Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
868/16.9PRPRT.P1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: RECURSO PENAL
NULIDADE
PROIBIÇÃO DE PROVA
PROVA POR RECONHECIMENTO
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
ROUBO
CONSUMAÇÃO
ARMA
AMEAÇA
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CONCURSO DE INFRAÇÕES
MEDIDA DA PENA
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
Data do Acordão: 11/06/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – JULGAMENTO / AUDIÊNCIA / PRODUÇÃO DA PROVA.
DIREITO PENAL – CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL / CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO / CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE.
Doutrina:
- Figueiredo Dias in Direito Penal Português -As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 278, p. 211;
- Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, 1996, 2.º vol., p. 443;
- Maia Gonçalves, Código Penal Português anotado e comentado- Legislação complementar, 18ª edição, 2007, p. 762 e 763;
- Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2ª edição, Universidade Católica Portuguesa, p. 640.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 327.º, N.º 2 E 355.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 153.º, N.º 1, ALÍNEA A), 204.º, N.º 2, ALÍNEA F) E 210.º, N.ºS 1 E 2, ALÍNEA B).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 13-12-2007, PROCESSOS N.º 07P3210;
- DE 27-10-2010, PROCESSO N.º 1546/09.0PCSNT.L1.S1, AMBOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I -      Na audiência houve lugar a identificação do arguido pela ofendida, meio de prova submetido ao princípio do contraditório (art. 327.º, n.º 2, do CPP). Logo, trata-se de uma prova não proibida, a valorar de harmonia com o referido princípio da livre convicção (cf. art. 355.º, do CPP). Em suma, o Tribunal não estava inibido de valorar a identificação feita em audiência de julgamento como simples prova testemunhal, de acordo com o princípio da livre valoração da prova.

II -     O reconhecimento em audiência corresponde ao relato de uma testemunha e não tem valor processual autónomo do depoimento prestado, sem que tal consideração prejudique os direitos do arguido, na medida em que, na audiência de julgamento, vigora em toda a sua plenitude o princípio do contraditório. Assim, é, linear que a situação em que a testemunha, ou a vítima, é solicitada a confirmar o arguido presente como agente da infracção não se configura um acto processual, consubstanciando o reconhecimento pessoal. Pelo contrário, tal confirmação da identidade de alguém que se encontra presente e perfeitamente determinado, apenas poderá ser encarado como integrante do respectivo depoimento testemunhal, inexistindo qualquer nulidade.

III -    Consistindo a subtracção na aquisição de um poder de facto de disposição sobre a coisa alheia, com a concomitante cessação (ou ablação) desse poder de facto pelo seu legítimo possuidor ou detentor, da matéria de facto alcança -se que o arguido deteve esse poder sobre o ‘Iphone’ e sobre as chaves (tanto que utilizou a do ‘Mercedes’ para entrar no mesmo e tentar pô-lo em marcha). Com efeito, é aceite a nível doutrinal e jurisprudencial que essa posse não tem de durar por um período prolongado, ou de ser totalmente pacífica, bastando o pleno domínio da coisa, pelo tempo suficiente a dar-lhe outro destino que não o querido pelo seu proprietário ou detentor.

IV -    Há concurso real (ou efectivo) quando se comete mais do que um crime, quer através da mesma conduta, quer através de condutas diferentes. No caso, o arguido para executar o roubo, não lhe era imprescindível apontar o cano da arma à cabeça da filha da vítima, dizendo-lhe que lhe dava um tiro se aquela não desse a carteira. O arguido apontou directamente, primeiro à ofendida A, e depois à ofendida e menor B, sua filha, uma arma que transportava consigo, o que significa que, relativamente a cada uma delas, praticou um acto de violência. Assim, com a sua conduta violou bens eminentemente pessoais (vida, integridade física, segurança e tranquilidade) não só de A, mas também da sua filha B, que não era proprietária dos objectos e que nem sequer os tinha na sua posse, merecendo por isso tutela jurídica autónoma.

V -    A condenação do arguido nas penas de 4 anos e 6 meses de prisão pela prática de 1 crime de roubo p. e p. pelo art. 210.º, nºs. 1 e 2, al. b), com referência ao art. 204.º, n.º 2, al) f) do CP e de 1 ano e 6 meses de prisão pela prática de 1 crime de ameaça p. e p. pelos arts. 153.º, n.º 1, al. a), do CP, perfazendo a pena única de 5 anos e 6 meses de prisão mostram-se adequadas, justas e proporcionais face às exigências de prevenção geral e especial do caso atento os antecedentes criminais do arguido, o fraco investimento na inversão da sua trajectória de vida, a dinâmica familiar de suporte frágil e pouco consistente, a dependência de opiáceos de que padece e que se encontra em tratamento.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
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Nos autos de processo comum com o nº. 868/16.9PRPRT.P1 do Tribunal Judicial da Comarca do Porto - JC Criminal - Juiz 14, foi submetido a julgamento em tribunal colectivo o arguido AA, com os demais sinais dos autos, tendo sido proferida a seguinte decisão:
"Pelo exposto acordam os juízes que constituem o Tribunal Colectivo julgar a acusação parcialmente procedente e consequentemente:
a) condenar o arguido, AA pela prática de um crime de roubo na forma tentada , previsto e punido , pelo art. 210°, n°1, 2 al. f) do CP na pena de dois anos de prisão efectiva, absolvendo-o do demais.
b) Condenar o arguido no pagamento de 4 Ucs de taxa de justiça."
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Inconformado recorreram o arguido e o Ministério Público para o Tribunal da Relação do Porto, tendo este proferido em 8 de Maio de 2019, acordado em:
“- Julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido/condenado AA.

- Julgar procedente o recurso do M°P.º, alterando-se o dispositivo do Acórdão recorrido, pela seguinte forma:

Condenar o AA pela prática, em autoria material e concurso real:

- de um crime de roubo, na forma consumada, previsto e punido pelo art. 210o, n°1 e 2,al. b), com referência o art°204, n°2 al. f) (uso de arma), do C.P. na pena de 4 anos e 6 meses de prisão;

- de um crime de crime de ameaças, p. e p. pelo art.°153 n°1 e 155, n°1, al. a, do C.P., na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.

- na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.

Custas da improcedência do respectivo recurso pelo recorrente AA, fixando-se a Taxa de Justiça em 3 UC's.


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Inconformado, recorreu o arguido para este Supremo Tribunal, apresentando na motivçação do recurso, as seguintes conclusões:


I. Vem o presente recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação do Porto que decidiu «Condenar o AA pela prática, em autoria material e concurso real: de um crime de roubo, na forma consumada, previsto e punido pelo art. 210°, n°1 e 2,al. b), com referência o art°204, n°2 al. f) (uso de arma), do C.P. na pena de 4 anos e 6 meses de prisão; de um crime de crime de ameaças, p. e p. pelo art.°153 n°1 e 155, n°1, al. a, do C.P., na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; - a pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.»

II. Não se conforma o recorrente com a sobredita decisão, pelo que apresenta o presente recurso, que tem por objeto o reexame da matéria de direito, centrando na questão da nulidade do visionamento pela assistente da camaras de videovigilância e posterior reconhecimento, por proibição de prova, bem como, subsidiariamente, na discordância da qualificação jurídico penal dos crimes de que o recorrente foi condenado e por referência aos factos considerados como provados.

III. Isto posto, resulta dos autos (cfr. Aditamento n.º 1 ao auto de notícia, exarado pela PSP - Divisão de Investigação Criminal do Porto) e, bem assim, da prova produzida em audiência de julgamento, que a assistente BB, imediatamente após os factos-crime, foi confrontada com as imagens de videovigilância do Centro Comercial denominado "… …”, sito na cidade do …, local onde o agente criminoso se terá dirigido após os acontecimentos perfetibilizados na acusação pública.

IV. Na esteira do sentenciado em primeira instância, entendeu o Tribunal da Relação do Porto pela inexistência de qualquer vício.

V. Todavia, no modesto entender do recorrente, o modo como ocorreu o visionamento e, posterior, reconhecimento, constitui um ato desprovido de qualquer rigor, o que terá repercussões na respetiva fidedignidade, não se acautelando o risco reconhecimento ou identificação arbitrária ou automática.

VI. Concretizando, o reconhecimento de pessoas é um meio de prova legal e típico e, como tal, encontra-se regulado e disciplinado no artigo 147.º do CPP. Assim quando o reconhecimento se realize com base em filme ou gravação, havendo identificação ou reconhecimento positivo, o mesmo deve ser renovado através de reconhecimento presencial (pressuposto a que aparentemente se deu cumprimento). Contudo, também dimana do referido artigo, como pressuposto prévio ao reconhecimento efetuado, quer nos termos do n.º 5, quer nos termos do n.º 2, que o sujeito reconhecedor ofereça, em antecipação e ainda que sumariamente, uma descrição do agente, exigência a que alude o n.º 1 do art.º 147 do CPP.

VII. No caso que agora se nos apresenta, verifica-se uma clara inversão dos procedimentos, primeiro, a assistente BB é confrontada com as imagens de videovigilância e, posteriormente, narra a descrição do agente criminoso, que acaba por integrar o próprio auto de notícia e todos os atos que lhe seguiram,

VIII. A imposição legal de descrição prévia, como ato que antecede o reconhecimento, não pode ter-se como um procedimento ou ato meramente formal, porquanto é um elemento que permite sindicar a autenticidade do reconhecimento, seja o reconhecimento presencial, seja o reconhecimento por fotografia, filme ou gravação.

IX. Considerando as circunstâncias de modo, tempo e lugar que ladearam a visualização das imagens de videovigilância pela assistente BB, é forçoso concluir pela preterição de elementares exigências de segurança e certeza jurídica para o ato de reconhecimento, dando azo para a possibilidade de uma identificação automática, irrefletida, instintiva ou precipitada,

X. risco exacerbado pelo estado emocional e psicológico da assistente à data da visionamento mas, também, pela circunstância de se tratarem de imagens de videovigilância de uma entrada de um centro comercial em pleno centro da cidade do …, com enorme afluência de público.

XI. servindo tais imagens de videovigilância como uma espécie de mostruário para a seleção do agente criminoso, cujos concretos critérios identificativos são impossíveis de perseguir, o que encurta fatalmente e irremediavelmente as garantias de defesa do recorrente.

XII. E foi congénito a este ato ou procedimento inicial que a assistente BB descreve depois o suspeito, elaborando-se de seguida o respetivo auto de notícia, seguido, depois, das declarações prestadas em sede inquérito, da identificação por reconhecimento presencial, por fim, das declarações em audiência de julgamento.
XIII. Numa outra perspetiva, não é despicienda a consideração que a visualização das imagens de videovigilância nos descritos moldes, atenta, de forma imensuravelmente desproporcionada, sobre o direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada do recorrente (art.º 26.º, n.º 1, da CRP) e, por isso, é fulminada de nulidade (art.º 32.º, n.º 8, da CRP).

XIV. Indagando sobre as consequências do apontado vício, há a considerar que o regime legal do reconhecimento é especialmente sensível, porquanto, tendo a prova como objectivo reconhecer o autor dos ilícitos, uma identificação positiva será determinante na condução de todo o processo, desde a investigação ao julgamento, tratando-se de um meio de prova com influência decisiva na culpabilidade da pessoa identificada.

XV. De modo que a violação da disciplina procedimental dará lugar a uma proibição de prova, o que na prática se reconduz a impedir que a mesma sirva de fundamento a uma decisão prejudicial ao arguido.

XVI. No quadro específico da ilegalidade ínsita ao ato de reconhecimento (de pessoas), dispõe o n.º 7 do artigo 147º CPP que «O reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorre».

XVII. Sendo a nulidade do n.º 7 do artigo 147º CPP e, ainda, dos art. 32º/8 da CRP e 126º do CPP uma nulidade independente dos regimes dos art. 118º e seguintes, inegável é, porém, a proximidade das duas realidades: o regime das proibições de prova será, na prática, semelhante ao das nulidades insanáveis do art. 119º, porque insuscetíveis de validação e conhecidas e declaradas oficiosamente pelo tribunal.

XVIII. Concluindo, o reconhecimento realizado com violação dos requisitos formais ou substanciais legalmente impostos pelo art. 147º CPP, com a sublinhada violação do requisito da descrição prévia, afeta direitos fundamentais do arguido, sendo qualificada como prova proibida, e com tal, nula.

XIX. Por outro lado, a utilização de prova proibida acabará igualmente por abarcar os efeitos da nulidade previstos no n.º 1 do art. 122º.

XX. Reconhecer o vício inerente à violação do disposto no n.º 5 do art. 147º e admitir os reconhecimentos conexos, designadamente o reconhecimento presencial e, até mesmo, em sede de audiência, muito reduzido emprego teria.

XXI. Aliás, a prova por reconhecimento ilegal, em qualquer uma das suas modalidades, é irrepetível, uma vez que os reconhecimentos sucedâneos já não beneficiam das necessárias condições de genuinidade.

XXII. Chamado à colação o supra exposto, inquinado ficou todo o contributo probatório assente na participação da assistente BB e no que tange à identificação do autor dos ilícitos, na medida em que os atos de reconhecimento, quer em fase de inquérito, quer em audiência de julgamento, assumem-se como uma catadupa de procedimentos que tem por génese um ato inicial nulo.

XXIII. E a questão assume aqui particular acuidade, pois que a única pessoa capaz de identificar o arguido como o agente do crime (durante a audiência de julgamento) foi precisamente a assistente BB, uma vez que a inquirição da sua filha menor, CC, decorreu com o afastamento do arguido da sala de audiências.

XXIV. Nulidade que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais.

XXV. Nula é também a decisão fundada em provas nulas, devendo a decisão sobre o acervo fatual previsto na acusação pública repetir-se, agora, sem a ponderação de toda a prova tida como proibida.

XXVI. Ao decidir desta forma e relativamente ao segmento agora em sindicância, Tribunal a quo violou ou fez errada aplicação, entre outros, do disposto nos artigos 147º, 126º, 119º e n.º 1 do art. 122º do CPP, o art. 26º e 32º n.º 8 da CRP.

XXVII. Na sequência do recurso interposto pelo Ministério Público, onde se impugnou a qualificação jurídica dos factos, defendendo-se a prática pelo arguido de um crime de roubo na forma consumada e de um crime de ameaça, na pessoa da menor CC, em concurso real com o crime de roubo, decidiu o Venerando Tribunal da Relação do Porto pela respetiva procedência.


XXVIII. Ora, também aqui não se conforma o recorrente.

XXIX. Na medida em que, entre a apropriação dos bens e a sua recuperação pela assistente, verifica-se uma sequência de acontecimentos num hiato de minutos, recuperação que se desenvolveu já sem oposição do agente do crime que, de resto, e segundo consta dos factos provados «…fugiu do local e dirigiu-se para o Centro Comercial denominado "….."»

XXX. O que nos conduz à indelével conclusão que o arguido não se apropriou de forma minimamente estável do telemóvel, nem das chaves do automóvel (e, consequentemente, do automóvel), nem do molhe de chaves, que entretanto atirou para o chão.

XXXI. Neste contexto, não chegou a existir um domínio de facto dos bens minimamente estável, nem uma autonomia sobre os mesmos, suficiente para que o agente lhes pudesse dar um destino apto à sua corrente fruição ou gozo.

XXXII. A possibilidade de reação de assistente foi uma realidade, efetivamente concretizada e em toda a sua plenitude, na medida em que logrou a recuperação dos bens subtraídos, o que contraria o critério da estabilidade da apropriação que estará subjacente à consumação do crime de roubo.

XXXIII. Ademais, o agente não chegou a sair das imediações do locus criminis na posse dos sobreditos bens,

XXXIV. Sendo que o intuito de apropriação não teve seguimento e o reingresso dos bens no património do dominus desenvolveu-se num cenário donde se induz que o respectivo proprietário nunca perdeu a esfera de vigilância e intervenção sobre os seus bens,

XXXV. portanto, a posse dos bens pelo agente do crime foi momentânea ou precária.

XXXVI. A propósito, retiramos da jurisprudência, uma clara alusão ao conceito do domínio de facto, autonomia e estabilidade sobre a coisa subtraída, como pressupostos de destrinça entre a tentativa e a consumação do tipo de crime (cfr. Ac. STJ de 5-02-2007, proferido no processo 06P4802; Ac. do STJ, de 16.10.2008, proferido no processo 08P221, ambos transcritos (parcialmente) na motivação recursiva).

XXXVII. Também a doutrina mais avalizada vem chamando fazendo apelo aos critérios de efetiva transferência da disponibilidade da coisa num quadro de estabilidade e domínio de facto da coisa subtraída (cfr. Faria Costa, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, pág. 48 a 52; Paulo Saragoça da Matta, in Subtracção de Coisa Móvel Alheia: os efeitos do admirável mundo novo num crime ‘clássico’, em Direito Penal, Parte Especial, Lições, estudos e casos, Coimbra Editora, 2007, pag. 654 e ss).

XXXVIII. Subsumindo os factos ao direito, entendemos que o agente criminoso teve um domínio instantâneo sobre os bens alheios, o que não se mostra suficiente para a consumação do crime, porquanto a efetiva subtração e o domínio de facto da coisa subtraída não são realidades automaticamente coincidentes.

XXXIX. A estrutura finalista do tipo de crime de roubo no cotejo com a ação empreendida e com os factos posteriores e imediatos à subtração, leva-nos a concluir que o arguido não chegou a consumar o crime de roubo, tendo a sua atuação quedado pela tentativa de o efetuar.

XL. Não havendo consumação do crime de roubo, na medida em que o arguido não ultrapassou a fase da tentativa, ao decidir pela descrita forma o acórdão recorrido fez uma errada qualificação jurídico-penal dos factos e do crime, devendo, em caso de condenação, situar-se a conduta do arguido na forma tentada, dando-se aqui plena aplicação ao disposto no n.º 1 do art. 22º do Código Penal

XLI. Subsidiariamente, mesmo que assim não fosse, o que não se concebe, a condenação do arguido pelo crime de roubo (na forma consumada) na pena de 4 anos e 6 meses de prisão sempre se afiguraria exagerada.

XLII. Na determinação da medida da pena deve o douto julgador aquilatar todas as circunstâncias associadas à prática do ilícito, bem como, as necessidades de prevenção (geral e especial) que o caso reclama, mas também, deve ponderar todos os fatores atenuantes que possam subtrair-se da conduta criminosa e com incidência sobre os bens jurídicos tutelados pela norma incriminadora e, por fim, não pode deixar de ajuizar-se em benefício do arguido, a sua atual personalidade e as atuais condições da sua vida.

XLIII. Estamos aqui, de facto, perante uma conduta de elevada ilicitude e culpabilidade, todavia, volvidos três anos dos factos, e não obstante seu o histórico criminal, haverá que considerar que o arguido mostra atualmente uma personalidade mais ajustada, existindo dados concretos que indiciam que investiu numa alteração da sua trajetória de vida.

XLIV. Na verdade, o arguido goza de independência financeira, na medida em que desde 2017 logrou colocação profissional, que mantem na presente data,

XLV. Encontra-se bem inserido socialmente e a nível familiar.

XLVI. Relativamente ao consumo de drogas, tem mantido acompanhamento terapêutico, apresentando hoje uma situação de abstinência.

XLVII. Com a exceção dos presentes autos, não mais o recorrente teve qualquer contacto com o meio judicial ou policial.

XLVIII. Por outro lado, e por alusão ao crime em causa, haverá que sopesar a recuperação pela vítima de todos os bens subtraídos pelo agente, o que decorreu já sem a oposição ou violência do arguido, que fugiu do local, o que atenua a gravidade das consequências da acção perpetrada.

XLIX. Tudo circunstâncias que mitigam as necessidades de prevenção especial e, consequentemente, com impacto na determinação da medida da pena.

L. Nesta parte, e sempre com o devido respeito por diferente posição, o Tribunal a quo violou ou fez errada aplicação, entre outros, do disposto no n.º 1 do art. 22º e n.º 1 do art. 210º, ambos do Código Penal.

LI. Conforme resulta dos factos provados, sumarizando, o arguido, empenhando uma arma, abordou a assistente BB e a sua filha, CC, ameaçando-as com uma arma de fogo e com o propósito de obter da assistente BB a respetiva carteira (cfr. ponto 1 a 3 dos factos provados).

LII. Em primeira instância, considerou o coletivo de Juízes a existência de um "concurso aparente entre o crime de ameaças e o de roubo, pois a intenção do arguido era de cometer o roubo através de violência". Em resposta ao recurso formulado pelo Ministério Público, entendeu o Tribunal da Relação do Porto que «…a sua acção (do recorrente) preencheu, simultaneamente, os tipos do crime de roubo (acima analisado) e do crime de ameaças, p. e p. pelo art.°153 n°1 e 155, n°1, al. a (ameaça com a prática de crime punível com pena superior a 3 anos - cfr. síntese acima efectuada) do C.P., merecendo a sua conduta a formulação de um autónomo juízo de censura. Em conclusão, verifica-se um concurso efectivo ou real (a que é equiparado, como vimos, o ideal heterogéneo) - e não aparente, como decidido - entre o crime de roubo praticado pelo arguido e o acabado de caracterizar crime de ameaças, perpetrado na pessoa da menor CC.»

LIII. E também relativamente a este segmento condenatório da decisão recorrida, não se conforma o arguido.

LIV. Introduzindo, de acordo com a norma incriminadora, comete o crime de roubo quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir.

LV. A norma incriminadora protege, indubitavelmente, o bem jurídico da propriedade mas, também, bens jurídicos pessoais, como a vida, integridade física e a liberdade pessoal, de ação e decisão

LVI. E a materialidade do tipo assenta ainda no exercício pelo agente de violência, sob as diferentes formas, o que determina que o crime de roubo venha a consumir outros tipos legais de crime.

LVII. Estribando-se a subsunção pela matéria de facto provada, parece evidente que a violência se estendeu a ambas as vítimas, sempre sob a forma de ameaça, porém, também deflui o desígnio do agente criminoso em exercer a violência (sob a forma de ameaça) com o fim último da subtração de bens alheios,

LVIII. bens que pertenceriam à assistente BB,

LIX. não obstante, não será de olvidar a natural correlação e intimidade entre a efectiva proprietária dos bens subtraídos e a sua filha menor, CC, que a acompanhava, bem como, a proximidade física entre elas e o agente criminoso no momento do crime.

LX. Não sendo a menor proprietária dos bens, existe, manifestamente, uma extensão da posse dos bens também à menor CC, no quadro da predita relação de intimidade e estreiteza com a sua mãe.

LXI. Com efeito, o caso vertente e tal como emerge do factualismo provado, alvitra uma situação na qual figuram, de facto, duas pessoas na posição de vítimas, que estão indissociavelmente e pessoalmente ligadas, integradas num mesmo episódio criminoso, num único cenário e intervalo temporal, existindo entre elas um domínio comum no que tange aos bens de que o agente ensejava a respetiva subtração.

LXII. Paralelamente, a violência exercida pelo agente teve como elemento capital a necessidade de neutralizar e/ou esgotar a resistência da ofendida BB que, de facto, patenteou inicialmente essa capacidade de resistência, estendendo o agente a violência a todos os elementos extrínsecos, com aptidão de esmorecer a resistência ou inibir a reação da vítima.

LXIII. Emana assim da conduta sob sindicância uma inelutável intenção de apropriação de bens móveis alheios, que constituiu o objetivo do crime e que enquadra o elemento volitivo da conduta do agente, tendo aquele atuado imbuído numa só resolução criminosa e com o fim último do roubo, preenchendo aquele tipo objetivo de ilícito,

LXIV. sendo a atuação ameaçadora o meio para almejar o predito desfecho.

LXV. E a sobredita unidade criminosa, sob a égide da intenção apropriativa, releva na censura ao crime de roubo, que tem amplitude capaz de sancionar todo o desvalor jurídico-social da conduta, aglutinando a censura típica da (s) ameaça (s) enquanto meio para o roubo, que fora deste quadro perde a intensidade típica para autonomizar a condenação do agente pelo crime de ameaças, cujo desvalor é subsidiário ou dependente.

LXVI. Por outro lado, como resulta da factualidade assente, a ameaça cessa no momento da subtração, isto é, não excedeu assim o que é necessário para a consumação do roubo, o que é sintomático que o exercício da violência serviu estritamente como meio para a prática do crime de roubo e nele se esgotou.

LXVII. Considerando o quadro factual traçado em juízo e o enquadramento normativo delineado supra, atendendo que a intenção do agente se destinava à subtração dos bens, conclui-se que violência exercida sob a forma de ameaça é instrumental ao dito crime de roubo, pelo que não haverá lugar ao concurso real entre o roubo e o crime de ameaça, quer sobre a assistente BB, quer sobre a sua filha, CC, sob pena de se verificar uma dupla penalidade do mesmo facto.

LXVIII. O conteúdo do ilícito de roubo já inclui o desvalor da ameaça.

LXIX. Tendo-se entendido que o recorrente praticou um crime de roubo na sua forma agravada (sendo qualificado pela previsão normativa constante do art.° 210.° n.° 1 e 2 al. b) com referência ao disposto no art.° 204.° n.° 2 alínea f) do Código Penal), não poderia, em simultâneo, ser punido pelo crime de ameaça, ainda que sobre a menor CC, porquanto, também em relação a esta última existe uma relação de concurso aparente entre o crime de roubo e de ameaças e não de concurso efetivo, como entendeu o Tribunal recorrido LXX. Pelo que deve o recorrente ser absolvido da prática de um crime de ameaça contra a menor CC

LXXI. Ao decidir de diferente forma, Tribunal a quo violou ou fez errada aplicação, entre outros, do disposto nos artigos 30, n.º 1, 210.° n.° 1 e 2 al. b) com referência ao disposto no art.° 204.° n.° 2 alínea f), e n.º 1 do art. 155º, todos do Código Penal.

Termos em que se requer a V. Exas., Colendos Conselheiros, que seja concedido provimento ao recurso, e por via da motivação e conclusões que antecedem, ser revogado o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, substituindo-se a decisão por outra que declare a invocada nulidade, com as consequências legais, ou, subsidiariamente, enquadre e qualifique juridicamente a factualidade provada como um crime de roubo na forma tentada e absolva o recorrente da prática de um crime de ameaça contra a menor CC, assim se fazendo a costumada e necessária
JUSTIÇA
que V. Exas., Colendos Conselheiros, sempre nos habituaram.
E.D.


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Respondeu o Ministério Público à motivação do recurso, concluindo:

I. Da factualidade provada não resulta qualquer circunstância exógena que permita concluir por uma diminuição considerável da culpa do recorrente

II. A gravidade, objectiva e subjectiva, dos ilícitos praticados é elevada, acrescendo a relação de concurso entre eles, pelo que as penas unitárias são ajustadas à culpa do arguido AA, ora recorrente, e satisfaz as necessidades de prevenção que o caso requer

III. O acórdão recorrido não enferma de qualquer insuficiência, contradição ou erro na apreciação da prova e fez correcta apreciação dos factos e interpretação do direito

IV. Pelo que deve ser mantido

Todavia, V.Exas farão, como sempre, inteira e sã

JUSTIÇA
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Neste Supremo o Ministério Público apôs o visto.
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Não tendo sido requerida audiência, seguiu o processo para conferência, após os vistos legais,
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Consta do acórdão recorrido:

“Com interesse para a decisão a proferir, é o seguinte o teor do Acórdão recorrido ~
Factos Provados:
"1. No dia 06 de Agosto de 2016, cerca das 15h25m, no interior do prédio sito na Rua …, n° …, no …, o arguido, AA, trazia consigo uma arma cujas características não foi possível apurar, calçava um par de sapatilhas de cor laranja e azul escuro e trajava uma t-shirt manga curta, de cor azul, uns calções de cor beje, um boné na cabeça e uma mochila à costas de cor escura, dando execução a um plano que previamente havia delineado, abordou a BB, que ali se encontrava, acompanhada da sua filha CC, nascida em 11.11.2005, no hall de entrada do sobredito prédio, local onde a ofendida é proprietária de um escritório, com o fim de lhe subtrair o dinheiro e bens que a mesma transportasse, ainda que para concretizar os seus intentos tivesse que usar de violência.
2. Assim, o arguido AA abordou a ofendida BB e, encostando o cano da arma no peito da ofendida, exigiu-lhe que lhe entregasse a carteira que transportava pois só assim não lhe faria mal.
3. Então o arguido, ao perceber o intuito da BB de resistir, dirigiu-se à menor CC, apontou-lhe o cano da arma à cabeça e em tom de voz alterado, sério e grave, disse-lhe que lhe dava um tiro se não lhe desse a carteira, querendo com isto dizer que no futuro iria atentar contra a integridade física ou até contra a sua vida da menor.
4. Nessa altura a ofendida, BB, atirou para o chão o telemóvel, de marca Apple, modelo Iphone, um molhe de chaves e as chaves da sua viatura, marca e modelo Mercedes, de matrícula …-QP-…, sua propriedade, que se encontrava estacionada junto à entrada do prédio.
5. Então o arguido, naquelas circunstâncias, ordenou à BB e à sua filha que entrassem no elevador, o que estas acederam sem oporem qualquer resistência por terem medo que o arguido usasse a arma que empunhava, tendo o arguido carregado no sexto piso.
6. De seguida, o arguido apanhou do chão o Iphone, o molhe de chaves e as chaves do veiculo de matrícula …-OP-…, no valor nunca inferior a €20.000 , propriedade da BB, então estacionado na Rua …, junto ao n° …, no …, e dirigiu-se junto do mencionado veiculo, abeirando-se da porta do condutor do abriu o veículo e acedendo ao seu interior sentou-se no lugar destinado ao condutor, pretendendo iniciar a marcha, não logrando concretizar tal intuito unicamente porque o sistema electrónico de ignição é especifico desta viatura e o arguido desconhecia como funcionava.
7. Em acto continuo, a BB parou o elevador no 2º piso e desceu para o 1º piso e de imediato correu para o seu veiculo e dirigiu-se à porta dianteira, do lado do passageiro, abriu-a e conseguiu recuperar o seu IPHONE que estava junto da consola central do carro e puxou a chave do veiculo que estava na ignição ao mesmo tempo que gritava desesperadamente por socorro.
8. De imediato, o arguido fugiu do local e dirigiu-se para o Centro Comercial denominado "…..", que se situa a cerca de 500 metros.
9. A BB foi no encalço do arguido e o mesmo lançou o molhe de chaves propriedade da ofendida que ainda tinha em seu poder para o chão, tendo a BB, recuperado as chaves.
10. O arguido agiu da forma descrita com a intenção concretizada, de criar no espírito da ofendida BB e da sua filha medo ou receio iminente quanto à sua integridade física e até da sua vida e da vida da sua filha colocando-as na impossibilidade de resistir, pretendendo fazer seu o telemóvel, o molhe de chaves e as chaves do veiculo acima referido, bem sabendo que não lhe pertencia, e que agia contra a vontade da ofendida, BB, só não o conseguindo por circunstâncias alheias à sua vontade.
11.0 arguido sabia que a sua descrita conduta era proibida e punida por lei e o fazia incorrer em responsabilidade criminal.
12. O arguido, por Acórdão cumulatório transitado em julgado em 14/2/2011, foi condenado na pena única de 10 anos de prisão, no âmbito do processo n° 582/06.3PASTS, pela prática de crimes de roubos e furtos qualificados, tendo saído em Liberdade Condicional a 7/6/2016 , pelo tempo que falta cumprir até 7/2/2018.
13. O arguido tem antecedentes pela prática de crimes contra o património, tendo cumprido três períodos de privação da liberdade com posterior fraco investimento na inversão da sua trajectória de vida.
14. O arguido AA encontra-se em liberdade condicional, desde 07 de junho de 2016, e fixou residência junto da progenitora, atualmente com 78 anos de idade, reformada. Porém, diligenciou quase de imediato pela autonomização habitacional em relação àquela e passou a residir no rés-do- chão do mesmo imóvel. A dinâmica familiar afigura-se frágil e de suporte pouco consistente.
15. À data dos factos mantinha uma relação de namoro, que terminou no início de 2017, com senhora residente no …, pelo que se deslocava a esta semana com regularidade e onde permanecia durante alguns períodos.
16. Quando colocado em liberdade condicional, AA efetuou inscrição no centro de emprego de … e diligenciou por procura ativa de emprego. Permaneceu desempregado até abril de 2017, até que celebrou contrato de trabalho com empresa de produção de peças auto ("…. - …"), pelo período de 6 meses, renováveis. Neste sentido, o seu quotidiano passou a estar orientado para a manutenção da atividade laboral e permitiu uma maior estabilização da sua situação emocional.
17. Nos primeiros meses de liberdade condicional, AA apresentou significativas fragilidades ao nível da manutenção de uma situação de abstinência, com registo de recaída no consumo de estupefacientes. Neste sentido, diligenciou pelo acompanhamento terapêutico no Centro de ……. - Equipa Técnica de …, que mantém atualmente. De acordo com a terapeuta de referência, no último ano, o arguido apresentou globalmente uma situação de abstinência, com resultados positivos pontuais. Atualmente encontra-se integrado em programa de tratamento com substituição opiácea, comparecendo nas consultas agendadas e evidenciando motivação para a abstinência".
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Cumpre apreciar e decidir
O recorrente invoca a nulidade do visionamento pela assistente da câmaras de videovigilância e posterior reconhecimento, por proibição de prova, bem como, subsidiariamente, na discordância da qualificação jurídico-penal dos crimes de que o recorrente foi condenado e por referência aos factos considerados como provados.
Alega que da prova produzida em audiência de julgamento, a assistente BB, imediatamente após os factos-crime, foi confrontada com as imagens de videovigilância do Centro Comercial denominado "…..", sito na cidade do …, local onde o agente criminoso se terá dirigido após os acontecimentos perfetibilizados na acusação pública.
Na esteira do sentenciado em primeira instância, entendeu o Tribunal da Relação do Porto pela inexistência de qualquer vício.
Todavia, no modesto entender do recorrente, o modo como ocorreu o visionamento e, posterior, reconhecimento, constitui um ato desprovido de qualquer rigor, o que terá repercussões na respetiva fidedignidade, não se acautelando o risco reconhecimento ou identificação arbitrária ou automática.
Concretizando, o reconhecimento de pessoas é um meio de prova legal e típico e, como tal, encontra-se regulado e disciplinado no artigo 147.º do CPP. Assim quando o reconhecimento se realize com base em filme ou gravação, havendo identificação ou reconhecimento positivo, o mesmo deve ser renovado através de reconhecimento presencial (pressuposto a que aparentemente se deu cumprimento). Contudo, também dimana do referido artigo, como pressuposto prévio ao reconhecimento efetuado, quer nos termos do n.º 5, quer nos termos do n.º 2, que o sujeito reconhecedor ofereça, em antecipação e ainda que sumariamente, uma descrição do agente, exigência a que alude o n.º 1 do art.º 147 do CPP.
No caso que agora se nos apresenta, verifica-se uma clara inversão dos procedimentos, primeiro, a assistente BB é confrontada com as imagens de videovigilância e, posteriormente, narra a descrição do agente criminoso, que acaba por integrar o próprio auto de notícia e todos os atos que lhe seguiram,
A imposição legal de descrição prévia, como ato que antecede o reconhecimento, não pode ter-se como um procedimento ou ato meramente formal, porquanto é um elemento que permite sindicar a autenticidade do reconhecimento, seja o reconhecimento presencial, seja o reconhecimento por fotografia, filme ou gravação.

Analisando:
Como se sabe, o princípio da legalidade da prova perfilhado pelo artº 125º do CPP considera “admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.”
Como já referia, por ex. o acórdão deste Supremo e desta Secção, de 23 de Julho de 1999, proc. nº 650/98, in SASTJ, nº 32,. 87) Em processo penal não existe um verdadeiro ónus da prova em sentido formal; nele vigora o princípio da aquisição da prova ligado ao princípio da investigação, donde resulta que são boas as provas validamente trazidas ao processo, sem importar a sua origem, devendo o tribunal, em último caso, investigar e esclarecer os factos na procura da verdade material.
Perante as provas admissíveis, é dos princípios gerais da produção da prova que o tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa – v. artº 340º nº 1 do CPP – sem prejuízo do contraditório (v. nº 2 do preceito)
Vigora, por outro lado, o princípio da livre apreciação da prova, conforme artº 127º do CPP, que dispõe: - “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”
O Código de Processo Penal não enumera taxativamente as provas proibidas, mas aponta limites à produção de provas e à sua valoração.
Assim, considera métodos proibidos de prova os indicados no artº 126º considerando “nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.” nº 1, descrevendo as que são ofensivas da integridade física ou moral das pessoas, mesmo que com consentimento delas” (nº2) e, ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas as provas obtidas nos termos do nº 3 do mesmo preceito.
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Quanto á proibição de valoração de provas, como resulta do artº 355º do CPP, não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência, ressalvando-se apenas as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas,
E, como se sabe, não são inconstitucionais os normativos do artº 355º do CPP, interpretados no sentido de que os documentos juntos aos autos não são de leitura obrigatória na audiência de julgamento, considerando-se nesta produzidos e examinados, desde que se trate de caso em que a leitura não seja proibida. (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 87/99, de 10 de Fevereiro, proc. nº 444/98, DR II série, de 1 de Julho de 1999.)
Por outro lado, como já salientava o Acórdão deste Supremo e Secção de 27 de Janeiro de 1999, proc, 350/98 in SASTJ, nº 27, 83, a observância do disposto no artº 355º nº 1, do CPP, não exige a leitura em audiência dos documentos constantes dos autos, bastando a existência dos mesmos e a possibilidade de relativamente a eles poder exercer-se o contraditório.
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O Tribunal Constitucional já por seu acórdão nº 137/2001 de 28 de Março, considerou que “é claramente lesivo do direito de defesa do arguido, consagrado no nº 1 do artigo 32º da Constituição, interpretar o artigo 127º do Código de Processo Penal no sentido de que o princípio da livre apreciação da prova permite valorar, em julgamento, um acto de reconhecimento realizado sem a observância de nenhuma das regras previstas no artigo 147º do mesmo diploma.” Tendo assim, decidido “Julgar inconstitucional, por violação das garantias de defesa do arguido, consagradas no nº 1 do artigo 32º da Constituição, a norma constante do artigo 127º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de admitir que o princípio da livre apreciação da prova permite a valoração, em julgamento, de um reconhecimento do arguido realizado sem a observância de nenhuma das regras definidas pelo artigo 147º do Código de Processo Penal;”

Mas esta situação não se verificou no caso concreto.
Como salienta a decisão recorrida:
“A identificação, através das imagens de vídeo do Centro Comercial, do suspeito da prática dos crimes em causa foi feito de acordo com as normas processuais aplicáveis (nomeadamente o art.° 147 do C.P.P.), tal como fundamentado na decisão recorrida, fundamentação essa que surge completamente ignorada no recurso ("impugna ainda os reconhecimentos efectuados nos autos por considerar que o arguido ao ter sido identificado no vídeo condicionou o reconhecimento posterior, mas salvo melhor entendimento, tal como preceitua o n° 5 do art. 147° do CPP a lei impõe que sendo o suspeito identificado através de vídeo, deva seguidamente proceder- se ao reconhecimento nos termos legais").
Se o que se pretendia era invocar a nulidade da prova obtida por reconhecimento do agente do crime (prova cujo procedimento está fixado no mencionado art. 147° do CPP, sendo o mesmo registado em auto, constituindo, assim, essa prova - uma vez obtida -, prova documental), para além de se ignorar o regime legal de arguição de nulidades, nomeadamente o prazo legal para esse efeito, verifica-se que o único argumento consiste em os mesmos terem sido antecedidos do "visionamento das imagens de vídeo", o que, como referido, se mostra por completo descabido.
Se o que se pretendia era formular uma impugnação da decisão sobre a matéria de facto, suscitando-se revisão alargada da mesma, mostra-se evidente que nem nas conclusões, nem na motivação (de que aquelas deveriam ser a síntese), se dá cumprimento ao disposto no artigo 412°, n.°s 3, al. b) e 4 do C.P.P. onde se prevê e exige a especificação das concretas provas que impõem decisão diversa, com transcrição - quanto à prova oral - das passagens/excertos das declarações ou depoimentos, em que se funda a impugnação.
Se o que se pretendia era a denominada revisão restrita da decisão sobre a matéria de facto, ao aludir-se a erro notório na apreciação da prova, do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com a regra da experiência comum, resulta evidente não se verificar qualquer erro de raciocínio lógico-dedutivo, contrariador dessas regras, susceptível de integral o conceito jurídico- processual em causa.
Quanto á inevitável alusão ao princípio do in dúbio pro reo, refira-se apenas que este princípio do direito probatório não se traduz no sistemático favorecimento do arguido na apreciação das provas.
E, a este respeito, como é óbvio, não são as "dúvidas" que infundada e descabidamente se pretende impôr no recurso que significam uma violação do mesmo.
Em conclusão, o recurso mostra-se improcedente nesta parte.”

Aliás, como resulta do acórdão deste Supremo de 16 de Junho de 2005, proc. nº 553/05-5ª. SASTJ, nº 92, 114, as regras de reconhecimento pessoal prescritas pelo artº 147º do CPP não se aplicam em julgamento, mas antes à fase de inquérito e de instrução. O reconhecimento feito em audiência integra-se num conjunto probatório que lhe retira não só autonomia como meio de prova especificamente previsto no atº 147º., como lhe dá sobretudo um cariz de instrumento, entre outros, para avaliar a credibilidade de determinado depoimento, inserindo-se assim numa estrutura de verificação do discurso produzido pela testemunha. Nesta perspectiva, tal reconhecimento feito em audiência, a avaliar segundo as regras próprias do artº 127º do CPP, não carece, para ser válido, de ser precedido do reconhecimento propriamente dito – realizado na fase de investigação – o inquérito e a instrução.

Inexiste por outro lado, uma relação causal necessária da eficácia do depoimento da testemunha, após visionamento, com o próprio visionamento, sendo que o vídeo do Centro Comercial não foi indicado probatoriamente como reconhecimento.
Somente nesta hipótese é que teria lugar o disposto no nº 5 do artº 147º do CPP, - “O reconhecimento por fotografia, filme ou gravação realizado no âmbito da investigação criminal só pode valer como meio de prova quando for seguido de reconhecimento efectuado nos termos do n.º 2”
Inexiste pelo exposto qualquer ofensa à Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro E o arguido, pelo depoimento da testemunha não ficou privado de exercer o direito do contraditório.
Na situação em que a testemunha, ou a vítima, é solicitada a confirmar o arguido presente como agente da infracção, a confirmação da identidade de alguém que se encontra presente, e perfeitamente determinado, apenas poderá ser encarado como integrante do respectivo depoimento testemunhal. -(v. Ac. STJ de 3-03-2010)

Antes da Reforma processual penal de 2007, a jurisprudência maioritária entendia que “os requisitos do art. 147 do CPP apenas se aplicam à instrução e inquérito e não à audiência de julgamento”
No entanto, foram surgindo soluções discordantes de forma que a jurisprudência se foi dividindo quanto à natureza dos reconhecimentos em audiência de julgamento:
- certa jurisprudência considerava que este tipo de reconhecimento consubstanciaria prova atípica, admissível nos termos do disposto no artigo 125º CPP (“são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei”), valorada nos termos do artigo 127º CPP (livre apreciação da prova). A subjacente interpretação no sentido de admitir que o princípio da livre apreciação da prova permite a valoração, em julgamento, de um reconhecimento do arguido realizado sem a observância de nenhuma das regras definidas pelo CPP foi julgada inconstitucional por Acórdão nº137/2001, processo n.º 778/00 do Tribunal Constitucional.
Outra sensibilidade jurisprudencial entendia que o reconhecimento em audiência de julgamento integrado no relato de uma testemunha, não tem valor processual autónomo do depoimento prestado, sem prejuízo dos direitos do arguido, na medida em, na audiência de julgamento, vigora em toda a sua plenitude o Princípio do Contraditório. Assim sendo, devia o referido “reconhecimento” ser livremente apreciado, nos termos do art. 127 do CPP (cf. neste sentido de que “o reconhecimento de um arguido na audiência de julgamento é prova testemunhal e não prova por reconhecimento”
Já o acórdão do Tribunal Constitucional nº425/2005, proc. 425/05, distingue o reconhecimento própriamente dito, do impropriamente designado reconhecimento, que não passa de “uma atribuição dos factos expostos no depoimento da testemunha a certa pessoa ou pessoas” e submete este às regras de apreciação da prova testemunhal e aquele à disciplina do art. 147 do CPP.
Ponto é que o tribunal quando tal se revelar necessário, opte por alcançar o respectivo resultado, no âmbito do depoimento da testemunha ou do ofendido.
No caso dos autos, a identificação do arguido por uma testemunha em audiência não configura um estrito acto de reconhecimento.
Entendia-se que esta interpretação do artigo 147.º não violava o princípio das garantias de defesa consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, ou qualquer outra norma constitucional, como decidiu o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 425/2005, de 25-08-2005 (proc. n.º 452/05, publicado no DR n.º 195, II Série, de 11-10-2005, pp. 14574 a 14579).
No caso em apreço, na audiência houve lugar à identificação do arguido pela ofendida, meio de prova submetido ao princípio do contraditório (artigo 327.º, 2, do CPP).
Logo trata-se de uma prova não proibida, a valorar de harmonia com o referido princípio da livre convicção (cfr. art. 355 do CPP).
Em suma, o tribunal recorrido não estava inibido de valorar a identificação feita em audiência de julgamento como simples prova testemunhal, de acordo com o princípio da livre valoração da prova.
O reconhecimento em audiência de julgamento corresponde ao relato de uma testemunha e não tem valor processual autónomo do depoimento prestado, sem que tal consideração prejudique os direitos do arguido, na medida em, na audiência de julgamento, vigora em toda a sua plenitude o princípio do contraditório.
Assim, é, linear que a situação em que a testemunha, ou a vítima, é solicitada a confirmar o arguido presente como agente da infracção não se configura um acto processual, consubstanciando o reconhecimento pessoal. Pelo contrário, tal confirmação da identidade de alguém que se encontra presente e perfeitamente determinado, apenas poderá ser encarado como integrante do respectivo depoimento testemunhal.
Como tal, estamos em crer que a crítica do recorrente emerge de uma manifesta confusão entre prova por reconhecimento e prova testemunhal.
O reporte testemunhal consubstanciado na afirmação de que o arguido foi o autor dos factos incursos em tipicidade criminal concretiza-se no conceito de prova testemunhal e não de prova por reconhecimento.
Não foram assim violados os arts. 147 n.ºs 2 e 7, 126 e 127, todos do CPP e o art. 32 da CRP.”

Não procede a nulidade alegada,

Nem se revela a existência de vícios ou nulidades de que cumpra conhecer nos termos do artº 410º nº2 e 3, do CPP-
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Discute o recorrente a qualificação do crime de roubo concluindo que
XXXVIII. Subsumindo os factos ao direito, entendemos que o agente criminoso teve um domínio instantâneo sobre os bens alheios, o que não se mostra suficiente para a consumação do crime, porquanto a efetiva subtração e o domínio de facto da coisa subtraída não são realidades automaticamente coincidentes.
XXXIX. A estrutura finalista do tipo de crime de roubo no cotejo com a ação empreendida e com os factos posteriores e imediatos à subtração, leva-nos a concluir que o arguido não chegou a consumar o crime de roubo, tendo a sua atuação quedado pela tentativa de o efetuar.
XL. Não havendo consumação do crime de roubo, na medida em que o arguido não ultrapassou a fase da tentativa, o acórdão recorrido ao decidir pela descrita forma qualificação jurídico-penal dos factos e do crime, devendo, em caso de condenação situar-se a conduta do arguido na forma tentada, dando-se aqui plena aplicação art. disposto no nº do asrtº 22º do Código Penal
XXXI. Neste c contexto, não chegou a existir um domínio de facto dos bens minimamente estável, nem uma autonomia sobre os mesmos, suficiente para que o agente lhes pudesse dar um destino apto à sua corrente fruição ou gozo.
XXXIII. Ademais, o agente não chegou a sair das imediações do locus criminis na posse dos sobreditos bens,
XXXIV. Sendo que o intuito de apropriação não teve seguimento e o reingresso dos bens no património do dominus desenvolveu-se num cenário donde se induz que o respetivo proprietário nunca perdeu a esfera de vigilância e intervenção sobre os seus bens,
XXXV. portanto, a posse dos bens pelo agente do crime foi momentânea ou precária.

Analisando:
O crime de roubo é uma delito pluriofensivo pois se acautelam com a incriminação valores tão díspares como o património, a integridade física, a vida humana e, até, a própria liberdade de movimentos, sendo a agravação em relação ao furto determinada pela componente pessoal do crime, que faz dele um crime de execução vinculada, pois quer a subtracção quer o constrangimento à entrega de coisa móvel devem ser praticados pela forma taxativamente descrita no tipo legal do art.º 210.º, n.º 1, do CP : por meio de violência, ameaça à integridade física ou colocação da vítima na impossibilidade de resistir
Não se dispensa, ainda, um nexo causal adequado entre a entrega ou o constrangimento, visível através dos factos provados, sendo a ameaça à integridade física, pelo simples exibir da faca e arma à pessoa da vítima, constitutiva de violência, pela quebra de resistência física e psíquica que numa pessoa normal produz, não se exigindo como padrão valorativo mais do que isso, facilitante da entrega da coisa móvel . (v.Acórdão deste Supremo e desta Secção de 17-09-2009, in 207/08.2GDGMR.S1 )
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Como se sintetiza no sumário do acórdão deste Supremo e desta Secção, de 13-12-2007, 07P3210 , in www.dgsi.pt
“V - A propósito da qualificativa dos crimes de furto e de roubo «porte de arma aparente ou oculta» têm-se desenhado na jurisprudência duas correntes.
VI - Uma, actualmente e desde há cerca de uma década, apresentando-se como dominante, que considera que a arma como agravativa dos crimes de furto e de roubo tem de revestir-se de efectiva perigosidade, defendendo que o que está na base da agravação prevista na al. f) do n.º 2 do art. 204.º do CP é o perigo objectivo da utilização da arma, determinando uma maior dificuldade de defesa e maior perigo para a vítima, do mesmo passo que permite que o agente se sinta mais confiante e audaz e para que isto aconteça é necessário que esteja munido de uma arma eficaz. Trata-se, em suma, de uma qualificativa de ordem objectiva. E, sendo assim, é irrelevante, para efeitos da existência dessa qualificativa, o receio subjectivo da vítima de poder ser lesada na sua integridade física por desconhecer que não se trata de uma arma verdadeira.
VII - Na concepção desta tese de perigosidade objectiva atende-se à susceptibilidade de integrar a ameaça, mas esgotando-se aí a função da arma, sem aptidão para integrar a qualificativa, pois, como se refere no CP Anotado de Leal-Henriques e Simas Santos (1996, 2.º vol., pág. 443), «o conceito de arma só abrange a que possa ser usada como meio eficaz de agressão, quer sejam armas ditas próprias destinadas normalmente ao ataque ou defesa e apropriadas a causar ofensas físicas, quer as impróprias, todas as que têm aptidão ofensiva, se bem que não sejam normalmente usadas com fins ofensivos ou defensivos. Uma imitação de arma não é um meio eficaz de agressão, mas um meio eficaz de ameaça, na qual se esgota.»
VIII - A jurisprudência tem dado por afastada essa qualificação, em variados enquadramentos factuais, relativamente a pistolas de alarme, tidas como facto atípico para efeitos de actuar como qualificação, consideradas apenas como requisito bastante para integrar a ameaça de perigo a que se refere o n.º 1 do art. 210.º do CP.
IX - Igualmente em outros casos se tem considerado que o roubo é apenas agravado pela utilização de arma quando o agente emprega algo que possa ser utilizado como instrumento eficaz de agressão: réplica de pistola, pistola de plástico, pistola isqueiro, simulação de arma enrolada em casaco, esferográfica a simular navalha, pistola simulada (objecto com configuração de arma de fogo), objecto não definido, pensando a vítima tratar-se de revólver, pistola de calibre 6,35 de características não concretamente apuradas, daqui não se extraindo que estivesse municiada ou sequer em condições de funcionalidade, pistola de características não apuradas, objecto similar a arma de fogo, cujas características se desconhecem, mas que aparentava ser uma pistola de pequenas dimensões e cromada, objectos que aparentem ser armas de fogo ou arma verdadeira, objecto não apurado, e objecto metálico.
X - Para outra corrente, para se verificar a agravante qualificativa da al. f) do n.º 2 do art. 204.º do CP, basta que a arma tenha a virtualidade de o homem médio ou comum pensar que o agente da infracção está na posse de uma verdadeira arma, causando-lhe um justo receio de poder vir a ser atingido e lesado corporalmente. Nesta concepção a qualificativa é de ordem subjectiva e enraíza-se na maior intimidação da vítima, porque o temor resultante da ameaça exercida com arma, verdadeira ou não, é tal que anula a capacidade de resistência da vítima.
XI - Nesta linha insere-se o acórdão de 27-06-1996 (CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 201, e BMJ 458.º/196, citado no Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo II, pág. 81), e, dez anos volvidos, o acórdão do STJ de 25-10-2006 (Proc. n.º 3042/06 - 3.ª), onde, seguindo aquele, se refere: «Arma, para os fins do preceito legal em apreço, será todo o instrumento com virtualidade para provocar nas vítimas um justo receio de serem lesadas, independentemente de saberem se a mesma se acha municiada e pronta a disparar, pois se mostra de todo irrazoável, desproporcionado mesmo, do ponto de vista da sua protecção legal, exigir-se esse prévio conhecimento, que lhe podia ser inacessível, impraticável, até, não obstante ter sido, em nexo causal com a exibição da arma, que a entrega da coisa teve lugar, relevando a impressão, analisada à luz de um normal destinatário, de perigo, que àqueles bens representa. A lei não exige um intimorato destinatário, pessoa de excepcional valentia, mas uma pessoa normal, que, como tal, em regra, se deixa impressionar pelo risco que representa uma arma de fogo, quando lhe é apontada.»
O legislador define o conceito de arma no art. 4.º do DL 48/95, de 15-03, enquanto instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja usado como meio de agressão ou que possa ser usado para tal fim.
Numa visão sistémica e integrada do entrelaçado de normas de que a requalificação pretendida não prescinde, particularmente do art. 210.º, n.º 2, al. b), com referência ao art. 204.º, n.º 2, al. f), do CP, o legislador, que expressa de forma clara, em princípio, no texto da lei, o seu pensamento, ao referir-se ao uso de arma, de forma visível ou encoberta, a esse elemento da acção típica do crime de roubo qualificado pela remissão operada para o art. 204.º, n.º 2, al. f), do CP, fá-lo em sentido técnico, enquanto instrumento com a aptidão e a virtualidade que ressalta do art. 4.º da Lei 48/95, de 15-03, para ferir ou agredir.
A qualificativa assenta na maior vulnerabilidade do visado ao agente, que, ao usar da arma, coloca a vítima numa situação de maior indefesa, de maior perigo, denotando ousadia e audácia para consumação do crime, reclamando, por isso mesmo, face a um “plus” de culpa e ilicitude, uma punição agravada, quando comparativamente com o roubo simples.
Mas repousando a agravação punitiva na maior perigosidade que para a vítima representa o porte de arma no momento do crime, importa que se trate de instrumento efectivamente produtor daquele risco, o que não sucede quando o agente usa de uma réplica de arma de fogo, de um revólver, porque em tal caso o que transparece da sua posse não é o propósito de atentar contra a vida ou integridade física de outrem.
De um ponto de vista do destinatário, subjectivo, o uso desse instrumento, pode gerar-lhe, e gera normalmente, a impressão de que aqueles valores são colocados em perigo, porque desconhece a natureza do instrumento, ligando-lhe, sem reservas, os efeitos, que, como é usual e natural, ao homem médio, dele derivam, não sendo razoável, proporcionado ou justo que, para protecção de interesses pessoais e em nome da prevenção geral, se exigisse mais do que a aparência de arma.
Mas se atentarmos que a agravação radica numa maior culpa e ilicitude do agente do crime, e que, em caso algum, a culpa pode ser ultrapassada por necessidades de prevenção – art. 40.º, n.º 2, do CP –, as coisas deverão ser analisadas à luz de outro enquadramento, que descendo do conceito irrestrito de arma o cinja, ao invés, a instrumento que, de acordo com a sua normal destinação, à luz de critérios objectivos, produz, de acordo com a sua aptidão normal, efeitos lesivos à vida e integridade física alheias. Por isso, o acento tónico na resolução da questão da qualificação jurídica deslocar-se-á da mera impressão, mais ou menos subjectiva, que causa na pessoa do ofendido, do lado psicológico que origina à vítima, com o inerente medo ou temor nela causado, como parece perfilhar o Prof. Faria Costa, citado no Ac. do STJ, de 08-03-2007, Proc. n.º 4819/06 - 5 .ª, aresto que enveredou por entendimento consagrando a concepção, oposta, de matiz objectiva, de há muito enraizada no STJ.
Nesta medida, é à aptidão para ferir ou produzir um resultado letal que deve atentar-se para se qualificar como arma, de outro modo a exibição de instrumento inidóneo “pode servir como meio de coacção e de intimidação, mas, no domínio da objectividade e legalidade, não pode ser considerada como um instrumento, uma arma de agressão”, ou seja para ameaçar a vítima (v. Acórdão deste Supremo e desta Secção, de 27-10-2010, 1546/09.0PCSNT.L1.S1 , www.dgsi.pt)
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A expressão da alínea f) do nº 2 do artº 204º do CP, “Trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta;” pressupõe a convicção pelo ofendido da idoneidade da arma para a produção da ameaça e a causalidade dessa ameaça na produção do resultado, ou seja, o conhecimento da existência de arma e sua potencial utilização para desencadear o efeito pretendido pelo agente, quer o instrumento se encontre visível (ainda que se manifeste como aparência de arma verdadeira) quer não se encontre à vista, por se encontrar escondido, dissimulado (oculto), mas de qualquer sempre perceptível como existente e idóneo a poder ferir e matar,

Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2ª edição actualizada, Universidade Católica Portuguesa, p. 640, nota 33, e citando tratadistas sobre a matéria: “O porte de arma aparente significa que a arma é exibida e pode ser vista pela vítima no momento da prática do crime. O porte de arma oculta significa que a arma não é exibida, nem pode ser vista pela vítima, no momento do crime. Mas no caso de não ser exibida a arma, é condição essencial para a qualificação do furto que o agente dê conhecer à vítima que traz consigo uma arma. A arma funciona então como um meio de ameaça implícita de um mal maior, inibindo a vítima. Os adjectivos “aparente” e “oculta” mostram, pois, que o fundamento da qualificação da ilicitude reside no impacto intimidativo (na “impressão”) causado pela arma na vítima. Portanto, o porte da arma só agrava o ilícito do crime quando sirva para diminuir ou ultrapassar a oposição da vítima. Desta conclusão resultam duas consequências: não se verifica a qualificação do facto (1) quando o crime é realizado na presença da vítima, mas o porte da arma é desconhecido pela vítima ou (2) quando o crime é realizado na ausência da vítima. Em ambos os casos, o porte da arma não tem qualquer interferência no decurso do facto (….)”
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O crime de roubo, como supra se referiu, tem como elemento integrante a existência de violência ou ameaça com um perigo iminente para a vida ou para a integridade física da vítima, ou a colocação desta na impossibilidade de resistir através da utilização pelo agente de algum dos referidos meios de forma a assim se apropriar de coisa móvel alheia. (v. artº 210º do C.Penal)
Apesar de o crime de roubo ser também contra a propriedade, por visar em última análise a consecução ilegítima de bens patrimoniais , sendo por assim um crime complexo, tem porém especial relevância a ofensa de bens jurídicos eminentemente pessoais.
Conforme art. 4.° do DL 48/95, de 15-03, arma é "qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim.”
Como referia o acórdão deste Supremo de 18 de Janeiro de 20074351/06 – 5.ª Secção, a expressão "ainda que de aplicação definida".parece contemplar objectos cuja "aplicação definida" não seja a de meio de agressão, mas que, subtraídos ao contexto normal da sua utilização, podem ser integrados no conceito de arma. Será esse o caso das facas de cozinha, por exemplo. Nestes casos, a perigosidade dos objectos é evidente e só a sua integração no contexto espacial da sua utilidade é que lhes retira as características de arma.

Ora, como salienta o acórdão recorrido a propósito do conhecimento do recurso então interposto pelo MP,
:
“Dando como assente a matéria de facto, o M.°P.° impugna a qualificação jurídica dos factos, quanto a estes dois segmentos da decisão, defendendo a prática:

- De um crime de roubo na forma consumada;

- De um crime de ameaça, na pessoa da menor CC, em concurso real com o crime de roubo

Em síntese, encontra- se provado que o AA, trazendo consigo uma arma, no interior de um prédio, onde aquela tinha o seu escritório, abordou a BB, que estava acompanhada da sua filha CC de 10 anos, encostou-lhe o cano da arma ao peito, exigindo-lhe que entregasse a carteira. E, ao perceber o "intuito de resistir", da BB dirigiu-se à filha, apontou-lhe o cano da arma à cabeça e em tom de voz alterado, sério e grave, disse-lhe que lhe dava um tiro se não lhe desse a carteira, "querendo com isto dizer que no futuro iria atentar contra a integridade física ou até contra a vida da menor" (é esta a expressão constante da matéria provada). A BB atirou para o chão o telemóvel, de marca Apple, modelo Iphone, um molhe de chaves e as do seu …, estacionado à entrada do prédio. O arguido ordenou-lhes que entrassem no elevador, carregando no sexto piso, apanhou o "Iphone" e as chaves, incluindo a do "…" (de valor nunca inferior a €20.000), saiu do prédio, entrou no referido "…" e pretendeu "iniciar a marcha, não logrando concretizar tal intuito unicamente porque o sistema electrónico de ignição é específico desta viatura e o arguido desconhecia como funcionava".

Entretanto a BB saiu do prédio "correu para o seu veículo e dirigiu-se à porta dianteira, do lado do passageiro, abriu-a e conseguiu recuperar o seu "Iphone" que estava junto da consola central do carro e puxou a chave do veículo que estava na ignição ao mesmo tempo que gritava desesperadamente por socorro".
O arguido fugiu do local e dirigiu-se para o Centro Comercial "….".

*

Invocada prática de um crime de roubo, na forma consumada, p. e p. pelo art°. 210, n°1, e 2, al.b) com referência ao art°. 204, n°2, al.f) e n°4 do C.P. Na decisão recorrida é considerado que o crime de roubo foi praticado, na forma tentada, "já que o mesmo não se apoderou dos objectos por motivos alheios á sua vontade e os bens não entraram de uma maneira minimamente estável, no domínio de facto do agente da infracção, ou seja, o arguido não adquiriu um pleno e autónomo domínio sobre a coisa, sendo que este não é o instantâneo domínio de facto, já que exige um mínimo plausível de fruição das utilidades da coisa".
O recorrente argumenta que o arguido se apropriou de "objectos de valor seguramente muito superior a uma unidade de conta (Iphone, chave do veículo e chaves da residência), que lhe foram entregues pela ofendida BB sob a ameaça da aludida arma, aquele passou a possuir tais objectos com estabilidade suficiente para dispor dos mesmos como muito bem entendesse". "Estando já na posse daqueles objectos e completamente só, sem ninguém que perturbasse os seus movimentos ou de algum modo impedisse a concretização da totalidade dos seus desígnios criminosos, entrou no veículo …-OP-…, da marca ……, pertencente à BB e utilizou a respectiva chave tendo em vista pô-lo em movimento e afastar-se do local e desse modo também se apropriar do mesmo, tal como já tinha feito com os restantes objectos, só não conseguindo concretizar também esse objectivo por questões técnicas ligadas ao funcionamento do veículo e que o arguido não dominava".
Pelo que o "intuito apropriativo foi devidamente concretizado e executado, conforme o plano previamente delineado". Tem razão.
O crime de roubo configura-se como um crime, simultâneamente, contra a propriedade e contra as pessoas, consistente em o agente subtrair ou constranger a que lhe seja entregue coisa móvel alheia, utilizando violência ou ameaça com perigo eminente para a vida ou para a integridade física ou pondo a vítima na impossibilidade de resistir, agindo com intenção de apropriação, para si ou para outra pessoa- art.° 210, n°1 do C.P.
No caso, a única dúvida consistiria na concretização da subtracção (visto que a utilização de violência e intenção de apropriação não são susceptíveis de negação).
Consistindo a subtracção na aquisição de um poder de facto de disposição sobre a coisa alheia, com a concomitante cessação (ou ablação) desse poder de facto pelo seu legítimo possuidor ou detentor, da matéria de facto acima sintetizada se alcança que o AA deteve esse poder sobre o "Iphone" e sobre as chaves (tanto que utilizou a do "…." para entrar no mesmo e tentar pô-lo em marcha).
Com efeito, é aceite a nível doutrinal e jurisprudencial que essa posse não tem de durar por um período prolongado, ou de ser totalmente pacífica, bastando o pleno domínio da coisa, pelo tempo suficiente a dar-lhe outro destino que não o querido pelo seu proprietário ou detentor.
Assim, e ao contrário do decidido, a matéria de facto provada integra a prática pelo AA um crime de roubo, na forma consumada, previsto e punido pelo art. 210°, n°1 e 2,al. b), com referência o art.°204, n°2 al. f) (uso de arma), com prisão de 3 a 15 anos.”

Mantêm-se legalmente válidas as razões aegadas que por isso se acollhem.
Como bem assinalou o Exmo Procurador-Geral Adjunto em sua resposta:
“3- Invoca o arguido/recorrente AA ter o tribunal a quo efectuado errada qualificação jurídico-penal dos factos quanto à consumação do crime de roubo.

Não lhe assiste, também nesta parte, qualquer razão Sobre a consumação do crime de roubo ou de furto é pacífico o entendimento jurisprudencial de ser necessário que o agente detenha a coisa com um mínimo de estabilidade na disponibilidade da mesma, disso sendo exemplos os arestos citados pelo Digno Magistrado recorrente.

Dos factos provados resulta incontestado que o arguido

 Abordou as ofendidas no interior do prédio sito na Rua …., .. – … onde, sob ameaça de arma de fogo (de caracteristicas desconhecidas), se apossou de um telemóvel e das chaves de ignição do automóvel de matrícula …-OP-…

 Sob ameaça da arma, as obrigou a entrar no elevador, carregando ele no botão correspondente ao 6º andar

 Que saiu do edifício e se dirigiu ao automóvel, nele entrando, enquanto as ofendidas subiam no elevador

 O arguido já estava na via pública, no exterior do edifício sito na Rua …, … – …, tentando, há algum tempo, colocar o automóvel em marcha quando, perante o seu insucesso, a ofendida BB, tendo parado a marcha do elevador no 2º andar, veio até ele e se reapossoudo telemóvel e das chaves de ignição do veículo.

É um período temporal durante o qual teve, sem a menor dúvida, efectivo e imperturbado domínio sobre o telemóvel pelo que, quanto a ele, a apropriação se consumou integralmente”


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Sobre o crime de ameaça
Entende o recorrente que “exercida sob a forma de ameaça é instrumental ao dito crime de roubo, pelo que não haverá lugar ao concurso real entre o roubo e o crime de ameaça, quer sobre a assistente BB, quer sobre a sua filha, CC, sob pena de se verificar uma dupla penalidade do mesmo facto.
O conteúdo do ilícito de roubo já inclui o desvalor da ameaça.
Tendo-se entendido que o recorrente praticou um crime de roubo na sua forma agravada (sendo qualificado pela previsão normativa constante do art.° 210.° n.° 1 e 2 al. b) com referência ao disposto no art.° 204.° n.° 2 alínea f) do Código Penal), não poderia, em simultâneo, ser punido pelo crime de ameaça, ainda que sobre a menor CC, porquanto, também em relação a esta última existe uma relação de concurso aparente entre o crime de roubo e de ameaças e não de concurso efetivo, como entendeu o Tribunal recorrido Pelo que deve o recorrente ser absolvido da prática de um crime de ameaça contra a menor CC

Porém, não tem razão, pois como bem fundamentou o acórdão da Relação:
“Invocada prática de um crime de ameaça, na pessoa da menor CC, em concurso real com o crime de roubo.
Na decisão recorrida, de forma muito sucinta, é considerado que "existe um concurso aparente entre o crime de ameaças e o de roubo, pois a intenção do arguido era de cometer o roubo através de violência".
Contrapõe o recorrente que "o acto de violência foi dirigido directamente à ofendida CC, que não era proprietária dos objectos de que o arguido se quis apropriar e que nem sequer os tinha na sua posse, pôs em causa a sua integridade física e até a vida, bens jurídicos que, sendo próprios e eminentemente pessoais, merecem tutela jurídica autónoma". Defende "verificar-se concurso efectivo entre o crime de ameaça de que foi vítima a CC, que ficou seriamente limitada na sua liberdade de decisão e de acção, e o crime de roubo de que foi vítima a sua mãe, a ofendida BB, exigindo cada um desses crimes censura autónoma em termos jurídico-criminais". Tem razão, também.
Sem entrar em exposições de cariz escolar- "non est it locus"-, refira-se apenas que há concurso real (ou efectivo) quando se comete mais do que um crime, quer através da mesma conduta, quer através de condutas diferentes. Esta matéria do concurso de crimes vem tratada no art° 30, n°1 do nosso C.P., dispondo-se que "o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente".
É genericamente entendido que com esta previsão, se faz equivaler o concurso ideal - quando através de uma só acção se preenchem diferentes tipos (concurso ideal heterogéneo), ou se preenche várias vezes o mesmo tipo (concurso ideal homogéneo) - ao concurso real (prática de várias acções integrantes de diferentes tipos, ou de várias vezes o mesmo tipo). É, também, genericamente aceite que para se concluir pela existência de concurso real (ou efectivo) tem, em conjugação, de se recorrer ao critério da formulação de mais do que um juízo de censura, em relação à acção ou acções praticadas.
No caso, o AA para executar o roubo, não lhe era imprescindível apontar o cano da arma à cabeça da filha da vítima, dizendo-lhe que lhe dava um tiro se aquela não lhe desse a carteira.
Paralelamente com a sua conduta, o AA violou bens eminentemente pessoais (vida, integridade física, segurança e tranquilidade) não só da BB, mas também da sua filha CC.
Assim, com a sua acção preencheu, simultaneamente, os tipos do crime de roubo (acima analisado) e do crime de ameaças, p. e p. pelo art.°153 n°1 e 155, n°1, al. a (ameaça com a prática de crime punível com pena superior a 3 anos - cfr. síntese acima efectuada) do C.P., merecendo a sua conduta a formulação de um autónomo juízo de censura.
Em conclusão, verifica-se um concurso efectivo ou real (a que é equiparado, como vimos, o ideal heterogéneo) - e não aparente, como decidido - entre o crime de roubo praticado pelo arguido e o acabado de caracterizar crime de ameaças, perpetrado na pessoa da menor CC.
Ém suma, é incisivamente pertinente a explictação conclusiva do mInistério Público nas cobnclusões paresentgadas na motivação do recurso interposto para a Relaçao quando assinala:
Resulta inequivocamente da matéria considerada provada no Acórdão, que o arguido apontou directamente, primeiro à ofendida BB e depois à ofendida e menor CC, sua filha, uma arma que transportava consigo, o que significa que, relativamente a cada uma delas, praticou um acto de violência.
2.° O acto de violência dirigido directamente à ofendida CC, que não era proprietária dos objectos de que o arguido se quis apropriar e que nem sequer os tinha na sua posse, pôs em causa a sua integridade física e até a vida, bens jurídicos que, sendo próprios e eminentemente pessoais, merecem tutela jurídica autónoma. 3o Por isso, verifica-se concurso efectivo entre o crime de ameaça de que foi vítima a CC, que ficou seriamente limitada na sua liberdade de decisão e de acção, e o crime de roubo de que foi vítima a sua mãe, a ofendida BB, exigindo cada um desses crimes censura autónoma em termos jurídico-criminais.
4o Sendo certo que, apropriando-se o arguido dos objectos de valor seguramente muito superior a uma unidade de conta (Iphone, chave do veículo e chaves da residência), que lhe foram entregues pela ofendida BB sob a ameaça da aludida arma, aquele passou a possuir tais objectos com estabilidade suficiente para dispor dos mesmos como muito bem entendesse.
5. ° E tanto assim que, estando já na posse daqueles objectos e completamente só, sem ninguém que perturbasse os seus movimentos ou de algum modo impedisse a concretização da totalidade dos seus desígnios criminosos, entrou no veículo …-OP-…, da marca Mercedes, pertencente à BB e utilizou a respectiva chave tendo em vista pô-lo em movimento e afastar- se do local e desse modo também se apropriar do mesmo, tal como já tinha feito com os restantes objectos, só não conseguindo concretizar também esse objectivo por questões técnicas ligadas ao funcionamento do veículo e que o arguido não dominava.
6. ° Não se verificou, pois, no que toca aos aludidos objectos, intuito apropriativo não concretizado por parte do arguido por circunstâncias alheias à sua vontade, verificou-se, isso sim, intuito apropriativo devidamente concretizado e executado conforme o plano previamente delineado, passando aquele a poder dispor desses objectos como se fosse seu proprietário.
7. ° O que significa que, contrariamente ao entendimento do Tribunal, a actuação do arguido não traduz mera tentativa de roubo mas sim a prática consumada desse ilícito criminal.
8. Devendo, por isso mesmo, face ao concurso real verificado entre os crimes de ameaça agravada e de roubo, e tendo na devida consideração os antecedentes criminais do arguido, o dolo particularmente intenso e o elevado grau de ilicitude evidenciados aquando do cometimento daqueles crimes e o facto de os ter praticado no período da liberdade condicional, a total insensibilidade perante o ordenamento jurídico e falta de juízo crítico no que respeita aos crimes aqui em causa, tudo a apontar para fortes exigências de prevenção, geral e especial, aquele ser condenado:
- pela prática do crime de roubo, em pena de prisão não inferior a cinco anos;
- pela prática do crime de ameaça agravada, em pena de prisão não inferior a um ano e seis meses de prisão.

A fundamentação mostra-se correcta,
Como já salientava Maia Gonçalves , Código Penal Português anotado e comentado- Legislação complementar, 18ª edição, 2007, p. 762 e 763:
“De notar que as circunstâncias que funcionam como qualificativas, podem elas próprias, só por si, integrar uma infracção (arma proibida, ofensa à integridade física, homicídio por negligência etc.) Nem sempre, em tal caso, será fácil saber se esta última infracção se ecnontra consumida pela de roubo, sendo necessário examinar a questão à luz dos princípios gerais sobre concurso de infracções, particularmente sobre a comsunção, pois que só a essa luz a solução pode ser encontrada” sendo que como refere o Exmo Procurador-Geral Adjunto em sua resposta:
“Tendo o arguido igualmente apontado uma arma à menor CC, tal conduta não é apenas instrumental em relação ao seu desígnio de apropriação dos bens detidos por BB pelo que, violando bem jurídico eminentemente pessoal, há efectivo concurso de crimes na acepção do artigo 30º, nº 3 do Código Penal.

A decisão recorrida, condenando o arguido também pelo crime de ameaça sobre CC, é congruente com o estatuído no artº 30º do Código Penal pelo que não merece qualquer censura”

Note-se que a versão vigente do artº 153º do CP, o crime de ameaça ali constante, não se identifica como crime de resultado e de dano, mas como um crime de mera acção e de perigo.
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Sobre a medida das penas, alega o recorrente que a condenação do arguido pelo crime de roubo (na forma consumada) na pena de 4 anos e 6 meses de prisão sempre se afiguraria exagerada.
Conclui que:
XLII. Na determinação da medida da pena deve o douto julgador aquilatar todas as circunstâncias associadas à prática do ilícito, bem como, as necessidades de prevenção (geral e especial) que o caso reclama, mas também, deve ponderar todos os fatores atenuantes que possam subtrair-se da conduta criminosa e com incidência sobre os bens jurídicos tutelados pela norma incriminadora e, por fim, não pode deixar de ajuizar-se em benefício do arguido, a sua atual personalidade e as atuais condições da sua vida.
XLIII. Estamos aqui, de facto, perante uma conduta de elevada ilicitude e culpabilidade, todavia, volvidos três anos dos factos, e não obstante seu o histórico criminal, haverá que considerar que o arguido mostra atualmente uma personalidade mais ajustada, existindo dados concretos que indiciam que investiu numa alteração da sua trajetória de vida.
XLIV. Na verdade, o arguido goza de independência financeira, na medida em que desde 2017 logrou colocação profissional, que mantem na presente data,
XLV. Encontra-se bem inserido socialmente e a nível familiar.
XLVI. Relativamente ao consumo de drogas, tem mantido acompanhamento terapêutico, apresentando hoje uma situação de abstinência.
XLVII. Com a exceção dos presentes autos, não mais o recorrente teve qualquer contacto com o meio judicial ou policial.
XLVIII. Por outro lado, e por alusão ao crime em causa, haverá que sopesar a recuperação pela vítima de todos os bens subtraídos pelo agente, o que decorreu já sem a oposição ou violência do arguido, que fugiu do local, o que atenua a gravidade das consequências da acção perpetrada.
XLIX. Tudo circunstâncias que mitigam as necessidades de prevenção especial e, consequentemente, com impacto na determinação da medida da pena.

Todos estão hoje de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Não falta, todavia, quem sustente que a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade estariam subtraídas ao controlo do tribunal de revista, enquanto outros distinguem: a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena”, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado. Só não será assim, e aquela medida será controlável mesmo em revista, se, v.g., tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. ( Figueiredo Dias in Direito Penal Português -As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 278, p. 211, e Ac. de 15-11-2006 deste Supremo, , Proc. n.º 2555/06- 3ª)
O arguido AA foi condenado pela prática, em autoria material e concurso real:
- de um crime de roubo, na forma consumada, previsto e punido pelo art. 210o, n°1 e 2,al. b), com referência o art°204, n°2 al. f) (uso de arma), do C.P. na pena de 4 anos e 6 meses de prisão;
- de um crime de crime de ameaças, p. e p. pelo art.°153 n°1 e 155, n°1, al. a, do C.P., na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.
na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão

O acórdão recorrido considerou:
Medida das penas parcelares e da pena única
“Aos Tribunais de Relação compete decidir de facto e de Direito (art. 428° do CPP), incumbindo-lhes retirar da procedência do recurso as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida (art. 403°, n° 2, do CPP). Alterada a qualificação jurídica, há que proceder à determinação da medida da pena aplicável a cada um dos crimes em concurso, e da pena única. O recorrente suscita expressamente essa questão, defendendo a aplicação de uma pena de prisão "não inferior a 5 anos", pela prática do crime de roubo, e uma pena de prisão "não inferior a 1 ano e 6 meses", pela prática do crime de ameaça agravada, tendo em conta "os antecedentes criminais do arguido, o dolo particularmente intenso e o elevado grau de ilicitude evidenciados aquando do cometimento daqueles crimes e o facto de os ter praticado no período da liberdade condicional, a total insensibilidade perante o ordenamento jurídico e falta de juízo crítico no que respeita aos crimes aqui em causa, tudo a apontar para fortes exigências de prevenção, geral e especial". Pretende a aplicação de uma pena única de 5 anos e 6 meses de prisão. Passando à determinação da pena aplicável ao crime de roubo na forma consumada, previsto e punido pelo art. 210°, n°1 e 2,al. b), com referência o art.°204, n°2 al. f) (uso de arma), com prisão de 3 a 15 anos, verificamos o seguinte:
- a ilicitude da conduta do arguido é referenciada pelo modo e circunstâncias da execução: o arguido abordou a vítima dentro do prédio onde se situava o seu escritório (local onde a vítima se sentiria em segurança), apontando- lhe uma arma ao peito, o que comporta um significante potencial intimidatório e aterrorizante;
- a culpa é intensa, sendo o dolo directo, e demonstrando a abordagem dentro do prédio, algum grau de planeamento;
- são elevadas as exigências preventivas especiais, derivadas da prática dos factos durante uma liberdade condicional, e da recorrência na prática de crimes de roubo e de furto, já tendo cumprido penas de prisão que não serviram de suficiente dissuasor;
- de grau apreciável se mostram, igualmente, as exigências preventivas gerais (é com compreensível alarme que a Colectividade vivência estas condutas violentas e as vê instalarem-se no seu quotidiano).
- com valor atenuante, apenas a recuperação pela vítima de todos os bens, o que - embora não por vontade do arguido - diminui a gravidade das consequências da acção.
Perante estes factores de medida da pena, mostra-se adequada a pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
Procedendo, agora, à determinação da pena aplicável ao crime de ameaças, p. e p. pelo art.°153 n°1 e 155, n°1, al. a, com prisão até dois anos ou multa até 240 dias, verificamos o seguinte:
- quanto à espécie, as finalidades retributiva, preventiva e psico-pedagógica da pena, impõem a opção pela pena de prisão;
- o grau de ilicitude dos factos é referenciado pelo modo e circunstâncias da sua execução: o arguido apontou a arma à cabeça de uma criança de 10 anos, e ameaçou dar-lhe um tiro;
- é elevada a censurabilidade da sua conduta, executada com dolo directo e intenso;
- elevadas se mostram, igualmente, as exigências preventivas especiais e gerais, derivadas dos factores acima referidos.
Perante estes factores de medida da pena, mostra-se adequada a pena de 1 ano e 6 meses de prisão.
Considerando o grau global de ilicitude dos factos, de culpa do arguido, a personalidade demonstrada na sua conduta, e as exigências preventivas especiais e gerais já suficientemente definidas, mostra-se adequada a pena única de 5 anos e 6 meses de prisão (como é evidente, este Tribunal na determinação da pena, não está vinculado ao "princípio do pedido", mas da valoração e conjugação dos factores acima referidos, resulta a pena sugerida pelo recorrente).”

Tendo em conta a a fundamentação exposta, e o disposto nos artºs art. 210°, n°1 e 2,al. b), com referência o art.°204, n°2 al. f) (uso de arma), art.°153 n°1 e 155, n°1, al. A), 77º nºs 1 e 2, todos do Código Penal, e que como vem provado, o arguido, por Acórdão cumulatório transitado em julgado em 14/2/2011, foi condenado na pena única de 10 anos de prisão, no âmbito do processo n° 582/06.3PASTS, pela prática de crimes de roubos e furtos qualificados, tendo saído em Liberdade Condicional a 7/6/2016 , pelo tempo que falta cumprir até 7/2/2018.
O arguido tem antecedentes pela prática de crimes contra o património, tendo cumprido três períodos de privação da liberdade com posterior fraco investimento na inversão da sua trajectória de vida.
O arguido AA encontra-se em liberdade condicional, desde 07 de junho de 2016, e fixou residência junto da progenitora, actualmente com 78 anos de idade, reformada. Porém, diligenciou quase de imediato pela autonomização habitacional em relação àquela e passou a residir no rés-do- chão do mesmo imóvel. A dinâmica familiar afigura-se frágil e de suporte pouco consistente.
À data dos factos mantinha uma relação de namoro, que terminou no início de 2017, com senhora residente no …, pelo que se deslocava a esta semana com regularidade e onde permanecia durante alguns períodos.
Quando colocado em liberdade condicional, AA efectuou inscrição no centro de emprego de … e diligenciou por procura activa de emprego. Permaneceu desempregado até abril de 2017, até que celebrou contrato de trabalho com empresa de produção de peças auto ("… - …."), pelo período de 6 meses, renováveis. Neste sentido, o seu quotidiano passou a estar orientado para a manutenção da actividade laboral e permitiu uma maior estabilização da sua situação emocional.
Nos primeiros meses de liberdade condicional, AA apresentou significativas fragilidades ao nível da manutenção de uma situação de abstinência, com registo de recaída no consumo de estupefacientes. Neste sentido, diligenciou pelo acompanhamento terapêutico no Centro de … - Equipa Técnica de …, que mantém actualmente. De acordo com a terapeuta de referência, no último ano, o arguido apresentou globalmente uma situação de abstinência, com resultados positivos pontuais. Actualmente encontra-se integrado em programa de tratamento com substituição opiácea, comparecendo nas consultas agendadas e evidenciando motivação para a abstinência, nada há a alterar quer quanto às penas parcelares quer quanto à pena única, por não se afigurarem injustas, desadequadas, ou desproporcionais.

O recurso não merece provimento.


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Termos em que decidindo:

Acordam os juízes deste Supremo - 3ª secção . em negar provimento ao recurso e confirmam a decisão recorrida.

Tributam o recorrente em 6 UCs de taxa de justiça, sem prejuízo do apoio judiciário,


Lisboa, Escadinhas de São Crispim, 06 de novembro de 2019
Elaborado e revisto pelo relator

Pires da Graça (Relator)

Raul Borges