Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
318/07.1TTFAR.E1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA
BANCÁRIO
DEVER DE LEALDADE
Data do Acordão: 11/23/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
1.  O apurado comportamento da autora — apropriação de valores entregues pelos clientes da ré para depósito nas respectivas contas bancárias para afectar ao seu proveito pessoal e a execução de operações de liquidação, anulação e/ou lançamento de montantes nas aludidas contas bancárias em desconformidade com as determinações dos respectivos titulares, de forma a obter para si os montantes nessas operações reportados e manipular registos informáticos correspondentes a esses movimentos — violou, grave e culposamente, o dever de lealdade previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 121.º do Código do Trabalho de 2003.

2.  Com efeito, exige-se dos trabalhadores bancários que assumam uma postura de inequívoca transparência e que exerçam as suas funções de forma idónea, leal e de plena boa fé, com respeito pelas disposições legais e pelas normas emanadas dos respectivos Conselhos de Administração, de forma a preservar a imagem dos bancos empregadores enquanto instituições, pelo que a autora, com o seu comportamento grave e culposo, pôs em crise a permanência da confiança em que se alicerçava a relação de trabalho e que, insubsistindo, torna imediata e praticamente impossível a sua manutenção, verificando-se, assim, justa causa para o despedimento.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                    I

1. Em 28 de Junho de 2007, no Tribunal do Trabalho de Faro, Secção Única, AA instaurou acção, com processo comum, emergente de contrato de trabalho contra BANCO BB, S. A., pedindo que fosse (i) declarado ilícito o respectivo despedimento face ao disposto nos artigos 429.º, alínea c), e 430.º, n.º 2, alínea b), do Código do Trabalho e (ii) a ré condenada a reintegrá-la, «na respectiva categoria profissional, sem perda de quaisquer direitos ou regalias, nomeadamente, carreira profissional e antiguidade e/ou indemnizá-la conforme a A. vier a optar, nos termos previstos na cl.ª 111.ª do ACT para o Grupo B… em vigor», bem como a pagar-lhe «todas as prestações normalmente vencidas e vincendas, desde o despedimento até à decisão final, incluindo, designadamente, o vencimento base, subsídios de almoço e todas as demais prestações contratualmente exigíveis e tudo o mais que for contratual e legal, encontrando-se vencidas, até à propositura [da] acção e em conformidade com as regras legais sobre a matéria (cfr. artigo 437.º, n.º 4, do Código do Trabalho), a importância […] de € 1.646,19, sendo as prestações normalmente vincendas, actualmente, à razão de € 1.646,19 cada mês, em função da retribuição paga pelo R.».

Para tanto, alegou que exercia para a ré funções administrativas e, em Março de 2005, recebeu uma nota de culpa, no âmbito de um processo disciplinar que a ré lhe instaurou, no qual foi proferida decisão final de despedimento com justa causa; no entanto, tal despedimento é ilícito, já que a junta médica solicitada pela autora no âmbito daquele processo disciplinar, e aceite pela ré, foi realizada sem a presença do perito indicado pela autora, o que determina a invalidade do processo disciplinar, por violação do princípio do contraditório, equivalendo à falta de audiência do arguido, e porque são improcedentes os motivos invocados para o despedimento.

A ré contestou, impugnando a factualidade alegada pela autora e pugnando pela validade do procedimento disciplinar e pela licitude do despedimento efectuado.

Realizado julgamento, foi exarada sentença, que julgou a acção procedente, declarou ilícito o despedimento da autora e condenou o Banco réu «a reintegrá-la na respectiva categoria profissional sem perda de quaisquer direitos ou regalias, nomeadamente, carreira profissional e antiguidade e, assim, pagar-lhe todas as prestações normalmente vencidas e vincendas, desde o despedimento até à decisão final, incluindo, designadamente, o vencimento base, subsídios de almoço e todas as demais prestações contratualmente exigíveis e tudo o mais que for contratual e legal, encontrando-se vencidas, até à propositura [da] acção, a importância de € 1.646,19, sendo as prestações normalmente vincendas, actualmente, à razão de € 1.646,19 cada mês, em função da sua retribuição».

2. Inconformada, a ré apelou para o Tribunal da Relação de Évora, que julgou procedente o recurso de apelação, revogou a sentença recorrida e considerou «que o R despediu a A com justa causa, improcedendo todos os seus pedidos», sendo contra aquela decisão da Relação que a autora, agora, se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as conclusões seguintes:

                 «I.    Foi o próprio Banco Recorrido que, ao apreciar o correspondente requerimento da Recorrente, decidiu do interesse na realização da Junta Médica em causa nestes autos.
                 II. A questão em apreço reduz-se à análise da composição, estrutura e funcionamento dessa Junta Médica, entidade chamada a pronunciar-se sobre tão importante e delicada matéria como aquela tratada nesta acção e respectiva decisão, sendo certo que aqueles elementos/requisitos se preenchem e realizam sempre sob a forma colegial, com representantes de ambas as partes, como melhor explicita a douta sentença da primeira instância.
                   III. Como se alcança do douto Parecer da Comissão Constitucional n.º 18/81, in Pareceres da Comissão Constitucional, 17.°-14 e ss.; AC. Trib. Const. n.º 434/87, de 04.11.1987: BMJ, 371.º-160), o conteúdo essencial do princípio do contraditório “está, de uma forma geral, em que nenhuma prova deve ser aceite na audiência, nem nenhuma decisão (mesmo interlocutória) deve ser tomada pelo Juiz sem que, previamente, tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade ao sujeito processual contra quem é dirigida de a discutir, de a contestar e de valorar”.
                   IV. As regras procedimentais e, bem assim, os princípios que informam o direito disciplinar laboral, mormente no âmbito do processo disciplinar com intenção de despedimento, são comuns aos do direito criminal. Estes acham-se consagrados no artigo 32.º da Constituição da República, cujo n.º 5 estabelece que todos os actos instrutórios que a lei determinar se encontram “subordinados ao princípio do contraditório”.
                   V.   O cumprimento do princípio do contraditório implica que na composição e funcionamento da Junta Médica se inclua sempre um representante de ambas as partes, mesmo que, no limite, devam ser observados e cumpridos os requisitos estabelecimentos no artigo 573.º do C. Processo Civil, referentemente à nova nomeação de peritos.
                   VI. De igual modo, no cumprimento desse princípio, as Juntas Médicas previstas no ACT aplicável são colegiais, compostas por três elementos, representando dois deles, cada uma das partes e um terceiro escolhido por estes para a completar.
                VII. No âmbito da cessação do contrato por iniciativa do empregador, a lei rodeia-se dos maiores cuidados, utilizando mecanismos de controlo apertados de forma a que, na prática, não resulte defraudada a aplicação do próprio conceito legal da justa causa de despedimento.
              VIII.    No caso vertente, a entidade – Junta Médica – chamada a pronunciar-se sobre decisiva e importante matéria (doença incapacitante da Recorrente), embora previamente constituída regularmente, não reuniu todos os três elementos para a decisão final que foi tirada apenas por dois deles, faltando, para esse efeito, o perito médico representante da ora Recorrente. Assim,
                   IX. Importa, pois, garantir a conformidade do direito ao exercício do referido princípio do contraditório e das regras procedimentais deste, emergentes no tocante à estrutura e funcionamento e procedimento decisório das entidades chamadas a pronunciarem-se sobre matérias do teor e responsabilidade equivalente à dos autos e impedir que qualquer decisão final seja tomada sem que sejam aferidas as posições das partes envolvidas.
                   X.  Contrariamente, o próprio Recorrido reconhece a existência, no caso, de parecer médico contrário àquele em que ele apoia a sua decisão, sendo certo que tal opinião diversa ficou sempre referida nos vários pareceres subscritos pelo médico da Recorrida representante desta na Junta Médica. Tal opinião não pode ser apressadamente desvalorizada mesmo para auxílio da tese (aliás, absurda) da falta do médico representante da Recorrida a uma reunião da Junta Médica (de resto, refere-se tal falta desse médico até foi também justificada). 
                   XI. É totalmente absurda e inaceitável a todos os níveis e no mais elementar raciocínio fazer corresponder a falta do médico à reunião da Junta Médica (falta justificada, repete-se) ao conceito de justa causa para despedimento da Recorrente, atribuindo-lhe um enquadramento jurídico/adequado como se de uma “falta justificada” ao trabalho da própria Recorrente se tratasse.
               XII.    “Mutatis mutandis”, seria inimaginável, no âmbito das regras relativas à apreciação e decisão da matéria de facto por um tribunal colectivo, admitir a hipótese de validar a decisão tomada apenas por dois juízes por falta/ausência pontual do terceiro. Como bem esclarece a douta sentença do Tribunal da 1.ª Instância, a lei busca sempre soluções para que a composição colegial seja respeitada sem recurso artificioso e violação do princípio do contraditório ou, dizendo de outro, em transgressão das regras da transparência e independência do julgamento.
              XIII.   O Banco Recorrido nem sequer requereu na presente acção — que sempre lhe seria possível — a realização de nova Junta Médica composta por outros elementos e/ou sob a égide do Tribunal para resposta às questões clínicas colocadas nos autos. E dessa sua inércia (sibi imputet), só o Recorrido se pode queixar.
              XIV.   Face ao exposto, verifica-se que o douto Acórdão recorrido violou de forma evidente e ostensiva a lei substantiva, entre outros, o disposto nas cl.as 75.ª e 115.ª do ACT do Grupo B… publicado no BTE n.º 48, I Série, de 29.12.2001 e respectivas alterações aplicáveis e, ainda, o n.º 1 do artigo 414.º do C.T. aplicável (cfr. a respeito do actual n.º 1 do artigo 356.° do (actual) C.T., o Acórdão n.º 388/10 do Tribunal Constitucional com força obrigatória geral publicado no D.R. I Série, [n.º] 216, de 08.11.2010), com as necessárias adaptações, o artigo 32.°- 5 da Constituição da República e, ainda, o n.º 3 do artigo 351.° do Código do Trabalho [de 2009].
               XV.    O Tribunal a quo pronunciou-se sobre matéria que nem sequer foi objecto da Apelação e, assim, não lhe foi submetida a apreciação e julgamento.
              XVI.   Quanto à questão de saber da correcta aplicação ao caso da qualificação de justa causa para despedimento ao comportamento verificado, este deve ser apreciado e avaliado globalmente com a demais matéria de facto, a saber:
                       «À data da apresentação da dita resposta à nota de culpa, a Autora tinha 24 anos de antiguidade, tendo sido promovida por mérito duas vezes.
                         A Autora não tem qualquer antecedente disciplinar.
                         A Autora confessou os factos.
                         A Autora ressarciu o Banco ora Réu de todas as quantias que este indicou.
                         A Autora assegurou ao serviço do Réu funções de Assistente Comercial e este classificou aquela com a categoria contratual de Assistente de Cliente.”
             XVII.   O elemento “Confiança” próprio do contrato de trabalho subordinado, deve ser observado na análise do caso concreto a decidir sempre mediante observância rigorosa do comando contido no n.º 3 do artigo 351.° do Código do Trabalho [de 2009].
           XVIII.    Não respeitar nem aplicar esta norma legal com o fundamento de que o dever de lealdade é um dever absoluto e não admite gradações é fazer tábua rasa de um comando legal essencial na aplicação da justiça e reduzir a letra morta e sem qualquer significado, alcance ou interesse, a aplicação de princípios legais essenciais como os princípios da proporcionalidade e da equidade, sujeitando a aplicação da lei e, consequentemente, da justiça a critérios de oportunidade e de interpretação meramente subjectiva.
             XIX. Para ser aplicada a última e mais grave sanção disciplinar — o despedimento com justa causa — torna-se necessário articular com detalhe o teor e alcance do conjugadamente disposto no n.º 3 do artigo 351.° e n.º 4 do artigo 357.°, ambos do Código do Trabalho. Assim, o comportamento do trabalhador deve ser de tal modo grave que, em termos definitivos, não haja possibilidade de manter a relação de trabalho e, para o avaliar, devem ser usados apenas e tão somente os básicos ensinamentos do entendimento próprio de um bom pai de família ou, melhor dizendo, de um empregador normal, para valorização da culpa e da gravidade da infracção com razoabilidade e objectividade, em ordem e sempre sob a égide do princípio da proporcionalidade, pelo que
                         No caso, não se encontram reunidos os requisitos do conceito de justa causa para despedimento.»

Refere, a final, que o acórdão recorrido deve ser revogado, «confirmando-se a decisão da primeira instância de forma integral, para se fazer JUSTIÇA».

A ré contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta concluiu não se verificar a invocada nulidade do procedimento disciplinar por violação do direito ao contraditório e que o despedimento está fundamentado em justa causa, pelo que a revista devia improceder, parecer que, notificado às partes, não suscitou resposta.

3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar:

              –   Se o procedimento disciplinar é inválido, por violação do princípio do contraditório (conclusões I a XIV da alegação do recurso de revista);
                Se ocorre justa causa para o despedimento da autora (conclusões XVI a XIX da alegação do recurso de revista).

Refira-se que a recorrente invocou, na conclusão XV da alegação do recurso de revista, que «[o] Tribunal a quo pronunciou-se sobre matéria que nem sequer foi objecto da Apelação e, assim, não lhe foi submetida a apreciação e julgamento».

Se a autora pretendeu, por esta via, invocar a nulidade do acórdão recorrido, por excesso de pronúncia, o certo é que, no requerimento de interposição do recurso de revista, não deduziu qualquer arguição neste sentido.

Ora, a arguição de nulidade da sentença em contencioso laboral, face ao preceituado no artigo 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, deve ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso, com vista a habilitar o tribunal recorrido a pronunciar-se sobre as nulidades invocadas no requerimento que lhe é dirigido e proceder eventualmente ao seu suprimento, sendo entendimento jurisprudencial pacífico que essa norma é também aplicável à arguição de nulidade do acórdão da Relação, por força das disposições conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, alínea a), desse Código e 716.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, de onde resulta, conforme tem sido reiteradamente afirmado por este Supremo Tribunal, que essa arguição, no texto da alegação do recurso, é inatendível por intempestividade.

Registe-se, ainda, que, tendo o despedimento ocorrido em 19 de Dezembro de 2006, portanto, em plena vigência do Código do Trabalho de 2003, que entrou em vigor no dia 1 de Dezembro de 2003 (n.º 1 do artigo 3.ª da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto), atento o disposto nos artigos 8.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, e 7.º, n.º 1, da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, aplica-se o regime jurídico acolhido naquele Código.

Corridos os «vistos», cumpre decidir.

                                              II

1. Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objecto de impugnação pelas partes, e não se verifica qualquer das situações que permitem a este Supremo Tribunal alterá-los ou promover a sua ampliação (artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil).

Por conseguinte, face ao disposto nos artigos 713.º, n.º 6, e 726.º do Código de Processo Civil, dá-se aqui por inteiramente reproduzida essa factualidade, sem embargo de serem discriminados, pontualmente, aqueles factos que se afigurem relevantes para a decisão do objecto do recurso.

2. Em primeira linha, a autora defende que, estando demonstrado que a junta médica solicitada pela recorrente e que a recorrida deferiu, no âmbito do processo disciplinar, não foi realizada com a presença do perito médico por si indicado, tem de se concluir pela nulidade daquele processo disciplinar, por violação do princípio do contraditório, princípio basilar da defesa da recorrente, pelo que, não tendo assim decidido, o acórdão recorrido «violou de forma evidente e ostensiva a lei substantiva, entre outros, o disposto nas cl.as 75.ª e 115.ª do ACT do Grupo B… publicado no BTE n.º 48, I Série, de 29.12.2001 e respectivas alterações aplicáveis e, ainda, o n.º 1 do artigo 414.º do C.T. aplicável (cfr. a respeito do actual n.º 1 do artigo 356.º do (actual) C.T., o Acórdão n.º 388/10 do Tribunal Constitucional com força obrigatória geral publicado no D.R., I.ª Série, [n.º] 216, de 08.11.2010), com as necessárias adaptações, o artigo 32.º- 5 da Constituição da República e, ainda, o n.º 3 do artigo 351.º do Código do Trabalho».

O tribunal de primeira instância declarou ilícito o despedimento da autora dada «a absoluta necessidade dela [imputabilidade] ser averiguada e declarada ou não pelo único órgão para tal competente à face da lei (o dito ACT) e pelo modo nela previsto (a saber, a decisão, colegial, tirada pela junta médica) com vista a, eventualmente, a Autora ser reformada por invalidez».

Diversamente, o aresto recorrido entendeu que o procedimento disciplinar em causa não padecia daquele vício, posto que a realização da junta médica apenas foi requerida com vista a definir o direito da autora a passar à reforma por invalidez e não como meio de defesa dos factos que alegou na resposta à nota de culpa.

Neste particular, o acórdão recorrido explicitou a fundamentação seguinte:

                   «Na sua petição inicial, a A alegou, entre outros fundamentos do seu pedido, que a diligência de prova por junta médica que tinha requerido no decurso do processo disciplinar e que foi aceite pelo R, não se chegou a realizar, pois sendo efectuada apenas por dois peritos nem se chegou a constituir a requerida junta médica.
                      E conclui daqui que tal situação acarreta a invalidade do processo disciplinar por grosseira violação do princípio do contraditório, equivalendo à falta de audiência do arguido.       
                      Ora, antes de mais temos de dizer que esta diligência não foi requerida na resposta à nota de culpa, onde a trabalhadora se limitou a alegar que “é seguida em consulta de psiquiatria por sofrer de síndrome depressivo grave que lhe determina designadamente dificuldades cognitivas”. Mais alegou que não fora tal doença teria tido o discernimento para não praticar os actos de que foi acusada.
                      Para prova destes e doutros factos que alegou, indicou testemunhas, entre elas um médico psiquiatra, o Dr. CC e a médica de clínica geral, Drª DD.
                      Notificada a trabalhadora para apresentar as suas testemunhas para audição, logrou esta apresentá-las, salvo quanto ao médico psiquiatra, limitando-se a A a juntar um relatório médico da sua autoria.
                      Donde se colhe que não foi requerida em sede de defesa da arguida a realização de exame por junta médica.
                      Na verdade, foi só em 15 de Julho de 2005, quando já se tinha procedido às diligências requeridas pela defesa e quando o próprio processo disciplinar já tinha sido enviado no dia anterior à Comissão de Trabalhadores do R, para este órgão se pronunciar sobre o despedimento da trabalhadora, que o Banco Réu recebeu a carta que a Autora lhe dirigiu e em que se dizia que “Conforme podem verificar pelo relatório médico que junto e aqui dou por reproduzido para todos os devidos e legais efeitos, encontro-me numa situação de invalidez que determina a minha passagem à situação de reforma por invalidez, o que solicito”; e, “Para a eventualidade de não concordarem com a minha situação de invalidez, desde já venho requerer, ao abrigo da cl.ª 112.ª do ACT, a realização de uma junta médica, apresentando o acima referido relatório médico justificativo da minha situação de invalidez e indico como meu médico, para me representar na Junta Médica, o Sr. Dr. CC, médico psiquiatra com consultório na Rua …, urbanização Varandas …, Lote … - Loja …., …”.
                      Perante tal solicitação da trabalhadora, proferiu o instrutor o seguinte despacho: a/. “Compulsado o requerimento de fls. 287 e verificando que a sua fundamentação reporta a um relatório médico cujo original se encontra a fls. 249 e sgts., que foi objecto de ponderação crítica que dele se fez no relatório conclusivo de fls. 254 e sgts. e tende claramente a discordar da pretensa situação de invalidez aí referida, a instada junta médica compreende-se dentro da previsão da cl.ª 115.ª do ACT do Grupo B…, que vigora neste preciso momento, sendo deferível, mas ficando comprometida na sua realização caso neste processo se decida pelo despedimento da Colaboradora arguida proposto no relatório de fls. 254 e sgts., sobre o qual a comissão de trabalhadores nenhuma oposição deduziu”;
                      b/. “Assim sendo, dado o evidente interesse na realização da instada junta médica para se determinar a sorte final destes autos — que poderão descambar no seu arquivamento determinado pela eventual reforma da Colaboradora arguida, caso se verifique o seu alegado e definitivo estado de invalidez para o trabalho, ou pela preanunciada decisão rescisória — a viabilidade da realização daquele exame colegial e o apuramento da verdade material do facto controvertido que a Colaboradora arguida pretende efectivar com a junta médica que insta são razões atendíveis para se deferir a tal extensão do requerimento de prova apresentado em sede da defesa e se ordenar a imediata reabertura da fase do contraditório para efeitos exclusivos dessa junta médica, situação processual que vai de encontro às legítimas pretensões da defesa da Sr.ª AA”.
                      Donde se colhe que o R, ao deferir o pedido da A visou beneficiá-la, permitindo o arquivamento do processo disciplinar caso se concluísse pela invocada invalidez, com o consequente direito desta a receber a respectiva reforma.
                      O que se compreende pois caducando a relação laboral por esta via, cessava o poder disciplinar da entidade patronal, o que determinaria o arquivamento do processo, conforme se diz no despacho do instrutor.
                      Portanto, a defesa da trabalhadora que estava em causa e que o instrutor refere no seu despacho era esta — a de proporcionar à trabalhadora o direito a ficar com a sua reforma caso a junta médica confirmasse a situação de invalidez que refere, ao invés de se proferir decisão rescisória, caso em que tal direito ficava comprometido, dado o especial regime de reforma dos trabalhadores bancários.
                       […]
                      Face a este circunstancialismo, a primeira conclusão que retiramos é que esta diligência de junta médica não constituía uma diligência que tivesse sido requerida em sede de defesa da trabalhadora, pois a sua realização não foi solicitada na resposta à nota de culpa, conforme preceitua o artigo 413.º do CT de 2003.
                      Assim sendo, mesmo que se pudesse concluir que a mesma fosse ilegal, por não ter sido realizada por três peritos, conforme argumenta a A, nunca poderíamos considerar que o processo disciplinar é nulo, pois foi respeitado o direito do contraditório em relação às diligências que a trabalhadora requereu nesta peça do processo disciplinar.
                      Na verdade e conforme prescreve o artigo 430.º do CT, o processo disciplinar só é considerado nulo nos casos mencionados nas várias alíneas do seu n.º 2.
                      Por isso e tendo-se respeitado o contraditório com a abrangência prevista nos artigos 413.º e 414.º para que remete o artigo 430.º, n.º 2, alínea b), todos do CT, temos de concluir que de nenhum vício padece o procedimento que conduziu ao despedimento da trabalhadora.
                      Donde resulta que a nulidade da junta médica para avaliar da situação de invalidez da A, ainda que exista, jamais pode pôr em causa a validade do processo disciplinar, em virtude desta diligência se situar fora do âmbito das previsões dos artigos 413.º e 414.º do CT. 
                      Aliás seria absolutamente escandaloso que esta pretensa ilegalidade pudesse inquinar tal validade, pois trata-se duma diligência a que a R procedeu sem ser obrigada a isso e deferiu-a para favorecer a trabalhadora e para lhe permitir o acesso à reforma, caso se confirmasse a sua situação de invalidez e a que só teria direito se se mantivesse a relação laboral.
                      Na verdade, não está vedada à entidade patronal a possibilidade de levar a cabo as diligências que entender por convenientes, mesmo após a resposta à nota de culpa, e que tenham por fim o apuramento da verdade dos factos que constem da resposta à nota de culpa, ou a averiguação de outros que tenham interesse para a decisão a proferir a final, desde que se mantenha dentro dos limites da acusação.
                      Por outro lado, tem ainda o instrutor o dever de carrear para o processo todos os elementos de facto que se mostrem relevantes para habilitar a entidade patronal a tomar uma decisão conscienciosa e fundamentada, apenas não lhe sendo legítimo que ultrapasse a matéria que consta da acusação e em relação à qual o trabalhador teve a oportunidade de se defender, salvo se for para o favorecer, caso em que nenhuma limitação tem aquele.
                      Por isso, e face ao carácter inquisitório do processo disciplinar, onde o trabalhador não goza do direito de contraditório nos actos de produção de prova, pode a entidade patronal ouvir quem entender mesmo depois de apresentada a defesa do arguido, conforme defende Sousa Macedo, “O poder Disciplinar patronal”, pg. 150, pois o seu direito de defesa ocorre apenas em relação às acusações que lhe são formuladas na nota de culpa e não em relação a quaisquer meios de prova que tenham sido utilizados pelo instrutor do processo disciplinar.
                      Daqui só temos de concluir que, em termos de validade do processo disciplinar, nunca a irregularidade da junta médica poderia conduzir à nulidade daquele processo, por se tratar de diligência aceite pela entidade patronal já depois de ultrapassada a fase da produção de prova requerida pela defesa e face ao carácter inquisitório do processo disciplinar.
                      Por outro lado, esta junta médica destinava-se a apurar se a trabalhadora estava ou não incapaz para o trabalho e em condições para se reformar por invalidez, podendo quando muito a sua irregularidade ser arguida em sede de impugnação do seu veredicto e em acção intentada pelo trabalhador para lhe ser reconhecido o direito à reforma.
                      É certo que os peritos acabaram por se pronunciar no sentido da imputabilidade da trabalhadora, decisão de livre apreciação pela entidade patronal e a ponderar no contexto da globalidade da prova produzida.
                      Mas esta decisão tem que ser entendido no âmbito das diligências que a R sempre poderia levar a cabo face ao carácter inquisitório do processo disciplinar e dentro dos poderes que cabem ao instrutor de carrear para o processo todos os elementos de facto que se mostrem relevantes para habilitar a entidade patronal a tomar uma decisão conscienciosa e fundamentada.
                      […]
                      Concluímos assim que, face às razões expostas, nenhum vício podemos assacar ao processo disciplinar instaurado à A, tanto mais que a junta médica apenas foi requerida por esta com vista a definir o seu direito a passar à reforma por invalidez e não como meio de defesa dos factos que alegou na resposta à nota de culpa.»

Tudo ponderado, subscrevem-se, no essencial, as considerações transcritas e confirma-se o julgado, neste preciso segmento decisório.

Efectivamente, como bem decorre do estabelecido na alínea b) do n.º 2 do artigo 430.º do Código do Trabalho de 2003, diploma a que pertencem as normas adiante referidas, sem menção da origem, o princípio do contraditório aí aludido tem de ser entendido num sentido restrito, sendo concretamente estipulado para garantir a resposta à nota de culpa (artigo 413.º), a efectivação das diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa (artigo 414.º) e a audição do trabalhador no regime atinente às microempresas (artigo 418.º, n.º 2).

No caso, a ré salvaguardou a resposta à nota de culpa por parte da autora e procedeu à realização das diligências que esta requereu na resposta à nota de culpa, sendo certo que, perante a não apresentação do médico psiquiatra, a autora optou por juntar um relatório médico por ele subscrito.

Doutro passo, a efectivação da questionada junta médica foi requerida pela autora já depois de a ré ter realizado os actos instrutórios solicitados na resposta à nota de culpa, quando o processo disciplinar já estava pronto para apresentação à comissão de trabalhadores, a fim de que esta se pronunciasse (artigo 414.º, n.º 3), e, tal como salienta o acórdão recorrido, aquela diligência não tinha como objectivo o apuramento dos factos imputados à autora na nota de culpa, mas antes permitir-lhe a obtenção da situação de reforma, o que prejudicaria a aplicação de sanção disciplinar.
 
Improcedem, pois, as conclusões I a XIV da alegação do recurso de revista.

3. A recorrente sustenta, ainda, que para ser aplicada a mais grave sanção disciplinar ― o despedimento com justa causa ― o comportamento do trabalhador «deve ser de tal modo grave que, em termos definitivos, não haja possibilidade de manter a relação de trabalho e, para o avaliar, devem ser usados apenas e tão somente os básicos ensinamentos do entendimento próprio de um bom pai de família ou, melhor dizendo, de um empregador normal, para valorização da culpa e da gravidade da infracção com razoabilidade e objectividade, em ordem e sempre sob a égide do princípio da proporcionalidade».

E mais refere que o comportamento fundamentador da justa causa para o despedimento deve ser apreciado e avaliado globalmente, salientando, que «[à] data da apresentação da dita resposta à nota de culpa, a Autora tinha 24 anos de antiguidade, tendo sido promovida por mérito duas vezes. A Autora não tem qualquer antecedente disciplinar. A Autora confessou os factos. A Autora ressarciu o Banco ora Réu de todas as quantias que este indicou. A Autora assegurou ao serviço do Réu funções de Assistente Comercial e este classificou aquela com a categoria contratual de Assistente de Cliente», sendo que o dever de lealdade não é um dever absoluto e admite gradações.

3.1. Como é sabido, a proibição dos despedimentos sem justa causa recebeu expresso reconhecimento constitucional no artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa, subordinado à epígrafe «Segurança no emprego» e inserido no capítulo III («Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores»), do Título II («Direitos, liberdades e garantias») da Parte I («Direitos e deveres fundamentais»).

Por seu turno, a disciplina legal do despedimento por facto imputável ao trabalhador acha-se contida no artigo 396.º do Código do Trabalho de 2003, diploma a que pertencem os demais preceitos a citar adiante, sem menção de origem.

De harmonia com o preceituado no artigo 396.º constitui justa causa de despedimento «[o] comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho» (n.º 1).
O conceito de justa causa formulado neste normativo integra, segundo o entendimento generalizado tanto na doutrina, como na jurisprudência, três elementos: a) um elemento subjectivo, traduzido num comportamento culposo do trabalhador, por acção ou omissão; b) um elemento objectivo, traduzido na impossibilidade da subsistência da relação de trabalho; c) o nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.

Ora, verifica-se a impossibilidade prática da subsistência da relação laboral, quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, susceptível de criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele.

Na concretização do critério geral para determinação da justa causa, o n.º 3 do artigo 396.º indica alguns comportamentos do trabalhador que podem configurar justa causa de despedimento, indicação que assume natureza exemplificativa.

Por outro lado, os deveres do trabalhador são listados no artigo 121.º, sendo que o incumprimento baseado no comportamento ilícito e culposo do trabalhador tanto pode proceder do desrespeito de deveres principais, como o dever de realizar o trabalho com zelo e diligência [alínea c)], de deveres secundários, como o dever de velar pela conservação e boa utilização dos bens relacionados com o seu trabalho [alínea f)], ou de deveres acessórios de conduta, deduzidos do princípio geral da boa fé no cumprimento das obrigações, acolhido no n.º 2 do artigo 762.º do Código Civil e reiterado no artigo 119.º do Código do Trabalho, figurando, entre eles, o dever de cumprir as ordens e instruções do empregador em tudo o que respeite à execução e disciplina do trabalho e o dever de lealdade [alíneas d) e e)].

Como afirma MONTEIRO FERNANDES, «em geral, o dever de fidelidade, de lealdade ou de “execução leal” tem o sentido de garantir que a actividade pela qual o trabalhador cumpre a sua obrigação representa de facto a utilidade visada, vedando-lhe comportamentos que apontem para a neutralização dessa utilidade ou que, autonomamente, determinem situações de “perigo”(-) para o interesse do empregador ou para a organização técnico-laboral da empresa(-)», o que aponta no sentido de que «o dever geral de lealdade tem uma faceta subjectiva que decorre da sua estreita relação com a permanência de confiança entre as partes (nos casos em que este elemento pode considerar-se suporte essencial de celebração do contrato e da continuidade das relações que nele se fundam)» e que, encarado de um outro ângulo, «apresenta também uma faceta objectiva, que se reconduz à necessidade do ajustamento da conduta do trabalhador ao princípio da boa fé no cumprimento das obrigações», «com o sentido que lhe é sinalizado pelo art. 119.º/1 CT», donde promana, «no que especialmente respeita ao trabalhador, o imperativo de uma certa adequação funcional ― razão pela qual se lhe atribui um cariz marcadamente objectivo ― da sua conduta à realização do interesse do empregador, na medida em que esse interesse esteja “no contrato”, isto é, tenha a sua satisfação dependente do cumprimento (e do modo do cumprimento) da obrigação assumida pela contraparte» (Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, pp. 231-234).

3.2. Resulta da matéria de facto apurada que a autora foi admitida ao serviço da ré para, sob as suas ordens, direcção e mediante retribuição, lhe prestar trabalho subordinado com a categoria profissional de assistente de cliente.

No âmbito das suas funções competia à autora proceder a movimentos e operações bancárias que lhe fossem solicitadas pelos clientes do réu ou por este e, nesse particular, ficou demonstrado que:

                   «A Sr.ª EE é titular no Banco Réu da DO n.º … e da conta Poupança Reformado nº …, no valor de 10.534,90 €.
                      Em 4 de Janeiro de 2002, e na falta da exigível instrução formal subscrita pela Sr.ª EE, a Autora executou a operativa de liquidação daquela aplicação, com o que se aumentou a disponibilidade de saldo da associada DDA n.º …de € 17,04 para € 10.551,94.
                      Em 7 de Janeiro de 2002, munida dum impresso destinado a realizar levantamentos em numerário ao balcão e do qual se apossara após lograr obter da Sr.ª EE a aposição duma assinatura de saque, a colaboradora arguida instou o Colaborador FF que, por contrapartida da execução de operativa validada sob esse talão n.º …, debitasse a DDA n.º … pelo montante de 7.482,00 € e lhe entregasse esta verba em numerário para ela a dar à sobredita Cliente.
                      Ao invés do que invocara perante o Operador n.º …, que lhe acabou por confiar a entrega da quantia referida no art. 11.°, a Autora apropriou-se desse valor de 7.482,00 € em numerário para o afectar ao seu proveito pessoal.
                      Em 15 de Outubro de 2004, e já após ter sido suspensa em 18/08/04 da prestação efectiva de funções no âmbito do decurso do presente processo disciplinar, a Autora efectuou um depósito em numerário no valor de 7.500,00 € e para crédito da sobredita DDA n.º …, assim reparando o sobredito prejuízo que causara à Cliente EE.
                      Em 10 de Janeiro de 2002, a Sr.ª GG entregou à Autora a quantia de 700 contos (3.491,59 €) em numerário para depósito da conta DDA n.º …, titulada pelo Sr. HH, tendo esta Assistente Comercial recepcionado tal depósito e dele dado quitação mediante a aposição da sua rubrica no correspondente talão n.º ….
                      No lugar de diligenciar pelo processamento do depósito referido, validando-o informaticamente e diligenciando pela junção do aludido montante às existências físicas em numerário à guarda da sindicada Sucursal, a Autora preferiu apropriar-se da indicada quantia para a utilizar em proveito próprio.
                      A Sr.ª II é titular da DOA n.º …, associada à qual fora constituída a aplicação em Conta Poupança A… n.º ….
                      No período compreendido de 15/05/02 a 05/11/03, a Autora processou as seguintes liquidações parciais afectando a sobredita Conta Poupança A... n.º …, [descritas no atinente mapa constante da matéria de facto dada como provada].  
                      No entanto, exceptuando as liquidações parciais que a Autora processou em 05/09/02 e 12/03/03, todas as restantes transacções descritas foram processadas sem conhecimento ou autorização e na falta das exigíveis instruções formalizadas pela referida Cliente II.
                      A Autora acabou por ser a beneficiária das sobreditas liquidações parciais da aplicação da referida Sr.ª II, já que se apropriou da maior parte da quantia global de € 42.876,52 que obteve mediante sucessivos levantamentos em numerário que, ela própria e como operadora n.º …, processou por contrapartida dos seguintes saques titulados por cheques que logrou obter da referida Cliente:
              Data         Valor         Cheque n.º     FIs./PD                       Data        Valor          Cheque n.º          Fls./PD
          07/05/02    3.500,00    ---------------        30/33      21/06/02    7.000,00     --------------          30/34
          09/07/02  10.115,67   ----------------       30/35      06/09/02     5.115,67    -----------------          30/36
          13/02/03  10,000,00   ----------------        31/37      13/01/03    6.100,00     -------------------        32/38
                      A sociedade Cliente JJ - CRL é titular da conta DOA n.º ---.
                      Em 28 de Agosto de 2003, e para crédito da sobredita conta n.º ---, a JJ - CRL, efectuou um depósito nocturno no valor de € 5.196,71 que a Autora validou em sistema e em duplicado, assim gerando uma falha de caixa nesse montante.
                      Naquele mesmo dia (28/08/03), e assim que se apercebeu de que a Gerência da sindicada Sucursal de Vila Real de Santo António se prontificava para efectuar uma conferência das existências físicas em numerário à guarda deste estabelecimento, a Autora resolveu tapar a referida falha de caixa pelo processamento em caixa de uma operativa de anulação do depósito no valor de € 6.500,00 que ela processara nesse mesmo dia e para crédito da DDA n.º …, titulada pelo Sr. KK.
                      A Autora já fizera reiterado uso do atrás descrito, ao afectar aquela conta do Sr. KK por sucessivas e afins movimentações a crédito, que estornou de seguida e nas circunstâncias que se passam a elencar, [descritas no atinente mapa constante da matéria de facto dada como provada].
                      Analisada a movimentação da DDA n.º … do Cliente KK, verificou-se em 21/05/04 o seguinte:
                     a)    A partir de Fevereiro de 2004, ocorreu redução significativa do seu saldo médio contabilístico de 2.875,70€ em resultado da inexistência, quase total, do processamento de transacções, sendo o último depósito efectuado em 30/01/04; e,
                     b)    Ocorreu a desmobilização das aplicações associadas esta conta, que se reduziram à expressão da constituída sob a modalidade de Poupança Soma e Segue II no valor de 40.153,95 € após ter sido resgatada, em 10/05/04, a que se constituíra por AF Curto Prazo de 31.031,31 € e, assim, possibilitou um levantamento em numerário imediato no valor de 31.718,08 €.
                      Em 13 de Abril de 2004, a referida JJ - CRL alertou o Réu para a duplicação referida atrás, autorizando a Instituição a estornar um dos créditos processados pelo valor de 5.196,71 € com vista à rectificação do crédito.

3.3. O apurado comportamento da autora não pode deixar de considerar-se particularmente grave e censurável, já que contactando directamente com os clientes da ré e com acesso às movimentações das respectivas contas bancárias, está pressuposta uma maior exigência e acuidade quanto aos deveres de zelo e diligência.

Efectivamente, o comportamento da autora — apropriação de valores entregues pelos clientes da ré para depósito nas respectivas contas bancárias para afectar ao seu proveito pessoal e a execução de operações de liquidação, anulação e/ou lançamento de montantes nas aludidas contas bancárias em desconformidade com as determinações dos respectivos titulares, de forma a obter para si os montantes nessas operações reportados e manipular registos informáticos correspondentes a esses movimentos — violou, grave e culposamente, o dever de lealdade previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 121.º do Código do Trabalho, que se refere, como já se aludiu, «à necessidade do ajustamento da conduta do trabalhador ao princípio da boa fé no cumprimento das obrigações», relacionando-se com a ideia de boa fé as ideias de fidelidade, lealdade, honestidade e confiança na realização e cumprimento dos negócios jurídicos (cf. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. II, Coimbra Editora, 1968, p. 2).

Verificada a existência de um comportamento ilícito e culposo por parte do trabalhador, terá de se ponderar se o respectivo despedimento, sanção máxima disciplinar, é proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor.

Ora, o comportamento praticado pela autora, de forma reiterada e ao longo do tempo, além de violar a regra que estipula que o trabalhador deve guardar respeito e lealdade ao empregador, afectou a relação de confiança que deve existir entre o empregador e o trabalhador, gerando fundadas dúvidas sobre a idoneidade futura do desempenho das suas funções, bem como a inexigibilidade da manutenção da relação contratual, assente no cumprimento de um contrato intuitu personae, pelo que o despedimento mostra-se proporcional ao comportamento tido.

Com efeito, exige-se dos trabalhadores bancários que assumam uma postura de inequívoca transparência e que exerçam as suas funções de forma idónea, leal e de plena boa fé, com respeito pelas disposições legais e pelas normas emanadas dos respectivos Conselhos de Administração, de forma a preservar a imagem dos bancos empregadores enquanto instituições.
Há que reconhecer que a descrita conduta da autora, tal como bem salienta a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta, «foi altamente culposa e gravemente lesiva dos interesses da entidade patronal, tendo-se especialmente em conta que a actividade bancária assenta, necessariamente, na confiança que deve existir entre esta e o seu trabalhador, uma vez que é do respeito desta que depende, em muito, a credibilidade de que goza o banco “na praça” e dessa credibilidade, a sua carteira de clientes».

Refira-se, ainda, que a antiguidade da autora, a ausência de antecedentes disciplinares, a avaliação positiva do seu desempenho, a confissão dos factos e a circunstância de ter ressarcido o Banco réu «de todas as quantias que este indicou», são, sem dúvida, elementos a ponderar, mas não podem sobrepor-se à gravidade dos actos praticados; aliás, a sobredita antiguidade permitia-lhe ter plena consciência das consequências que a sua conduta iria provocar na permanência da confiança em que assentava a relação de trabalho, sendo que o bom comportamento anterior e as reconhecidas qualidades de trabalho não a desoneravam do cumprimento das suas obrigações, antes sugeriam um maior cuidado no modo de cumprimento das obrigações contratualmente assumidas.

Neste contexto, a autora, com o seu comportamento grave e culposo, pôs em crise a permanência da confiança em que se alicerçava a relação de trabalho e que, insubsistindo, torna imediata e praticamente impossível a respectiva manutenção, que não é razoável exigir à entidade empregadora, verificando-se, assim, justa causa para o despedimento, nos termos do artigo 396.º, n.º 1, do Código do Trabalho aplicável.

Improcedem, assim, as conclusões XVI a XIX da alegação do recurso de revista.

                                             III

Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas a cargo da recorrente.


Lisboa, 23 de Novembro de 2011

Pinto Hespanhol (Relator)

Fernandes da Silva

Sampaio Gomes