou improcedente o recurso interposto pelos apelantes. Custas da reclamação a cargo dos apelantes.”

Inconformados com o proferido acórdão, os Recorrentes/Autores/AA e outra, interpuseram recurso de revista excepcional, tendo formulado as seguintes conclusões:

“A)   Consideram os recorrentes existir fundamento para, nos presentes autos, ser admitida a revista excecional ao abrigo do disposto nas alíneas a), b) e c) do 721.°-A do Código de Processo Civil, para que o Supremo Tribunal de Justiça se pronuncie sobre a interpretação e aplicação do n.° 2 do art. 12° do Regulamento das Custas Processuais.

B) tem sido exígua a jurisprudência dos tribunais superiores sobre interpretação do n.º 2 do art. 12° do Regulamento das Custas Processuais e, na pouca jurisprudência existente, a interpretação do n.° 2 do art. 12° do Regulamento das Custas Processuais tem sido controvertida nos Tribunais da Relação, não sendo conhecida jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sobre a matéria;

C) Revela-se, assim, essencial que o Supremo Tribunal de Justiça tenha a possibilidade de se pronunciar sobre o tema, definindo uma orientação relativamente à interpretação da norma em causa de forma a orientar as decisões dos tribunais sobre a mesma;

D) A redaçao do preceito, nomeadamente em comparação com o anterior artigo 11.° do código das Custas Judiciais, é suscetível de conduzir a decisões contraditórias, justificando a apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça para evitar ou minorar as contradições que sobre ela possam surgir;

E) Saber se, em caso de não indicação do valor do recurso no requerimento de interposição do recurso, o valor do recurso terá o valor da causa ou da sucumbência, é de enorme relevância prática e jurídica;

F) A matéria em causa é de complexidade e importância jurídica suficiente para que o Supremo Tribunal de Justiça sobre a mesma se pronuncie superiormente;

G) Os interesses em jogo no presente processo ultrapassam, largamente, os limites do caso concreto, porquanto afetam uma generalidade de situações;

H) Como se sabe, o valor das custas judiciais teve um forte aumento nos últimos anos, sendo que a imputação do valor da ação ao recurso quando o da sucumbência é muito inferior a esse valor, determina que as partes sejam confrontadas com valores que as afetam economicamente, podendo ser obrigadas a pagar valores que não tem qualquer correspondência com o valor real dos recursos;

I) Fica demonstrada a relevância social, por se tratar de situação conectada com valores sócio-económícos e financeiros a porem em causa a eficácia do direito em dúvida a sua credibilidade, quer na sua formulação legal, quer na aplicação casuística;

J) o acórdão recorrido está em contradição com outros dois acórdãos proferidos por Tribunais da Relação, já transitados em julgado, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.

K) O acórdão recorrido de defende que a não indicação do valor do recurso no requerimento de interposição do recurso implica sempre que valor do recurso é o da causa.

M) Tal jurisprudência é contrária à estabelecida, pelo menos, em dois acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães e do Tribunal da Relação de Lisboa: Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26-03-2015, processo n.° 1269/06.2TBBCL-B.G1, que se junta certidão como Doe. n.° 1 e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-01-2013, processo n.° 269/06.2TBBCL-B.G1 que se junta certidão como Doe. n.° 2;

N) Existe, assim, uma clara contradição entre estes dois acórdãos e o acórdão recorrido, porquanto aqueles defendem que o legislador entendeu retirar à falta de indicação do valor da sucumbência, a consequência que tinha, na legislação anterior. Caso falte essa indicação, uma vez que o valor da sucumbência está determinado ou determinável, não há razão para que não seja esse o valor do recurso a ter em conta para efeitos de cálculo da taxa de justiça.

O) Como já têm defendido anteriormente nos presentes autos, consideram os recorrentes que a conta de custas foi incorretamente elaborada porquanto, relativamente aos recursos, teve em conta o valor da causa e não o da sucumbência que era facilmente determinável.

P) se assim não fosse entendido, estaríamos perante uma patente injustiça para as partes que seriam obrigadas a pagar taxas de justiça sobre valores não analisados pelos Tribunais de Recurso.

Q) Tanto mais que vários dos recursos em causa não foram apresentados pelos ora recorrentes, pelo que não eram eles que poderiam indicar a sucumbência na respetiva interposição de recurso

R) Para, além dos acórdãos fundamento, cuja jurisprudência se acolhe, também no âmbito do anterior artigo 11.° do Código das Custas Judiciais já era defendido tal entendimento no douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, (Acórdão de 15-10-2009, processo 843-1/83-2, www.dgsi.pt).

S) Como também é referido no douto acórdão supra referido "quando se emprega a expressão “determinável” pretende-se abarcar as situações em que a sucumbência não se encontra expressa, mas em que é passível de ser obtida, através da leitura e interpretação dos elementos constantes do processo, mormente das decisões nele proferidas. Assim, no caso, a determinação da sucumbência teria de ser encontrada com base na análise das decisões que foram proferidas, não podendo o Senhor Contador inviabilizá-la com a alegação de que nos recursos apenas se tinha em vista saber se se estaria ou não perante uma situação de caso julgado.”

T) A posição do Tribunal a quo é demasiado formalista, em detrimento da verdade processual, obrigando as partes a pagar valores que não tem qualquer correspondência com o valor real dos recursos.

U) Formalismo esse que implica uma patente injustiça para as partes que estão a pagar taxas de justiça relativamente a recursos que não analisaram a totalidade da causa.

V) Deve ser fixado aos recursos o valor da respetiva sucumbência e, em consequência, ser alterada a conta de custas do Tribunal e as notas de custas de parte apresentada pelas Rés.

Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exa suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, com as legais consequências, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA.”

Não foram apresentadas contra alegações.

Foi proferido acórdão pela Formação, no qual se consignou:

“1. Na presente ação declarativa que AA e BB movem contra CC, S.A. e DD, após o trânsito da decisão final, foi elaborada a conta de custas, tendo as rés apresentado nota discriminativa e Justificativa de custas de parte, requerendo a sua liquidação.

2. Reclamaram os autores, mas o Senhor Juiz indeferiu a reclamação.

3. Apelaram, tendo o Tribunal da Relação confirmado a decisão.

4. Ainda inconformados, pedem revista excecional.

Como pressupostos de admissibilidade invocam os das alíneas a), b) e c) do n.º 1.

5. Como emerge do n.º 3 do artigo 671.° do dito código, a revista excecional pressupõe que - à parte a questão da dupla conforme - a revista normal seja admissível.

De outro modo, pela via da excecionalidade, abria-se um caminho mais lato do que o próprio da revista normal o que, manifestamente, não está na lei.

Têm, aliás, sido reiteradas as decisões desta Formação nesse sentido (Cfr-se, exemplificativamente, no sitio deste Tribunal, depois “jurisprudência” e, depois, “revista excecional", os sumários dos Ac.s de 14.4.2015, 4.6.2016, 15.9.2016 e 3.11.2016, processos n.ºs 512/14.9YRLSB-B.S1, 205/14.7TBVRF-AP1.S1, 1848/12.9TBSTS-A.P1.S1 e 2411/15.8LRA.C1.S1, respectivamente).

6. Relativamente ao presente caso, vale a referência a “um grau” constante do n.º 6 do artigo 31.º do Regulamento das Custas Processuais.

7. Pode, porém, entender-se que esta referência cede nos casos do n.º 2 do artigo 629.° do Código de Processo Civil, sendo certo que os autores alegam que “… o acórdão recorrido está em contradição com outros dois acórdãos proferidos pelo Tribunais da Relação, já transitados em julgado, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito” (folhas 951 verso), o que nos pode conduzir à alínea d) deste mesmo artigo.

8. Não cabe, porém, na competência desta Formação a tomada de posição sobre o referido no anterior número.

9. Como assim:

Não se admite a revista excecional.

Determina-se a distribuição como revista normal.”

Foram colhidos os vistos.

Cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. Além do conhecimento da questão prévia atinente à admissibilidade do recurso de revista interposto, aliás, sublinhado no acórdão da Formação ao reconhecer que relativamente ao presente caso, vale a referência a “um grau” constante do n.º 6 do artigo 31.º do Regulamento das Custas Processuais, podendo, porém, entender-se que esta referência cede nos casos do n.º 2 do artigo 629° do Código de Processo Civil, sendo certo que os autores alegam que “… o acórdão

recorrido está em contradição com outros dois acórdãos proferidos pelo Tribunais da Relação, já transitados em julgado, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito” o que pode conduzir à alínea d) deste mesmo artigo, sendo que não cabe na competência da Formação a tomada de posição sobre o referido no anterior número, impondo-se a distribuição como revista normal, a questão a resolver, recortada das alegações apresentadas pelos Recorrente/Autores/AA e BB, consiste em saber se:

(1) Deixando os Recorrentes de indicar, no requerimento de interposição de recurso, o respectivo valor, deve prevalecer o valor da acção e não o valor da sucumbência para efeitos da elaboração da conta?

II. 2. Da Matéria de Facto

Os factos que relevam, constam do relatório.

II. 3. Do Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos Recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjectivo civil - artºs. 635º, n.º 4, e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

II.3.1. Deixando os Recorrentes de indicar, no requerimento de interposição de recurso, o respectivo valor, deve prevalecer o valor da acção e não o valor da sucumbência para efeitos da elaboração da conta? (1)

Questão prévia.

Antes mesmo de conhecer do recurso interposto, impõe-se a apreciação da questão preliminar atinente à admissibilidade do interposto recurso de revista, sublinhada no acórdão da Formação ao reconhecer que relativamente ao presente caso, vale a referência a “um grau” constante do n.º 6 do artigo 31.º do Regulamento das Custas Processuais, podendo, porém, entender-se que esta referência cede nos casos do n.º 2 do art.º 629° do Código de Processo Civil, sendo certo que os autores alegam que o acórdão recorrido está em contradição com outros dois acórdãos proferidos pelo Tribunais da Relação, já transitados em julgado, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, o que pode conduzir à admissibilidade do recurso de revista em termos gerais, ao abrigo do disposto na alínea d) do consignado art.º 629° do Código de Processo Civil.

O presente recurso de revista é interposto sobre a conta de custas, elaborada na presente acção declarativa com processo comum, após trânsito em julgado, da respectiva decisão final, e após apresentação pelas Rés, da nota discriminativa e justificativa de custas de parte, com requerimento da sua liquidação.

Assim, notificados da aludida conta e da nota justificativa, vieram os Autores, aqui Recorrentes, reclamar daquela, para o que aqui interessa, sustentando que na conta foi indevidamente considerado, para efeito dos valores dos recursos, o valor da acção, quando deveria apenas atender-se aos valores de sucumbência.

Importa também observar, como já foi sublinhado no acórdão da Formação, ao reconhecer haver fundadas dúvidas sobre a admissibilidade da revista, independentemente da dupla conformidade ou não, com repercussões óbvias para a admissão da revista excepcional, que não se dispensa a verificação dos requisitos gerais da admissibilidade dos recursos, ao caso aplicável.

Cuidemos, assim, da questão prévia, atinente à admissibilidade do recurso de revista interposto pelos Recorrente/Autores/AA e BB.

Vejamos.

A previsão expressa dos tribunais de recurso na Lei Fundamental, leva-nos a reconhecer que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática, porém, já não está impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões.

Como direito adjectivo, a lei processual estabelece regras quanto à admissibilidade e formalidades próprias de cada recurso, podendo dizer-se que a admissibilidade de um recurso depende do preenchimento cumulativo de três requisitos fundamentais, quais sejam, a legitimidade de quem recorre, ser a decisão proferida recorrível e ser o recurso interposto no prazo legalmente estabelecido para o efeito.

No caso que nos ocupa é reconhecida a tempestividade e legitimidade dos Recorrente/Autores/AA e BB, e, naquele concreto pressuposto, uma vez que o requerimento de interposição de recurso obedeceu ao prazo legalmente estabelecido, sendo pacificamente aceite, outrossim, a decisão de que recorre lhe foi desfavorável (elaborada a conta no processo declarativo, procedeu-se ao cálculo das custas, tendo em consideração o valor da causa, quando se sustenta que a conta deveria ter, como referência, o valor da sucumbência), encontrando-se a divergência quanto a ser a decisão proferida recorrível.

Conquanto a Formação não tivesse admitido a revista excepcional, sustentando que ao caso sub iudice, vale a referência a “um grau” constante do n.º 6 do artigo 31.º do Regulamento das Custas Processuais, não deixa, todavia, de adiantar que a consideração da admissibilidade do recurso de revista, em termos gerais, ao abrigo do disposto na alínea d) do consignado art.º 629° do Código de Processo Civil, isto é, em razão da alegada contradição do acórdão recorrido com outro acórdão, já transitado em julgado, proferido pelo Tribunal da Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.

Consignamos, desde já, entendermos que se justifica a admissibilidade do recurso de revista, em termos gerais.

Ao abordarmos o caso sub iudice, distinguimos, sublinhando, que o presente recurso de revista é interposto sobre a reclamação da conta de custas, elaborada na presente acção declarativa com processo comum, após trânsito em julgado, da respectiva decisão final, e após apresentação pelas Rés, da nota discriminativa e justificativa de custas de parte, com requerimento da sua liquidação, sendo que o convocado art.º 31º n.º 6 do Regulamento das Custas Processuais ao estabelecer que “Da decisão do incidente de reclamação e da proferida sobre as dúvidas do funcionário judicial que tiver efectuado a conta cabe recurso em um grau, se o montante exceder o valor de 50 UC”, excluiria, em principio, a recorribilidade da decisão proferida pelo Tribunal da Relação, todavia, uma vez que os Recorrente/Autores/AA e BB, invocam a oposição de julgados, entre o acórdão recorrido e outro proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães (Processo n.º 1269/06.2TBBCL-B.G1), já transitado em julgado, e devidamente identificado, há que chamar à colação, o direito adjectivo civil, concretamente, o art.º 629º n.º 2 alínea d) do Código de Processo Civil, para dai reconhecermos, ou não, a admissibilidade do recurso interposto.

Estatui o art.º 629º n.º 2 alínea d) do Código de Processo Civil, ao prevenir sobre as decisões que admitem recurso:

“2 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso:

d) Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme”.

Resulta do consignado dispositivo adjectivo civil, como primeiro pressuposto substancial de admissibilidade deste recurso, a existência de uma contradição decisória entre dois acórdãos proferidos, pela mesma ou diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário, por motivo estranho à alçada do tribunal, sendo que a enunciada contradição dos julgados, não implica que os mesmos se revelem

frontalmente opostos, mas antes que as soluções aí adoptadas, sejam diferentes entre si,

ou seja, que não sejam as mesmas, neste sentido, Pinto Furtado, in, Recursos em Processo Civil (de acordo com o Código de Processo Civil de 2013), Quid Juris, página 141, importando, assim, que as decisões, e não os respectivos fundamentos, sejam atinentes à mesma questão de direito, e que haja sido objecto de tratamento e decisão diversa, quer no acórdão recorrido, quer no acórdão fundamento, sendo em todo o caso, que essa oposição seja afirmada e não subentendida, ou puramente implícita.

Outrossim, é necessário que a questão de direito apreciada se revele decisiva para as soluções perfilhadas num e noutro acórdão, desconsiderando-se argumentos ou razões que não encerrem uma relevância determinante.

Por outro lado, exige-se, ao reconhecimento da contradição de julgados, a identidade substancial do núcleo essencial das situações de facto que suportam a aplicação, necessariamente diversa, dos mesmos normativos legais ou institutos jurídicos, sendo que as soluções em confronto, necessariamente divergentes, têm que ser encontradas no “domínio da mesma legislação”, de acordo com a terminologia legal, ou seja, exige-se que se verifique a “identidade de disposição legal, ainda que de diplomas diferentes, e, desde que, com a mudança de diploma, a disposição não tenha sofrido, com a sua integração no novo sistema, um alcance diferente, do que antes tinha”, neste sentido Pinto Furtado, obra citada, página 142.

Por fim, resulta do consignado art.º 629º n.º 2 alínea d) do Código de Processo Civil que, para que o recurso seja admissível, e na reconhecida contradição de acórdãos da Relação, que não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, o que no caso presente se verifica, como já fomos adiantando, em razão do disposto no art.º 31º n.º 6 do Regulamento das Custas Processuais, ao consignar que da decisão do incidente de reclamação cabe recurso em um grau, se o montante exceder o valor de 50 UC, estabelecendo, em principio, como limite recursivo o Tribunal da Relação, importando, assim, apreciar da verificação, ou não, da contradição de julgados, enquanto pressuposto de admissibilidade excepcional do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Revertendo ao caso sub iudice, como resulta do segmento das alegações de recurso, a divergência assinalada pelos Recorrente/Autores/AA e BB recai sobre a questão atinente à imprescindibilidade, ou não, da invocação por parte dos reclamantes, da indicação ao Tribunal, do valor da sucumbência a ter em consideração na elaboração da conta, sustentando o acórdão recorrido que a não indicação do valor do recurso, no requerimento de interposição do recurso, implica sempre que o valor do recurso é o da causa.

Perante o quadro fáctico acima exposto, o acórdão recorrido, no segmento que importa destacar, afirmou o seguinte:

“Os autores reclamaram da conta de custas argumentando que foi indevidamente considerado para efeito dos valores dos recursos o valor da ação quando, na verdade, apenas deveriam ter sido atendidos os valores de sucumbência. Não foi esse, no entanto, o entendimento sufragado pelo decisor de 1ª instância que considerou que a sucumbência nos recursos somente deve ser tida em conta em alternativa ao valor da ação quando for determinável e o recorrente indique o respetivo valor no requerimento de interposição do recurso, o que não foi o caso. Os ora apelantes rebelam-se contra o aludido segmento decisório, recuperando neste sede recursória a mesma argumentação em que basearam a sua reclamação. Que dizer?

Neste conspecto, o normativo a trazer à colação é o art. 12º do Regulamento das Custas Processuais (doravante, RCP), que no seu nº 2 dispõe que “[N]os recursos, o valor é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o respetivo valor no requerimento de interposição do recurso; nos restantes casos prevalece o valor da ação”. Portanto, como emerge da exegese do transcrito inciso normativo, haverá que estabelecer um distinguo consoante o valor da sucumbência seja ou não determinável ou quantificável. Na hipótese afirmativa, é esse valor que releva para a determinação do valor tributário do recurso, desde que o recorrente o indique no requerimento de interposição; na hipótese negativa, ou afirmativa quando o recorrente não indique o valor da sucumbência no requerimento de interposição do recurso, o valor deste para efeito de custas é o da causa. Significa isto que, na economia do preceito, a menção do valor da sucumbência (quando determinável ou quantificável) no requerimento de interposição do recurso é condição essencial da redução do valor do recurso para efeito de custas, incluindo a taxa de justiça. Consequentemente, se o recorrente não quantificar a referida sucumbência na ação, embora do âmbito das alegações se veja que ela constitui o objeto do recurso, não pode beneficiar desta atenuação da obrigação de pagamento da taxa de justiça. ”

Do enquadramento jurídico plasmado, resulta, inequivocamente, que, a menção do valor da sucumbência (quando determinável ou quantificável) no requerimento de interposição do recurso é condição essencial da redução do valor do recurso para efeito de custas, incluindo a taxa de justiça, donde, se o recorrente não quantificar a referida sucumbência na acção, embora do âmbito das alegações se veja que ela constitui o objecto do recurso, não pode beneficiar desta atenuação na obrigação de pagamento da taxa de justiça.

Vejamos agora os termos em que se julgou no acórdão fundamento, sem deixar de consignar o quadro factual, adquirido processualmente.

“A co-Autora nos autos de acção declarativa com processo ordinário, n.º1269/06.2TBBCL, do 4º Juízo Cível, do Tribunal Judicial de Braga, veio interpor recurso de apelação da decisão que indeferiu parcialmente a reclamação apresentada contra a conta de custas, e, designadamente, decidiu que o valor do recurso para o Tribunal da Relação seria o valor da causa nos termos do disposto no artº 11º-nº2 do CCJ, em virtude do incumprimento de ónus que incumbia à recorrente de indicação do valor da sucumbência a atribuir ao recurso.”

E, sobre a questão decidenda que aqui importa, foi consignado, com utilidade, no aresto fundamento.

“Insurge-se a recorrente Paula …, co-Autora nos autos da acção declarativa em curso, da decisão do Tribunal de 1ª instância que indeferiu parcialmente a reclamação apresentada pela ora apelante contra a conta de custas, e, designadamente, decidiu que o valor do recurso para o Tribunal da Relação seria o valor da causa nos termos do disposto no artº 11º-nº 2 do CCJ, em virtude do incumprimento de ónus que incumbia à recorrente de indicação do valor da sucumbência a atribuir ao recurso. Aplicável ao incidente em referência será não já o indicado artº 11º- nº 2 do CCJ, mas o artº 12º - nº 2 do RCJ, aprovado pelo DL nº 34/2008, de 26 de Fevereiro, aplicável aos processos pendentes nos termos previstos no artº 8º da Lei nº 7/2012, de 13 de Fevereiro, constando da “Motivação subjacente á Lei nº 7/2012”: “No âmbito do Memorando de Entendimento... o estado Português assumiu, entre outras, um conjunto de obrigações relacionadas com o regime das custas processuais, das quais se destaca:...a padronização das custas judiciais (...). A padronização das custas judiciais visa a aplicação do mesmo regime de custas a todos os processos judiciais pendentes, independentemente do momento em que os mesmos se iniciaram. Nas sucessivas alterações ao regime de custas processuais efectuadas em Portugal, a opção do legislador foi, em regra, considerar que as alterações não eram aplicáveis aos processos pendentes, mas apenas aos processos que dessem entrada nos tribunais após a sua entrada em vigor (...).

Esta solução levou a uma multiplicação de regimes aplicáveis nos tribunais portugueses, tornando a sua identificação e aplicação uma tarefa cada vez mais complexa e morosa.

Assim, a aplicação das mesmas regras a todos os processos torna o regime de custas mais simples e potencialmente mais eficiente e eficaz...”.

Estabelece o art.º 12.° nº 2 do Regulamento das Custas Judiciais que “Nos recursos o valor é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o respectivo valor no requerimento de interposição do recurso, nos restantes casos prevalece o valor da acção.”
- Na redacção do art.° 11º do Código das Custas Judiciais, que viria a ser revogado pelo actual Regulamento das Custas Judiciais, aprovado pelo DL. n.º 34/2008 de 26/2, estabelecia-se, distintamente, que:

“1. - Nos recursos, o valor da causa é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o seu valor no requerimento de interposição do recurso.

2. - Se o valor da sucumbência não for determinável ou na falta da sua indicação, o valor do recurso é igual ao valor da acção”.

Como bem refere a apelante, enquanto no anterior art.º 11º nº 2 do CCJ, se estabelecia, claramente, que na falta de indicação do valor da sucumbência o valor do recurso seria igual ao valor da acção, na redacção actual não se diz isso, podendo concluir-se, consequentemente, ser clara a intenção do legislador de excluir tal sanção cominatória da falta de indicação pelo recorrente do valor da sucumbência determinável.

E, assim, ocorrendo tal falta de indicação, não deixa o valor do recurso de ser correspondente ao do valor da sucumbência, se determinável, devendo o Tribunal ordenar a notificação do recorrente para que corrija tal omissão, nos termos gerais do artº 6º do CPC, sendo que nos termos da actual redacção da norma do artº 12º - nº 2 do RCJ, e em confronto com a anterior redacção do artº 11º- nº 2 do CCJ, resulta que a indicação pelo recorrente do valor do recurso deixou de constituir um “ónus de impulso”, no sentido de imposição de “comportamento necessário para o exercício de um direito ou realização de um interesse próprio, de cuja realização depende a obtenção de uma vantagem, figura distinta do dever...”

Consignados os termos em que o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, deram as respostas à mesma questão solvenda, colocadas nas apelações, neles apreciados, importa distinguir se, entre os arestos em confronto, existe contradição que assuma relevância, de tal sorte que nos leve a reconhecer a oposição de julgados.

Não sofre reserva que, em ambos os arestos, nos deparamos com enquadramentos factuais que, cotejados entre si, evidenciam suficientes semelhanças.

No acórdão recorrido, bem como, no acórdão fundamento, está em causa, a reclamação da conta elaborada, sendo que, no requerimento de interposição de recurso, não foi indicado pelos recorrentes, o respectivo valor, sustentando-se que na conta foi indevidamente considerado para efeito dos valores dos recursos, o valor da acção, quando deveria apenas atender-se aos valores de sucumbência.

Embora se possam notar alguma dissemelhança entre os quadros factuais, considerados num e noutro aresto, concedemos, no entanto, como pressuposto da oposição de julgados, a considerar nestes autos, que existe, entre aquelas decisões, e no essencial, a exigida identidade substancial do núcleo factual.

Prosseguindo, na análise acerca da oposição de julgados, importa verificar, agora, se em ambos os acórdãos, pressupondo estar em causa uma mesma questão jurídica, foram dadas soluções divergentes.

Assim, interessa, desde já, apreender o sentido do acórdão recorrido e acórdão fundamento, no seu contexto legal e processual, fazendo apelo, para tanto, aos critérios interpretativos a que aludem os artºs. 236º e seguintes do Código Civil, com as necessárias adaptações, requeridas, quer pela natureza da “declaração” (acórdão recorrido e acórdão fundamento) em causa, quer pela natureza dos próprios destinatários.

Distinguimos, desde logo, que o acórdão recorrido (no segmento atinente e no qual, alegadamente, se enxergou a contradição invocada), se debruçou sobre a questão relativa à reclamação da conta, reconhecendo-se resultar, inequivocamente, do consignado enquadramento jurídico, conforme já adiantamos, que a menção do valor da sucumbência (quando determinável ou quantificável) no requerimento de interposição do recurso é condição essencial da redução do valor do recurso para efeito de custas, incluindo a taxa de justiça, donde, se o recorrente não quantificar a referida sucumbência na acção, embora do âmbito das alegações se veja que ela constitui o objecto do recurso, não pode beneficiar desta atenuação na obrigação de pagamento da taxa de justiça, ao passo que no acórdão fundamento, divisamos que, enquanto no anterior art.º 11º n.º 2 do Código das Custas Judiciais, se estabelecia, claramente, que na falta de indicação do valor da sucumbência o valor do recurso seria igual ao valor da acção, na redacção actual do art.º 12º n.º 2 do Regulamento das Custas Judiciais, não se diz isso, podendo concluir-se, consequentemente, ser clara a intenção do legislador de excluir tal sanção cominatória da falta de indicação pelo recorrente do valor da sucumbência determinável. Nos termos da actual redacção da norma do art.º 12º - n.º 2 do Regulamento das Custas Judiciais, e em confronto com a anterior redacção do art.º 11º n.º 2 do Código das Custas Judiciais, resulta que a indicação pelo recorrente do valor do recurso deixou de constituir um “ónus de impulso”, no sentido de imposição de “comportamento necessário para o exercício de um direito ou realização de um interesse próprio, de cuja realização depende a obtenção de uma vantagem, figura distinta do dever...”

Como se depreende dos enunciados enquadramentos jurídicos, tendo em devida conta a facticidade adquirida processualmente, quer do acórdão recorrido, quer do acórdão fundamento, e perante as consignadas constatações e resultados interpretativos, colhemos que o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, nos segmentos acima destacados, enfrentaram a mesma questão solvenda, de modo divergente, distinguindo-se, assim, discordância, entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, fundamental para a solução dada à questão que no acórdão recorrido foi resolvida.

Mostra-se, assim, verificada a essencialidade da contradição detectada entre o acórdão recorrido e acórdão fundamento, donde, concluímos pela arrogada contradição de julgados, pressuposto substancial para a admissibilidade do recurso de revista, conforme estatuído no art.º 629º n.º 2 alínea d) do Código de Processo Civil.

Tudo visto, impõe-se que este Tribunal ad quem conheça do objecto da interposta revista, pelas razões enunciadas.

Assim sendo, admitido o recurso de revista, apreciada que foi a questão preliminar, impõe-se reavivar a questão já enunciada, e que cumpre conhecer:

Deixando os Recorrentes de indicar, no requerimento de interposição de recurso, o respectivo valor, deve prevalecer o valor da acção e não o valor da sucumbência para efeitos da elaboração da conta?”

No acórdão recorrido, distinguimos que o Tribunal a quo, em confronto com o texto do normativo adjectivo civil - art.º 12º n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais - que ao caso interessa, e sustentado numa argumentação consubstanciada numa interpretação literal, reconheceu que, na economia do preceito, a menção do valor da sucumbência (quando determinável ou quantificável) no requerimento de interposição do recurso, é condição essencial da redução do valor do recurso para efeito de custas, incluindo a taxa de justiça, pelo que, se o recorrente não quantificar a referida sucumbência na acção, embora do âmbito das alegações se veja que ela constitui o objecto do recurso, não pode beneficiar desta atenuação na obrigação de pagamento da taxa de justiça.

Tendo em consideração o objecto desta revista, cuja questão solvenda, acabamos de enunciar, importa anotar, desde já, que na interpretação das leis o julgador não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, não podendo ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, presumindo que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados - art.º 9º, nºs. 1, 2 e 3 do Código Civil - .

 Assim, a propósito da elaboração da conta de custas, estando em causa o valor do recurso interposto, o art.º 12º n.º 2 do Regulamento das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, aplicável ao caso sub iudice, com sucessivas alterações, mantendo-se, no entanto, inalterado o consignado incisivo legal, estatui “Nos recursos, o valor é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o respectivo valor no requerimento de interposição do recurso; nos restantes casos, prevalece o valor da acção.”.

Com vista à exegese do enunciado normativo que nos permitirá uma ajustada aplicação ao caso dos autos, interessando saber qual o sentido da aludida norma em assacar ao recorrente o dever de indicar, no requerimento de interposição do recurso o valor da sucumbência, e, na sua falta, colher a respectiva consequência, temos por avisado que, na interpretação da mesma, não nos cinjamos à letra da lei, mas, sublinhamos, reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, não podendo ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

Impõe-se, assim, cotejar a norma que prescrevia acerca do valor da causa nos recursos, ínsita no diploma que regulamentava a incidência de custas, entretanto revogado pelo presente Regulamento das Custas Processuais, qual seja, o revogado Código das Custas Judiciais, prevenido no Decreto-Lei n.º 224-A/96 de 26 de Novembro, com sucessivas alterações, o qual, no respectivo art.º 11º, acerca do valor da causa nos recursos, consignava, no que aqui interessa, “1 - Nos recursos, o valor é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o seu valor no requerimento de interposição do recurso. 2 - Se o valor da sucumbência não for determinável ou na falta da sua indicação, o valor do recurso é igual ao valor da acção”, importando os enunciados normativos, diversa redacção do actual art.º 12º n.º 2 do Regulamento das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro que, como adiantamos, estabelece sobre a mesma questão, atinente ao valor da causa nos recursos.

Interpretando o art.º 12º n.º 2 do Regulamento das Custas Judiciais, reconstituindo-o a partir daquele art.º 11º do Código das Custas Judiciais, resulta, desde logo, inequívoca dissemelhança de redacção, sendo meridiano concluir que, se no art.º 11.º n.º 2 do Código das Custas Judiciais, se prevenia, indubitavelmente, que na falta de indicação do valor da sucumbência, o valor do recurso seria igual ao valor da acção (2 - Se o valor da sucumbência não for determinável ou na falta da sua indicação, o valor do recurso é igual ao valor da acção), o actual diploma que estatui sobre custas judiciais, conquanto mantenha a obrigação de indicação, por parte do recorrente (Nos recursos, o valor é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o respectivo valor no requerimento de interposição do recurso), assume diversa redacção, querendo significar, em nossa opinião, e salvo o devido respeito por opinião contrária, que a sanção cominatória, para o respectivo incumprimento (inequívoca, no anterior diploma [art.º 11º do Código das Custas Judiciais]), foi deixada cair, no actual art.º 12º do Regulamento das Custas Judiciais.

A alteração assumida pelo legislador, nos normativos atinentes às custas, tem, necessariamente, de ser entendida, como manifestação clara e inequívoca do legislador, em alterar a cominação que recaía sobre o recorrente, no dispositivo revogado (art.º 11º do Código das Custas Judiciais), verificada a falta de indicação do valor da sucumbência no requerimento e interposição do recurso, quando esta for determinável, a qual deixou de ser imposta, enquanto comportamento imprescindível, e, nesta medida, cominatório, para que na conta a elaborar, fosse considerado valor diverso do valor da demanda, estando em causa valor da sucumbência determinável, salvaguardando, assim, a justiça processual que o Tribunal não poderá tolher, conforme decorre do preceito legal vertido no Regulamento das Custas Processuais (art. 12º), conquanto se mantenha, sublinhamos, a obrigação de indicar o valor da sucumbência, agora, por razões de boa técnica processual, de simplicidade e clareza.

Temos de convir que a melhor interpretação do pensamento legislativo que conduziu à redacção do art.º 12º do Regulamento das Custas Processuais, reconstituído a partir dos textos que o precederam, assumindo uma lógica que reconhece a unidade do sistema jurídico, a par das circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, e sem esquecer que o mesmo tem, na letra da lei, um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, vai no sentido de que, caso falte a indicação do valor da sucumbência, mas uma vez que o valor da sucumbência é determinável, não há razão para que não seja esse o valor do recurso a ter, por referência, para efeitos da elaboração da respectiva conta.

Se, cotejado o requerimento de interposição de recurso, resultar manifesto que a utilidade económica do pedido recursório é perfeitamente balizada, é razoável que o recorrente só suporte os custos processuais na respectiva dimensão.

Não podemos esquecer que o preceito legal teve em vista deixar de sobrecarregar o recorrente no pagamento de custas, aferidas pelo valor inicial do processo, quando está em causa objecto do recurso que não se identifica, por completo, com o objecto da demanda, importando, neste casos, salvaguardar a elaboração da conta que afirme o justo pagamento das custas, o que, a não ser assim, importaria enveredar por um caminho ao arrepio de qualquer verdade processual, impondo ao recorrente pagar valores que, de todo, são condizentes com o valor real do recurso.

Revertendo ao caso dos autos temos que os Recorrentes, notificados da conta, vieram reclamar da mesma, demonstrando que na conta foi considerado, para efeito dos valores dos recursos, o valor da acção, deixando de atender-se aos valores da sucumbência que era determinável.

Ora se o valor da sucumbência era determinável, pese embora se aceite a obrigação de indicar o valor da sucumbência, por razões de boa técnica processual, reconhecemos que, em prol da justiça processual, a falta de indicação pelo recorrente, do valor da sucumbência, no caso, determinável, deve ser colmatada pelo Tribunal, sem que este procedimento imponha gravosos desequilíbrios, ou ponha em causa a facilitação das tarefas dos Tribunais.

E não se diga, como se retira do acórdão a quo que o facto de a conta ser elaborada por funcionário judicial, não cabe a este descortinar qual o valor da sucumbência, que é um conceito de direito, sendo certo que, apesar da sua determinabilidade, situações existem que são complexas e dadas a dúvidas, cuja solução não pode ficar a cargo do contador, a quem nada mais cabe do que a elaboração da conta do processo, partindo dos pressupostos que claramente terão de resultar do mesmo, o que, de resto, se reconhece, acrescentando, porém, que os casos de dúvidas sempre poderão ser colocados ao Tribunal, o qual, de acordo com os elementos retirados dos autos, não deixará de providenciar pela indicação dos elementos necessários à elaboração da conta, que se quer certa e justa.

Estando em causa o cometimento de injustiça processual, na elaboração da conta, por falta de indicação do valor da sucumbência, sempre determinável, por parte do recorrente, omissão que, em todo o caso, pode ser suprida pelo Tribunal, não hesitaremos em validar este último procedimento, pois, de outro modo, seria evidente o constrangimento ao direito, por parte dos utentes da justiça.

Na procedência das conclusões retiradas das alegações trazidas à discussão pelos Recorrentes/Autores/AA e BB, reconhecemos à respectiva argumentação, virtualidade no sentido de alterar o acórdão recorrido.

IV. DECISÃO

Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam em julgar procedente o recurso interposto, e, consequentemente, concede-se a revista, revogando-se o acórdão recorrido, ordenando-se a reforma da conta, considerando-se para o efeito, o valor da sucumbência, no caso, determinável.

Sem custas, em todas as Instâncias, dada a ausência de oposição.

Notifique.

Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 28 de Março de 2019

                                                          Oliveira Abreu (Relator)

                                                          Ilídio Sacarrão Martins

                                                          Nuno Pinto Oliveira

(a redacção deste acórdão não obedeceu ao novo acordo ortográfico)SUMÁRIO (artº 663º nº. 7 do Código de Processo Civil)