Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
723/08.6PBMAI.P1-A.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA MENDES
Descritores: ACÓRDÃO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 02/20/2013
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: D.R. N.º 56, SÉRIE I, 2013-03-20, P. 1776 - 1782
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Área Temática:
DIREITO PENAL - CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL.
Doutrina:
- Eduardo Correia, Projecto da Parte Especial do Código Penal de 1966, discutido na 6ª sessão da Comissão Revisora, em 30 de Abril de 1966, Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal - Parte Especial , 81/82.
- Figueiredo Dias, Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Acta n.º 24 (relativa à sessão ocorrida no dia 17 de Março de 1990), 232.
- Manuela Valadão, Politeia (Ano VI/Ano VII – 2009-2010), “Algumas questões sobre os crimes contra a liberdade pessoal na revisão de 2007 do Código Penal”, 97/100.
- Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal (2ª edição – 2010), 479.
- Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal (2ª edição - 2012), I, 556/ 560.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 153.º, N.º1, 155.º, N.º1, ALÍNEA A).
Jurisprudência Nacional:
JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS DA RELAÇÃO:
-ACÓRDÃOS DA RELAÇÃO DE LISBOA DE 10.11.04, DA RELAÇÃO DO PORTO DE 11.02.23, DA RELAÇÃO DE ÉVORA DE 12.03.06 E DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES DE 12.07.11, PROFERIDOS NOS PROCESSOS N.ºS 417/06.7PEOER.L1, 664/08.7GBPNF.P1, 976/08.0TASTB.E1 E 342/08.7BVVD.G1, RESPECTIVAMENTE.
Sumário :
«A ameaça de prática de qualquer um dos crimes previstos no n.º 1 do artigo 153º do Código Penal, quando punível com pena de prisão superior a três anos, integra o crime de ameaça agravado da alínea a) do n.º 1 do artigo 155º do mesmo diploma legal».
Decisão Texto Integral:

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Acordam no pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça:

O Ministério Público, representado pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto do Tribunal da Relação do Porto, interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, do acórdão proferido naquele tribunal em 29 de Fevereiro de 2012, no âmbito do Processo n.º 723/08.6PBMAI, que decidiu que a ameaça de prática de qualquer um dos crimes previstos no n.º 1 do artigo 153º do Código Penal[1], quando punível com pena de prisão superior a três anos (no caso crime contra a vida), integra o crime de ameaça agravado da alínea a) do n.º 1 do artigo 155º. Em sentido oposto indicou o acórdão do mesmo tribunal prolatado em 25 de Março de 2010, no âmbito do Processo n.º 2940/08.0TAVNG, que decidiu que o crime agravado de ameaça da alínea a) do n.º 1 do artigo 155º contempla os casos em que a ameaça de qualquer um dos crimes previstos no n.º 1 do artigo 153º é feita através da concretização dos meios a empregar, constituindo estes crime punível com pena de prisão superior a três anos, isto é, quando se anunciam os meios a empregar na prática do crime objecto da ameaça, constituindo aqueles meios crime punível com pena de prisão superior a três anos.

Em conferência concluiu-se pela admissibilidade do recurso, face à oposição de soluções relativamente à mesma questão de direito no domínio da mesma legislação, tendo-se ordenado o seu prosseguimento.

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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto nas alegações que apresentou formulou as seguintes conclusões[2]:

1ª. Na exposição de motivos da lei 98/X, que deu origem à Lei 59/2007m de 4 de Setembro, expressa-se que «o crime de ameaça passa a ser qualificado em circunstâncias idênticas previstas para a coacção grave. Por conseguinte a ameaça é agravada quando se referir a crime punível com pena de prisão superior a três anos, for dirigida contra pessoa particularmente indefesa ou, por exemplo, funcionário em exercício de funções ou for praticada pro funcionário com grave abuso de autoridade;

2ª. A evolução legislativa tem sido no sentido de punir de forma mais grave e/ou mais alargada a(s) conduta(s) do agente em situações em que o mal anunciado constitui (constituem) crime mais grave;

3ª. De resto, o legislador, desde sempre, optou por consagrar o critério de punir de forma mais grave a conduta do agente em situações em que o mal anunciado constitui crime punido com pena superior a 3 anos;

4ª. Seria, pois, incongruente que, com este desígnio legislativo, se considerasse que uma ameaça de morte, onde o mal anunciado constitui crime punível com pena de prisão de 8 a 16 anos, fosse, actualmente, punida nos termos dos artigos 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, alínea a), ambos do CP, com pena de prisão até 1 ano ou multa até 120 dias;

5ª. Da interpretação conjugada dos artigos 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, alínea a), ambos do CP, resulta que, quem amedrontar… outra pessoa com a prática de um crime contra a vida, contra a integridade física ou contra qualquer um dos outros bens jurídicos elencados no artigo 153º do CP, é punido pelo crime de ameaça, agravada pelo artigo 155º, n.º 1, alínea a), do CP, se o anúncio ou cominação do mal anunciado consubstanciar a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos;

6ª. É esta a expressão da letra da lei não sendo, pois, legítima uma interpretação que introduza/acrescente um requisito que a lei não prevê, como exigência para preenchimento da circunstância agravante;

7ª. Aliás, a acolher-se diferente entendimento, afrontar-se-ia de forma irremediável o princípio da legalidade, já que os requisitos do crime têm de estar taxativamente descritos no tipo;

8ª. Numa interpretação teleológica da norma do artigo 155º, n.º 1, alínea a), do CP – que não se destina apenas ao crime de ameaça contra a vida –, o fundamento da agravação radica no maior desvalor da acção do agente, e não numa maior culpa (neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2ª Edição actualizada, Universidade Católica Editora, pág. 479).

9ª. Por isso, é coerente a opção do legislador em punir mais severamente o agente, quando o mal anunciado constitua a prática de um crime mais grave;

10ª. Acresce que a ameaça de morte pode ser cometida através de um prenúncio de um mal que constitua crime contra a vida, punível com prisão até 3 anos, sendo, pois, irrelevantes as teses de existência ou inexistência de concurso de normas;

Propõe-se, pois, que o Conflito de Jurisprudência existente entre os acórdãos da Relação do Porto de 29 de Fevereiro de 2012 (recorrido) e de 25 de Março de 2010 (fundamento), seja resolvido nos seguintes termos:

«A ameaça com a prática de crime contra a vida, punível com pena de prisão superior a três anos, sem concretização do meio do mal anunciado, integra o crime de ameaça agravada, p. e p. nos artigos 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal».

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Como se reconheceu no acórdão interlocutório, verifica-se oposição de julgados.

A questão submetida à apreciação do pleno das secções criminais deste Supremo Tribunal, tal qual vem colocada no recurso interposto, consiste em saber se a agravação do crime de ameaça prevista no artigo 155º, n.º 1, alínea a), se verifica quando o crime objecto da ameaça (obviamente um dos previstos no n.º 1 do artigo 153º), é punível com pena de prisão superior a três anos ou, ao invés, quando a ameaça (obviamente de um dos crimes previstos no n.º 1 do artigo 153º) é feita mediante o anúncio da utilização de meios que constituem crime punível com pena de prisão superior a três anos.

A posição assumida no acórdão recorrido tem por fundamento[3]:

«Dispõe o artº 153º do Cód. Penal que “quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias”.
Por outro lado, o artº 155º do Cód. Penal qualifica a ameaça em função da especial gravidade do crime com o qual se ameaça, estabelecendo-se, entre outras circunstâncias que no caso não relevam, que o agente será punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, quando os factos previstos nos artigos 153º e 154º forem realizados por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos.

A ameaça é, à partida, a ameaça dum mal e o mal ameaçado tem de constituir um crime [7], ou seja, a ameaça é, em síntese, a «promessa de cometer um crime». Como nota Taipa de Carvalho [8] perante o tipo em causa, a tutela penal da liberdade é, a um tempo, negativa e pluridimensional. «Negativa, na medida em que visa impedir as ações de terceiros que afetem a liberdade de decisão e de ação individual; pluridimensional, uma vez que assume as diversas manifestações da liberdade pessoal (liberdade de autodeterminação, de movimento, de ação, sexual) como autónomos objetos de proteção penal». Segundo Miguez Garcia [9] “o bem jurídico protegido nos crimes contra a liberdade pessoal não é, pura e simplesmente, a liberdade, mas a liberdade de decidir e de atuar: liberdade de decisão (formação) e de realização da vontade. No crime de ameaça a proteção materializa-se também no sentimento de segurança: a ameaça é um crime de perigo contra a paz interior”. É certo que o artº 153º do CP se refere à vida, à integridade física e ao património. Contudo, a tutela conferida a esses bens jurídicos é apenas indireta, pois o que diretamente se criminaliza é a lesão da liberdade de ação ou de decisão, ou seja, a liberdade pessoal. Diferentemente do Cód. Penal de 1886 e da redação primitiva do Cód. Penal de 1982 (em que bastava a ameaça da prática de um qualquer crime) [10], a revisão de 1995 restringiu a amplitude deste elemento, especificando que o crime, objeto da ameaça, tem de ser “contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor”. No âmbito da Comissão Revisora do Código Penal de 1995 o Prof. Figueiredo Dias “salientou as dificuldades em tipificar as condutas de molde a evitar sobreposições. Quanto às ameaças, propõe-se um alargamento da matéria proibida e, por outro lado, estreita-se a sua aplicação pela indicação dos bens ameaçados” [11]. Ou seja, o legislador de 1995, entendendo que a referência genérica à “prática de crime” seria suscetível de nela fazer integrar qualquer facto ilícito típico, criando o perigo de tornar punível toda ou quase toda a atividade social do homem, enunciou, de forma a restringir, o âmbito criminal da norma, passando a constituir ameaça apenas a promessa de cometimento dos crimes enunciados no nº 1 do artº 153º. E nessa enunciação não podia deixar de incluir os crimes contra a vida, não só por se tratar do bem jurídico a que atribui maior tutela penal, como bem supremo, mas também porque, entre as ameaças, ocorrem com mais frequência as vulgarmente denominadas “ameaças de morte”. Porém, a inclusão dos crimes contra a vida no nº 1 do artº 153º do Cód. Penal, não significa que “a promessa” da prática de um crime dessa natureza constitua um crime de ameaça simples, punível com pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias. Se assim fosse, não teria qualquer sentido útil a previsão da al. a) do nº 1 do art. 155º do Cód. Penal (correspondente ao nº 2 do artº 153º, na redação anterior à Lei nº 59/2007 de 04.09), sabido que aos crimes contra a vida o legislador fez corresponder a cominação com pena de prisão superior a 3 anos – com exceção dos crimes de homicídio a pedido da vítima (artº 134º) e de ajuda ao suicídio (artº 135º) que, pela sua própria natureza, não poderão constituir objeto de ameaça.

Como escreve Taipa de Carvalho [12] «O nº 2 do artº 153º estabelece uma agravação da pena abstrata quando “a ameaça for com a prática de um crime punível com pena de prisão superior a 3 anos”. A ratio desta agravação consiste na razoável consideração legislativa de que há, no geral dos casos, uma proporção direta entre a gravidade do crime objeto da ameaça e a perturbação da paz individual e da liberdade de determinação: quanto mais grave aquele for maior será essa perturbação. Este nº 2 do artº 153º prevê, portanto, um crime de ameaça qualificada pela gravidade do crime ameaçado. Acentue-se, porém, que as espécies de crimes que podem ser objeto das ameaças qualificadas são exatamente as mesmas do nº 1 do artº 153º, isto é, os bens jurídicos cuja ameaça de lesão constitui ameaça qualificada são os mesmos que vêm mencionados no nº 1. A especificidade do disposto no nº 2 reduz-se, exclusivamente, à exigência de que a pena estabelecida para os crimes (objeto da ameaça) referidos no nº 1 tenha um limite máximo superior a 3 anos de prisão. […] Sendo evidente que não tem sentido, para efeitos de decisão sobre se houve ameaça qualificada a questão de saber se a pena, a que explicitamente se refere o nº 2 (pena de prisão superior a 3 anos), é a pena estabelecida para o correspondente crime doloso ou por negligência – pois que estando em causa a ameaça de lesar a saúde, de matar, de violar, de incendiar uma floresta, etc., não pode deixar de ser a pena estabelecida para o crime doloso –, então ter-se-á de concluir que a ameaça de morte subsumir-se-á sempre ao artº 153º-2 (ameaça qualificada). Ressalvando sempre o devido respeito, não podemos concordar com a entendimento explanado no Ac. desta Relação de 25.03.2010, citado pelo recorrente e pelo Sr. PGA, no sentido de que “a ameaça com um anúncio de morte, genericamente formulado, sem qualquer concretização quanto aos meios a empregar, não pode deixar de estar prevista, tão só, no nº 1 do artº 153º do CP, e que a previsão de crime agravado pela al. a) do artº 155º, do CP tem de dirigir-se àqueles casos em que a descrição dos meios mediante os quais a ameaça – no caso, contra a vida – se poderá vir a concretizar, configura um crime da previsão do artº 155º, nº 1, al. a), do CP.” Tal entendimento não tem, em nossa opinião, o mínimo apoio no texto legal. E, em conformidade com o disposto no artº 9º nºs 2 e 3 do Cód. Civil, não deve o intérprete considerar o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, devendo presumir-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Por outro lado, a interpretação que resulta do citado acórdão poderia levar à qualificação da ameaça de um crime de ofensa à integridade física grave (artº 144º, punido com pena de prisão de dois a dez anos) e, no entanto, integrar uma ameaça de morte “genericamente formulada” no tipo simples do artº 153º nº 1, quando o crime de homicídio é punido com pena de prisão de oito a dezasseis anos. Se o agente disser à vítima “hei-de arrancar-te os olhos” (privação de importante órgão – artº 144º al. a) seria mais severamente punido do que se disser “hei-de matar-te”. É certo que a letra da lei – do artº 153º nº 1 e do artº 155º nº 1 al. a) – é suscetível de levar o intérprete a concluir que a ameaça de morte tanto pode integrar o crime de ameaça simples como o crime qualificado. Entendemos, porém, que como atrás dissemos, o legislador apenas pretendeu enunciar no tipo base do artº 153º nº 1 quais os factos ilícitos típicos que podem ser objeto de ameaça, sem prejuízo de, relativamente aos mesmos ou parte deles, os vir a enquadrar na previsão normativa da ameaça qualificada do artº 155º nº 2. Note-se, aliás, que o que acontece com a ameaça de crime contra a vida, ocorre igualmente com a ameaça de prática de crime contra bens patrimoniais de considerável valor. Neste caso, ou haverá crime de ameaça qualificada ou, pura e simplesmente, não haverá crime de ameaça. Isto porque, para haver crime de ameaça, a lei exige que o bem patrimonial seja de considerável valor e, no entanto, a generalidade dos crimes contra o património em que esteja em causa um valor considerável ou elevado (resultante do disposto no artº 202º do C.P.) são puníveis com pena de prisão superior a três anos – v.g. artºs. 204º e 213º do C.P.

A solução para a questão em apreço terá, assim, de encontrar-se no âmbito do concurso de normas, na medida em que existe pluralidade aparente de infrações – artº 153º nº 1/ artº 155º nº 1 al. a). Como ensina o Prof. Cavaleiro Ferreira [13] “A locução concurso de normas vem designando, em direito penal, o problema da limitação da aplicabilidade de uma norma que seja consequência da aplicabilidade de outra norma ao mesmo objeto. O concurso de normas, enquanto considerado em abstrato, pode conduzir a duas soluções diferentes: ou à aplicabilidade simultânea das normas em concurso à mesma realidade de facto (concurso real de normas); ou à exclusão da aplicabilidade de uma norma por outra norma concorrente, que prevalece sobre a primeira (concurso aparente de normas, a que corresponde o concurso aparente de crimes).
O Código Penal não contém quaisquer diretrizes sobre a inaplicabilidade de uma das normas convergentes sobre a mesma realidade de facto e sobre a aplicabilidade de outra norma convergente que sobre a primeira prevalece e a exclui. Remete para a doutrina a discussão e apresentação dos critérios necessários. Seguindo a doutrina mais comum, o concurso de normas (concurso aparente de normas) verificar-se-á quando, entre as normas concorrentes, haja uma relação de especialidade, de subsidiariedade ou de consunção.

Segundo o Prof. Cavaleiro Ferreira [14] “em todos estes casos terá lugar a prevalência de uma norma incriminadora sobre outra formal e aparentemente aplicável, e que, por isso, é excluída pela primeira. Para que tal aconteça é preciso que a matéria de facto seja totalmente valorada pelas duas normas convergentes, e de modo que seja incompatível a valoração conjunta de ambas as normas, prevalecendo uma só qualificação com exclusão da outra: sobre a matéria de facto abrangida por ambas as normas só poderá recair uma qualificação jurídico-penal, uma incriminação, a incriminação da norma prevalente. Esta situação tem lugar em três hipóteses, a que correspondem os critérios de definição de prevalência de normas e que se designam por especialidade, subsidiariedade e consunção”. A especialidade é definida como a relação que se estabelece entre dois ou mais preceitos, sempre que numa lei (a lex specialis) se contêm todos os elementos de outra (lex generalis) e, além disso, ainda algum ou alguns outros elementos especializadores. Como refere o Prof. Eduardo Correia [15] “na base da parte especial de todos os sistemas criminais está, na verdade, um certo número fundamental de delitos (Grundtypen) que constituem por assim dizer a sua espinal-medula. Depois, partindo desses tipos e acrescentando-lhes certos elementos como circunstâncias modificativas (atenuantes ou agravantes que modificam a moldura penal abstrata), o legislador constrói outras figuras de delitos. E aparecem, assim, os crimes qualificados ou privilegiados.

No caso em apreço, a relação que se estabelece entre o tipo do artº 153º e o previsto no artº 155º nº 1 do Cód. Penal é, sem dúvida, uma relação de especialidade, estando o tipo-base previsto na primeira norma, à qual foram acrescentados elementos modificativos (quanto ao limite máximo da pena do crime ameaçado) que deram origem a um crime agravado na segunda norma, a qual contém necessariamente todos os elementos constitutivos da primeira. Sendo assim, resulta da estrutura da relação de especialidade que a norma especial prevalece sobre a norma geral e afasta inteiramente a aplicação desta (lex specialis derogat legi generali). Daí que, sendo o crime objeto da ameaça punido com pena de prisão superior a três anos, o agente deva ser punido pelo crime agravado previsto no artº 155º nº 1 al. a) do Cód. Penal, excluindo-se definitivamente a aplicação do crime simples previsto no artº 153º nº 1»[4].

A posição assumida no acórdão fundamento é sustentada pela argumentação seguinte[5]:

«A ameaça de prática de crime contra a vida já está prevista no nº 1 do artº 153º e não é possível executá-la por meios que constituam um crime punível com pena de prisão não superior a três anos. A não ser que se pudesse conjecturar uma qualquer ameaça do género: “Vou matar-te de prazer!”, supondo-se a expressão proferida, v. g., em preâmbulo à prática de um acto típico da previsão do artigo 164º, nº 2, do CP e no âmbito de uma situação de per si enquadrável na mesma previsão; ou, ainda: “Vou tirar-te a vida com o tabefe que te vou dar numa nádega!”. Isto, ainda que, aqui sim, em ambos os casos, se suscitassem fundadas dúvidas quanto a tratar-se de verdadeiras ameaças! Assim, a ameaça com um anúncio de morte, genericamente formulado, sem qualquer concretização quanto aos meios a empregar, não pode deixar de estar prevista, tão só, no nº 1 do artº 153º do CP.

A previsão de crime agravado pela al. a) do artº 155º, do CP tem de dirigir-se àqueles casos em que a descrição dos meios mediante os quais a ameaça – no caso, contra a vida – se poderá vir a concretizar, configura um crime da previsão do artº 155º, nº 1, al. a), do CP. No caso poderiam ser expressões do tipo: “Eu espeto-te uma faca, quando estiveres a dormir, e mato-te”; ou: “Quando mal te precates, ponho-te veneno na bebida e mato-te”. Esta agravação, não é propriamente resultado da gravidade do “crime meio da ameaça” – não se pode pretender punir um crime meramente conjecturado, ainda que por conjectura verbalmente expressa – mas pelo potencial de agravamento da ameaça, que a invocação do crime concreto pode provocar no ânimo do ofendido, aumentando-lhe o medo ou instilando-lhe apreensão, ansiedade e tensão. É a própria ameaça, na sua capacidade de provocar medo e insegurança, que cresce com a antecipação, na consciência do ameaçado, do que será o meio criminoso de a levar a cabo.

Ora, na expressão eu mato-te ou eu mato-vos a todos, há a mais despojada expressão do que pode vir a ser um atentado contra a vida. Não há qualquer grau de concretização e, assim, a ameaça, fica apenas pelo que é – de crime contra a vida – nada acrescentando à previsão do artº 153º, nº 1, do CP»[6].

Para além das posições jurisprudenciais em confronto, cumpre referenciar uma terceira posição relativamente à distinção entre os crimes simples e qualificado de ameaça, esta doutrinal, defendida por Taipa de Carvalho, segundo a qual a deficiente técnica legislativa adoptada pela Revisão Penal de 1995, para distinção entre ameaça simples (crime fundamental) e ameaça agravada (crime qualificado), ao abandonar o critério da pena aplicável na diferenciação entre ameaça simples e ameaça qualificada, passando a adoptar dois critérios distintos, um tendo por referência a natureza do crime objecto da ameaça (ameaça simples), o outro a pena aplicável ao crime com que o agente ameaça (ameaça qualificada), conduziu a uma sobreposição ou redundância, na medida em que, e passamos a citar, os crimes, que são puníveis com pena superior a 3 anos (e que determinariam uma agravação da pena do crime de ameaça simples), já estão previstos e descritos no tipo de crime de ameaça (art. 153º-1), dando lugar a que, e citamos novamente, o disposto na actual al. a) do n.º 1 do art. 155º (antes da Revisão de 2007, n.º 2 do art. 153º) não tem campo de aplicação… devendo, portanto, considerar-se pura e simplesmente como crime de ameaça (punível com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias) as ameaças tipificadas no art. 153º-1, independentemente da pena aplicável ao crime objecto da ameaça[7].

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Tomando posição no dissídio, dir-se-á.

O actual artigo 153º, do Código Penal, no qual se prevê o crime de ameaça, teve por fonte o artigo 169º do Projecto da Parte Especial do Código Penal de 1966, discutido na 6ª sessão da Comissão Revisora, em 30 de Abril de 1966[8], preceito inserido no Título I, Dos crimes contra as pessoas, Capítulo III, Dos crimes contra a liberdade das pessoas, com a seguinte redacção: 

«Artigo 169º

Ameaças

1. Quem ameaçar outrem com a prática de um crime, provocando-lhe medo ou inquietação, será punido com prisão até seis meses e multa até trinta dias.

2. O procedimento criminal depende da participação do ofendido».

Naquela sessão o Autor do Projecto salientou as divergências entre o artigo e o correspondente do Código Penal de 1886 (artigo 379º), pondo em evidência que enquanto o artigo 379º do Código concebia as ameaças como crime de mera actividade, no Anteprojecto as ameaças assumiam-se como crime de resultado, solução esta que considerou mais razoável, com o fundamento de que o resultado é o critério mais idóneo para averiguar da seriedade da ameaça[9].

Submetido o artigo à discussão suscitaram-se divergências no seio da comissão sobre se o crime deveria ser concebido como de resultado, de perigo (mas constituído por um elemento de resultado no sentido de que através das ameaças feitas se haja de criar um perigo adequado a produzir medo ou inquietação) ou de dano. O Prof. Eduardo Correia tendo em vista a conciliação das diversas posições defendeu que o crime deveria ser concebido como de dano, punindo-se a tentativa, tendo posto à votação a sua sugestão, do que resultou a seguinte redacção:

«1. Quem ameaçar outrem com a prática de um crime, provocando-lhe medo ou inquietação, será punido com prisão até seis meses e multa até trinta dias.

2. A tentativa é punível.

3. O procedimento criminal depende da participação do ofendido».

Apesar de esta redacção haver sido aprovada por unanimidade, a verdade é que o texto do artigo acabaria por sofrer alterações, com eliminação da punição da tentativa.

É o seguinte o texto que acabou por tipificar as ameaças no Código Penal de 1982[10]:

«Artigo 155º

Ameaças

1. Quem ameaçar outrem com a prática de um crime, provocando-lhe receio, medo ou inquietação, ou de modo a prejudicar a sua liberdade de determinação, será punido com prisão até 1 ano ou multa até 100 dias.

2. No caso de se tratar de ameaças com a prática de crime a que corresponda pena de prisão superior a 3 anos, poderá a prisão elevar-se até 2 anos e a multa até 180 dias.

3. O procedimento criminal depende de queixa».

Com a Lei n.º 48/95, de 15 de Março, o crime de ameaça deixou de estar previsto no artigo 155º e foi inserido no artigo 153º, com a seguinte redacção:

«Artigo 153º

Ameaça

1. Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.

2. Se a ameaça for com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.

3. O procedimento criminal depende de queixa».

Com a alteração de redacção do n.º 1 restringiu-se o âmbito da tipicidade, passando o texto a elencar os crimes cuja ameaça de prática assume dignidade penal (contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor), quando anteriormente qualquer crime era relevante. Como referiu Figueiredo Dias no seio da Comissão de Revisão[11], estreitou-se a matéria proibida pela indicação dos bens ameaçados (vida, integridade física, liberdade pessoal, liberdade e autodeterminação sexual e bens patrimoniais de considerável valor). Por outro lado, alargou-se o âmbito da matéria proibida, como também referiu Figueiredo Dias no seio da respectiva comissão de revisão[12], passando o crime de ameaça a crime de perigo, ao bastar à sua perpetração que a ameaça seja de forma adequada a provocar medo ou inquietação, já não sendo necessário que provoque receio, medo ou inquietação.

Quanto à alteração introduzida no n.º 2 ela circunscreveu-se à elevação para o dobro (120 dias para 240 dias) da pena de multa aplicável, visto que a expressão se a ameaça for com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos tem o mesmo sentido da expressão no caso de se tratar de ameaça com a prática de crime a que corresponda pena de prisão superior a três anos.

Com a Lei n.º 59/07, de 4 de Setembro, foi eliminado o texto do n.º 2, passando para o n.º 2 o texto do n.º 3, transferindo-se a agravação ou qualificação da ameaça para o n.º 1 do artigo 155º, artigo que, por isso, viu o respectivo proémio substituído de “coacção grave” para “agravação”, passando a ter a seguinte redacção[13]:

«1. Quando os factos previstos nos artigos 153º e 154º forem realizados:

a) Por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos; ou

b) Contra pessoa particularmente indefesa, em razão da idade, deficiência, doença ou gravidez;

c) Contra uma das pessoas referidas na alínea l) do n.º 2 do artigo 132º, no exercício das suas funções ou por causa delas;

d) Por funcionário com grave abuso de autoridade;

o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, no caso do artigo 153º, e com pena de prisão de um a cinco anos, no caso do n.º 1 do artigo 154º.

As mesmas penas são aplicadas se, por força da ameaça ou da coacção, a vítima ou a pessoa sobre a qual o mal deve recair se suicidar ou tentar suicidar-se»[14].

Com a eliminação do n.º 2 do artigo 153º a agravação ou qualificação da ameaça passou pois a ser feita no n.º 1 do artigo 155º (norma também aplicável, obviamente, ao crime de coacção).

Analisando os textos legais descritos a partir do contexto histórico em que surgiram, suas fontes e evolução entretanto ocorrida, começar-se-á por observar que o crime de ameaça na versão originária do Código de 1982 tinha por elemento essencial a ameaça da prática de (qualquer) crime e o crime agravado a ameaça da prática de (qualquer) crime punível com prisão superior a três anos.

Enquanto a configuração do crime matriz veio a ser modificada pelo legislador de 1995 (Lei n.º 48/95), com simultâneo alargamento e estreitamento da matéria proibida, este materializado através da elencação dos bens ameaçados, ou seja, através da enumeração (limitação) dos crimes mediante os quais a ameaça de prática assume relevância criminal, certo é que a configuração da agravação se manteve inalterada, configuração esta mantida, também, pela Lei n.º 59/07, de 4 de Setembro.

Com efeito, a redacção dada pelo legislador aos diversos dispositivos que prevêem e estabelecem a agravação da ameaça mostra-se, no essencial, coincidente[15].

Vejamos.

Redacção originária:

«Artigo 155º

2. No caso de se tratar de ameaça com a prática de crime a que corresponda pena de prisão superior a 3 anos poderá a prisão elevar-se até 2 anos e a multa até 180 dias»

Redacção da Lei n.º 48/95, de 15 de Março:

«Artigo 153º

2. Se a ameaça for com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias».

Redacção da Lei n.º 59/07, de 4 de Setembro:

«Artigo 155º

1. Se os factos previstos nos artigos 153º e 154º foram realizados:

a) Por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos; ou

o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, no caso do artigo 153º, e com pena de prisão de 1 a 5 anos, no caso do n.º 1 do artigo 154º».

Em qualquer um dos dispositivos transcritos a agravação tem lugar face a ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos. Com efeito, é esse o sentido das diversas expressões utilizadas pelo legislador naqueles dispositivos, designadamente por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos (Lei n.º 59/07), se a ameaça for com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos (Lei n.º 48/95) e no caso de se tratar de ameaça com a prática de crime a que corresponda pena de prisão superior a 3 anos (versão originária). Assim sendo, não restam dúvidas de que o crime de ameaça agravado ocorre, suposta a verificação dos demais elementos constitutivos, quando o agente ameaça com a prática de crime (obviamente um dos crimes previstos no n.º 1 do artigo 153º) punível com pena de prisão superior a 3 anos, ou seja, quando o crime objecto da ameaça (obviamente um dos crimes previstos no n.º 1 do artigo 153º) é um crime punível com pena de prisão superior a 3 anos. Aliás, se dúvidas houvesse elas ter-se-iam necessariamente por dissipadas face ao teor da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 98/X, que subjaz à Lei n.º 59/07, de 4 de Setembro, onde se deixou consignado:

«O crime de ameaça passa a ser qualificado em circunstâncias idênticas às previstas para a coacção grave. Por conseguinte, a ameaça é agravada quando se referir a crime punível com pena de prisão superior a três anos, for dirigida contra pessoa particularmente indefesa ou, por exemplo, funcionário em exercício de funções ou for praticada por funcionário com grave abuso de autoridade. Esta qualificação abrange os crimes praticados contar agentes dos serviços ou forças de segurança, alargando uma solução contemplada para os casos de homicídio, ofensa à integridade física e coacção»[16].

Sendo descabida a asserção feita no acórdão fundamento, segundo a qual todos os crimes contra a vida, através dos quais é possível fazer uma ameaça, são puníveis com pena de prisão superior a três anos[17], razão pela qual o crime de ameaça agravado da alínea a) do n.º 1 do artigo 155º contempla, necessariamente, os casos em que a ameaça de qualquer um dos crimes previstos no n.º 1 do artigo 153º é feita através da concretização dos meios a empregar, constituindo estes crime punível com pena de prisão superior a três anos, isto é, quando se anunciam os meios a empregar na prática do crime objecto da ameaça, constituindo aqueles meios crime punível com pena de prisão superior a três anos.

Não consonante com a realidade, também, a conclusão a que chega Taipa de Carvalho, segundo a qual o disposto na actual alínea a) do n.º 1 do artigo 155º do Código Penal (antes da Revisão, n.º 2 do artigo 153º) não tem campo de aplicação.

Com efeito, como bem salienta o Exmo. Procurador-Geral Adjunto nas circunstanciadas e doutas alegações que apresentou, no capítulo relativo aos crimes contra a vida, é possível configurar situação real em que a ameaça possa ser cometida através de prenúncio de mal que constitua crime contra a vida punível com pena de prisão não superior a três anos. É o que sucede, por exemplo, no caso de ameaça feita com a prática do crime de incitamento ou ajuda ao suicídio, previsto e punível no artigo 135º, n.º 1[18] – o agente, conhecedor de que uma determinada pessoa pretende suicidar-se ou sabedor de que certa pessoa já tentou suicidar-se algumas vezes, ameaça o respectivo pai, mãe ou cônjuge de que irá auxiliá-la a levar por diante o seu propósito ou irá instigá-la a suicidar-se[19]. Estamos aqui, sem dúvida, perante uma ameaça relevante[20].

                                         *

Termos em que se acorda fixar a jurisprudência seguinte:

«A ameaça de prática de qualquer um dos crimes previstos no n.º 1 do artigo 153º do Código Penal, quando punível com pena de prisão superior a três anos, integra o crime de ameaça agravado da alínea a) do n.º 1 do artigo 155º do mesmo diploma legal».

Sem tributação.

                                        *

Supremo Tribunal de Justiça, 20 de Fevereiro de 2013

Oliveira Mendes (Relator)

- Souto de Moura

- Maia Costa

- Pires da Graça

- Raul Borges

- Isabel Pais Martins

- Manuel Braz

Pereira Madeira

- Santos Carvalho

- Henriques Gaspar

- Rodrigues da Costa

- Arménio Sottomayor

- Santos Cabral

- Noronha Nascimento.

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[1] - Serão deste diploma legal todos os demais preceitos a citar sem menção de referência.
[2] - O texto que a seguir se transcreve corresponde ipsis verbis ao das alegações apresentadas.
[3] - O texto que a seguir se transcreve corresponde ipsis verbis ao do acórdão recorrido.
[4] - No mesmo sentido se decidiu nos acórdãos da Relação de Lisboa de 10.11.04, da Relação do Porto de 11.02.23, da Relação de Évora de 12.03.06 e da Relação de Guimarães de 12.07.11, proferidos nos Processos n.ºs 417/06.7PEOER.L1, 664/08.7GBPNF.P1, 976/08.0TASTB.E1 e 342/08.7BVVD.G1, respectivamente.
Mostram-se concordantes com esta posição, conquanto sem concreta abordagem da questão aqui debatida, Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal (2ª edição – 2010), 479, e Manuela Valadão, Politeia (Ano VI/Ano VII – 2009-2010), “Algumas questões sobre os crimes contra a liberdade pessoal na revisão de 2007 do Código Penal”, 97/100.

[5] - O texto que a seguir se transcreve corresponde ipsis verbis ao do acórdão fundamento.
[6] - Não foi encontrada qualquer outra decisão no sentido da proferida no acórdão fundamento.

[7] - Cf. Comentário Conimbricense do Código Penal (2ª edição - 2012), I, 556/ 560.
[8] - Cf. Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal - Parte Especial , 81/82.

[9] - É o seguinte o texto do corpo do artigo 379º, do Código pré-vigente:
«Aquele que, por escrito assinado, ou anónimo ou verbalmente, ameaçar outrem de lhe fazer algum mal que constitua crime, quer lhe imponha, quer não, qualquer ordem ou condição, será condenado a prisão correcional até três meses e multa até um mês».
[10] - A fonte do preceito é o n.º 1 do § 241 do Código Penal alemão, sob a epígrafe Bedrohung Ameaça, cujo texto é o seguinte:
«Quem ameace uma pessoa com a prática de um crime, contra ela ou contra pessoa que lhe seja próxima, é punido com pena de prisão até um ano ou com multa».
[11] - Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Acta n.º 24 (relativa à sessão ocorrida no dia 17 de Março de 1990), 232.

[12] - Cf. Acta atrás referida.
[13] - Este preceito teve por fonte o § 106 do Código Penal austríaco, norma que, sob a epígrafe de Schwere Nötigung - Coacção Agravada, estabelece que o crime de coacção agravada se verifica quando a coacção é feita através de ameaça de morte, de uma mutilação considerável ou desfiguração impressionante, de sequestro, de incêndio criminoso, de risco de energia nuclear, de radiação ionizante ou explosivos, ou de destruição das condições económicas e sociais de vida.

[14] - Anteriormente (redacção introduzida pelo DL 48/95, de 15 de Março) era o seguinte o texto do artigo 155º:
«Coacção grave
1. Quando a coacção for realizada:
a) Por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos; ou
b) Por funcionário com grave abuso de autoridade;
o agente é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.
2. A mesma pena é aplicada se, por força da coacção, a vítima ou a pessoa sobre a qual o mal deve recair se suicidar ou tentar suicidar-se».
Na versão originária do Código a coacção grave encontrava-se prevista no artigo 157º, sendo o seguinte o respectivo texto:
«1. Quando a coacção for feita:
a) Através da ameaça de crime a que corresponda pena superior a 3 anos de prisão;
b) Por funcionário, com grave abuso da sua autoridade;
c) Através de ameaça da qual resulte. Como consequência adequada, suicídio ou tentativa de suicídio da pessoa ameaçada ou daquela sobre a qual o mal deve recair;
a pena será a de prisão de 6 meses a 3 anos.
2. No caso da alínea b) do número anterior, se a coacção visar obter dinheiro, serviços ou qualquer outra coisa que não seja devida, a prisão poderá elevar-se a 5 anos».

[15] - Com a ressalva de que a Lei n.º 59/07, de 4 de Setembro, alargou o âmbito da agravação equiparando-a ao da agravação da coacção, ou seja, estabeleceu outros casos de agravação da ameaça.
[16] - Sublinhado nosso.

[17] - Curiosamente no acórdão recorrido, conquanto com a assunção de consequências distintas, também se considera que todos os crimes contra a vida, através dos quais é possível ameaçar, são puníveis com pena de prisão superior a 3 anos.

[18] - É do seguinte teor o n.º 1 do artigo 135º:
«Quem incitar outra pessoa a suicidar-se, ou lhe prestar ajuda para esse fim, é punido com pena de prisão até três anos, se o suicídio vier efectivamente a ser tentado ou a consumar-se».
[19] - Como é sabido, a pessoa objecto da ameaça e a pessoa objecto do crime ameaçado poderão não coincidir, tal qual aliás expressamente consta do n.º 1 do § 241 do Código Penal alemão, normativo que, como já se deixou consignado, constitui fonte do n.º 1 do artigo 153º. Como referiu Figueiredo Dias no seio da Comissão de Revisão do Código Penal (Acta n.º 24, relativa à sessão realizada em 17 de Março de 1990): «O sujeito passivo da ameaça pode ser ou não a vítima do crime. O que vale aqui é a ameaça com a prática de um crime, seja ou não na pessoa do ameaçado. Sempre se entendeu assim».

[20] - E o mesmo se verifica relativamente ao crime de homicídio a pedido da vítima, previsto e punível no artigo 134º, n.º 1.