Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
594/15.6T9ALQ-A.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: CID GERALDO
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 12/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - O fundamento de revisão previsto no artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do CPP importa a verificação de dois pressupostos cumulativos: i) a descoberta de novos factos ou meios de prova e, ii) que tais novos factos ou meios de prova suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, não podendo ter como único fim a correção da medida concreta da sanção aplicada.

II - Não estamos perante novos factos ou meios de prova quando, em momento algum da audiência de julgamento o recorrente “clamou alto e a bom som (para quem se predispôs a ouvi-lo)”, que não dizia quem era a pessoa que lhe vendeu o telemóvel e o introduziu naquele estabelecimento prisional porque desconhecia a sua identidade. Na verdade, o que ocorreu foi precisamente o inverso: sabia o recorrente de quem se tratava, mas não o dizia por medo de represálias, tendo referido que “não [queria] dizer o nome do recluso que o ajudou a conseguir os objetos (…), para evitar futuras represálias e problemas e não querer prejudicar o mesmo se ainda [estivesse] preso”.

III - O alegado “receio”, sem qualquer concretização ou elemento que corrobore a efectividade do “receio” não consubstancia uma situação de “justa causa” de recusa a depor, pois o sacrifício pessoal exigido não é superior ao dever (e a imposição legal) de colaborar com a realização e a administração da justiça.

IV - A admitir-se a legitima (justificada) recusa em depor, levaria a que nunca os crimes praticados no interior de um estabelecimento prisional, que envolvessem indivíduos privados da liberdade, poderiam contar com o testemunho de um recluso, ainda que os tivesse presenciado, pois não seria de afastar um potencial risco (v.g. para a integridade física ou mesmo para a vida) que tal representaria.

V - O facto de o recorrente avançar com uma versão diferente dos factos, dizendo que naquela data não sabia afinal quem introduziu os telemóveis (contrário ao que afirmou à data dos factos pelos quais veio a ser condenado) e que quem lhe havia vendido o telemóvel foi a testemunha ora indicada e que a avó deste foi a pessoa responsável pela sua introdução no estabelecimento prisional, é insuficiente para que se possa considerar a prova de um quadro de facto “novo” ou a exibição de “novas” provas, em nada beliscando ou colocando em crise a decisão a rever, não existindo, portanto, e no caso em apreço, fundamento que justifique a admissibilidade da revisão.
Decisão Texto Integral:
Processo n° 594/15.6T9ALQ

Recurso de Revisão

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

No proc. n.º 594/15..., do Tribunal Judicial da ... Juízo Local Criminal de ..., por sentença transitada em julgado em 06.01.2107, foi o arguido AA condenado, pela prática, em autoria material, de um crime de recusa a depor, previsto e punido pelo art.º 360.º, n.ºs 1 e 2, do CP, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão.

*

Vem o arguido interpor o presente recurso extraordinário de revisão, invocando o disposto no art.º 449.º, n.º 1, al. d) do CPP, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:

«1. Da ratio essendi da revisão - A presente providência assenta a sua esfera de gravidade no equilíbrio ténue entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material (CPP Anotado - Simas Santos e Leal Henriques, p.1042 e segs.). Não pode, pois, sobrepor-se a segurança do injusto sobre a justiça (cfr. Os mesmos autores em Recursos em Processo Penal, 3ª Edição, p.163/Cavaleiro Ferreira in Revisão Penal, Scientia Iuridica, XIV n° 92 a 94, p.616). Por conseguinte, o que se almeja neste recurso extraordinário é uma nova decisão judicial que se substitua através da repetição do julgamento, a uma outra já transitada em julgado.

2. Do fundamento jurídico-legal da revisão - Tal qual se alegou no ponto anterior no âmbito de presente recurso extraordinário, tem a defesa da arguida BB, por presente e adquirido que, no domínio do processo penal, tal como, no domínio do processo civil, esta "providência excepcional" tem por fito obviar a decisões injustas, fazendo prevalecer o princípio da justiça material sobre a certeza e segurança do direito (a que o caso julgado dá guarida).Com efeito, o Artigo 449 n° 1 alínea d) do CPP dispõe que a "revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando: d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova, que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação". Este fundamento diz respeito apenas a decisões condenatórias, sendo que tais fundamentos de revisão têm de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, a ponto de seriamente se colocar a hipótese da absolvição da pessoa condenada. São estes os fundamentos que estão directamente conexionados com a garantia constitucional do Artigo 29 n° 6 da Lei Fundamental, impondo-se pois como exigência, não só de justiça material, como também de salvaguarda do princípio de dignidade humana, em que assenta todo o edifício jurídico-constitucional do Estado de Direito democrático.

3. Do fundamento jurídico-legal da revisão, in casu - Começando pelos meios de prova que foram apreciados no processo, a primeira questão que a nosso ver, foi erradamente enquadrada, relaciona-se com os meios de prova que determinaram a condenação do Arguido AA, como autor do crime de recusa de depoimento, sobretudo há luz do novo meio de prova que agora surgiu, tendo sido condenada a pena de prisão efetiva de um ano e dois meses de prisão.

4. No que concerne às declarações do arguido, a mesma sempre clamou alto e a bom som (para quem se predispôs a ouvi-lo), que não dizia quem era porque não sabia quem tinha introduzido os telemóveis no estabelecimento Prisional, desconhecia por completo quem tinha introduzido ora não estão preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime de recusa de depoimento, logo não poderá ser condenado por um crime porque desconhecia por completo a história sobre quem introduziu e não conseguiu colaborar com, a justiça, aliás o único meio de prova é a prova por certidão.

5 - E convenhamos, no rigor dos princípios, inexiste nos autos qualquer prova que permita provar ainda que a título indiciário a verificação dos elementos constitutivos do tipo de crime.

6 - Isto porque se o arguido adquire um telemóvel e tendo em conta que o recluso e outro cúmplice que vende os telemóveis não revelam a sua verdadeira identidade e é natural que o arguido não saiba de pormenores de como o telemóvel entrou ou não e por muito que queira colaborar mas não sabe de pormenores que possam ajudar a descobrir a verdade, não havendo recusa em depor ou falsas declarações.

7 - E no mais que concerne à matéria de prova inexistem também qualquer reporte da prova directa ou indirecta dos factos essenciais diz respeito, apenas suspeitas insinuações e conclusões que não deviam existir, a título de exemplo vide V. Exa s a certidão extraída do processo e em momento algum no Ministério Público de ..., o defensor oficioso do processo recomendou o arguido, a pedir a sua constituição como arguido e remeter-se ao silêncio.

8 - Ora para com alguém que até a data em que foi proferido se presumia inocente, se pode fazer afirmações ou conclusões totalmente precipitadas e erradas que o arguido se recusou a depor.

9 - O que é estranho num processo penal, mas no caso em apreço este processo esta enviusado desde o início, apenas com um pequeno sentido, o de demonstrar que o arguido não se presumia inocente mas sim culpada, que aliás esse entendimento é totalmente inconstitucional.

10 - Admite o arguido que possa ter agido mal, mas nunca se fez prova de que o recorrente propositadamente quisesse prejudicar uma investigação do Ministério Público, até porque o mesmo não sabia quem tinha introduzido o telemóvel no estabelecimento prisional, apenas pagou a uma pessoa que pagou o telemóvel mas este não disse quem tinha introduzido o mesmo e foi intermediário na compra do telemóvel só recentemente descobriu que foi a testemunha CC através da sua avó que vendeu o telemóvel.

11- O quer resulta evidente que o arguido jamais teve a intenção de não dizer a verdade até porque não sabia quem tinha introduzido o telemóvel.

12 - Dai que a defesa do arguido AA pretende que se oiça uma nova testemunha e a reinquirição do arguido para se justificar porque razão só agora como descobriu quem introduziu os telemóveis e porque só agora quer prestar declarações, cujas inquirições do arguido e da testemunha são essências para a descoberta da outra verdade e da realização de justiça, para que tragam ao processo factos novos e possa ser anulada a condenação e ser feito novo julgamento e o processo crime no DIAP de ... que foi arquivado seja reaberto.

13- Assim, os novos meios de prova que a nosso ver, de per si e/ou combinados com os que não foram apreciados no processo, suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação são: a inquirição da testemunha da testemunha arrolada

14 - No actual direito processual penal o princípio da livre apreciação da prova esta plasmado expressamente no artigo 127° do CPP, " salvo quando a lei o dispuser diferentemente a prova é apreciada, segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente".

15 - Como bem alerta FIGUEREDO DIAS, o" princípio, se ganha relevo em primeira linha, para a decisão da causa que se segue à audiência de julgamento, não deixa de valer para todo o decurso do processo penal, e para todos os órgãos de administração da justiça penal.

16 -De facto como esclareceu FIGUEREDO DIAS, " se a apreciação da prova é, na verdade discricionária, tem evidentemente essa discricionariedade os seus limites, que não podem ser licitamente ultrapassados."

17 - A liberdade de apreciação da prova, é no fundo, uma liberdade de acordo com um dever: O dever de perseguir a chamada " verdade material" de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, reconduzível a critérios objectivos e, portanto, capaz de impor-se de forma intersubjectiva e contraditória aos outros.

18 - Uma tal convicção existirá quando, e só quando, o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável.

19 - Não se tratará, pois, na " convicção" de uma mera opção " voluntarista" pela certeza de um facto e contra a duvida, ou operada em virtude da alta verosimilhança ou probabilidade do facto, mas sim de um processo que só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável, ao menos à posteriori, tenha logrado afastar qualquer duvida para a qual pudessem ser dadas razoes, por pouco verosímil ou provável que se apresentasse"

20 - Dai que imperioso se torna, para descoberta da verdade que a testemunha arrolada, se apresente perante V.Exas. pronto a disponibilizar novos elementos de prova, que não foram então apresentados nem considerados.

Termos em que muito respeitosamente se requer a V. Exas. Venerandos Conselheiros, que, seja ouvido o arguido e a nova testemunha arrolada acima indicados e analisadas as motivações acima aduzidas, seja por vos decretada a revisão da sentença mencionada e para o efeito seja o processo remetido in totum para novo julgamento.

Pelo que assim procedendo, farão V. Exas. a habitual justiça».

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O Magistrado do Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo:

1. O fundamento de revisão previsto no art.º 449.º, n.º 1, alínea d), do CPP importa a verificação de dois pressupostos cumulativos: i) a descoberta de novos factos ou meios de prova e, ii) que tais novos factos ou meios de prova suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, não podendo ter como único fim a correção da medida concreta da sanção aplicada.

2. O presente caso não integra o fundamento de revisão de sentença assinalado, porquanto não traz novos factos ou meios de prova e que os mesmos suscitam o surgimento de graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

3. Em momento algum da audiência de julgamento o Recorrente “clamou alto e a bom som (para quem se predispôs a ouvi-lo)”, que não dizia quem era a pessoa que lhe vendeu o telemóvel e o introduziu naquele estabelecimento prisional porquanto desconhecia a sua identidade,

4. Tendo referido antes que “não [queria] dizer o nome do recluso que o ajudou a conseguir os objetos (…), para evitar futuras represálias e problemas e não querer prejudicar o mesmo se ainda [estivesse] preso”.

5. Deste modo, o facto de recentemente ter descoberto que quem lhe havia vendido o telemóvel foi a testemunha ora indicada e que a avó deste foi a pessoa responsável pela sua introdução no estabelecimento prisional, é insuficiente para que se possa considerar a prova de um quadro de facto “novo” ou a exibição de “novas” provas, em nada beliscando ou colocando em crise a decisão a rever.

6. Assim, não se mostram reunidos os fundamentos para considerar o caso sub judice abrangido pela previsão normativa do artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do CPPenal, razão pela qual, se impõe a rejeição da pretendida revisão.

Tudo visto e salvo devido respeito pela superior consideração dos Venerandos Senhores Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça afigura-se-nos:

i. inadmissível e desnecessária para a descoberta da verdade material, a realização da diligência de prova requerida; e, simultaneamente,

ii. que o recurso de revisão deve ser indeferido por não se verificaram os pressupostos legais previstos no art.º 449.º, nº 1, alínea d), do CPPenal em que se pretendia escorar.

Porém, VOSSAS EXCELÊNCIAS, decidindo, farão como sempre a costumada JUSTIÇA!

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A Mmª Juíza junto do Tribunal recorrido, na informação a que alude o art.º 454.º, do CPP, pronunciou-se nos seguintes termos:

«(…)  II.         Por sentença transitada em julgado em 06.01.2107, foi o Recorrente AA condenado, pela prática, em autoria material, de um crime de recusa a depor, previsto e punido pelo artigo 360.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, dela vindo agora apresentar recurso extraordinário de revisão de sentença.

Alega que só agora descobriu quem é que lhe vendeu o telemóvel, bem como a pessoa que o introduziu no estabelecimento prisional, identificando o primeiro como sendo CC e a segunda, como tendo sido a avó deste último, razão pela qual, pretende agora que a aludida testemunha seja ouvida, traduzindo esta situação “um facto novo”.

Para prova do alegado, arrola como testemunha CC.

Notificados os demais sujeitos processuais, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts.º 454.º, 411.º, n.º 6 e 413.º, todos do CPP, foi apresentada resposta pelo MP, na qual se entende que não poderia o recorrente fazer uso da figura do recurso extraordinário de revisão de sentença, pois que não alega qualquer facto novo, já que no âmbito do processo vinha sempre alegando saber quem era a pessoa que introduziu o telemóvel no Estabelecimento Prisional, mas que não dizia o nome por receio de represálias, vindo agora dizer, de modo distinto, que descobriu quem era a pessoa. No mais, pronuncia-se no sentido de ser considerada como inadmissível e desnecessária para a descoberta da verdade material, a realização da diligência de prova requerida.

***

Da produção de prova.

Nos termos do disposto no art.º 453.º do CPP, o juiz procede às diligências que considere indispensáveis para a descoberta da verdade.

Ora, no presente caso, o alegado facto novo invocado resulta da alegação de que não dizia quem era a pessoa que lhe vendeu o telemóvel e o introduziu naquele estabelecimento prisional porquanto desconhecia a sua identidade.

Todavia, da análise da sentença não é o que resulta, antes pelo contrário. O arguido referiu, outrossim, que “não queria dizer o nome do recluso que o ajudou a conseguir os objetos (…), para evitar futuras represálias e problemas e não querer prejudicar o mesmo se ainda estivesse preso”. O que vem alegar agora, no sentido de que recentemente descobriu quem lhe havia vendido o telemóvel foi a testemunha ora indicada e que a avó deste foi a pessoa responsável pela sua introdução no estabelecimento prisional, não pode ser considerado um facto novo ou sequer, como referido pelo MP, a exibição de “novas” provas, uma vez que é outrossim uma versão diferente dos factos alegados pelo arguido. Este pretende, agora, avançar com uma versão diferente dos factos, dizendo que naquela data não sabia afinal quem introduziu os telemóveis, contrário ao que afirmou à data dos factos pelos quais veio a ser condenado.

Veja-se que o arguido, quando inquirido como testemunha não afirmou desconhecer quem era a pessoa, mas antes saber quem era, mas que não o queria prejudicar, sendo que foi também o que reiterou em julgamento, conforme consta da fundamentação da matéria de facto:

“(…) Além da sobredita certidão ouviu-se em declarações o arguido que não colocou em causa estes factos, antes avançando a seguinte explicação para a sua prática: que quem lhe entregou o telemóvel não fez isto para o prejudicar, pelo contrário, pelo que não o irá prejudicar a ele. Refere até que se a pessoa, por exemplo, tivesse saídas precárias ou vistas conjugais, deixar de ter tais privilégios, pelo que não queria problemas com a pessoa. Por outro lado, mais refere que teria problemas no EP, poderia sofrer represálias, já que é o que acontece sempre. Não obstante, perguntado acerca de uma contra ameaça, coação, constrangimento havido, nada refere. Disse apenas que é o que acontece sempre, que seria colocado de lado, tanto que só de saberem qual o processo que tinha em Tribunal, os demais reclusos lhe disseram que não tinha nada que falar.

Todavia, no caso vertente a verdade é que os factos acerca dos quais foi inquirido no processo nº 2019/15.... ocorreram na sequência de uma busca havida à sua cela quando ia ser mudado de EP, o que naturalmente fazia diminuir o alegado “risco” de represálias que nunca conseguiu especificar.

Por outro lado, e ainda que afirme que a sua intenção nunca foi “prejudicar a investigação” a verdade é que acaba por referir, quando em discurso livre (o qual, por natureza, é mais verídico) que entende ter caído numa “armadilha” e que “devia ter dito o nome de alguém que não era a pessoa”.”

Ou seja, conclui-se, necessariamente que, já sabia quem era a pessoa – este não é um facto novo – só não o quis identificar, estando agora nessa predisposição, o que quando muito pode ter relevância no âmbito do processo onde inicialmente prestou declarações como testemunha que poderá ser reaberto.

Estabelece no n.º 2 do aludido art.º 453.º que o requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a nãos ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor, o que não se verifica pois que, como se depreende das suas declarações em julgamento, não ignorava quem era a pessoa, tendo sido condenado exactamente porque sabia quem era mas não quis dizer, tendo que se concluir que a alegada superveniência do seu conhecimento ou à impossibilidade anterior desta depor, não se encontra verificada, pelo que não se admite a sua inquirição.

Acresce que, face ao alegado, não se afigura ser necessário determinar oficiosamente a produção de quaisquer outros meios de prova.

***

Em face de tudo o exposto, cumpre apreciar, se e em que medida, os factos agora alegados informam ou alteram os factos provados na sentença sob recurso e a justiça da condenação.

Os factos agora invocados em nada infirmam os factos dado como provados na sentença pelos motivos já expostos supra: com efeito, e conforme resulta da sentença “Vertendo ao caso vertente, resulta dos factos provados que o arguido, dependo na qualidade de testemunha, e perguntado sobre factos de que tinha conhecimento pessoal, afirma, em duas ocasiões, perante técnico de justiça (funcionário competente para receber o depoimento como meio de prova), que não irá identificar a pessoa que lhe fez chegar o telemóvel. É certo que quer nessa data, quer no presente julgamento, referiu ter receio de represálias e que não queria prejudicar a pessoa.

Todavia, esta alegação, sem qualquer concretização ou elemento que corrobore a efectividade do “receio” não consubstancia uma situação de “justa causa” de recusa a depor, pois o sacrifício pessoal exigido não é superior ao dever (e a imposição legal) de colaborar com a realização e a administração da justiça.”

Assim, o facto de agora indicar quem é essa testemunha não invalida a condenação, pois que, como referido no art.º 362.º do CP, sob a epígrafe “Retractação”, a punição pelos artigos 359º, 360º e 361º, alínea a), não tem lugar se o agente se retractar voluntariamente, a tempo de a retractação poder ser tomada em conta na decisão e antes que tenha resultado do depoimento, relatório, informação ou tradução falsos, prejuízo para terceiro.

2 - A retractação pode ser feita, conforme os casos, perante o tribunal, o Ministério Público ou o órgão de polícia criminal.

Conforme consta provado da sentença proferida nos presentes autos, G) O processo de inquérito nº 20/… foi arquivado nos termos do art.º 277.°, nº 2, do CPP, pelo que mesmo que quisesse o arguido agora retractar-se, dando a conhecer a pessoa que antes não quis identificar, tal já não terá relevância para efeitos do art.º 362.º do CP.

No caso presente, não se entende que os factos agora alegados (por si ou combinados com os que foram apreciados no processo, identificação da aludida pessoa) suscitem quaisquer dúvidas sobre a justiça da condenação, devendo manter-se a decisão proferida nos seus integrais termos».

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No Supremo Tribunal de Justiça, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso interposto, concluindo que os fundamentos invocados pelo arguido não parecem ser suficientemente ponderosos para suscitar graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação, não se justificando, tão pouco, a audição de outras testemunhas, pelo que, em conformidade, nos parece dever ser negada a requerida revisão. 

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Colhidos os vistos, cumpre decidir, em conferência.

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 II. Fundamentação.

O recorrente fundamenta o seu pedido de revisão na descoberta de novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação (art.º 449.º, n.º 1, alínea d), do CPP).

E nesse sentido, alega que, não poderia ser condenado por um crime de recusa de depoimento pois, no que concerne às declarações do arguido, o mesmo sempre clamou alto e a bom som que não dizia quem introduziu os telemóveis no Estabelecimento Prisional, por desconhecer por completo quem tinha introduzido e, só agora descobriu quem é que lhe vendeu o telemóvel, bem como a pessoa que o introduziu no estabelecimento prisional, identificando o primeiro como sendo CC e a segunda, como tendo sido a avó deste último, razão pela qual, pretende agora que a aludida testemunha seja ouvida, traduzindo esta situação “um facto novo”.

Mais requer ainda ao abrigo dos arts.º 451-º n° 2 in fine e arts.º 453.° n° 1 do CPP que sejam tomadas declarações da testemunha CC, actualmente detido no Estabelecimento Prisional de ..., que nunca prestou declarações quando decorreu o julgamento e para ser inquirido sobre factos novos, enquanto diligência de prova indispensável para a descoberta da verdade.

Apreciando:

A revisão de sentença, com consagração constitucional (artº. 29º, nº 6 da CRP), tem natureza excepcional, no preciso sentido de que constitui uma restrição evidente ao princípio da segurança jurídica. Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do CPP, 4.ª edição, pag. 1206, «só circunstâncias “substantivas e imperiosas” (…) devem permitir a quebra do caso julgado, de modo que este recurso extraordinário se não transforme em uma “apelação disfarçada”» ou, como ensina o Prof. Eduardo Correia, a revisão de sentença, “ainda mesmo com possível sacrifício da justiça material, quer-se assegurar através dele aos cidadãos a paz; quer-se afastar definitivamente o perigo das decisões contraditórias. Uma adesão à segurança com eventual detrimento da verdade, eis assim o que está na base do instituto.” (Caso julgado e poderes de cognição do juiz, Almedina, 1996, pag. 7.).

O caso julgado concede estabilidade à decisão, servindo por isso o valor da segurança na afirmação do direito, segurança que é um dos fins do processo penal. Mas o processo visa também a realização da justiça e por isso se não confere valor absoluto ao caso julgado, que deve ceder em situações de gravíssima e comprovada injustiça. O recurso de revisão representa, pois, a procura do adequado equilíbrio entre aqueles dois valores.

Destina-se, assim, a assegurar a possibilidade de corrigir o chamado «erro judiciário», visando “a obtenção de uma nova decisão judicial que se substitua, através da repetição do julgamento, a uma outra já transitada em julgado.” (In Recursos em Processo Penal – Simas Santos e Leal Henriques – 3ª edição – pag. 164)

Como tem sido repetidamente afirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, o recurso de revisão mais não pode ser do que um meio extraordinário de reacção contra sentenças e/ou despachos a elas equiparados transitados em julgado, que apenas deve ser usado nos casos em que o caso julgado se formou em circunstâncias susceptíveis de produzir injustiça clamorosa, visando com a eliminação dessa eventual anomalia, reparar a repulsa de tal injustiça – por todos veja-se o Acórdão proferido no proc. nº 1101/09.5JACBR-B.S1 Relator: Pires da Graça, 15-01-2020: “I.O recurso de revisão, previsto no art. 449.° do CPP, assenta num compromisso entre a salvaguarda do caso julgado, que é condição essencial da manutenção da paz jurídica, e as exigência da justiça. Trata-se de um recurso extraordinário, de um “remédio” a aplicar a situações em que seria chocante e intolerável, em nome da paz jurídica, manter uma decisão de tal forma injusta (aparentemente injusta) que essa própria paz jurídica ficaria posta em causa II. O recurso de revisão é abrangido pelas garantias de defesa, constitucionalmente consagrado, no artigo 29º nº 6, da Constituição da República Portuguesa ao dispor que os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão de sentença e à indemnização pelos danos sofridos. III. O recurso de revisão como recurso extraordinário, é um recurso apertis verbis, isso é destina-se a apreciar perante taxativos pressupostos legalmente consentidos, que sejam invocados como fundamento do recurso extraordinário e na sua apreciação, possam conduzir à revisão do julgado, se dessa apreciação, de forma séria e grave sobressair a injustiça da condenação revidenda.

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O presente pedido de revisão teve por base o disposto no art.º 449.º, n.º 1, al. d), do CPP — a descoberta de novos factos ou novos meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Estabelecem-se, assim, duas condições cumulativas para que se verifique o estatuído na referida alínea: a) novidade dos factos ou meios de prova; b) graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

No que especificamente respeita ao fundamento previsto no art.º 449.º n.º 1 d) do CPP, pressuposto primeiro da revisão é a existência de factos ou meios de provas que possam considerar-se novos.

Na sua acepção mais comum, «a expressão "factos ou meios de prova novos", constante do fundamento de revisão da alínea d) do n° 1 do artigo 449º do CPP, deve interpretar-se no sentido de serem aqueles que eram ignorados pelo tribunal e pelo requerente ao tempo do julgamento e, por isso, não puderam, então, ser apresentados e produzidos, de modo a serem apreciados e valorados na decisão» (Ac. STJ de 27.2.2014 - Proc. n.º 5423/99.3JDLSB-B.S1).

Concede, todavia, alguma jurisprudência que ainda sejam novos os factos ou meios de prova já conhecidos ao tempo do julgamento pelo requerente, desde que este justifique «porque é que não pôde, e, eventualmente até, porque é que entendeu, na altura, que não devia apresentar os factos ou meios de prova, agora novos para o tribunal» (Ac. STJ de 17.12.2009 - Proc. n.º 330/04.2JAPTM-B.S1,in  www.dgsi.pt.).

Porém, “(…) Nos últimos tempos, jurisprudência sofreu uma limitação, de modo que, pelo menos maioritariamente, passou a entender-se que, por mais conforme à natureza extraordinária do recurso de revisão e mais adequada à busca da verdade material e ao respetivo dever de lealdade processual que recai sobre todos os sujeitos processuais, só são novos os factos e/ou os meios de prova que eram desconhecidos do recorrente aquando do julgamento e que, por não terem aí sido apresentados, não puderam ser ponderados pelo tribunal”. (Acórdão STJ de 24-06-2021, proc.1922/18.8PULSB-A.S1, 5.ª Secção, Relatora: Helena Moniz, in www.dgsi.pt.).

Para além de os factos ou meios de prova deverem ser novos, exige ainda a lei que os novos factos ou meios de prova descobertos sejam de molde, por si ou em conjugação com os que foram apreciados no processo, a suscitar “graves dúvidas sobre a justiça da condenação”. A dúvida relevante para a revisão tem de ser qualificada, há-de elevar-se do patamar da mera existência, para atingir a vertente da gravidade que baste, tendo os novos factos e/ou provas de assumir qualificativo correlativo da gravidade da dúvida (Ac. STJ de 26/09/2018, proc. 219/14.7PFMTS.S1, www.dgsi.pt.).

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No presente caso, o recorrente age exclusivamente, ao abrigo da al. d) do n.º 1 do art.º 449.º do CPP - “d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.

Assim resulta de toda a motivação do seu recurso e, designadamente, da conclusão 2. Do fundamento jurídico-legal da revisão, o seguinte: “Com efeito, o Artigo 449 n° 1 alínea d) do CPP dispõe que a "revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando: d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova, que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação". Este fundamento diz respeito apenas a decisões condenatórias, sendo que tais fundamentos de revisão têm de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, a ponto de seriamente se colocar a hipótese da absolvição da pessoa condenada. São estes os fundamentos que estão directamente conexionados com a garantia constitucional do Artigo 29 n° 6 da Lei Fundamental, impondo-se, pois, como exigência, não só de justiça material, como também de salvaguarda do princípio de dignidade humana, em que assenta todo o edifício jurídico-constitucional do Estado de Direito democrático”.

Alega, além do mais que «(…)  3. Do fundamento jurídico-legal da revisão, in casu - Começando pelos meios de prova que foram apreciados no processo, a primeira questão que a nosso ver, foi erradamente enquadrada, relaciona-se com os meios de prova que determinaram a condenação do Arguido AA, como autor do crime de recusa de depoimento, sobretudo há luz do novo meio de prova que agora surgiu, tendo sido condenada a pena de prisão efetiva de um ano e dois meses de prisão.

4. No que concerne às declarações do arguido, a mesma sempre clamou alto e a bom som (para quem se predispôs a ouvi-lo), que não dizia quem era porque não sabia quem tinha introduzido os telemóveis no estabelecimento Prisional, desconhecia por completo quem tinha introduzido ora não estão preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime de recusa de depoimento, logo não poderá ser condenado por um crime porque desconhecia por completo a história sobre quem introduziu e não conseguiu colaborar com, a justiça, aliás o único meio de prova é a prova por certidão.

5 - E convenhamos, no rigor dos princípios, inexiste nos autos qualquer prova que permita provar ainda que a título indiciário a verificação dos elementos constitutivos do tipo de crime.

6 - Isto porque se o arguido adquire um telemóvel e tendo em conta que o recluso e outro cúmplice que vende os telemóveis não revelam a sua verdadeira identidade e é natural que o arguido não saiba de pormenores de como o telemóvel entrou ou não e por muito que queira coloborar mas não sabe de pormenores que possam ajudar a descobrir a verdade, não havendo recusa em depor ou falsas declarações.

7 - E no mais que concerne à matéria de prova inexistem também qualquer reporte da prova directa ou indirecta dos factos essenciais diz respeito, apenas suspeitas insinuações e conclusões que não deviam existir, a título de exemplo vide V. Exa s a certidão extraída do processo e em momento algum no Ministério Público de ..., o defensor oficioso do processo recomendou o arguido, a pedir a sua constituição como arguido e remeter-se ao silêncio.”.

(…)

10 - Admite o arguido que possa ter agido mal, mas nunca se fez prova de que o recorrente propositadamente quisesse prejudicar uma investigação do Ministério Público, até porque o mesmo não sabia quem tinha introduzido o telemóvel no estabelecimento prisional, apenas pagou a uma pessoa que pagou o telemóvel mas este não disse quem tinha introduzido o mesmo e foi intermediário na compra do telemóvel só recentemente descobriu que foi a testemunha CC através da sua avó que vendeu o telemóvel.

11- O que resulta evidente que o arguido jamais teve a intenção de não dizer a verdade até porque não sabia quem tinha introduzido o telemóvel.

12 - Dai que a defesa do arguido AA pretende que se oiça uma nova testemunha e a reinquirição do arguido para se justificar porque razão só agora como descobriu quem introduziu os telemóveis e porque só agora quer prestar declarações, cujas inquirições do arguido e da testemunha são essências para a descoberta da outra verdade e da realização de justiça, para que tragam ao processo factos novos e possa ser anulada a condenação e ser feito novo julgamento e o processo crime no DIAP de ... que foi arquivado seja reaberto.

13- Assim, os novos meios de prova que a nosso ver, de per si e/ou combinados com os que não foram apreciados no processo, suscitam graves duvidas sobre a justiça da condenação são: a inquirição da testemunha da testemunha arrolada (…)».

*

Cumpre, pois, indagar se estamos perante novos factos ou novos meios de prova e se os mesmos consentem o surgimento de graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Como acima foi já referido, podem fundamentar a rescisão da sentença condenatória novos factos ou novas provas que, necessariamente, infirmem ou modifiquem os factos que suportam a condenação. “Não satisfaz aquele requisito a mera invocação de factos novos, nem tampouco basta a sua hipotética verosimilhança. Ademais da novidade, têm de estar suficientemente acreditados, isto é, resultarem convincentemente demonstrados. No processo penal, os factos adquirem-se através das provas. Aqui, a alegação de factos sem provas, diretas ou indirectas que os demonstrem, - por si sós (autonomamente) ou combinados com outros que hajam sido apreciados no processo - não tem a potencialidade de elevar ao nível da crise grave (qualificada) a força da res judicata. Do mesmo modo, não basta a apresentação de quaisquer novas provas. Somente fundamentam a rescisão da sentença provas que aportem dados que infirmem os factos que nesta se julgaram provados e que suportaram a condenação” (Ac. STJ de 20-03-2019, proc. 165/15.7PLSNT-B.S1, Relator: Nuno Gonçalves).

No caso sub judice, da argumentação desenvolvida no recurso com o que se deixou dito sobre a natureza e a operância prática do recurso de revisão, resulta que não estamos perante novos factos ou meios de prova – no sentido de que são “novos”, os factos ou elementos de prova vistos pela primeira vez, que eram inéditos, desconhecidos –, uma vez que, em momento algum da audiência de julgamento o recorrente “clamou alto e a bom som (para quem se predispôs a ouvi-lo)”, que não dizia quem era a pessoa que lhe vendeu o telemóvel e o introduziu naquele estabelecimento prisional porque desconhecia a sua identidade.

Na verdade, o que ocorreu foi precisamente o inverso: sabia o recorrente de quem se tratava, mas não o dizia por medo de represálias, tendo referido que “não queria dizer o nome do recluso que o ajudou a conseguir os objetos (…), para evitar futuras represálias e problemas e não querer prejudicar o mesmo se ainda estivesse preso

Compulsada a decisão de 1.ª instância, verifica-se que os factos agora invocados em nada infirmam os factos dado como provados, que são os seguintes:  

«A) No dia 24 de Junho de 2015, pelas 10h00, o arguido AA foi inquirido como testemunha nos Serviços do Ministério Público do DIAP de ..., no âmbito da Carta Precatória n.º 312/15...., originária do inquérito n.º 2019/15.....

B) Após ter sido advertido de que tinha o dever de responder com verdade às perguntas que lhe fossem dirigidas, prestou, além do mais, o seguinte depoimento: “não quer dizer o nome do recluso que o ajudou a conseguir os objetos acima indicados, para evitar futuras represálias e problemas e não querer prejudicar o mesmo se ainda estiver preso", (sublinhado nosso)

C) Novamente em 11 de Setembro de 2015, pelas 10h30 o arguido AA foi inquirido como testemunha nos Serviços do Ministério Público do DIAP de ..., no âmbito da Carta Precatória n.º 424/15.... originária do inquérito n.º 2019/15...., com o intuito de se retratar e prestar depoimento sobre a questão a que se tinha recusado a responder.

D) Porém, novamente após ter sido advertido de que tinha o dever de responder com verdade às perguntas que lhe fossem dirigidas, prestou, além do mais, o seguinte depoimento: “não quer acrescentar mais nada ao depoimento por si prestado no dia 24-06-2015, nomeadamente, que não quer dizer o nome do recluso que o ajudou a conseguir os objetos por temer represálias e temer pela sua integridade física dentro do Estabelecimento Prisional”. (sublinhado nosso)

E) O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, ciente de que se recusava a responder a questões, como estava obrigado a fazer.

F) Mais sabia que, ao praticar os factos acima descritos, obstruía a ação da justiça, tendo perfeito conhecimento e consciência de que a sua conduta era proibida e punida por lei».

Referiu ainda o Tribunal, aquando da apreciação crítica da prova, que:

  “A prova dos factos decorreu quase exclusivamente da prova documental junta aos autos, designadamente do teor da certidão extraída do processo nº 2019/15...., junta a fls. 3-15, da qual se extraem -se os factos descritos de A) a D), G) e H). Além da sobredita certidão ouviu-se em declarações o arguido que não colocou em causa estes factos, antes avançando a seguinte explicação para a sua prática: que quem lhe entregou o telemóvel não fez isto para o prejudicar, pelo contrário, pelo que não o irá prejudicar a ele. Refere até que se a pessoa, por exemplo, tivesse saídas precárias ou vistas conjugais, deixar de ter tais privilégios, pelo que não queria problemas com a pessoa. Por outro lado, mais refere que teria problemas no EP, poderia sofrer represálias já que é o que acontece sempre. Não obstante, perguntado acerca de uma contra ameaça, coação, constrangimento havido, nada refere. Disse apenas que é o que acontece sempre, que seria colocado de lado, tanto que só de saberem qual o processo que tinha em Tribunal, os demais reclusos lhe disseram que não tinha nada que falar. Todavia, no caso vertente a verdade é que os factos acerca dos quais foi inquirido no processo nº 2019/15.... ocorreram na sequência de uma busca havida à sua cela quando ia ser mudado de EP, o que naturalmente fazia diminuir o alegado “risco” de represálias que nunca conseguiu especificar. Por outro lado, e ainda que afirme que a sua intenção nunca foi “prejudicar a investigação” a verdade é que acaba por referir, quando em discurso livre (o qual, por natureza, é mais verídico) que entende ter caído numa “armadilha” e que “devia ter dito o nome de alguém que não era a pessoa”».

Assim, o alegado facto novo invocado pelo recorrente resulta da alegação de que não dizia quem era a pessoa que lhe vendeu o telemóvel e o introduziu naquele estabelecimento prisional, porquanto desconhecia a sua identidade. Porém, em momento algum da audiência de julgamento, o recorrente referiu que desconhecia a identidade da pessoa que lhe havia vendido o telemóvel, bem como da pessoa que havia introduzido aquele equipamento no estabelecimento prisional, até porque, se assim fosse, não teria sido condenado pelo tipo legal em apreço (recusa a depor).

Na verdade, o que o arguido referiu, outrossim, foi que “não queria dizer o nome do recluso que o ajudou a conseguir os objetos (…), para evitar futuras represálias e problemas e não querer prejudicar o mesmo se ainda estivesse preso”.

Ademais, no caso vertente até houve uma segunda inquirição destinada a que o recorrente, caso assim o entendesse, se retratasse, o que não veio a suceder, chegando inclusive a referir que estava ciente das consequências de tal actuação, tanto que referiu que “preferia ser ele a arcar com as consequências”.

Todavia, esta alegação, sem qualquer concretização ou elemento que corrobore a efectividade do “receio” não consubstancia uma situação de “justa causa” de recusa a depor, pois o sacrifício pessoal exigido não é superior ao dever (e a imposição legal) de colaborar com a realização e a administração da justiça.”, como bem salienta a Mmª Juiza a quo.

Com efeito, constituindo um imperativo a narração de factos - que não de juízos conclusivos, genéricos e/ou de direito -, tendo presente o caráter geral e abstracto dos tipos justificadores, bem como o leque de situações (factos) passíveis de consubstanciar causas de justificação, sempre seria votada ao insucesso a pretensão do recorrente, da alegada efectividade do “receio”, consubstanciar uma situação de “justa causa” de recusa a depor, a que se reporta o n.º 2, do art.º 360.º do CP.

Admitindo que para além dos casos expressamente previstos na lei de faculdade de recusa em depor, como os que são vulgarmente apontados nesse sentido (certos familiares, portadores de segredo e direito a não autoincriminação), outras situações possam ocorrer suscetíveis de consubstanciar, à luz do art.º 31.º do CP, um tipo justificador e, assim, afastar a ilicitude do facto, não é certamente o propósito por parte de um recluso em “proteger” outro recluso que lhe entregou o telemóvel, ou de se proteger do alegado “risco” de represálias (que nunca conseguiu especificar), que legitima (justifica) a recusa em depor.  

É certo que existem dificuldades acrescidas da vivência no interior do estabelecimento prisional, designadamente quanto a conflitos e represálias que se podem gerar entre reclusos.

Porém, não é menos verdade que compete às instâncias formais, designadamente à respetiva Direção, prover à segurança/proteção dos reclusos, que enquanto tal são responsabilidade do Estado.

Além disso, a descoberta do referido telemóvel ocorreu no âmbito de uma busca à cela do arguido em consequência de estar em curso um processo de transferência para outro EP, pelo que o risco de represália por parte de outros reclusos, no caso em apreço, não era elevado.

A admitir-se a legitima (justificada) recusa em depor, levaria a que nunca os crimes praticados no interior de um estabelecimento prisional, que envolvessem indivíduos privados da liberdade, poderiam contar com o testemunho de um recluso, ainda que os tivesse presenciado, pois não seria de afastar um potencial risco (v.g. para a integridade física ou mesmo para a vida) que tal representaria.

E, no caso em apreço, não deixa de ser curiosa, e até contraditória, a argumentação do recorrente pois, no âmbito do processo veio sempre alegar saber quem era a pessoa que introduziu o telemóvel no Estabelecimento Prisional, mas que não dizia o nome por receio de represálias, vindo agora dizer, de modo distinto, que descobriu quem era a pessoa, concluindo-se, assim, que o motivo da recusa a prestar declarações contra outro recluso para se proteger no estabelecimento prisional, não tinha qualquer fundamento, não passando de uma hipótese conjecturável, nunca compaginável com o tipo justificador, em que se traduz a «justa causa» da recusa.

O que vem alegar agora, no sentido de que recentemente descobriu quem lhe havia vendido o telemóvel foi a testemunha ora indicada e que a avó deste foi a pessoa responsável pela sua introdução no estabelecimento prisional, não pode ser considerado um facto novo ou sequer, como referido pelo MP, a exibição de “novas” provas, uma vez que é outrossim uma versão diferente dos factos alegados pelo arguido.  

Ora, o facto de o recorrente avançar com uma versão diferente dos factos, dizendo que naquela data não sabia afinal quem introduziu os telemóveis (contrário ao que afirmou à data dos factos pelos quais veio a ser condenado) e que quem lhe havia vendido o telemóvel foi a testemunha ora indicada e que a avó deste foi a pessoa responsável pela sua introdução no estabelecimento prisional, é insuficiente para que se possa considerar a prova de um quadro de facto “novo” ou a exibição de “novas” provas, em nada beliscando ou colocando em crise a decisão a rever.

Por isso, atentos os motivos alegados neste recurso extraordinário de revisão, não subsumíveis a nenhum dos fundamentos previstos no art.º 449.º, n.º 1, do CPP, entendeu-se, e bem, que não se oferece qualquer necessidade de proceder a quaisquer diligências de prova, salientando a Mmª Juiza a quo, na informação a que alude o art.º 454º, do CPP:

«Ora, no presente caso, o alegado facto novo invocado resulta da alegação de que não dizia quem era a pessoa que lhe vendeu o telemóvel e o introduziu naquele estabelecimento prisional porquanto desconhecia a sua identidade. Todavia, da análise da sentença não é o que resulta, antes pelo contrário. O arguido referiu, outrossim, que “não queria dizer o nome do recluso que o ajudou a conseguir os objetos (…), para evitar futuras represálias e problemas e não querer prejudicar o mesmo se ainda estivesse preso”. O que vem alegar agora, no sentido de que recentemente descobriu quem lhe havia vendido o telemóvel foi a testemunha ora indicada e que a avó deste foi a pessoa responsável pela sua introdução no estabelecimento prisional, não pode ser considerado um facto novo ou sequer, como referido pelo Ministério Público, a exibição de “novas” provas, uma vez que é outrossim uma versão diferente dos factos alegados pelo arguido. Este pretende, agora, avançar com uma versão diferente dos factos, dizendo que naquela data não sabia afinal quem introduziu os telemóveis, contrário ao que afirmou à data dos factos pelos quais veio a ser condenado.

Veja-se que o arguido, quando inquirido como testemunha não afirmou desconhecer quem era a pessoa, mas antes saber quem era, mas que não o queria prejudicar, sendo que foi também o que reiterou em julgamento, conforme consta da fundamentação da matéria de facto:

“(…) Além da sobredita certidão ouviu-se em declarações o arguido que não colocou em causa estes factos, antes avançando a seguinte explicação para a sua prática: que quem lhe entregou o telemóvel não fez isto para o prejudicar, pelo contrário, pelo que não o irá prejudicar a ele. Refere até que se a pessoa, por exemplo, tivesse saídas precárias ou vistas conjugais, deixar de ter tais privilégios, pelo que não queria problemas com a pessoa. Por outro lado, mais refere que teria problemas no EP, poderia sofrer represálias, já que é o que acontece sempre. Não obstante, perguntado acerca de uma contra ameaça, coação, constrangimento havido, nada refere. Disse apenas que é o que acontece sempre, que seria colocado de lado, tanto que só de saberem qual o processo que tinha em Tribunal, os demais reclusos lhe disseram que não tinha nada que falar.

Todavia, no caso vertente a verdade é que os factos acerca dos quais foi inquirido no processo nº 2019/15.... ocorreram na sequência de uma busca havida à sua cela quando ia ser mudado de EP, o que naturalmente fazia diminuir o alegado “risco” de represálias que nunca conseguiu especificar.

Por outro lado, e ainda que afirme que a sua intenção nunca foi “prejudicar a investigação” a verdade é que acaba por referir, quando em discurso livre (o qual, por natureza, é mais verídico) que entende ter caído numa “armadilha” e que “devia ter dito o nome de alguém que não era a pessoa”.”

Ou seja, conclui-se, necessariamente que já sabia quem era a pessoa – este não é um facto novo – só não o quis identificar, estando agora nessa predisposição, o que quando muito pode ter relevância no âmbito do processo onde inicialmente prestou declarações como testemunha que poderá ser reaberto.

Estabelece no n.º 2 do aludido artigo 453º que o requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a nãos ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor, o que não se verifica pois que, como se depreende das suas declarações em julgamento, não ignorava quem era a pessoa, tendo sido condenado exactamente porque sabia quem era mas não quis dizer, tendo que se concluir que a alegada superveniência do seu conhecimento ou à impossibilidade anterior desta depor, não se encontra verificada, pelo que não se admite a sua inquirição. Acresce que, face ao alegado, não se afigura ser necessário determinar oficiosamente a produção de quaisquer outros meios de prova».

No caso dos presentes autos, ao pretender o recorrente sindicar, de novo, a matéria de facto e de direito dada como assente, caberá dizer que o recurso extraordinário de revisão não é uma nova instância de recurso ordinário, pelo que o alegado pelo recorrente não tem qualquer cabimento.

Como bem salienta o acórdão do STJ de 24.02.2021 (Rel. Nuno Gonçalves):

VI - A novidade dos factos e meios de prova afere-se pelo conhecimento do condenado. Omitindo o dever de contribuir, ativa e lealmente para a sua defesa não pode, depois de condenado por sentença firme, servir-se do recurso extraordinário de revisão para corrigir deficiências ou estratégias inconsequentes.

 (…)

VIII - O recurso de revisão não pode servir para buscar ou fazer prevalecer, simplesmente, “uma decisão mais justa”. De outro modo, o valor do caso julgado passava a constituir a exceção e a revisão da sentença condenatória convertia-se em regra:”.

Assim, não se nos afigura a existência de facto ou meio de prova novos, que suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, conforme é legalmente exigido pelo art.º 449º, nº 1, d) CPP, não existindo, portanto, e no caso em apreço, fundamento que justifique a admissibilidade da revisão.

*

III. Decisão

Pelo exposto, acordam na 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em:

a) Negar o pedido de revisão – art.º 456.º do CPP;

b) Condenar o recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC – arts. 513.º do CPP e 8.º, n.º 9, e Tabela III do RCP.

 

Lisboa, 09 de Dezembro de 2021.

Cid Geraldo (relator)

Helena Moniz (adjunta)

António Clemente Lima (Presidente da Secção)