Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
564/10.0TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: INDEMNIZAÇÃO PELA RESOLUÇÃO DO CONTRATO
JUROS DE MORA
CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
TRABALHO SUPLEMENTAR
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 04/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / INCUMPRIMENTO DO CONTRATO / PROVA DE CRÉDITO DO TRABALHADOR - CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO / INDEMNIZAÇÃO DEVIDA AO TRABALHADOR.
DIREITO CIVIL - EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / INCUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / MORA DO DEVEDOR.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / INSTRUÇÃO DO PROCESSO / DEVER DE COOPERAÇÃO - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Aníbal de Castro, Impugnação das Decisões Judiciais, 2.ª ed., 111.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, vol. II, 2.ª edição, 57.
- Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, 247.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 342.º, NºS 1 E 2, 344.º, N.º.2, 804.º, N.º1, 805.º, N.º.3, 806.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 417.º, N.º 2, 430.º, 608.º, N.º 2, 663.º, N.º 2, 674.º, N.º3, 679.º.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2003:- ARTIGOS 204.º, 443.º, N.º1.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2009: - ARTIGO 337.º, N.º2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

-DE 07/03/1985, IN BMJ, 347º/477.

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 05/04/1989, IN BMJ 386/446, DE 23/03/1990, IN AJ, 7º/90, 20, DE 12/12/1995, IN CJ, 1995, III/156, DE 18/06/1996, CJ, 1996, II/143, DE 31/01/1991, IN BMJ 403º/382.
-DE 21/10/2009, PROCESSO N.º 1996/05.1TTLSB.S1, DE 11/07/2012, PROCESSO N.º 7/07.7TBRG.P2.S1, DE 24/02/2011, PROCESSO N.º 2867/04.4TTLSB.S1, E DE 21/05/2014, PROCESSO N.º 671/11.2TTBCL.P1.S1.
Sumário :
1 – Dado que o valor da indemnização pela resolução do contrato com justa causa deve ser judicialmente fixado entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, o respetivo valor só se torna líquido com o trânsito em julgado da sentença que a fixa, pelo que os juros de mora respetivos apenas são devidos a partir deste.

2 – O art. 417º, nº 2 do CPC sanciona com multa a falta de colaboração de quem quer que seja, incluindo as partes, sendo que, para que a parte possa ser sancionada com a inversão do ónus da prova pela falta de colaboração, é necessário que se verifiquem os pressupostos estabelecidos no art. 344º, nº 2 do CC.

3 – Não estando o faltoso legalmente obrigado a manter os documentos para cuja junção fora notificado, e cabendo à outra parte fazer a prova dos factos, a sua não apresentação não conduz à inversão do ónus da prova, ainda que a prova apenas possa ser feita por documento e o notificado não justifique a não apresentação.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1])

AA intentou no Tribunal do Trabalho de Lisboa a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra BB, SA – SUCURSAL EM PORTUGAL, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia global de € 99.846,05 (noventa e nove mil, oitocentos e quarenta e seis euros), sendo € 41.935,16 (quarenta e um mil, novecentos e trinta e cinco euros e dezasseis cêntimos) a título de indemnização pela resolução do contrato de trabalho por iniciativa da autora com fundamento em justa causa, motivada por comportamentos culposos da ré; € 42.022,29 (quarenta e dois mil e vinte e dois euros e vinte e nove cêntimos) a título de remuneração de trabalho suplementar e trabalho noturno prestado pela autora à ré nos anos de 2004 a 2008, inclusive; € 2.985,55 (dois mil, novecentos e oitenta e cinco euros e cinquenta e cinco cêntimos), correspondente a créditos de horas de formação contínua vencido nos anos de 2004 a 2008, inclusive e não proporcionada pela ré; € 549,05 (quinhentos e quarenta e nove euros e cinco cêntimos), respeitante a parte da retribuição em dívida pela ré à autora, correspondente ao direito a vinte e cinco dias úteis de férias vencidas em 01.01.2008, acrescida dos juros de mora à taxa anual legal desde a data da citação até integral e efetivo pagamento.

Como fundamento alegou ter sido trabalhadora da ré desde 18.04.2000 até 13.02.2008, data em que, por comunicação escrita, fez cessar o contrato invocando justa causa, por falta de pagamento de trabalho suplementar, trabalho noturno e descanso compensatório. Durante a relação laboral a ré nunca lhe proporcionou formação profissional certificada. Também não lhe pagou o correspondente a 25 dias úteis de férias vencidas em 01.01.2008.

Citada e realizada a audiência de partes e frustrando-se a conciliação a ré contestou invocando a caducidade e a prescrição do direito de ação e dos créditos laborais peticionados. Alegou ainda que a prestação de trabalho suplementar e noturno não era por si imposta mas por via da vontade da autora em atingir os objetivos fixados e em receber inerentes prémios monetários. Proporcionou formação à autora em diversas ocasiões.

Deduziu reconvenção pedindo a condenação da autora a pagar-lhe a quantia de € 34.275,80 (trinta e quatro mil, duzentos e setenta e cinco euros e oitenta cêntimos), acrescida de todos os montantes que se vierem a apurar em sede de liquidação de sentença e respetivos juros legais, por a autora não ter respeitado o prazo de aviso prévio e ter causado prejuízos.

Respondeu a autora invocando a prescrição dos créditos peticionados em reconvenção e sustentando a não verificação da prescrição ou caducidade dos créditos por si invocados.

Foi proferido despacho saneador em que se julgou procedente a exceção de caducidade relativamente ao pedido formulado de indemnização por resolução do contrato de trabalho por iniciativa da autora com fundamento em justa causa e relegou-se para final o conhecimento da exceção da prescrição invocada pela ré.

Julgou-se procedente a exceção da prescrição invocada pela autora relativamente ao pedido reconvencional formulado pela ré.

Inconformada, a autora apelou da decisão relativa à procedência da exceção de caducidade, vindo tal decisão a ser revogada, determinando-se o prosseguimento dos autos.

Realizou-se a audiência de julgamento e foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Julgo a acção principal parcialmente procedente e, em consequência decide-se:

3.1.1. Declarar a resolução com justa causa do contrato de trabalho celebrado entre autora e ré.

3.1.2. Condena-se a ré BB, SA – Sucursal em Portugal a pagar à autora a quantia de uma indemnização no valor de € 27.909,68 (vinte e sete mil, novecentos e nove euros e sessenta e oito cêntimos) a título de indemnização pela resolução do contrato com justa causa, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data do trânsito da presente decisão.

3.1.3. Condena-se a ré BB, SA – Sucursal em Portugal a pagar à autora as horas de trabalho prestadas além dos limites máximos do horário de trabalho no período de Outubro de 2006 a Fevereiro de 2008 e identificadas em 2.1.4. assim como o respectivo descanso compensatório, a liquidar em execução de sentença, se necessário acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.

3.1.4. Condena-se a ré BB, SA – Sucursal em Portugal a pagar à autora a quantia de € 2.326,67 (dois mil, trezentos e vinte e seis euros e sessenta e sete cêntimos) a título de horas de formação certificada dos anos de 2004 a Fevereiro de 2008 acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.

3.1.5. Condena-se a ré BB, SA – Sucursal em Portugal a pagar à autora a quantia de € 549,05 (quinhentos e quarenta e nove euros e cinco cêntimos) correspondente ao remanescente da retribuição de férias acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.

3.1.6. Absolver a ré BB, SA – Sucursal em Portugal do demais peticionado.

3.2. Custas da acção a cargo da autora e ré na proporção de 44% e 56% respectivamente (art. 527º NCPC).”

Inconformadas com tal decisão, dela apelaram a autora e a ré, tendo sido proferida a seguinte deliberação:

“Acordam os Juízes desta Relação em julgar a apelação da ré improcedente, a apelação da autora procedente e, em consequência, alterar a sentença recorrida nos pontos 3.1.2 e 3.1.3 do decisório, que passarão a ter a seguinte redacção:

3.1.2. Condena-se a ré BB, SA – Sucursal em Portugal a pagar à autora a quantia de uma indemnização no valor de € 27.909,68 (vinte e sete mil, novecentos e nove euros e sessenta e oito cêntimos) a título de indemnização pela resolução do contrato com justa causa, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da citação, até efectivo e integral pagamento.

3.1.3. Condena-se a ré BB, SA – Sucursal em Portugal a pagar à autora as horas de trabalho prestadas além dos limites máximos do horário de trabalho no período de Janeiro de 2004 a Fevereiro de 2008 e identificadas nos factos nºs 4, 33, 34 e 35, assim como o respectivo descanso compensatório, a liquidar em execução de sentença, se necessário acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da citação até integral e efectivo pagamento. “

Custas em 1ª instância a cargo da autora e ré, na proporção, respectivamente, de 1/10 e 9/10.

Custas das apelações, a cargo da ré.”

De novo inconformada, dela recorre a ré de revista para este Supremo Tribunal, formulando as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([2]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:

”1. O Tribunal de 1ª instância considerou que "ponderando que o valor da indemnização só se torna líquido com o trânsito em julgado da decisão do tribunal, os respectivos juros de mora só devem ser contados desde então. Com efeito, estabelecendo o Código do Trabalho uma moldura dentro da qual a indemnização pode, em larga margem, variar, antes de transitada em julgado a decisão, o devedor não sabe o quanto deve (…)"

2. A Relação de Lisboa considerou que "a resolução contratual efectuada pela autora não tem reversão possível pelo que a antiguidade da autora, para efeitos de cálculo indemnizatório ficou definida. Não há, assim razão para que os juros moratórias só sejam contados a partir do trânsito em julgado da decisão."

3. Se é verdade que a antiguidade da Recorrida estaria, ad inicium, definida, não é menos verdade que o valor concreto que seria devido a título de indemnização não estava, à partida, definido. Tanto mais que seria necessário, melhor, fundamental que a justa causa fosse reconhecida pelo Tribunal!!

4. A Recorrida, em sede de articulado inicial, pediu que a indemnização devida fosse calculada tendo por base 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade.

5. O Tribunal de 1ª instância condenou a Recorrente numa indemnização tendo por base 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade.

6, E se por acaso a Relação de Lisboa tivesse alterado a indemnização para 20 dias ou mesmo para 40??!!

7. Pese embora um dos parâmetros estivesse, (mais ou menos), definido à partida, a verdade é que o quantum indemnizatório apenas com o trânsito em julgado da decisão se torna líquido, já que só nessa altura é que a Recorrente sabe se tem e quanto é que efectivamente terá que liquidar à Recorrida a título de indemnização por resolução do contrato de trabalho com justa causa, pelo que só a partir deste momento se constitui em mora, tal como entendido pelo Tribunal de 1ª instância.

8. Tal foi o entendimento da Relação de Lisboa, no âmbito do Processo 581/10.0TTLSB.L 1 - em que foram partes a aqui Recorrente e outro ex-trabalhador da Recorrente - onde se sufragou o entendimento de que estaremos "fora do domínio de aplicação do nº 3 do artigo 805°CC. Para que a indemnização seja fixada (…) é necessário que seja proferida decisão judicial que num primeiro momento reconheça a justa causa de resolução (…) e, num segundo fixe a indemnização julgada adequada a repara o trabalhador (…). Consequentemente, o montante da indemnização devida ao trabalhador por resolução do contrato de trabalho com justa causa subjectiva só se torna líquido com o trânsito em julgado da decisão judicial e, logo, os juros de mora só serão devidos a partir da data em que tal ocorrer."

9. E também foi este o entendimento desde Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 21/05/2014 (Recurso 671/11.2TTBCL.P1.S1) constando do respectivo sumário o seguinte: "(…) III- A indemnização prevista no artigo 396º do Código do Trabalho de 2009 é fixada pelo Tribunal entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador que motiva a resolução do contrato pelo trabalhador. IV- O montante da indemnização prevista no artigo 396º do Código de Trabalho de 2009 só se torna líquido com o trânsito em julgado da decisão do tribunal, pelo que os respectivos juros moratórios só devem ser contados desde então."

 10. Na petição inicial apresentada pela Recorrida em 8 de Fevereiro de 2010, a mesma refere nos artigos 45°, 48° e 51º que "protesta juntar os documentos" para prova do por si alegado relativamente a trabalhado suplementar prestado entre 2004 e 2006.

11. E pede que a Recorrente junte aos autos documentos para prova do por si alegado em tais artigos.

12. Tendo protestado juntar os documentos tal significa que a Recorrida teria o prazo de 10 dias (prazo geral) documentos a que alude no seu articulado (e não apenas aqueles sobre os quais agora nos debruçamos) em 17 de Maio de 2012, bem mais de dois anos após a entrega da petição inicial!

13. Durante este período a Recorrente ficou à espera que a junção fosse feita para verificar quais os documentos que seriam juntos e quais os que, eventualmente, ainda seria preciso juntar de forma a evitar duplicação de documentos e esforço inúteis.

14. Mas ainda assim, após a notificação do Tribunal para junção dos documentos solicitados pela Recorrida, a Recorrente encetou e diligenciou para que os mesmos fossem coligidos, o que se veio a mostrar infrutífero na medida em que o marido da aqui Recorrida era o Country Manager da Recorrente, isto é, a pessoa responsável pela organização de todos os documentos - aliás, marido esse que também instaurou acção judicial contra a aqui Recorrente - e os documentos peticionados pela Recorrida nunca foram encontrados, aliás como a própria obviamente já deveria saber ad inicium!

15. Resulta da prova gravada que o responsável pela elaboração dos alegados documentos relativos ao trabalho suplementar peticionado nunca os elaborou.

16. Não deixa de ser curioso que a Recorrente não tenha encontrado nada relacionado com o trabalho suplementar prestado pela Recorrida mas esta última tenha conseguido fazer mapas tão elaborados e pormenorizados com os dias e as horas em que, alegadamente, prestou trabalho suplementar desde 2004...

 17. Também não deixa de ser estranho que em 26 de Setembro de 2011 o Tribunal tenha notificado a Recorrente para juntar os documentos pedidos pela Recorrida mas não tenha tido o cuidado de interpelar a Recorrida para juntar os documentos que havia - há mais de ano e meio - protestado juntar!!

18. A própria Recorrida nunca fez qualquer requerimento ao Tribunal a pedir que a Recorrente juntasse os documentos para os quais tinha sido notificada a juntar (quiçá, talvez porque bem sabia que os mesmo nunca seriam encontrados...) - afinal, foi a aqui Recorrida que os juntou!

19. Tendo a Recorrente a obrigação de possuir e manter os referidos registos durante cinco anos, o Tribunal de 1ª instância considerou que tal se aplicava aos cinco anos anteriores à data da notificação para junção dos mesmos, ou seja, para o período a partir de Outubro de 2006 e este é, apesar de tudo, o entendimento relativo à inversão do ónus da prova que mais se adequa e mostra ajustado (tanto mais que os documentos juntos pela Recorrida não foram impugnados pela Recorrente)

20. A questão em causa até nem é a de um problema de ausência de prova - que, esse sim, poderia levar a equacionar a inversão do ónus de prova -, mas antes a de decaimento puro e simples: dos elementos juntos aos autos e suportados pelas testemunhas da Recorrida extraiu a 1.ª Instância não resultar demonstrada a prestação do trabalho suplementar alegada.

21. Se existiu um comportamento culposo por parte da Recorrente (o que não se compreende por se tratar da junção de documentos que já não tinha obrigação de guardar), existiu o mesmo comportamento culposo por parte da Recorrida, face a tudo quanto se explicitou!”

Após convite, a ré completou as suas conclusões, nos seguintes termos:

“Assim, e no que concerne ao conceito de "inversão do ónus da prova", a Recorrente considera que a Relação de Lisboa fez uma incorrecta interpretação/aplicação dos artigos 342º, nº 1 e 344º nº 2 do Código Civil.”

A autora contra-alegou invocando, por um lado, a impossibilidade legal do recurso por não haver valor da sucumbência e, por outro, a sua improcedência.

Cumprido o disposto no art. 87º, nº 3 do CPT, a Exmª Procuradora-Geral-‑Adjunta emitiu parecer no sentido da admissibilidade do recurso e da concessão da revista no tocante à data a partir da qual são devidos os juros de mora pela indemnização, tendo, todavia considerado que andou bem a Relação ao sancionar com a inversão do ónus da prova o comportamento da recorrente.

Notificadas as partes, apenas a recorrente se pronunciou mantendo a posição assumida nas suas alegações.

Os presentes autos respeitam a ação de processo comum e foram instaurados em 8 de fevereiro de 2010.

O acórdão recorrido foi proferido em 23 de setembro de 2015.

O contrato de trabalho teve início em 18 de abril de 2000 e cessou em 13 de fevereiro de 2008, estando em causa o pagamento do trabalho suplementar referente aos anos de 2004 a 2006.

Nessa medida, é aplicável:

- O Código de Processo Civil na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho;

- O Código de Processo do Trabalho (CPT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 323/2001, de 17 de dezembro, 38/2003, de 8 de março, 295/2009, de 13 de outubro, que o republicou, e Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto;

- O Código do Trabalho aprovado pela Lei 99/2003 de 27 de agosto.

ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO

Face às conclusões formuladas, as questões submetidas à nossa apreciação consistem em saber:

1 – Se os juros de mora sobre a indemnização por resolução do contrato de trabalho com justa causa são devidos apenas desde o trânsito em julgado da sentença;

2 – Se a não apresentação pela ré dos documentos relativos ao trabalho suplementar cujo pagamento a autora peticiona, referente apenas aos anos de 2004 a Outubro de 2006, importa a inversão do ónus da prova.

QUESTÃO PRÉVIA

A recorrida suscita nas contra-alegações a inadmissibilidade legal da presente revista face ao valor da sucumbência – € 6.300,00 relativamente à primeira das questões e, quanto à segunda, por a tanto obstar o disposto no art. 662º, nº 4 do CPC.

Porém, sem razão.

Não há dúvida de que o art. 662º, nº 4 do CPC estabelece que não é admissível recurso para este Supremo Tribunal da decisão da Relação que alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto bem como não é admissível o recurso nos casos em que o recorrente tiver decaído em montante inferior a metade da alçada da Relação – € 15.000,00 (arts. 629º, nº 1 do CPC e 44º, nº 1 da Lei 42/2013 de 24/10), como sucede relativamente à primeira questão.

Porém, o que está em causa relativamente à segunda das questões, não é a reapreciação da prova, in se, mas saber se a Relação podia ou não lançar mão da inversão do ónus da prova para decidir a pedida alteração sobre a decisão da matéria de facto.

Por conseguinte, computando-se o valor do decaimento, nesta parte, em € 27.023,61 (cfr. arts. 45º, 48º e 51º da petição por remissão do dispositivo do acórdão recorrido), impõe-se a conclusão de que o recurso é admissível.

FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

Foram os seguintes os factos julgados provados pelas instâncias:

1- Em 17 de Abril de 2000, CC, SA – Sucursal em Portugal posteriormente adquirida pela ré, e autora subscreveram o escrito por ela designado “contrato de trabalho sem termo”, junto por cópia a fls. 50 a 52 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, assinaladamente o seguinte: “(…).

1. Início, duração e período experimental

1.1. O presente contrato terá início no dia 18 de Abril de 2000 e será sem termo.

(…).

2. Local de trabalho

2.1. A segunda outorgante prestará o seu trabalho nos escritórios da primeira outorgante, localizados em Lisboa e acima identificados ou em quaisquer outros escritórios que a primeira outorgante venha a ter no país.

(…).

3. Função

A segunda outorgante terá a categoria de vendedor, devendo assegurar as funções de responsável pela promoção dos produtos nos hospitais que a primeira outorgante lhe indicar.

(…).

4. Horário de trabalho

4.1. O horário de trabalho será fixado localmente.

4.2. O período normal de trabalho diário, de segunda a sexta-feira, é das 9.00 horas às 18.00 horas, com uma hora de intervalo para almoço, com prestação de trabalho suplementar quando requerido pela primeira outorgante.

5. Remuneração

5.1. A primeira outorgante pagará ao segundo outorgante, catorze vezes por ano (12 meses mais o pagamento do subsídio de férias e subsidio de Natal), o salário de Esc. 180.000$00, ao qual acrescerá o subsídio de alimentação que será processado no valor diário de 900$00 tendo por base os dias úteis de trabalho em cada mês.

(…).

5.2. Para além do valor da remuneração fixa, o segundo outorgante terá direito a comissões que serão atribuídas tendo por base os valores das vendas e respectivos objectivos que serão calculados de acordo com o plano de comissões estabelecido pela primeira outorgante.

(…).”

2- A autora começou por exercer funções de delegada de venda devendo assegurar as funções de responsável pela promoção dos produtos nos Hospitais e posteriormente, em data não concretamente apurada, mantendo aquelas funções ascendeu a responsável da área de marketing para Portugal.

3- O horário de trabalho encontrava-se fixado entre as 08h30 e as 17h30, com uma hora de interrupção para almoço.

4- A autora, com o conhecimento da ré e em seu benefício, prestou trabalho nos seguintes anos, meses, dias e horas:




   











 5- Entre os anos de 2005 e 2007 a autora e outros trabalhadores da ré referiram à empresa a sobrecarga de trabalho a que estavam submetidos.

6- Por escrito datado de 13 de Fevereiro de 2008 e pela ré nesta data recepcionado, junto por cópia a fls. 53 a 55, a autora comunicou àquela “Venho por este meio proceder à resolução, com efeitos imediatos, do contrato de trabalho que mantenho com V.exas., com fundamento na violação culposa por parte dessa empresa dos meus direitos e garantias legalmente consagrados e que tornam inviável a manutenção do contrato de trabalho, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 441º, n.º 1 e 2 e 442º, n.º 1, ambos do Código do Trabalho, e pelas razões que passo a descrever:

   a) De acordo com o contrato de trabalho que até à presente data mantive com essa empresa, obriguei-me à prestação de trabalho com a duração semanal de 40 horas, distribuídas por cinco dias úteis, com o horário de trabalho diário das 09h00 horas às 18.00 horas com interrupção de uma hora para almoço;

   b) As funções exercidas até Abril de 2005 foram as inerentes à categoria profissional de vendedor, devendo assegurar as funções de responsável pela promoção dos produtos, nos Hospitais indicados pelo empregador. Depois daquela data acumulei aquelas funções de vendedor em clientes directos com a função de Regional Manager Sales & Marketing, devendo assegurar a gestão dos segmentos Anca, Coluna, Extremidades e OSP, bem como a coordenação de 2 vendedores a partir do 1º semestre de 2006, data em que seria admitido mais um vendedor. No entanto, por falta de vendedores ou porque V. Exas. nunca os quiseram admitir, foi necessário que continuasse até à presente data a ter a função de vendedora em clientes directos.

   c) Verifica-se há muito tempo uma sobrecarga de trabalho na empresa e na área comercial em que me integro, decorrente do crescimento da actividade, da empresa em Portugal, designadamente, da sua componente comercial, a qual não foi acompanhada pelo necessário crescimento da equipa de trabalhadores afectos à área comercial;

   d) Deste facto resultou um aumento significativo do volume de trabalho da equipa comercial em que me integro, e, em especial, a acumulação na minha pessoa de um volume de trabalho e de tarefas cuja execução implicou da minha parte a prestação sistemática e regular de trabalho muito para além do horário diário de trabalho a que estava obrigada e, ainda, a prestação de trabalho durante fins de semana ou em dias feriados, sempre com o conhecimento de responsáveis da empresa e no interesse desta, tendo em vista corresponder aos seus objectivos de vendas, de fidelização de clientela e de satisfação do cliente,

   e) Para fazer face às necessidades de trabalho da empresa, trabalhei ao longo de vários anos muitas horas para além do horário diário a que estava obrigada e muitas horas em fins-de-semana e em dias feriados, tendo de assumir a execução directa de tarefas de apoio ao cliente em cirurgias, por insuficiência do número de técnicos comerciais da empresa para a realização de tais tarefas e ainda por força das conveniências de horários dos clientes, em acumulação com as funções de coordenação da equipa comercial e de gestão de segmentos que me foram cometidas;

   f) A realização de trabalho nas condições descritas, muito para além do horário a que vinculei e, frequentemente, sem observância dos períodos de descanso obrigatório entre cada período de trabalho, levaram a que, por diversas vezes, tivesse confrontado os responsáveis da empresa com a necessidade de alterar as minhas condições de trabalho – assim – como as de outros colaboradores da empresa na mesma situação e relativamente aos quais exercia funções de coordenação – designadamente propondo o reforço da equipa de vendedores, com a contratação de pelo menos mais um colaborador permanente, e do pagamento do trabalho suplementar efectuado ou da fixação do regime de isenção de horário de trabalho com a atribuição do correspondente acréscimo remuneratório;

   g) Acresce ainda que as funções que me estão atribuídas implicam a deslocação e permanência frequentes nas instalações de clientes e nos horários por este definidos, de acordo com as suas conveniências, os quais frequentemente não se compatibilizam com o meu horário de trabalho, implicando a prestação de trabalho suplementar;

   h) Ciente das situações acima descritas e que já se verificavam pelo menos deste 2005 e na sequência de insistências, entre outros colaboradores, da ora signatária, em Junho de 2007 a empresa, através do seu Country Manager de Portugal, DD e do seu Business Director de Portugal, EE, apresentou uma proposta de acordo de isenção de horário de trabalho para enquadrar a minha prestação de trabalho, face às situações supra descritas, e que submeteu à minha apreciação;

   i) De acordo com esta proposta, eu deveria aceitar o enquadramento no regime de isenção de horário de trabalho que compreende a não sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho diário e semanal, nos termos do art.º 178º, n.º 1, alínea a) do Código de Trabalho, prevendo a minuta do contrato que por tal regime de trabalho auferiria um complemento de remuneração a título de isenção de horário de trabalho cujo valor nunca foi indicado. Porém, em simultâneo com a assinatura de um tal acordo de empresa exigia que eu assinasse um documento em que renunciava à remuneração pela isenção de horário de trabalho, continuando a auferir a mesma remuneração que até à data recebia; relativamente ao trabalho extraordinário até então realizado, a empresa não admitia pagar qualquer remuneração ou compensação. A referida proposta de isenção de horário de trabalho continha ainda outras cláusulas que me eram desfavoráveis, em matéria de definição futura dos horários de trabalho pela entidade empregadora e que não estava disposta a aceitar;

   j) Esta proposta da empresa foi por mim rejeitada em reunião mantida no dia 29.06.2007, por entender que violava o meu direito a retribuição do trabalho efectuado para além do meu horário de trabalho e o meu direito ao descanso, pelas razões acima descritas, tendo solicitado formalmente, em 30.06.2007 que a empresa apresentasse nova proposta de enquadramento laboral que permitisse conciliar os interesses da empresa com os meus direitos;

   k) Em 20.07.2007 e posteriormente, insisti junto de responsáveis da empresa por uma resposta da empresa às minhas solicitações para o adequado enquadramento da minha situação laboral no que respeita aos tempos de trabalho, períodos de descanso e compensação do trabalho em excesso;

   l) Em 12.09.2007 a responsável de recursos humanos FF remeteu-me uma carta, datada de 07.09.2007, manifestando o interesse da empresa em “(…) estabelecer procedimentos que se enquadrem nas melhores práticas em matéria laboral (…)”, informando que estavam a analisar a questão e que posteriormente me informariam sobre o tema;

   m) Em 13.09.2007 respondi a esta comunicação, reiterando tudo o que havia exposto em anterior correspondência e insistindo por uma resposta concreta da empresa;

   n) Em 04.10.2007 fui informada pelo Country Manager em Portugal, DD, que depois da discussão da minha situação laboral com advogados, a companhia deixava de reconhecer a necessidade de qualquer alteração da minha situação laboral, pois entendia que fazendo parte do Grupo de Management da Companhia, estava sujeita à realização de trabalho no regime de isenção de horário de trabalho. A esta comunicação respondi também oralmente que aguardava a comunicação escrita desta posição.

   o) Em 09.11.2007 insisti junto dos recursos humanos para que esta resposta me fosse apresentada por escrito, esclarecendo se o entendimento da companhia em relação a minha proposta a esta comunicação se mantinha ou se poderia esperar outra proposta;

   p) Em 14.11.2007 fui informada em reunião com o Vice Presidente GG, que em resposta às minhas reclamações, a empresa mantinha o entendimento apresentado a 4 de Outubro, sendo que, pelas funções de Management que exerço na companhia, a minha situação laboral já implica exercício de funções em isenção de horário. A esta comunicação respondi também oralmente que aguardava a comunicação a comunicação escrita desta posição.          

   q) A 23.11.2007 a companhia respondia afirmando que era seu entendimento que não estavam reunidos os pressupostos necessários para a concessão do regime de isenção de horário de trabalho, tendo tal informação sido reiterada através da carta do Vice Presidente, GG, datada de 23.11.2007.

   r) Perante o teor desta comunicação da empresa, a qual não respondia a nenhuma das questões concretas por mim anteriormente suscitadas e era contraditória com a anterior actuação da empresa ao apresentar uma proposta de isenção de horário de trabalho, em 06.12.2007 reiterei junto da empresa o pedido de esclarecimento da minha situação laboral e a definição do enquadramento da prestação do meu trabalho para além do horário a que estou vinculada;

   s) Não obtive resposta. Em reunião mantida em 24.01.2008 na qual estiveram presentes vários responsáveis da empresa, designadamente o Vice Presidente GG, o Vice Presidente de HH, II, a responsável da JJ, FF, e o Country Manager de Portugal, DD, foi-me comunicado que o entendimento e decisão da empresa relativamente ao meu enquadramento laboral é no sentido de que nada há a modificar no regime de enquadramento da prestação do meu trabalho e que as condições remuneratórias de que disponho contemplam o pagamento de toda a actividade que desenvolvo para a empresa: face à posição assim manifestada pela empresa, solicitei que formalizassem em documento escrito esse entendimento;

   t) Em resposta a esta solicitação recebi, em 05.02.2008, a comunicação do VP HR, II, da qual resulta que:

   (…).”

   7- As funções que a ré atribuía diariamente à autora implicavam frequentemente que esta exercesse funções além do horário estabelecido entre as 08h30 e as 17h30, em dias normais de trabalho, fins-de-semana e/ou em dias feriados.

   8- A ré tinha conhecimento que a prestação de trabalho que exigia à autora implicava que esta trabalhasse além do horário de trabalho, incluindo fins de semana e feriados causando-lhe desgaste físico e psíquico, forte ansiedade e angústia.

   9- Pelo menos desde 2005 que a autora e outros trabalhadores insistiram junto dos responsáveis da ré pela adopção de medidas que conduzissem à redução do número de horas de trabalho prestado pela autora e outros colegas da área comercial.

   10- A ré para isso minimizar manifestou a intenção de adoptar medidas nomeadamente através da contratação de mais um trabalhador para a área comercial o que não veio a concretizar.

   11- Em Junho de 2007 a ré apresentou à autora uma proposta de acordo de isenção de horário de trabalho cuja minuta se encontra junta a fls. 387 e s. dos autos e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, nomeadamente o seguinte:

   “1. Ambas as partes acordam em submeter o segundo contraente a um regime de isenção de horário de trabalho, nos termos da qual fica convencionada a não sujeição do mesmo aos limites máximos dos períodos normais de trabalho diário e semanal, nos termos do art. 178º, n.º 1, al. a), do Código do Trabalho.

   2. O regime de isenção ora acordado tem por fundamento o exercício de cargo de direcção e de confiança, pelo que, é legalmente admitido nos termos do art. 177º, n.º 1, al. a), do Código do Trabalho.

   (…).

   3. A primeira contraente poderá, unilateralmente e a todo o tempo, alterar o regime de isenção de horário do segundo contraente, integrando-o num horário de trabalho, bem voltar a integrá-lo num regime de isenção de horário, mediante comunicação enviada com uma antecedência mínima de 15 (quinze) dias.

   (…).

   6. Em caso de integração num regime de horário de trabalho, o período normal será, em termos médios, de (…) horas semanais, ficando a definição do horário de trabalho a cargo da primeira contraente, nos termos e dentro dos limites legais.

   (…).”

   12- Em simultâneo a ré propôs à autora que assinasse um documento em que renunciasse ao pagamento do referido complemento continuando a auferir a mesma retribuição.

   13- A autora rejeitou a proposta referida no número anterior mantendo a ré a situação de prestação de trabalho pela autora para além dos limites máximos diários e semanais do horário de trabalho.

   14- Por e-mail de 30 de Junho de 2007, junto a fls. 386 dos autos a autora comunicou à ré, na pessoa de DD e EE que “como já tive oportunidade de te dizer oralmente hoje, eu não irei assinar esta proposta de isenção de horário em anexo que me foi apresentada no dia 22 de Junho.

   Como tenho vindo a referir, eu concordo em absoluto que a actual situação tem que ser alterada para garantir que os nossos contratos se enquadram na lei do trabalho portuguesa de acordo com a nossa prática diária. Contudo, esta proposta específica, tanto de acordo com o meu ponto de vista, como com opiniões que tive oportunidade de ter da minha advogada e da Direcção Geral de Trabalho, não deve ser aceite por mim. Isto pelo facto de tanto esta minuta bem como a proposta de abdicação da remuneração inerente à respectiva isenção de horário lesaram os meus interesses e direitos como trabalhadora.

   (…).

   Tendo isto como objectivo e reconhecendo que é urgente resolver esta situação, peço-te por favor a companhia tenha em conta este meu pedido e reavalie a proposta dentro das próximas 2 semanas que estou de férias, para quando eu regressar no próximo dia 16 de Julho possa a reavaliar a situação face a uma nova proposta que possa satisfazer as duas partes.”

   15- Por e-mail de 20.07.2007 junto a fls. 390 dos autos a autora sob o assunto “proposta de isenção de horário” comunicou à ré, “Gostaria de saber se existe alguma informação adicional em relação a este tema.

   Uma vez que até dia 16 não tivemos resposta e finda esta semana continuamos a não ter, sabem-me dizer se a empresa continua a pensar responder e apresentar uma nova proposta ou não e, se existe uma estimativa de quando poderemos esperar essa nova proposta, caso esta venha a ser feita?

   Gostaria só de reiterar que a minha disponibilidade para resolver este assunto a discutir uma solução que vá de encontro as necessidades das duas partes, continua a ser total.”

   16- Por escrito datado de 07 de Setembro de 2007, junto a fls. 396 dos autos, a ré na pessoa da sua responsável pelos recursos humanos respondeu à autora dizendo “Recebemos a sua resposta às anteriores propostas de aditamento ao contrato de trabalho a qual desde já agradecemos.

   A BB também está interessada em estabelecer procedimentos que se enquadrem nas melhores práticas em matéria laboral e está certa de para isso poder contar consigo.

   (…).

   Com a maior brevidade que nos for possível retomaremos este tema, mas não deixamos de reiterar a total disposição do departamento de recursos humanos para solucionar qualquer assunto da sua conveniência.”

   17- Por e-mail de 13.09.2007 junto a fls. 397 dos autos a autora respondeu à comunicação referida no número anterior.

   18- Por e-mail de 09.11.2007, junto a fls. 399 a autora insistiu junto dos recursos humanos para que a resposta do que lhe tinha referido DD fosse apresentada por escrito, esclarecendo se o entendimento da companhia em relação à sua resposta se mantinha ou se poderia esperar outra proposta.

   19- Por escrito de 23 de Novembro de 2007, junto a fls. 402 dos autos, a ré comunicou à autora que “Fazemos referência às últimas comunicações trocadas com V. Exa. as quais muito prezamos e que, como sempre, têm merecido a nossa melhor atenção.

   Registamos a sua insatisfação relativamente ao resultado das análises efectuadas pela companhia à sua situação laboral. No entanto, não podemos deixar de salientar que neste momento não estão reunidos os pressupostos necessários à concessão do regime de isenção de horário de trabalho.

   É nossa convicção que a BB tem sabido reconhecer os seus esforços e dedicação à empresa e aos seus clientes e devemos desde já sublinhar que esse reconhecimento continuará a existir.

   Lamentamos o que parece ser um descontentamento da sua parte em não ter recebido comunicações similares às entregues aos trabalhadores. Tal deveu-se, no entanto, precisamente ao facto de a BB ter considerado mais apropriado, atenta a sua posição na empresa, comunicar-lhe os termos das suas resoluções através do Director da empresa em Portugal.

   Contudo, não deixamos de aproveitar a presente para também lhe comunicar que a partir de 1 de Janeiro de 2008 será introduzido um sistema de relógio de ponto para registar a assiduidade e as horas de trabalho dos trabalhadores. Este sistema irá permitir o completo controlo e exacta recolha dos dados relativos às horas de trabalho.

   (…).”

   20- A ré enviou à autora a comunicação de 05 de Fevereiro de 2008 junta a fls. 411 e s. e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.

   21- A ré nunca reconheceu a prestação de trabalho para além do horário, o correspondente direito à remuneração, o direito ao gozo de descanso compensatório ou à sua substituição por remuneração.

   22- Em 05 de Fevereiro de 2009, deu entrada na secretaria geral deste Tribunal de Trabalho de Lisboa o requerimento para a notificação judicial avulsa da ré, junto a fls. 46 a 48 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.

   23- A notificação judicial avulsa da ré referida no número anterior foi concretizada no dia 10 de Fevereiro de 2009 conforme cópia de certidão junta a fls. 45 destes autos e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.

   24- A ré não proporcionou à autora qualquer período anual de formação certificada.

   25- Em 31.05.2007 a autora auferia a quantia de € 3.568,95 a título de vencimento.

   26- Em 29 de Fevereiro de 2008 a ré pagou à autora as seguintes quantias:

   - € 1.546,46 a título de vencimento;

   - € 36,30 a título de subsídio de almoço;

   - € 3.568,95 a título de férias;

   - € 3.568,95 a título de subsídio de férias (22 dias);

   - € 430,19 a título de subsídio de natal;

   - € 430,19 a título de proporcionais subsidio de férias;

   - € 430,19 a título de proporcionais de férias;

   - € 1.034,29 a título de prémio Fevereiro;

   - € 8.076,76 a título de acerto prémio.

   27- Em Setembro de 2007, à data Director da ré EE fez cessar a sua colaboração com a empresa ré e foi ocupar a posição de Director de Vendas Ibérico da empresa KK, Lda.

   28- Em Fevereiro de 2008 a autora e LL fizeram cessar os contratos de trabalho com a ré e passaram a trabalhar para a empresa KK, Lda.

   29- Até Abril de 2008 os restantes elementos da equipa de vendas – MM, NN e OO – fizeram igualmente cessar os contrato de trabalho com a empresa ré e passaram a trabalhar para a empresa KK, Lda.

   30- Os trabalhadores identificados nos números anteriores representavam metade do quadro de pessoal da ré.

   31- A ré convencionou com os trabalhadores prémios mensais e anuais, os quais, estavam dependentes do seu desempenho e cumprimento de objectivos fixados pela ré.

   32- Os objectivos delineados pelo Grupo para Portugal a partir de 2005 passaram a ser mais competitivos e, consequentemente, os prémios pagos pelo desempenho dos trabalhadores, em regra, diminuíram.

33 – A autora, com o conhecimento da ré e em seu benefício, prestou trabalho nos meses, dias e horas constantes no art. 43º da p.i. em função do mapa de fols. 17, 18 e 19, entre Janeiro e Dezembro de 2004 (facto aditado pela Relação);

34 - A autora, com o conhecimento da ré e em seu benefício, prestou trabalho nos meses, dias e horas constantes no art. 46º da p.i. em função do mapa de fols. 20, 21, 22 e 23, entre Janeiro e Dezembro de 2005 (facto aditado pela Relação);

35 - A autora, com o conhecimento da ré e em seu benefício, prestou trabalho nos meses, dias e horas constantes no art. 49º da p.i. em função do mapa de fols. 24, 25 e 26, entre Janeiro e Setembro de 2006 (facto aditado pela Relação).

O DIREITO

Vejamos então de per si as referidas questões que constituem o objecto do recurso, não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas as questões suscitadas ([3]), bem como, nos termos dos arts. 608º, n.º 2, 663º n.º 2 e 679º do Código de Processo Civil, não tem que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

1 – Se os juros de mora sobre a indemnização por resolução do contrato de trabalho com justa causa apenas são devidos desde o trânsito em julgado da sentença.

A 1ª instância condenou a Ré, para além do mais, «a pagar à autora a quantia de uma indemnização no valor de € 27.909,68 (vinte e sete mil, novecentos e nove euros e sessenta e oito cêntimos) a título de indemnização pela resolução do contrato com justa causa, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data do trânsito da presente decisão.»

Alterando tal decisão no tocante à data a partir da qual os juros de mora se vencem, deliberou a Relação: «Condena-se a ré BB, SA – Sucursal em Portugal a pagar à autora a quantia de uma indemnização no valor de € 27.909,68 (vinte e sete mil, novecentos e nove euros e sessenta e oito cêntimos) a título de indemnização pela resolução do contrato com justa causa, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da citação, até efectivo e integral pagamento».

Para assim decidir referiu: “seja qual for o desfecho dos possíveis recursos sobre a decisão em causa, a resolução contratual efectuada pela autora não tem reversão possível pelo que a antiguidade da autora, para efeitos de cálculo indemnizatório ficou definida. Não há, assim razão para que os juros moratórios só sejam contados a partir do trânsito em julgado da decisão».

E, efetivamente, assim poderia ser se fosse a antiguidade a única variável a ter em conta no valor da indemnização.

Mas não é.

Estabelece o art. 443º, nº 1 do CT que “a resolução do contrato com fundamento nos factos previstos no nº 2 do artigo 441º confere ao trabalhador o direito a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, devendo esta corresponder a uma indemnização a fixar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade.”

Temos assim que, tendo em conta a antiguidade do trabalhador, a indemnização é fixada «entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade».

Por conseguinte, só com a decisão judicial que a fixe, tendo em conta aquelas variáveis, é que a indemnização se torna líquida.

Nos termos das disposições conjugadas dos arts. 804º, nº 1 e 806º do CC, a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor, correspondendo nas obrigações pecuniárias, como é o caso, a indemnização aos juros a contar do dia da constituição em mora.

Dispõe o art. 805º, nº 3 do mesmo diploma que, se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto não se tornar líquido.

«A regra in illiquidis non fit mora,… é correntemente justificada pelo facto de o devedor não poder cumprir, enquanto se não apura o objecto da prestação. É necessário, em primeiro lugar, que o obrigado saiba quanto deve» ([4]).

Como vimos, o crédito pela indemnização por resolução do contrato de trabalho com justa causa apenas se torna líquido com o trânsito em julgado da sentença que a fixa. Daí que os juros de mora respetivos apenas são devidos a partir do trânsito em julgado da sentença e não a partir da citação, pois só então o obrigado sabe quanto deve.

Sobre esta problemática se pronunciou já esta secção, nos seus acórdãos de 21.10.2009, recurso nº 1996/05.1TTLSB.S1 (relator Vasques Dinis ([5]), de 11.07.2012, recurso nº 7/07.7TBRG.P2.S1 (relator Sampaio Gomes) ([6]), de 24.02.2011, recurso nº 2867/04.4TTLSB.S1 (relator Fernandes da Silva) ([7]) e de 21.05.2014, recurso nº 671/11.2TTBCL.P1.S1 (relator Leones Dantas) ([8]).

A revista é pois, concedida, nesta parte.

2 – Se a não apresentação pela ré dos documentos relativos ao trabalho suplementar cujo pagamento a autora peticiona, referente apenas aos anos de 2004 a Outubro de 2006, importa a inversão do ónus da prova.

A primeira questão que se coloca é a de saber se este tribunal de revista pode ou não conhecer desta questão já que a mesma é inerente à decisão sobre a matéria de facto.

Determina o art. 674º, nº 3 do CPC: “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

 Entendeu a Relação julgar provado o trabalho suplementar prestado pela autora nos anos de 2004 a Outubro de 2006.

E fê-lo com a seguinte fundamentação:

«Porém, convoca ainda a apelante a questão da inversão do ónus da prova para que se devesse dar como provados os mesmos factos.

Diz, em suma que para prova de tais factos constantes dos arts. 43º, 46º e 49º da p.i., requereu que a ré fosse notificada para juntar o registo de trabalho suplementar efectuado pela autora ao serviço da ré, referente aos anos de 2004 a 2008, inclusive, organizado em conformidade com o disposto no art. 204º do CT; registo de horas de trabalho prestadas pela A. nos anos de 2004 a 2008, inclusive, organizado em conformidade com o disposto no artº 162º do Código do Trabalho; e documentos de suporte da contabilidade da R. respeitantes ao trabalho referido nos quadros de trabalho suplementar constantes do presente articulado, respeitantes aos anos de 2004 a 2008, designadamente as notas mensais de despesas apresentadas pela A. à R. e respectivos documentos justificativos de despesa, a facturação emitida aos clientes e respectiva nota de encomenda nas situações de assistência a cirurgias, as guias de remessa referentes a fornecimento de material cirúrgico.

Efectivamente este pedido de junção de documentos foi formulado na petição inicial (fols. 36 dos autos), foi deferido por despacho de26/9/2011 (fols. 193) e notificado à ré a 10/10/2011 (fols. 196 e 197).

A ré não efectuou a junção que lhe foi determinada nem deu qualquer justificação para a sua omissão.

A regra geral sobre o ónus da prova está estabelecida no art. 342º do CC, cabendo ao autor a prova dos factos constitutivos do direito alegado (nº1). Mas esta "repartição normal do ónus da prova entre as partes sofre os desvios que resultam da aplicação do disposto no artºs 344/45 do Cód. Civil" .

Ora em caso de inversão nos termos do art. 344º-2 do CC, a consequência não pode deixar de ser o reconhecimento da factualidade alegada pelo autor na parte em que a ré tornou culposamente impossível a prova respectiva, neste caso, a relativa ao horário de trabalho invocado. A este propósito, ensina o Prof. Vaz Serra , que "poderá concluir-‑se que, se a utilização de um meio de prova for tornada impossível pela parte contrária, se consideram exactos…os factos a que tal meio de prova respeitava…". E, acrescenta, que "…não seria justo e razoável que a parte, impossibilitada pela conduta culposa da outra ou dos auxiliares desta de se valer de certo meio de prova, tivesse de arcar com as consequências da falta de prova, isto é, que tivesse de ver julgada a causa contra si. Isso seria injusto e não deve, portanto aceitar-se. É mais razoável que o prejuízo da não-utilizabilidade de certo meio de prova recaia sobre quem culposamente a causou do que sobre o onerado".

 Ora, como há inversão do ónus da prova quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova da parte onerada, sem prejuízo das demais sanções previstas na lei processual (arts. 344º-2 do CC e 517°- 2, e 430° do CPC/2013), atenta a obrigação legal que impendia sobre a ré de ter e manter os documentos legais, o seu dolo é evidente e intenso, na medida em que não efectuou a junção que lhe foi determinada nem deu, oportunamente, qualquer justificação para a não junção.

No sentido de existir inversão do ónus da prova num caso de não junção de documentação em poder da entidade patronal para prova de trabalho suplementar alegado pelo autor, veja-se o Ac. desta Relação de Lisboa de 16/1/02, Apelação nº 11.325/01-4, com sumário disponível em www.dgsi.pt/jtrl.

Na decisão recorrida, na parte em que se fundamenta a resposta à matéria de facto, escreveu-se, relativamente ao trabalho suplementar prestado entre Outubro de 2006 a Fevereiro de 2008, que se considerou provado, o seguinte: "No que concerne ao facto enunciado sob o n.º 2.1.4. impõe-se referir previamente que à data dos factos impendia sobre o empregador a obrigatoriedade deste manter um registo que permitisse apurar o número de horas trabalhadas com indicação do início e termo do trabalho (art. 162º CT/2003).

Por seu turno o art. 204º n.º 5 CT impõe ao empregador a obrigação de possuir e manter durante cinco anos a relação nominal dos trabalhadores que efectuaram trabalho suplementar, com discriminação do número de horas prestadas e indicação do dia em que gozaram o respectivo descanso compensatório, para fiscalização da IGT, relação esta que lhe deve ser enviada.

Ora decorre dos autos que por despacho de 26.09.2011 foi determinado à ré que juntasse os documentos indicados no requerimento probatório da autora (“a ré deverá em 10 dias, juntar aos autos os documentos mencionados no requerimento probatório da autora), despacho este notificado à ré em 10.10.2011 (cf. fls. 193, 196 e 197).

A ré nunca respondeu a esta notificação não procedendo assim à junção dos referidos documentos.

A ré estava obrigada a possuir e manter os referidos registos durante cinco anos, sendo que apesar de notificada para os juntar nada veio dizer. Com esta conduta obstou culposamente a que a autora pudesse fazer prova da prestação de trabalho além do horário, cujo ónus sobre si impendia (art. 342º, n.º 1 CC).

Com efeito pese embora os documentos juntos assim como os depoimentos das testemunhas não se mostram aptos a fazer prova do alegado uma vez que os primeiros não se encontram validados pela ré e as testemunhas ainda que confirmando que a autora prestava trabalho para além dos limites máximos, fins-de-semana e feriados, natural e humanamente a esta distância temporal não conseguem concretizar dias e horas.

A ré, ao não cumprir a obrigação que sobre si impendia quer de registar como guardar os referidos elementos pelo prazo de cinco anos, incorre num comportamento culposo.

Considerando que a ré foi notificada para juntar os referidos elementos em 10 de Outubro de 2011, data em que tomou conhecimento que os deveria conservar, a partir de Outubro de 2006 inverteu-se o ónus de prova, devendo dar-se por isso provada a matéria de facto alegada.”

As considerações expendidas mostram-se por isso acertadas, mas deveriam ter sido estendidas ao trabalho suplementar invocado pela autora, anterior a Outubro de 2006.

Note-se, no entanto, que a ré não incorreu num comportamento culposo por “não cumprir a obrigação que sobre si impendia quer de registar como guardar os referidos elementos pelo prazo de cinco anos”, pois isso não se sabe, por não ter ficado demonstrado. Incorreu em comportamento culposo ao não apresentar os documentos como lhe fora determinado ou ao não justificar porque os não apresentou.

E aqui não há restrição dos 5 anos do art. 204º n.º 5 CT/2003, na medida em que, pese embora tal limitação temporal, nada impede que entidade empregadora mantenha os registos por mais tempo. Se não mantiver terá de o dizer ao tribunal e como a aqui ré nada disse, a inversão do ónus da prova estende-se a todos os documentos solicitados.»

A questão não se coloca em saber se está ou não provada a prestação do trabalho suplementar referente ao período de 2004 a Outubro de 2006.

Essa é tarefa da exclusiva competência das instâncias.

O que está em causa, de acordo com as alegações produzidas na revista, é saber se a Relação aplicou corretamente o disposto nos arts. 342º, nº 1, 344º, nº 2 do CC, 204º, do CT/2003 e 337, nº 2 do CT/2009, tarefa que cabe no âmbito dos poderes deste Supremo Tribunal.

Nos termos do art. 342º nº 2 do CC “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”.

Tendo a autora invocado a prestação do trabalho suplementar sobre si impendia o ónus de a provar.

Estipula, porém, o art. 344º nº 2 do CC, que há inversão do ónus da prova “quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado…”.

De acordo com o disposto no art. 204º do CT/2003 ([9]) “1 — O empregador deve possuir um registo de trabalho suplementar onde, antes do início da prestação e logo após o seu termo, são anotadas as horas de início e termo do trabalho suplementar”, registo esse que, nos termos do nº 5, deve possuir e manter durante cinco anos.

Estes cinco anos são, a nosso ver, dinâmicos ([10]) e interrompem-se definitivamente com a cessação da relação laboral.

 Daqui resulta que a ré não era obrigada a possuir e manter o registo do trabalho efetuado pela autora em período anterior aos últimos 5 anos por reporte à data em que cessou o contrato de trabalho, ou seja, anterior a 13.02.2003, dado que o contrato cessou em 13.02.2008 (facto provado sob o nº 6).

Mas será que a obrigatoriedade de manutenção dos registos referente aos últimos 5 anos de vigência do contrato, se mantém indefinidamente após a cessação do contrato?

É claro que não.

Como referido, os 5 anos são dinâmicos e, por isso, vão-se exaurindo gradualmente, de forma a que, decorridos 5 anos sobre o “terminus” do contrato cesse definitivamente a obrigação de manutenção de quaisquer dos referidos registos.

Sucede, porém, que embora a junção dos documentos respetivos tenha sido requerida na petição (fls. 36), a mesma apenas foi deferida por despacho datado de 26.09.2011, notificado à ré em 10.10.2011 (fls. 196 e 197).

Por consequência, não sendo já obrigada a manter o registo referente aos anos anteriores a 10.10.2006 (os 5 anos anteriores à data da notificação), a não apresentação dos documentos em causa, como fora determinado, nunca poderia conduzir à inversão do ónus da prova.

A decisão da Relação assentou no entendimento de que a ré «não incorreu em comportamento culposo por “não cumprir a obrigação que sobre si impendia quer de registar como guardar os referidos elementos pelo prazo de cinco anos”, pois isso não se sabe, por não ter ficado demonstrado. Incorreu em comportamento culposo ao não apresentar os documentos como lhe fora determinado ou ao não justificar porque os não apresentou.»

A Relação lançou, pois, mão do disposto nos arts. 430º e 417º do CPC, isto é, apreciou livremente o valor da recusa para efeitos probatórios e considerou dever, nesta construção e livre apreciação, fazer operar a inversão do ónus da prova.

Postulam aqueles preceitos:

Art. 430º do CPC: “Se o notificado não apresentar o documento, é-lhe aplicável o disposto no nº 2 do art. 417º”.

Art. 417º, nº 2 do CPC: “Aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no nº 2 do artigo 344º do Código Civil”.

Art. 344º, nº 2 do CC: “Há também inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei do processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações”.

Estas disposições não permitem que o tribunal sancione com a inversão do ónus da prova, no uso dos poderes de livre apreciação da prova, a recusa ou falta de justificação de apresentação de documentos.

O transcrito art. 417º, nº 2 sanciona com multa a falta de colaboração de quem quer que seja, incluindo as partes. Porém, sendo destas a falta, para além da apreciação livre dessa recusa para efeitos probatórios, remete o preceito para o art. 344º, nº 2, referindo sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no nº 2 do artigo 344º do Código Civil.

Ou seja, para que a parte possa ser sancionada com a inversão do ónus da prova, é necessário que se verifiquem os pressupostos estabelecidos no art. 344º/2 do CC.

Ora, nos termos desta norma, a inversão do ónus da prova apenas ocorre, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado.

Não basta pois que a parte recuse ou não justifique a falta de colaboração. É ainda necessário que essa falta de colaboração tenha tornado impossível a prova do facto ao onerado com essa prova, no caso, à autora, e que esse comportamento tenha sido culposo.

Mas, como atrás dissemos e aqui se repete, a ré, aquando da notificação para juntar os documentos, não estava já obrigada a manter o registo referente aos anos anteriores a 10.10.2006 (os 5 anos anteriores à data da notificação). Por conseguinte, a não apresentação dos documentos em causa, como fora determinado, nunca poderia conduzir à inversão do ónus da prova.

Donde concluímos que cabendo à autora fazer a prova da prestação do trabalho suplementar e apenas podendo essa prova ser feita por documento que a ré não era obrigada a possuir, não poderia a Relação julgar provada a prestação do trabalho suplementar em causa, operando a inversão do ónus da prova.

Termos em que, também nesta parte, a revista é concedida.

DECISÃO

Pelo exposto decide-se:

1 – Conceder a revista e revogar o acórdão recorrido na parte em que deliberou aditar à matéria de facto os itens 33 a 35 e “alterar a sentença recorrida nos pontos 3.1.2 e 3.1.3 do decisório” repristinando-se, em consequência, a sentença da primeira instância.

3 – Condenar a recorrida nas custas da apelação e da revista.


Lisboa, 21.04.2016

Ribeiro Cardoso (Relator)

Pinto Hespanhol

Gonçalves Rocha


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[1] Acórdão redigido segundo a nova ortografia com exceção das transcrições (em itálico) em que se manteve a original.
[2] Cfr. 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de  23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, o ac RE de 7/3/85, in BMJ, 347º/477, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.    
[3] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO Código de Processo CivIL, Vol. III, pág. 247, ex vi dos arts. 663º, n.º 2 e 608º, n. 2 do CPC.
[4] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 2ª edição, pág. 57.
[5] “O valor da indemnização devida pela resolução do contrato de trabalho só se torna líquido com o trânsito em julgado da decisão do tribunal, pelo que os respectivos juros de mora só devem ser contados desde então”.

[6] “A indemnização pela resolução do contrato de trabalho com justa causa só vence juros de mora a partir da data do trânsito da decisão porquanto corresponde a um montante judicialmente fixado, entre o limite mínimo e máximo previsto no artigo 443º, nº 1 do Código do Trabalho, e que só nessa altura se torna líquida”.
[7] “Os juros de mora relativos a indemnização judicialmente fixada só são devidos desde o trânsito em julgado da respectiva decisão”.
[8] “O montante da indemnização prevista no artigo 396.º do Código do Trabalho de 2009 só se torna líquido com o trânsito em julgado da decisão do tribunal, pelo que os respectivos juros moratórios só devem ser contados desde então”.
[9] Vigente à data da alegada prestação do trabalho suplementar e, por isso, aqui aplicável (art. 7º, nº1 da Lei 7/2009 de 12/02).
[10] No sentido de que se vão renovando e sucedendo enquanto durar o contrato de trabalho.