Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
312/15.9POLSB.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: MAIA COSTA
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
IMPUTABILIDADE DIMINUIDA
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 02/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO O RECURSO
Área Temática:
DIREITO PENAL – FACTO / FORMAS DO CRIME / CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES – CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A INTEGRIDADE FÍSICA / CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL.
Doutrina:
-Figueiredo Dias, Direito Penal, Tomo I, 2.ª Edição, p. 585;
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 20.º, N.ºS 1 E 2, 40.º, N.º 2, 50.º, N.º 1, 71.º, N.º 1, 77.º, N.ºS 1 E 2, 152.º, N.ºS 1, ALÍNEAS A), B), C) E D) E 2 E 153.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 07-06-1995, PROCESSO N.º 46858;
- DE 27-01-2010, PROCESSO N.º 401/07.3JELSB.L1.S1;
- DE 13-04-2011, PROCESSO N.º 693/09.3JABRG.P2.S1;
- DE 26-06-2013, PROCESSO N.º 10/11.2JAGRD.C1.S1.
Sumário :
I - A subsunção dos factos aos crimes de violência doméstica pelos quais o arguido foi condenado é absolutamente incontestável. Na verdade, e quanto à ofendida, provou-se que o arguido, durante um período de cerca de dez anos, entre 2005, quando se iniciou o namoro, seguido de coabitação em 2007, e 2015, ano em que se separaram, depois do casamento ocorrido em maio de 2014, o arguido praticou reiteradamente diversas condutas típicas do crime em referência, a saber: maus tratos físicos; injúrias; privações da liberdade; intimidação e coação psicológica e afetiva. Quanto aos menores, filhos do arguido, provaram-se as seguintes condutas típicas: maus tratos físicos: intimidação e coação psicológica e afetiva.

II - O arguido invoca fundamentalmente em seu favor o facto de ser “emocionalmente um doente”, destituído de amor próprio, de autoestima, “situação que o impele para condutas desadequadas e censuráveis”.

III - Não está minimamente em questão a consciência, por parte do arguido, da ilicitude dos factos por ele praticados, nem a liberdade de autodeterminação em função dela, ou seja, não está em dúvida a imputabilidade penal do arguido (a sua capacidade de avaliação da ilicitude dos factos e de determinação de acordo com essa avaliação, nos termos do art. 20.º, n.º 1, do CP), que não foi questionada em julgamento, nem sequer o arguido vem agora pôr em causa.

IV - O que ele invoca é uma “doença emocional”, um défice de autoestima que o “impeliria” para condutas que ele próprio reconhece serem “censuráveis”. Esse problema “emocional” do arguido não é porém suscetível de ser entendido como circunstância atenuante da culpa, e consequentemente da pena. Os “impulsos” que a “doença emocional” do arguido alegadamente lhe provocava eram por ele domináveis (ele aliás não o nega propriamente), precisamente por ser imputável, eventualmente com esforço, mas é esse esforço que, sendo o arguido imputável, insiste-se, lhe era exigido pela ordem jurídica, o de se autodominar para cumprir as regras jurídicas, exigência imposta a todos os cidadãos. Desculpabilizar, ainda que parcialmente, o comportamento do arguido com fundamento no seu desequilíbrio emocional seria um enfraquecimento intolerável da proteção penal de bens jurídicos valiosos.

V - Ainda que se considerasse que o arguido não conseguia dominar totalmente os “impulsos” da sua “doença emocional”, daí não se seguiria a atenuação da culpa. Na verdade, segundo o disposto no n.º 2 do art. 20.º do CP, se o tribunal considerar que o agente, por força de uma anomalia psíquica grave, não domina os efeitos da mesma, sem por isso poder ser censurado, tendo porém a capacidade de avaliação e de determinação sensivelmente diminuída, o tribunal poderá declarar o agente inimputável.

VI - Não diz porém o preceito qual a decisão a tomar se o agente for julgado imputável. É incontestável que à imputabilidade diminuída não corresponde necessariamente uma culpa diminuída. Ela tanto pode conduzir a uma culpa agravada, como a uma culpa atenuada, tudo dependendo das características da personalidade do agente refletidas no facto; quando estas se revelarem especialmente desvaliosas do ponto de vista do direito, estaremos perante uma culpa agravada, a que corresponderá uma pena necessariamente mais grave.

VII - Relembra-se porém que no caso dos autos nem sequer se apurou que o arguido sofresse de qualquer anomalia psíquica, pelo que é totalmente injustificada qualquer atenuação da pena com fundamento numa culpa mitigada.

VIII - Analisando os factos mais de perto, ressalta de imediato a excecional ilicitude da globalidade das condutas imputadas ao arguido. Reportando-nos à ofendida, importa desde logo realçar a pluridimensionalidade das ofensas (físicas, emocionais, psíquicas e privativas da liberdade), já atrás elencadas, não relevando tanto as ofensas físicas, contrariamente ao que vulgarmente acontece, como a violência psíquica, que atingiu um grau de perversidade e malvadez excecional, sempre sustentada aliás pela ameaça do recurso a represálias físicas por parte do arguido. Na verdade, o arguido fez da ofendida uma pessoa isolada do mundo, impedindo o relacionamento dela com quem quer que fosse, cortando-lhe os meios de contacto normais com o exterior, como o telemóvel e até a televisão ou a internet. Inclusivamente privou-a do convívio familiar, especialmente com os filhos, impedindo o normal desenvolvimento da relação afetiva entre mãe e filhos, a ponto de ela não poder contacto físico com os filhos (mesmo pegar-lhes ao colo ou dar-lhes a mão na rua, ou sequer dar-lhes um beijo de despedida), e de estes não a poderem tratar ou sequer referir-se a ela por “mãe”. E até a memória do passado familiar da ofendida o arguido quis apagar, impondo-lhe a destruição do único pertence que ela tinha do pai: uma fotografia.

IX - Não se pode omitir, pela sua relevância, demonstrativa da perversidade do arguido, uma referência às privações da liberdade de que a ofendida foi vítima, sendo fechada à chave no quarto pelo arguido quando ele não estava em casa, ou mesmo quando estava, mas queria evitar o convívio da ofendida com outras pessoas. A ofendida, afinal, era mero um joguete nas mãos do arguido, desprovida de vontade própria, sujeita aos caprichos mais absurdos do arguido, que chegava a controlar as idas à casa de banho da ofendida em casa.

X - De salientar, e para cúmulo, a exigência frequente de “provas de amor” feitas pelo arguido à ofendida, que se traduziam na imposição de cruéis formas de automutilação física, como cortes nos braços com giletes ou tesouras, provocando feridas de que a ofendida ainda hoje ostenta cicatrizes, e na perversa e extravagante exigência, em certa ocasião, que a ofendida passasse de uma janela de um quarto para o outro da casa onde moravam, que ficava num 10.º andar, ao que ela acabou por aceder. Este quadro fáctico revela uma elevadíssima ilicitude e um grau extremo de perversidade, crueldade e malvadez por parte do arguido.

XI - Quanto aos filhos, bem se pode dizer com toda a propriedade que o arguido os privou da mãe, obrigando-os a viver uma infância de terror, com consequências desastrosas para o desenvolvimento afetivo das crianças.

XII - A nível da prevenção geral, as exigências são fortíssimas, atendendo à persistência e à disseminação do fenómeno da violência doméstica, que não dá mostras de retrocesso, mau grado todas as medidas de ordem preventiva e repressiva adotadas. As últimas estatísticas conhecidas, relativas ao ano de 2016, confrontadas com as de 2015, revelam a grande dimensão a nível nacional e a persistência (inclusivamente a expansão) deste fenómeno criminal.

XIII - A nível da prevenção especial é também evidente a enorme exigência, atenta a aliás assumida tendência criminosa derivada da alegada “doença emocional” do arguido, que faz recear a repetição de condutas idênticas, se a ocasião se proporcionar.

XIV - A medida da pena aplicada ao crime cometido contra a ofendida (4 anos e 6 meses de prisão) aproximou-se do limite máximo (5 anos de prisão), o que se mostra adequado, tendo em conta as circunstâncias referidas, de anormal gravidade, a ampla duração temporal das ofensas, e por último os fins das penas, especialmente em sede preventiva.

XV - Quanto aos crimes em que foram ofendidos os menores, punidos cada um com a pena de 3 anos de prisão, com uma moldura penal idêntica, valem as mesmas considerações, julgando-se igualmente adequada e proporcional a medida das penas fixadas.
Decisão Texto Integral:

                                Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

            I. Relatório

           AA, com os sinais dos autos, foi condenado no Juízo Central Criminal de Lisboa, por acórdão de 25.9.2017, pela prática de:

- um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nºs 1, a), b) e c) e 2, do Código Penal (CP), na pessoa da ofendida BB, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão;

- um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nºs 1, d), e 2, do CP, na pessoa do ofendido CC, na pena de 3 anos de prisão;

- um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nºs 1, d), e 2, do CP, na pessoa do ofendido CC, na pena de 3 anos de prisão;

- em cúmulo jurídico destas penas, na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão;

- nas penas acessórias de proibição de contacto com a ofendida BB, e de proibição de uso e porte de arma, pelo período de 5 anos.

Deste acórdão recorreu o arguido para este Supremo Tribunal, alegando:

1º Começaremos por afirmar que muitas pessoas não têm as condições psíquicas, emocionais culturais entre outras para assumirem as responsabilidades inerentes a um relacionamento humano minimamente adequado.

2º E se é verdade que todos têm direito a constituir família, muitos não tem as competências para desenvolver um projecto de vida autónomo, responsável e minimamente feliz.

3º Inequivocamente o arguido, sem ajuda, não tem essas competências.

4º Só alguém emocionalmente doente tem comportamentos como os descritos na matéria de facto provada.

5º O arguido só pretende provas de amor completamente despropositadas, porque na verdade não tem amor-próprio, provavelmente não gosta de si, não tem auto-estima, é emocionalmente diminuído.

6º O arguido necessita de ajuda para crescer emocionalmente, pois reconhecer os erros, pedir desculpa, mostrar emoções não se pode esperar de alguém que emocionalmente está bloqueado, que na dureza enfrenta uma existência manifestamente infeliz, e quem é infeliz dificilmente promove a felicidade em seu redor.

7º Na verdade, é dura e infeliz a vida do arguido e daqueles que consigo se relacionam. Como se pode ler na matéria de facto provada

19. Apesar do casal viver na mesma casa dos pais do arguido, não se relacionavam com os mesmos, pois o arguido estava de relações cortadas com aqueles por razões familiares.

Situação que potencia uma tensão permanente.

8º Mais se provou que, cito

113. A dinâmica relacional do arguido regista a ocorrência de várias altercações – conjugais e parentais – imputadas à alegada instabilidade psíquica da progenitora do arguido.

114. O arguido refere reconhecer como importante o espírito de trabalho que apreendeu do seu progenitor, incutindo-lhe sentido de responsabilidade.

9º Na matéria de facto provada está patente a debilidade emocional do arguido.

Cito

124. O arguido denota incapacidade de descentração e de formulação de análises autocríticas, dificuldades na gestão adequada de situações que originem stress e conflitos, com discurso com tonalidade persecutória.

10º Não restarão dúvidas que o arguido é emocionalmente doente, situação que o impele para condutas desadequadas e censuráveis.

11º Muitas reservas se colocam no sentido de entender que o cumprimento de prisão efectiva promova o seu crescimento emocional e a sua reintegração social em termos adequados

12º Portugal, culturalmente é um país em que o sentimento de culpa está sempre patente e em que a expiação da culpa, mediante a punição é socialmente aceite.

13º Não admira que Portugal revele os mais elevados índices de consumo de ansiolíticos e antidepressivos.

14º Com efeito, o Infarmed elaborou estudo onde compara o consumo desses fármacos, onde aí se pode ler:

Para os países que disponibilizam dados de utilização em DDD ou DHD (Itália, Dinamarca e Noruega) apresentam-se no Gráfico 2 os dados de utilização por 1000 habitantes para os antidepressores, antipsicóticos e ansiolíticos, sedativos e hipnóticos.

Portugal apresenta claramente o maior consumo de ansiolíticos, sedativos e hipnóticos (96 DHD), muito superior à Dinamarca (31 DHD), Noruega (62 DHD) e Itália (53 DHD);

Nos antidepressivos, Portugal apresenta um consumo (88 DHD) similar à Dinamarca (93 DHD) mas superior à Itália (37 DHD) e Noruega (62 DHD).

Nos antipsicóticos não existem diferenças muito significativas entre países;

Se no consumo desses fármacos estamos na liderança, na prevenção e tratamento da saúde mental estamos na cauda.

16º O Sindicato Nacional dos Psicólogos manifestou ao Grupo Parlamentar “Os Verdes” um conjunto de preocupações e relatou uma série de situações de injustiça, nas quais suportam exigências para dignificar os psicólogos em Portugal.

Conforme dizem,

Com efeito, Portugal é dos países da União Europeia com maior número de psicólogos e de estudantes de psicologia por mil habitantes. Contudo, paradoxalmente, é dos países da União Europeia com um dos mais baixos números de psicólogos em exercício por 100 mil habitantes. Traduzindo esta afirmação em números, revela-se que existem em Portugal entre 16 a 20 mil psicólogos, mas apenas 2.8 psicólogos em exercício por 100 mil habitantes, enquanto que, por exemplo, nos países nórdicos esse número sobre para os 68 a 85 psicólogos por 100 mil habitantes.

17º Não competindo ao poder judicial promover as mudanças que a realidade impõe, como último garante da aplicação da Justiça não poderão deixar de ponderar esta realidade.

18º O arguido, ora recorrente invoca incorrecta aplicação pelo tribunal a quo do art.º 71º do Código Penal.

19º O art.º 71º do Código Penal determina:

(…)

20º O douto Acórdão recorrido, ao aplicar ao arguido pena concreta muito perto do limite máximo não levou em consideração as condições pessoais do agente e a sua situação económica.

21º Nem teve na devida conta as exigências de prevenção especial, mormente na necessidade de socialização do agente, que a vida, e ele próprio, transformaram numa pessoa ressentida, dura emocionalmente doente, situação que dificilmente ultrapassará sem a necessária ajuda.

22º Termos em que valorando adequadamente as condições pessoais do agente e a sua situação económica, a pena concreta deveria situar-se em 3 anos e não na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, que foi aplicada.

23º As mesmas razões subsistem nos dois outros crimes, daí que para eles se justificaria uma pena concreta de 2 anos.

24º Resultando um cúmulo jurídico cuja moldura se situaria entre os 3 anos e os 7 anos.

25º O Tribunal a quo desvalorizou completamente o facto de o arguido não ter antecedentes criminais. Devendo este facto ser devidamente valorado na aplicação da medida da pena aplicada ao arguido que foi manifestamente excessiva e penalizadora para o arguido.

26º E completamente inibidora da sua reinserção social, com o cumprimento do arguido da pena de prisão efectiva.

27º As prisões são autênticas escolas de crime.  

28º Devendo a pena concreta situar-se no ponto médio da moldura penal, ou seja nos 5 anos.

29º Devendo a execução da pena de prisão ser suspensa, uma vez que atendendo a personalidade do agente e suas condições de vida se de admitir que a ameaça de prisão realiza adequadamente as finalidades penais.

CONCLUSÕES

I. O recorrente é emocionalmente um doente, pois só alguém emocionalmente doente tem comportamentos como os descritos na matéria de facto provada.

II. O arguido só pretende provas de amor completamente despropositadas, porque na verdade não tem amor-próprio, provavelmente não gosta de si, não tem auto-estima, é emocionalmente diminuído.

III. Reconhecer os erros, pedir desculpa, mostrar emoções não se pode esperar de alguém que emocionalmente está bloqueado, que na dureza enfrenta uma existência manifestamente infeliz, e quem é infeliz dificilmente promove a felicidade em seu redor.

IV. Como se pode ler na matéria de facto provada, é dura e infeliz a vida do arguido e daqueles que consigo se relacionam.

19. Apesar do casal viver na mesma casa dos pais do arguido, não se relacionavam com os mesmos, pois o arguido estava de relações cortadas com aqueles por razões familiares.

Situação que potencia uma tensão permanente.

V. Mais se provou que

113. A dinâmica relacional do arguido regista a ocorrência de várias altercações – conjugais e parentais – imputadas à alegada instabilidade psíquica da progenitora do arguido.

114. O arguido refere reconhecer como importante o espírito de trabalho que apreendeu do seu progenitor, incutindo-lhe sentido de responsabilidade.

124. O arguido denota incapacidade de descentração e de formulação de análises autocríticas, dificuldades na gestão adequada de situações que originem stress e conflitos, com discurso com tonalidade persecutória.

VI. O arguido, ora recorrente, invoca incorrecta aplicação do art.º 71º do Código Penal.

VII. A douta sentença recorrida ao aplicar ao arguido pena concreta muito perto do limite máximo não levou em consideração as condições pessoais do agente e a sua situação económica.

VIII. Assim como desvalorizou por completo o facto de o arguido ser primário (sem antecedentes criminais).

IX. Nem teve na devida conta as exigências de prevenção especial, mormente na necessidade de socialização do agente, que a vida, e ele próprio, transformaram numa pessoa ressentida, dura, emocionalmente doente, situação que dificilmente ultrapassará sem a necessária ajuda.

X. Valorando adequadamente as condições pessoais do agente e a sua situação económica, a pena concreta deveria situar-se em 3 anos e não na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, que foi aplicada.

XI. As mesmas razões subsistem nos dois outros crimes, daí que para eles se justificaria uma pena concreta de 2 anos.

XII. Resultando um cúmulo jurídico cuja moldura se situaria entre os 3 anos e os 7 anos.

XIII. Devendo a pena concreta situar-se no ponto médio da moldura penal, ou seja nos 5 anos de prisão e suspensa na sua execução, uma vez que atendendo à personalidade do agente e suas condições de vida ser de admitir que a ameaça de prisão realiza adequadamente as finalidades penais.

Respondeu o Ministério Público, dizendo:

a) Tendo a matéria de facto sido corretamente julgada e fixada, quanto à medida da pena em causa e a ter-se como correcta a subsunção jurídica efectuada - conforme se defende - importa salientar que a mesma se mostra justa e adequada, e em nada excessiva, atentos os circunstancialismos apontados no douto Acórdão, a gravidade dos ilícitos e da culpa e as necessidades de prevenção geral e especial.

Na verdade:

1- A pena, meio de tutela gravoso, implica a privação de um bem e uma reprovação da conduta do infractor.

Neste sentido, como defende Max Weber, o direito surge como ordem de coacção que inflige um castigo ao infractor, obrigando-o a prestar contas pela violação da ordem estabelecida.

Ora, como pondera Baptista Machado in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, a unidade Direito-Justiça só existe enquanto a força legitimadora está limitada ao próprio direito; a ruptura desse limite, quer por excesso quer por defeito, denega-o, destruindo a garantia de validade da ordem socialmente estabelecida e, consequentemente, aquela mesma unidade.

Nos termos do disposto no art.40º, nº1, do C.P., são finalidades da pena a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo certo que a pena consiste na imposição de um sofrimento, ou privação de bens, infligidos ao autor de um delito, em razão desse delito, de algum modo proporcional ao dano causado pela violação da norma incriminadora e tendo como limite máximo inultrapassável a medida da culpa.

Tendo o direito penal uma função exclusiva de preservação de bens jurídicos, as finalidades das penas serão sempre de carácter preventivo, o que resulta desde logo do art. 40.º, n.º 1, do Código Penal, ao afirmar-se que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e, assim, por referência àquele normativo, a determinação da medida da pena deve ser feita em função das exigências de prevenção geral e especial que a situação concreta oferece.

É, essencialmente, o grau de culpa que determina o "quantum" da pena que, contudo, contém uma margem de variação onde estão incluídos os fins de prevenção geral e especial como estabelece o art.71º - cfr. Eduardo Correia in Direito Criminal.

Sendo a pena essencialmente a consequência da culpa ética, impõe-se atender ao primado ético-retributivo na fixação da pena.

Como resulta do preâmbulo respectivo, o Código Penal traça um sistema punitivo que parte do pensamento fundamental de que as penas devem ser aplicadas com um sentido pedagógico e ressocializador.

2- Posto isto, assente que está, no nosso modesto entendimento, que a factualidade apurada reflecte com rigor e de forma inequívoca a prova produzida em julgamento sem nulidade ou vício de que padeça, e que a mesma integra os elementos típicos dos crimes pela prática dos quais foi condenado o arguido, seu autor nos termos da factualidade em causa, e não existindo causas de justificação da ilicitude nem causas de exclusão da culpa, o arguido é jurídico-penalmente responsável pelos crimes em referência.

Para efeitos da determinação da medida concreta da pena a aplicar, dentro dos limites apontados, importa ter presente a culpa do agente e as exigências de prevenção de futuros crimes, atendendo também a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele - arts.71º nºs.1 e 2 do C.P.                        

Dos vários factores erigidos por este preceito destaca-se a culpa do agente, pedra angular de todo o direito punitivo e sobre a qual foi dito no Acórdão da Relação de Coimbra de 9/01/85 - C.J. Tomo 1, pág.86 - "num direito penal como o vigente, que procura adequar todas as providências penais à personalidade do agente não pode ser descurada a consideração dos motivos. São eles que dão relevo à culpabilidade e, por conseguinte, entram no juízo complexivo relativo à personalidade moral do delinquente que deve ter-se presente para a determinação concreta da pena, a qual, para ser verdadeiramente retributiva, deve estar numa relação de proporção com a gravidade da culpa".

Segundo critérios adequados de ponderação não existem circunstâncias de valor especial e ou extraordinário que justifiquem a atenuação especial da medida da pena a aplicar ao arguido, pois que nenhum elemento de relevo se apurou no sentido de que alguma circunstância no respectivo comportamento diminua por forma acentuada a ilicitude dos factos, a sua culpa ou as necessidades punitivas.

Na ponderação concreta da pena, tendo em atenção os critérios do art.71º do C.P., cumpre determinar a medida da pena em função das exigências de prevenção de futuros crimes, tendo como limite a culpa do arguido, sem esquecer que a finalidade última da intervenção penal é a reinserção social do delinquente.

Relativamente à medida da pena, atente-se ainda naquilo que a esse respeito se refere no Ac. do S.T.J., de 6/05/98:

“ 1 – Sendo a culpa, o juízo de censura dirigido ao agente pela conduta que livremente assumiu, na definição da medida da pena cumpre ter presente que não há pena sem culpa e que a medida da pena não pode ultrapassar a da culpa.”;

“ 2 – As exigências da prevenção geral, considerada esta como prevenção positiva ou de integração, definem o limite mínimo da medida concreta da pena”;

“ 3 – A prevenção especial, no sentido positivo de reintegração do agente na sociedade determina a fixação da medida concreta da pena num “quantum” situado entre o limite mínimo exigido pela prevenção geral e o máximo ainda adequado à culpa” (B.M.J. nº 477, p.100).

O facto é incindível da personalidade do seu autor e a culpa ética não se encontra em oposição com os ditames da defesa da sociedade.

O arguido tem sempre uma posição de indivíduo e outra de membro de certa comunidade (cfr. Acórdão da Relação de Évora, de 21/04/87, in B.M.J. nº367, pág. 591).

Como se escreve no Acórdão do S.T.J. de 8/11/95, proferido no processo nº 48318 "o limite abaixo do qual a pena não pode descer é o que resulta da aplicação dos princípios de prevenção geral, segundo os quais a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor. A medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade. Daí para cima, a medida exacta da pena é a que resulta das regras da prevenção especial. É a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade". Tudo, acrescente-se, respeitando sempre o limite da culpa (cfr. entre outros, sobre a defesa da concepção dialéctica dos fins das penas, Claus Roxin, "Derecho Penal, Parte General", Civitas, pág.89, e também Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Vol. I, Bosch, pág.113).

3- “In casu”, no doseamento da pena, há que ter em conta:

- O elevado grau de ilicitude do facto, atentos a pluridimensionalidade das ofensas, os reflexos negativos no desenvolvimento pessoal e afetivo dos menores, a reiteração e intensidade das ofensas ao longo de 10 anos em relação à ofendida e desde o nascimento dos ofendidos.

- A elevada culpa do arguido, atendendo à elevada desconsideração pelos valores protegidos pela norma, e à modalidade do dolo, direto, a exigir ponderação sobre a execução dos crimes, insensível e sem arrependimento ou colaboração com a justiça.

A apurada conduta do arguido é típica no tipo de crimes pela prática dos quais foi condenado, manipulando e isolando a vítima do meio social, familiar e laboral, para mais facilmente estar à mercê do seu domínio e controlo absoluto.

O arguido chegou a isolar a vítima dos filhos, cortando laços de afecto fundamentais entre mãe e filhos (proibindo-os de lhe chamarem mãe e dizendo que nasceram dele), e a cortar as memórias afetivas da vítima tentando apagar o seu passado de afectos (exemplo o corte da foto única do pai).

Esse domínio total da vítima teve o corolário na factualidade atinente à automutilação em período de gravidez, obrigando-a a dizer concomitantemente que o amava como prova de amor e como pedido de desculpas a seguir a uma discussão do casal.

Como exemplo deste comportamento, ainda se tem de ter em conta o episódio de o arguido ter obrigado a vítima a passar de uma janela para outra do 10º andar do prédio onde viviam.

- Exigências de prevenção geral elevadas, porquanto, se tratam de crimes que exigem uma resposta institucional intensa e eficaz, de forma a claramente desencorajar as condutas em causa, sendo necessário emitir o aviso pertinente de que as mesmas não é opção e que a punição deste tipo de ilícitos é severa e pronta.

Importa, então, optar pela aplicação ao arguido de pena de prisão que reflita e seja apta a tutelar todos os circunstancialismos referidos, como bem se fez no douto Acórdão recorrido.

Na verdade, existe uma responsabilidade acrescida quer na prevenção, quer na repressão de tal tipo de criminalidade, não podendo as instâncias jurisdicionais deixar de dar uma resposta claramente dissuasora de forma a evitar a sua prática.

Acresce que a pena tem de ser como tal sentida, e daí estarem incluídos na finalidade que a norma visa proteger e nos efeitos que com a condenação se pretendem atingir todos os incómodos decorrentes do cumprimento da mesma, sendo certo que tais consequências negativas têm de se mostrar balizadas por critérios de justiça e proporcionalidade.

Por estas razões, atentas todas estas circunstâncias e o grau de culpa do arguido, tal como o Tribunal Colectivo, entendemos justa, proporcional e adequada a condenação do mesmo nas penas de prisão fixadas.

Quer quanto às penas parcelares aplicadas a cada um dos 3 crimes cometidos, nos termos acima apontados.

Quer quanto à pena única, nos termos dos arts. 30º, nº 1, e 77º do C.P., considerando o conjunto dos factos, graves, e a personalidade do arguido, ponderando, nomeadamente, a natureza dos crimes cometidos, os valores atingidos, a proximidade da execução dos factos, a ausência de arrependimento, e tendo a pena aplicável como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas (no caso, 10 anos e 6 meses de prisão), e como limite mínimo a mais elevada das penas aplicadas (no caso, 4 anos e 6 meses de prisão).

Termos em que falecem, nesta parte, a argumentação e a pretensão do recorrente.

b) Da suspensão da execução da pena de prisão (se ao arguido for aplicada pena de prisão não superior a 5 anos)

O regime jurídico aplicável no que concerne à suspensão da execução da pena de prisão encontra-se estatuído nos arts. 50º e ss. do CP:

Dispõe o art. 50º do C.P. (Pressupostos e duração):

(…)

A ser aplicada ao arguido pena de prisão em medida não superior a cinco anos, impõe-se que se fundamente especificamente quer a concessão, quer a denegação da suspensão da execução da pena de prisão (art.50º, nº1, do C.P.), "nomeadamente no que toca ao carácter favorável da prognose e (eventualmente) às exigências de defesa do ordenamento jurídico..." (Figueiredo Dias, "As Consequências Jurídicas do Crime", Editorial Notícias, 1993, pág.345).

Como é sabido, não são considerações de culpa que interferem na decisão que ora se pondera, mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto em análise, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral, ligadas à necessidade de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das normas violadas.

"A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer "correcção", "melhora" ou - ainda menos - "metanóia" das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É, em suma, como se exprime Zift, uma questão de "legalidade" e não de "moralidade" que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o "conteúdo mínimo" da ideia de socialização, traduzida na "prevenção da reincidência" - Figueiredo Dias, idem, págs.343 e 344.

"Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem "as necessidades de reprovação e prevenção do crime".... Já determinámos que estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise - ibidem, pág.344).

Por outro lado, é conveniente esclarecer que o que está em causa no instituto da suspensão da execução da pena não é qualquer "certeza", mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser conseguida.  

O tribunal deve correr risco "prudencial" (fundado e calculado) sobre a manutenção do agente em liberdade. Existindo, porém, razões sérias para pôr em causa a capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada. (ibidem, págs. 344 e 345).

No referido juízo de prognose há que ter em conta a personalidade do arguido, as suas condições de vida, a conduta anterior e posterior ao facto punível e as circunstâncias deste mesmo facto.

Tal como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de Fevereiro de 2010, proferido no âmbito do processo n.º 279/06.4GBOAZ.P1, in www.dgsi.pt., «Só há lugar à suspensão da execução de uma pena de prisão, atento o disposto no art. 50.º, n.º 1 do C. Penal (1995), se a simples censura do facto e a ameaça daquela pena forem bastantes para afastar o arguido da criminalidade, satisfazendo simultaneamente as necessidades de reprovação e prevenção do crime.

A jurisprudência tem assim vindo a acentuar, que a suspensão da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido, estando na sua base um juízo de prognose social favorável ao condenado [Ac. do STJ de 2002/Jan./09 (Recurso n.º 3026/01-3.ª) e 2007/Out./18, (Recurso n.º 3185/07) divulgados, respectivamente, em http://www.stj.pt e www.colectaneadejurisprudência.com)].

Tal juízo deverá assentar num risco de prudência entre a reinserção e a protecção dos bens jurídicos violados, reflectindo-se sobre a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta “ante et post crimen” e sobre todo o circunstancialismo envolvente da infracção.

Para o efeito, será de atender que a pena de prisão suspensa, sujeita ou não a certas condições ou obrigações, é a reacção penal por excelência que exprime um juízo de desvalor ético-social e que não só antevê, como propicia ao condenado, a sua reintegração na sociedade, que é um dos vectores dos fins das penas (função de prevenção especial de reinserção ou positiva).

Porém, outros dos seus vectores é a proteção dos bens jurídicos violados e, naturalmente, a protecção da própria vítima e da sociedade em relação aos agentes do crime, de modo que, responsabilizando suficientemente estes últimos, se possa esperar que os mesmos não venham a adoptar novas condutas desviantes (função de prevenção especial defensiva ou negativa).

Na proteção dos bens jurídicos, será igualmente de destacar que a reacção penal a aplicar deve, tanto quanto possível, neutralizar o efeito do delito, passando este a surgir, sem sombra de dúvidas, como um exemplo negativo para a comunidade e contribuindo, ao mesmo tempo, para fortalecer a consciência jurídica da mesma (função de prevenção geral).

Pretende-se, assim, dar satisfação ao sentimento de justiça do mundo circundante que rodeia o arguido, através do mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica [Ac. STJ de 2007/Set./26, (Recurso n.º 2579/07), acessível em www.colectaneadejurisprudência.com].

Daí que, muitas vezes, e sobrepondo-se à ressocialização, seja necessária a execução de uma pena de prisão para defesa do ordenamento jurídico, designadamente quando o comportamento desviante for revelador de uma atitude generalizada e consequente de não se tomar a sério o desvalor de certas condutas relevantemente ofensivas da vida comunitária, de acordo com os princípios constitucionais relevantes de um Estado de Direito Democrático.

Por outro lado e muito embora o regime de suspensão da pena de prisão não seja graduado e condicionado materialmente em função do respectivo número de anos, não poderemos deixar de atender que o alargamento de 3 para 5 anos de prisão do pressuposto formal que possibilita essa suspensão, faz realçar, nesse excedente, a necessidade de uma ponderação mais criteriosa dos pressupostos materiais que regulam a sua aplicação, mormente quanto às circunstâncias em que ocorreram a conduta criminosa e a protecção adequada dos bens jurídicos violados [Ac. do STJ de 2008/Abr./03) (Recurso n.º 4827/07-5)].

E isto porque a suspensão generalizada e tida como “normal” ou “corrente” das penas de prisão de amplitude elevada, prejudica grandemente, por motivos óbvios de afrouxamento da reacção penal executiva, a eficácia preventiva do direito penal.

Por último, refere-se no Acórdão do S.T.J. de 9/4/2008, SJ20080409008255, in www.dgsi.pt. «(…) deve entender-se, e tem-se entendido, que a suspensão da execução da pena se insere num conjunto de medidas não institucionais que, não determinando a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes, pelo que, embora funcionem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, pois constituem autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos (cfr. preâmbulo do Código Penal de 1982).

Mas esta medida de conteúdo pedagógico e reeducativo só deve ser decretada quando o tribunal concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida e outras circunstâncias indicadas nos textos transcritos, ser essa medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade e à devida protecção aos bens jurídicos postos em causa.

A suspensão da execução da pena que, embora efectivamente pronunciada pelo tribunal, não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para realizar as finalidades da punição, deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao réu, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime. «O tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa» (Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal, em anotação ao art.50.º).

Neste sentido tem entendido o Supremo Tribunal de Justiça: «o tribunal afirma a prognose social favorável em que assenta o instituto da suspensão da execução da pena, se conclui que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, devendo, para tal, atender à personalidade do agente; às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste. Só deve decretar a suspensão da execução quando concluir, face a esses elementos que essa é a medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade» (Ac. de 11-01-2001, proc. n.º 3095/00-5).

No caso em apreço, se ao arguido for aplicada pena de prisão não superior a 5 anos, face aos factos provados, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, nada legitima que o Tribunal faça um juízo de prognose social favorável ao arguido, não tendo razões para prever que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, não podendo nunca a punição ser de tal modo suavizada, como pretende o arguido, que venha a adquirir carácter meramente simbólico, nem podendo o arguido pretender pura e simplesmente apagar da sua vida o crime e a efectiva punição, pois tal situação seria a porta aberta a que voltasse a cometer crimes.

Atendendo ao elevado grau de ilicitude revelado à intensidade do dolo com que o arguido actuou - elevado, na modalidade de dolo directo -, nos termos acima apontados, entendemos não haver lugar à suspensão da execução da pena de prisão no caso dos presentes autos por não se verificarem os pressupostos de que a lei penal faz depender a sua aplicação, designadamente mostrar-se impossível efetuar com os elementos constantes dos autos um juízo de prognose favorável.

Face ao exposto, não é possível formular um juízo de prognose favorável e concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Por estas razões, atentas todas estas circunstâncias e o grau de culpa do arguido entende-se adequada a condenação do mesmo em pena de prisão efetiva.

Os critérios de prevenção geral resultariam esvaziados com a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, deixando a sociedade de crer na efectiva punição deste tipo de crimes, esvaziando quer o efeito socializador quer o efeito dissuasor das penas.

Os critérios de prevenção especial emitiriam um perigoso sinal ao arguido, permitindo-lhe, ao invés de arrepiar caminho, optar pela prática deste tipo de crimes, inviabilizando a formulação de um juízo de prognose favorável no sentido de a pena suspensa na sua execução ser de molde a satisfazer as necessidades de prevenção.

Pelo que falecem, igualmente nesta parte, a argumentação e a pretensão do recorrente.

Neste Supremo Tribunal, o sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer:

II - Do mérito

2.1 - Conforme escreve o Prof. Figueiredo Dias, “As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa”.            

Esta perspectiva vai de encontro ao disposto no art.º 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.

A exigência de previsão constitucional expressa encontra abrigo, no que respeita a restrições ao direito à liberdade, no art.º 27.º, n.ºs 1 e 2 da Constituição, normas que tipificam as situações em que é constitucionalmente permitida a aludida restrição.

No respeito pelos parâmetros constitucionais estabelecidos pelas citadas normas, e da orientação doutrinal acima mencionada, consagra o art.º 40.º, n.º 1 do Código Penal, como finalidade das penas e medidas de segurança, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo que a pena, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, tem como limite inultrapassável a medida da culpa. Por sua vez, os art.º s 70.º e 71.º do C. Penal estabelecem as regras para determinação da escolha e da medida da pena.

O art.º 70.º, acatando a citada disposição constitucional do art.º 18.º, n.º 2, faz prevalecer o princípio favor libertatis, sempre que a pena não privativa de liberdade, sendo aplicável em alternativa à pena privativa de liberdade, realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Por sua vez o art.º 71.º, indica no seu n.º 1º como orientação primária para a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, a culpa do agente e as exigências de prevenção. Prescrevendo no n.º 2 que na determinação concreta da pena o tribunal atenda a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

2.2 - Medida das penas parcelares

Ora, confrontando o elenco dos factos dados como provados com as circunstâncias que nos termos do art.º 71.º n.º do C. Penal devem ser tidas em conta para efeitos de determinação concreta da pena, forçoso será concluir que nenhuma das ditas circunstâncias abona a favor do arguido, bem pelo contrário, atenta a gravidade da sua conduta, manifestada ao longo de cerca de 10 anos.

A atitude do arguido em relação aos ofendidos não se cingiu a maus tratos no plano físico, invadindo também a esfera dos afetos e, no que concerne à ofendida, fê-la refém das suas obsessões e caprichos, impedindo-a de estudar e trabalhar, de vestir as roupas que gostava de usar, de enquanto na rua, nas alturas em que era autorizada pelo arguido a sair de casa na sua companhia, dirigir o olhar para outras pessoas. De facto a ofendida foi isolada, não apenas do mundo exterior à residência em que vivia, mas dentro da própria casa em relação aos restantes familiares. Impediu o arguido o desenvolvimento normal da relação afetiva entre a ofendida e os próprios filhos e exigia da ofendida demonstrações de amor que a colocaram em risco a sua saúde, a própria vida, degradando-a em mero objecto das suas patológicas carências afectivas. 

Perante tais circunstâncias não podia o tribunal deixar de formular, em sede de determinação da medida concreta das penas, um forte juízo de censura, que na sua determinação concreta exprime uma elevada medida da culpa bem como reforçadas exigências de prevenção geral, o que tudo se traduziu, no que respeita ao crime de que foi vítima a esposa, numa pena próxima do máximo da moldura penal e, no que se refere aos filhos, ligeiramente acima de metade da pena máxima aplicável.

Ainda assim não podemos deixar de dar relevância à argumentação do ilustre mandatário do recorrente quando alega que só alguém emocionalmente doente tem comportamentos como os descritos na matéria de facto provada e que o mesmo pretende provas de amor completamente despropositadas por não ter amor-próprio e ser emocionalmente diminuído, embora nunca se tenha suscitado qualquer dúvida quanto à consciência, por parte do arguido, da ilicitude dos factos por si praticados nem quanto à sua liberdade de determinação na respectiva conduta de vida.

Esses alegados problemas do arguido são de alguma forma espelhados na matéria de facto designadamente quando se alude à sua “ (…) incapacidade de descentração e de formulação de análises autocríticas, dificuldades na gestão adequada de situações que originem stress e conflitos, com discurso de tonalidade persecutória”, bem como na sua anómala postura no decurso da audiência, porventura fundada nas suas indiciadas “ (…) crenças legitimadoras de respostas ofensivas no contexto intimo-relacional”.

Como bem se salienta no douto acórdão recorrido “(…) a gravidade dos factos ora em julgamento é elevadíssima, impondo-se colocar um sério travão ao comportamento do arguido, e transmitir, de forma absolutamente clara, que este tipo de comportamento não pode ser transmitido a outras gerações e agregados familiares”.

Tendo em conta as aludidas circunstâncias e não obstante as acentuadas necessidades de prevenção, quer geral quer especial, consideramos que as razões invocadas pelo ilustre mandatário do arguido têm algum respaldo na matéria de facto, o que indiscutivelmente impacta na medida da culpa. Em tais circunstâncias somos de parecer que os fins das penas, não obstante a gravidade dos factos, serão atingidos por medidas ligeiramente abaixo das que foram aplicadas no acórdão recorrido, propondo-se:

- Pelo crime praticado contra a ofendida BB, uma pena de quatro anos de prisão

- Pelos crimes praticados contra os ofendidos CC e CC, dois anos e seis meses de prisão, por cada um deles.

2.3 - Medida da pena única

Na determinação da pena única no caso de concurso de crimes a pena aplicável tem como limite a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, sem que possa ultrapassar os vinte e cinco anos, no caso das penas de prisão e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas (at.º 77.º, n.º 2 do C. Penal, sendo que, na medida da pena, são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente (art.º 77.º n.º 1 do C. Penal).

Em função das penas parcelares acima propostas, a pena única terá que ser encontrada entre um mínimo de quatro e um máximo de nove anos de prisão. Numa ponderação global da conduta do arguido consideramos que se mostra ajustada a pena de cinco anos e seis meses de prisão.

2.4 – Suspensão da pena

O recorrente pede a aplicação de uma pena de prisão de cinco anos, suspensa na respectiva execução.

Consideramos que, independentemente da medida concreta da pena unitária, não deve ser decretada a respectiva suspensão. Não apenas porque, tendo em conta a gravidade da conduta, seria socialmente incompreensível uma tal resposta por parte da justiça penal, mas também porque as circunstâncias atinentes à personalidade do arguido, que do nosso ponto de vista podem levar a uma redução da pena nos termos acima propostos, são precisamente as mesmas que não permitem formular um juízo favorável ao eventual sucesso da sua ressocialização em liberdade. O arguido, face à sua conduta e à sua personalidade, necessita de uma forte advertência que o ajude a descobrir o mundo que está para além de si próprio, o que neste caso, em concreto, só poderá ser alcançado por uma pena de prisão efectiva que, para além de responder às necessidades de prevenção geral, pode dar um importantes contributo para a sua ressocialização. Subscrevemos por isso, quanto a esta questão, as judiciosas considerações do magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido.

III – Conclusão

Pelo exposto é nosso parecer que

1) Deve ser dado provimento parcial ao recurso, reduzindo-se para quatro anos de prisão a pena pelo crime praticado contra a ofendida BB e para dois anos e seis meses de prisão pelos crimes praticados contra os ofendidos CC e CC.

2) Independentemente da medida da pena única que venha a ser aplicada, não deverá a mesma ser suspensa na sua execução.

Dado cumprimento ao disposto no art. 417º, nº 2, do Código de Processo Penal (CPP), o arguido nada disse.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II. Fundamentação

O arguido vem condenado pela prática de três crimes de violência doméstica, um na pessoa de BB, inicialmente sua companheira, depois sua mulher, p. e p. pelo art. 152º, nºs 1, a), b), e c), e 2, do CP, sendo os outros dois crimes cometidos contra os dois filhos do casal, CC e CC (citado art. 152º, nºs 1, d), e 2, do CP).

O Código Penal, na sua versão originária, não previa a violência doméstica como crime autónomo, previa, sim, o crime de maus tratos entre cônjuges (art. 153º, nº 3), abrangendo apenas os maus tratos físicos, o tratamento cruel ou a falta de prestação de cuidados ou assistência à saúde, condutas estas que estavam ainda submetidas à cláusula da motivação por “malvadez ou egoísmo”.

A revisão de 1995 (DL nº 48/95, de 15-3) alterou significativamente o tipo legal, mantendo-o embora dentro do artigo dos “maus tratos” (no art. 152º, nº 2, dispositivo heteróclito que abrangia também os maus tratos a menores, incapazes e subordinados e ainda a “infração das regras de segurança”). Essas alterações consistiram na inclusão dos maus tratos psíquicos e das situações de união de facto, e na eliminação da cláusula da malvadez ou egoísmo. O crime passou porém a semipúblico.

A revisão de 1998 (Lei nº 65/98, de 2-9) manteve a incriminação, alterando somente a natureza do crime que, mantendo-se semipúblico, passou a admitir a possibilidade de o Ministério Público iniciar o procedimento caso o interesse da vítima o impusesse.

Com a Lei nº 7/2000, de 27-5, estende-se a proteção aos progenitores dos descendentes comuns em 1º grau, e o crime volta a ser público. Adita-se uma pena acessória: interdição de contacto com a vítima.

Finalmente, em 2007, integrando a revisão do Código Penal decretada pela Lei nº 59/2007, de 4-9, o legislador procedeu a uma reformulação profunda do crime em referência, conferindo-lhe uma nova dignidade penal: autonomizou o crime, no art. 152º, epigrafando-o de “Violência doméstica”; alargou ou explicitou o âmbito das condutas puníveis, acrescentando aos maus tratos físicos e psíquicos a referência expressa a “castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais”; ampliou o âmbito subjetivo do crime, passando a incluir ex-cônjuges e pessoas de outro ou do mesmo sexo; agravou a punição de algumas condutas, nomeadamente no caso de o facto ser praticado contra menores ou na presença de menores ou no domicílio da vítima, ainda que comum ao agente; e criou novas penas acessórias.

Por último, a Lei nº 19/2013, de 21-2, introduziu diversas alterações ao texto anterior, a saber: alargou novamente o âmbito subjetivo da proteção, desta vez estendendo-a às situações de “namoro”; “abriu” o conceito de “pessoa particularmente indefesa”; e regulou de forma mais precisa o conteúdo da pena acessória de proibição de contacto com a vítima.

O texto atual do art. 152º do CP é o seguinte:

Violência doméstica

1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:

a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;        

b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;

c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou

d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite;

é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

2 - No caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.

3 - Se dos factos previstos no n° 1 resultar:

a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de dois a oito anos;

b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.

4 - Nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.

5 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.

6. Quem for condenado por crime previsto neste artigo pode, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, ser inibido do exercício do poder paternal, da tutela ou da curatela por um período de um a dez anos.

A resenha da evolução legislativa revela com toda a clareza uma tendência crescente para a ampliação/expansão da tutela penal, quer pelo alargamento do âmbito subjetivo da proteção penal, quer pela extensão das condutas puníveis, quer pelo agravamento das sanções, quer ainda pela previsão de novas sanções acessórias.

O crime de violência doméstica é um caso paradigmático de neocriminalização fundamentada, revelando a preocupação do legislador em recorrer à via repressiva para erradicar tanto quanto possível esta forma de violência, muito disseminada na sociedade, onde ainda persistem resquícios de uma mentalidade patriarcal hoje completamente anacrónica, sendo embora certo que o fenómeno é transversal a toda a sociedade, e não específico de certos estratos sociais, que geralmente incide sobre as mulheres, e que até há pouco tempo não merecia uma censura social correspondente à sua danosidade e à sua reprovabilidade.

Este tipo de violência é com efeito de enorme gravidade: praticada geralmente na sombra do lar, sem testemunhas, dirigida contra pessoas indefesas, quer pela fragilidade física, quer pela idade (menoridade ou idade avançada), quer pela “hierarquia” de posições (no caso de o ofendido ser filho), quer pela relação de domínio psíquico que o agressor consegue, pela violência ou pela astúcia, estabelecer sobre a vítima, acabando na grande maioria das vezes por reduzi-la a um ser sem vontade própria, sem capacidade de afirmação pessoal, muito menos de reacção perante qualquer agressão, inclusivamente sem capacidade de denúncia junto das autoridades, ou mesmo de familiares ou confidentes, das violências sofridas.

Na última década e meia assistiu-se porém a uma tomada de consciência generalizada da grande dimensão e da extrema gravidade deste tipo de violência. A esta tomada de consciência social vem correspondendo a ação do Estado, que se desdobra em diversas vertentes, traduzidas em sucessivos planos plurianuais de prevenção e combate à violência doméstica (o último dos quais abrangendo o período de 2014-2017), abrangendo a definição de estratégias no sentido de prevenção do fenómeno, de intervenção junto dos agressores, de proteção das vítimas, de qualificação de profissionais envolvidos na assistência às vítimas e de reforço das estruturas de apoio e atendimento das mesmas, sem que no entanto, como adiante veremos, o fenómeno da violência doméstica tenha perdido intensidade.

A intervenção penal, pelas suas características de “ultima ratio”, não pode alvejar erradicar o fenómeno, mas também não pode desistir da sua função de prevenção geral, enquanto finalidade central da aplicação das penas, sem porém ceder a tentações populistas, também muito em voga na sociedade de hoje.

Analisemos agora o caso dos autos.

A única questão que o arguido coloca é a da medida das penas, quer as parcelares, quer a conjunta.

Antes de mais importa conhecer a matéria de facto, que é a seguinte:

1. O arguido AA iniciou uma relação de namoro com a ofendida no ano de 2005, e passaram a viver juntos, a partir de 2007, na casa dos pais daquele, sita na ....

2. Dessa relação nasceram CC em 08 de Fevereiro de 2008 e CC em 29 de Abril de 2010.

3. O arguido era uma pessoa muito ciumenta e controladora.

4. No decurso do namoro, enquanto a ofendida ainda estudava, o arguido obrigava-a a enviar mensagens do seu telemóvel, relatando tudo o que fazia ao longo do dia e com quem estava.

5. A ofendida, a partir do momento em que passou a residir com o arguido, deixou de estudar por imposição deste, não tendo concluído o 8º (oitavo) ano de escolaridade.

6. A ofendida nunca trabalhou porque o arguido não a deixou.

7. O arguido, no decurso das discussões com a ofendida, dizia-lhe que ela não o amava e que se amasse tinha que fazer uma prova de amor.

8. Nessas ocasiões, a ofendida escrevia-lhe cartas de amor e numa ocasião o arguido disse-lhe o seguinte: “tens mais medo de alturas do que medo de me perderes. Se me amas prova-me e passa da janela deste quarto para a janela do outro quarto.”

9. A ofendida acabou por aceder ao pedido do arguido e passar de uma janela de um quarto para o outro da casa onde moravam, que ficava num 10º (décimo) andar.

10. Em data não concretamente apurada, mas no decurso do ano de 2007, antes de ter engravidado do primeiro filho, o arguido, no decurso de uma discussão, desferiu uma chapada na face da ofendida.

11. Em consequência da conduta do arguido, a ofendida sofreu dores na face e saiu de casa, tendo ido residir com a sua mãe.

12. Entretanto a ofendida acabou por regressar para casa dos pais do arguido e, em data não concretamente apurada, mas no mesmo período temporal referido em 10., o arguido, no decurso de uma discussão, deitou fora a roupa da ofendida e disse-lhe que não queria que ela vestisse aquele tipo de roupa, devendo apenas vestir roupa grande e larga, de preferência roupa do próprio arguido ou da mãe daquele.

13. A ofendida acabou por sair de casa, pois percebeu que caso não fizesse aquilo que o arguido dizia e do modo que ele queria, era agredida.

14. Porém, após sair, descobriu que estava grávida e acabou por regressar para casa dos pais do arguido.

15. No dia 24 de Novembro de 2007, quando a ofendida estava grávida de 28 (vinte e oito) semanas de gestação do filho mais velho do casal, o arguido, no decurso de uma discussão, desferiu um pontapé na barriga da ofendida.

16. Em consequência da conduta do arguido, a ofendida sentiu dores fortes na barriga e foi assistida na Maternidade Alfredo da Costa, onde referiu que tinha caído da cama, por indicação do arguido.

17. No decurso da gravidez, o arguido apenas autorizava a ofendida a sair de casa na sua companhia e para ir às consultas de gravidez.

18. Sempre que o arguido saía de casa, deixava a ofendida fechada no interior do quarto de ambos ou dizia à mesma para se trancar no seu interior, pois não queria que a mesma contactasse com os seus pais.

19. Apesar do casal viver na mesma casa dos pais do arguido, não se relacionavam com os mesmos, pois o arguido estava de relações cortadas com aqueles por razões familiares.

20. Numa ocasião, em data não concretamente apurada, mas igualmente quando a ofendida estava grávida do primeiro filho, o arguido saiu de casa durante cerca de 5 (cinco) horas e deixou-a trancada no quarto.

21. A ofendida acabou por ter que fazer necessidades no quarto, pois não conseguia abrir a porta para ir à casa de banho.

22. Sempre que havia visitas em casa, o arguido fechava a ofendida no quarto, pois não queria que a mesma convivesse com outras pessoas.

               23. Aquando do nascimento do primeiro filho do casal, na Maternidade Alfredo da Costa, o arguido acompanhou a ofendida.

               24. Durante o trabalho de parto, o arguido disse à ofendida que não queria que gritasse.

               25. Na primeira vez que a ofendida gritou com dores, o arguido dirigiu-se a seguinte expressão: “se voltares a gritar, levas.”

                26. Quando a ofendida foi para o recobro, como o arguido não a podia acompanhar e tinha medo que a mesma contasse o que se passava em casa, disse-lhe o seguinte: “se alguma coisa acontecer a culpa é tua.”

               27. Após o nascimento do filho mais novo do casal, a ofendida ficou uma semana internada na Maternidade Alfredo da Costa.

                28. Durante essa semana, o arguido controlava tudo o que a ofendida fazia e só permitia que a mesma fosse à casa de banho quando ele lá estava.

                29. O arguido controlava ainda com quem a ofendida falava e o que dizia.

                30. No dia em que a ofendida teve alta da Maternidade Alfredo da Costa, o arguido foi buscá-la de táxi.

                31. Quando andavam na rua, o arguido tinha criado como regra que a ofendida não podia olhar para a frente ou para as outras pessoas, podendo apenas olhar para o chão.

                32. Naquele dia, a ofendida quando entrou no táxi em vez de olhar para o chão, olhou em frente.

                33. Quando chegaram a casa, no interior do quarto de ambos e na presença do menor com uma semana de vida, o arguido agarrou na ofendida pelos cabelos e desferiu-lhe chapadas e pontapés pelo corpo, atingindo-a nas costas com um taco de basebol.

                34. Após o nascimento de cada um dos filhos do casal, o arguido, sabendo que a ofendida gostava muito do seu cabelo, disse-lhe: “se me amas, corta o cabelo”.

                35. A ofendida, por força da pressão psicológica a que estava sujeita, acabou por aceder a tal pedido e cortar por duas vezes o cabelo com corte de homem.

                36. A ofendida foi igualmente forçada a destruir o único pertence que tinha do seu pai – uma fotografia do mesmo.

37. Após o nascimento do primeiro filho do casal, o arguido proibiu a ofendida de pegar ao colo o filho de ambos, apenas o podendo fazer quando fosse para o amamentar.

38. Numa ocasião, em data não concretamente apurada, mas quando filho mais velho do casal tinha 3 (três) meses de vida, o menor começou a chorar quando estava deitado no berço e o arguido não estava em casa.

39. A ofendida não pegou no menor com medo que eventualmente o arguido chegasse a casa e a visse com o menor ao colo.

40. Entretanto, o pai do arguido entrou no quarto do casal e perguntou à ofendida porque é que não pegava no bebé ao colo, tendo esta respondido que o arguido não a deixava, e o pai deste pegou no bebé.

41. O arguido, quando chegou a casa e viu o seu pai com o bebé ao colo, começou a discutir com ele e tirou-lhe o bebé do colo.

42. No interior do quarto do casal, o arguido começou a discutir com a ofendida dizendo-lhe o seguinte: “porque é que deixaste a porta aberta? Porque é que o deixaste pegar no menino? A culpa é tua.”

43. Numa outra ocasião, em data não concretamente apurada, o arguido, na sequência de uma discussão com a ofendida e na presença do filho mais velho, desferiu um soco na cara da ofendida e depois saiu.

44. O filho mais velho do casal viu que a ofendida estava a chorar e foi ter com a mesma, abraçando-a, mas acabou por se afastar pois tinha medo que o arguido entretanto regressasse e o visse abraçado à mãe.

45. O menor sabia que o arguido não o deixava abraçar a mãe.

46. Quando o filho mais velho do casal começou a falar, o arguido não queria que o mesmo tratasse a ofendida por mãe e ensinou-o a tratar a mãe por “ela”.

47. A criança tinha dificuldade em pronunciar “ela” e dizia “wela”.

 48. Durante a gravidez do filho mais novo e os primeiros anos deste, tudo foi mais calmo pois o arguido esteve a trabalhar e passava o dia todo fora de casa.

     49. Entre 2011 e 2014, o arguido e a ofendida viveram na Rua ....

               50. Durante esse período, o agregado familiar foi acompanhado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e o arguido teve mais cuidado com as suas atitudes, por ter receio que a ofendida confidenciasse às técnicas o que se passava.

                51. Então, no decurso das discussões que ocorriam, sempre que a ofendida não aceitava aquilo que o arguido lhe dizia, fazendo-lhe frente, este batia-lhe, o que aconteceu por 3 (três) vezes, na presença dos filhos do casal.

                52. O arguido dirigia ainda à ofendida as seguintes expressões: “se continuares assim vais ficar sem mim; vais ficar sem os meninos; não prestas; és uma merda”, “puta, porca, estúpida.

                53. A ofendida pedia muitas vezes ao arguido que deixasse que os filhos a tratassem por “mãe” e este dizia-lhe: “quando te portares bem e fizeres o que eu digo.”

                54. Nessa altura, o filho mais velho do casal foi para a escola e todos estranhavam a forma como o mesmo se dirigia à mãe.

                55. A ofendida acabou por inventar uma justificação e dizia que o arguido a tratava por “ela” e como eles queriam imitar o pai e não conseguiam dizer “ela”, diziam “wela”.

                56. Nesse período e por força do acompanhamento da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, a ofendida frequentou um curso de inglês, sendo que o arguido ia levá-la e buscá-la, e ia lá em todos os intervalos.

                57. O arguido dizia à ofendida para se afastar dos homens e falar pouco com as mulheres.

                58. Todas as rotinas dos menores eram asseguradas pela ofendida, que os acordava, vestia, dava-lhes as refeições e fazia a higiene dos mesmos.

                59. No entanto, a ofendida nunca levava ou ia buscar sozinha os menores à escola e nunca ia às compras, sendo tais tarefas realizadas pelo arguido.

                60. Algumas vezes a ofendida foi levar os filhos à escola e nessas condições eles despediam-se do pai com um beijinho e acenavam à mãe.

                61. O arguido não deixava os filhos terem contacto físico com a mãe e quando os mesmos procuravam esse contacto junto da mãe, o arguido gritava-lhes e colocava-os de castigo, mandando-os para a cama.

                62. A ofendida acabou por explicar aos seus filhos que era melhor dizerem “wela”, em vez de mãe e não a abraçarem, para evitar os castigos e repreensões do arguido.

                63. Às vezes o arguido batia nos filhos com palmadas no rosto e nos braços, tendo o filho mais velho chegado a ficar marcado com “pintinhas” na zona atingida.

                64. Quando o filho mais velho foi para a escola, o arguido passou a controlar mais o seu comportamento para evitar que vissem as marcas na escola.

                65. No dia 24 de Março de 2013, o arguido atirou o filho mais novo do casal para cima da cama com força e o mesmo bateu num boneco que ali se encontrava e ficou com os dentes para dentro.

                66. Nesse dia, o menor foi assistido no Hospital Dona Estefânia e disseram que o menor se tinha magoado com um brinquedo.

                67. Em consequência da conduta do arguido, o filho mais novo do casal sangrou abundantemente da zona da boca e ficou os dentes incisivos interiorizados.

                68. No início do ano de 2014, o arguido e a ofendida passaram a residir novamente em casa dos pais do arguido, na morada supra indicada.

                69. Inicialmente correu tudo bem e a ofendida e os filhos do casal podiam frequentar a sala da casa, convivendo com o avô paterno.

                70. Entretanto, o avô e a avó paternos começaram a ter problemas por questões de dinheiro com o arguido, e a ofendida deixou de poder conviver com eles, passando a ocupar apenas dois quartos da residência – um para o casal e outro para os filhos. 

               71. Nessa altura os dois menores já frequentavam, o Agrupamento de Escolas das Piscinas dos Olivais.

                72. Inicialmente o arguido deixava que a ofendida fosse consigo levar os filhos à escola, mas depois deixou de o permitir.

                73. Apenas o arguido ia buscar os menores à escola.

                74. O encarregado de educação dos menores era o arguido e quem ia às reuniões era ele, sendo que a ofendida apenas foi a uma reunião, por ter havido coincidência nos horários das reuniões dos menores.

       75. No dia 16 de Maio de 2014 o arguido e a ofendida casaram.

     76. Depois do casamento e quando discutiam, o arguido exigia à ofendida que provasse que o amava.

     77. Ainda antes do casamento, a ofendida chegou a automutilar-se, cortando-se nos braços com uma tesoura ou uma gilete para demonstrar ao arguido que o amava, o que chegou a acontecer durante a gravidez, só podendo parar quando o arguido se afirmava satisfeito.

                78. Hoje, a ofendida ostenta 4 (quatro) cicatrizes no braço direito e 10 (dez) cicatrizes no braço esquerdo, resultantes dos golpes acima referidos.

                79. Nessas ocasiões mostrava ao arguido a tesoura ou a gilete e este dizia-lhe o seguinte: “não tens coragem para o fazer” e a ofendida acabava por se cortar nos braços e verbalizar o seguinte: “eu amo-te, por ti faço tudo”.

                80. Por força da pressão psicológica exercida pelo arguido, a ofendida ficou bastante desgastada ao nível psicológico acabando por aceder aos pedidos do arguido.

                81. Quando os filhos do casal começaram a fazer questões sobre os bebés e de onde é que eles vinham, o arguido dizia-lhes que tinham nascido da barriga do pai.

                82. A partir do momento em que a ofendida passou a residir com o arguido deixou de ter telemóvel, pois o arguido não permitia.

                83. Ao longo do tempo em que viveu com o arguido, a ofendida foi por este privada de manter contactos com a sua família, amigos ou colegas, por o arguido não autorizar.

                84. O arguido instituiu regras para a ofendida e para os filhos de ambos, que tinham que cumprir sob pena de não o fazendo serem agredidos física e psicologicamente.

                85. Essas regras eram as seguintes:

      - em casa: a ofendida não podia ouvir música, nem ver televisão sem a permissão do arguido; não podia ir à internet; os menores não podiam tratar a ofendida por mãe, nem ter contacto físico com a mesma;

                - na rua: a ofendida não podia olhar nem falar com ninguém; tinha que olhar para o chão; não podia dar a mão aos filhos; não podia empurrar o carrinho dos filhos; tinha que usar roupa muito grande e larga; os menores não podiam tratar a ofendida por mãe, nem ter qualquer contacto físico com a mesma, devendo despedir-se dela acenando.             

                86. No dia 21 de Março de 2015, durante as férias escolares da Páscoa, a ofendida fugiu de casa com os menores.

    87. Após acordo entre o arguido e a ofendida, no dia seguinte, os menores foram entregues ao arguido, tendo acordado que a mãe os iria buscar a casa daquele.

                88. No dia 22 de Março de 2015, quando a ofendida se deslocou a casa do arguido para ir buscar os menores, nem o arguido nem os menores estavam em casa.

                89. A ofendida contactou telefonicamente o arguido que lhe disse que se quisesse voltar a ver os filhos tinha que voltar para casa e manter a relação que tinham.

                90. Quando a ofendida disse que não pretendia reatar a relação, o arguido disse-lhe que nunca mais iria ver os seus filhos.

                91. Entre 22 de Março de 2015 e 07 de Junho de 2015 – data em que os menores foram acolhidos –, o arguido impediu que a ofendida visse e estivesse com os menores.

                92. Nesse período, a ofendida apenas conseguiu ver os menores em duas ou três ocasiões, na escola que frequentavam.

                93. Durante esse período, o arguido disse aos menores que a mãe os tinha abandonado e que tinha morrido.

                94. No dia 07 de Junho de 2015, os menores foram acolhidos na Casa dos Plátanos e verbalizaram que não podiam falar sobre a mãe porque o arguido não deixava e ainda que não podiam ir às visitas da mãe porque o arguido não deixava.

            95. Na primeira visita da mãe aos menores, estes não a trataram por mãe, mas por BB.

                96. Em Maio de 2016 foi aplicada aos menores a medida de promoção e protecção de apoio junto da mãe.

               97. Ao longo do tempo, o arguido agiu sempre com o propósito de molestar física e psicologicamente a ofendida e de a perturbar na sua liberdade e segurança, o que conseguiu.

               98. Mais, pretendia intimidá-la e rebaixá-la na sua auto-estima, como efectivamente sucedeu.

                99. O arguido agiu ainda com o propósito concretizado de causar lesões corporais na ofendida e de a fazer causar a si própria lesões corporais ou levá-la a colocar-se em perigo para a sua vida e para a sua integridade física.

                100. O arguido agiu ainda com o propósito concretizado de causar medo na ofendida, levando-a a respeitar as regras por si instituídas e a seguir à risca aquilo que lhe dizia para fazer.

                101. Ao actuar do modo descrito, no interior da residência, o arguido sabia que molestava física e psicologicamente a ofendida, que sabia que era sua esposa e mãe dos seus filhos, prejudicando o seu bem-estar e ofendendo a sua honra e dignidade.

               102. Quis ainda privar a ofendida da sua liberdade de movimentos e da sua capacidade de auto-determinação, privando-a de exercer o papel de mãe.

               103. Perturbou e condicionou o normal e harmonioso desenvolvimento dos seus filhos.

                104. O arguido quis privar os seus filhos do contacto com a mãe, prejudicando o seu crescimento em termos físicos, psicológicos e afectivos.

                105. Por força da conduta do arguido, os menores pensaram que a mãe os tinha abandonado e que tinha morrido, tendo tal circunstância acentuado a dor da separação.

                106. O arguido agiu ainda com o propósito concretizado de causar lesões corporais nos seus filhos.

                107. Por força da conduta do arguido, o menor CC aquando do seu acolhimento era uma «criança defensiva, com grande dificuldade em confiar, sem estabelecer qualquer contacto visual e recusando abordar qualquer temática».

                108. Por força da conduta do arguido, os menores aquando do seu acolhimento demonstravam uma «obediência» àquele e receio em desagradá-lo por gostarem de estar com a mãe.

                109. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as condutas por si perpetradas eram proibidas e punidas por Lei. 
                110. Do certificado do registo criminal do arguido AA nada consta.  
                111. O processo de desenvolvimento e de socialização do arguido AA decorreu num meio social com o qual se identificava.
                112. É o mais novo de uma fratria de três, foi criado com condições sócio-económicas suficientes para prover à satisfação das necessidades de subsistência essenciais, sendo o progenitor o único elemento activo do agregado.
                113. A dinâmica relacional do arguido regista a ocorrência de várias altercações – conjugais e parentais – imputadas à alegada instabilidade psíquica da progenitora do arguido.
                114. O arguido refere reconhecer como importante o espírito de trabalho que apreendeu do seu progenitor, incutindo-lhe sentido de responsabilidade.
                115. Abandonou o sistema de ensino aos 16 (dezasseis) anos de idade, registando um percurso que foi pautado por algumas reprovações, desistindo ainda de formações por desconsiderá-las enquanto mais-valia para a autonomização financeira.
                116. O arguido registou, ainda na adolescência, a realização de alguns biscates e trabalhos temporários de curta duração, de natureza precária e indiferenciada, o que comprometeu a sua emancipação do agregado de origem.
                117. O arguido e a ofendida mantiveram uma relação conjugal durante cerca de 9 (nove) anos, sendo que durante um período temporal de aproximadamente 3 (três) anos, até 2014, em virtude da sinalização dos menores em casa dos seus progenitores, vieram a autonomizar-se residindo num imóvel arrendado.
                118. No ano de 2010, o arguido foi sujeito a injunção de cariz pecuniária que reverteu a favor de instituição de solidariedade social, pela prática de factos subsumíveis a um crime de condução sem habilitação legal – NUIPC 954/10.9POLSB.
                119. Os factos sub judice ocorreram quando o arguido vivia conjugalmente com a ofendida e, em parte, com os filhos comuns.
                120. Desde há cerca de um ano e meio que o casal se separou e a relação de convívio que mantém com os menores ocorre semanalmente, com supervisão, existindo ainda pernoita dos menores com o arguido em fins-de-semana quinzenalmente.
                121. O arguido permanece a habitar com os progenitores, sendo que o progenitor funciona como elemento responsável pelo acompanhamento dos menores na altura das pernoitas, a fim de minimizar o risco de eventuais encontros entre a ofendida e o arguido.
                122. Ao nível profissional, o arguido mantém uma situação precária, realizando eventuais trabalhos indiferenciados, recusando-se a inscrever-se no Instituto de Emprego e Formação Profissional, alegando não acreditar no sistema.
                123. Os tempos de lazer são passados com os filhos, expressando a vontade de retomar ao hobbie da pesca.
                124. O arguido denota incapacidade de descentração e de formulação de análises autocríticas, dificuldades na gestão adequada de situações que originem stress e conflitos, com discurso com tonalidade persecutória.
                125. O arguido afirma considerar condenável a violência doméstica, posicionando-se num plano que indicia a existência de crenças legitimadores de respostas ofensivas no contexto íntimo-relacional.
                126. Ao longo das duas sessões da audiência de julgamento, o arguido manteve-se tranquilo, sem expressar qualquer desconforto, estranheza ou reacção de desagrado perante a sucessão de relatos e imputações que lhe eram dirigidas pelas testemunhas.

            A subsunção dos factos aos crimes de violência doméstica pelos quais o arguido foi condenado é absolutamente incontestável.

            Na verdade, e quanto à ofendida BB, provou-se que o arguido, durante um período e cerca de dez anos, entre 2005, quando se iniciou o namoro, seguido de coabitação em 2007, e 2015, ano em que se separaram, depois do casamento ocorrido em maio de 2014, o arguido praticou reiteradamente diversas condutas típicas do crime em referência, a saber:

            - maus tratos físicos: factos nºs 10-11, 15, 33, 43 e 51;

            - injúrias: facto nº 52;

            - privações da liberdade: factos nºs 17-18, 20-22;

            - intimidação e coação psicológica e afetiva: factos nºs 4-6, 8-9, 24-26, 34-37, 45-47, 53, 61-62, 77-80, 82-85, entre outros.

            Quanto aos menores, filhos do arguido, provaram-se as seguintes condutas típicas:

            - maus tratos físicos: factos nºs 63-65;

            - intimidação e coação psicológica e afetiva: factos nºs 44-47, 60-62, 84-85, 93.

            Sendo assim incontestável a qualificação dos factos, importa analisar a medida das penas parcelares e da pena conjunta, que o recorrente considera excessivas, devendo, em seu entender, ser reduzidas para 3 anos de prisão, relativamente à ofendida, e 2 anos de prisão, quanto a cada um dos filhos, fixando-se a pena conjunta em 5 anos de prisão, suspensa na sua execução.

Nos termos do art. 71º, nº 1, do CP, a pena é determinada em função da culpa e das exigências da prevenção.

O relacionamento entre culpa e prevenção vem exposto no art. 40º do CP, relativo aos fins das penas, que dispõe que a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo porém a pena ultrapassar a medida da culpa (nº 2 do art. 40º do CP).

A culpa não é, pois, fundamento da medida da pena, mas somente o seu limite. A pena tem como finalidade primordial a prevenção geral (proteção dos bens jurídicos), entendida como prevenção positiva, ou seja, a afirmação da validade das normas perante a comunidade; é na moldura determinada pela prevenção geral que devem ser valoradas as exigências da prevenção especial, intervindo a culpa apenas como limite máximo da pena, como travão inultrapassável às exigências preventivas.

É neste quadro que, para determinação da medida concreta da pena, há que atender, de acordo com o nº 2 do citado art. 71º, às circunstâncias do crime, nomeadamente ao grau de ilicitude, modo de execução do facto e gravidade das consequências e grau de violação dos deveres impostos ao agente (al. a)), intensidade do dolo ou da negligência (al. b)), sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins e motivação do mesmo (al. c)), condições pessoais do agente e situação económica do mesmo (al. d)), conduta anterior e posterior ao crime (al. e)), falta de preparação para manter uma conduta lícita (al. f)).

            O arguido invoca fundamentalmente em seu favor o facto de ser “emocionalmente um doente”, destituído de amor próprio, de autoestima, “situação que o impele para condutas desadequadas e censuráveis”.

            Diga-se, desde já, que não está minimamente em questão a consciência, por parte do arguido, da ilicitude dos factos por ele praticados, nem a liberdade de autodeterminação em função dela, ou seja, não está em dúvida a imputabilidade penal do arguido (a sua capacidade de avaliação da ilicitude dos factos e de determinação de acordo com essa avaliação, nos termos do art. 20º, nº 1, do CP), que não foi questionada em julgamento, nem sequer o arguido vem agora pôr em causa.

            O que ele invoca é uma “doença emocional”, um défice de autoestima que o “impeliria” para condutas que ele próprio reconhece serem “censuráveis”.

            Esse problema “emocional” do arguido não é porém suscetível de ser entendido como circunstância atenuante da culpa, e consequentemente da pena.

           Os “impulsos” que a “doença emocional” do arguido alegadamente lhe provocava eram por ele domináveis (ele aliás não o nega propriamente), precisamente por ser imputável, eventualmente com esforço, mas é esse esforço que, sendo o arguido imputável, insiste-se, lhe era exigido pela ordem jurídica, o de se autodominar para cumprir as regras jurídicas, exigência imposta a todos os cidadãos.

            Desculpabilizar, ainda que parcialmente, o comportamento do arguido com fundamento no seu desequilíbrio emocional seria um enfraquecimento intolerável da proteção penal de bens jurídicos valiosos. Diga-se de passagem que a grande maioria dos crimes contra a humanidade cometidos no século passado foram praticados por indivíduos emocionalmente perturbados, mas tal circunstância nunca foi considerada desresponsabilizante ou sequer atenuante de tais comportamentos pelos tribunais que julgaram esses crimes.

Ainda que se considerasse que o arguido não conseguia dominar totalmente os “impulsos” da sua “doença emocional” (o que não resulta da matéria de facto, insiste-se), daí não se seguiria a atenuação da culpa.

Na verdade, segundo o disposto no nº 2 do art. 20º do CP, se o tribunal considerar que o agente, por força de uma anomalia psíquica grave, não domina os efeitos da mesma, sem por isso poder ser censurado, tendo porém a capacidade de avaliação e de determinação sensivelmente diminuída, o tribunal poderá declarar o agente inimputável.

Não diz porém o preceito qual a decisão a tomar se o agente for julgado imputável. É incontestável que à imputabilidade diminuída não corresponde necessariamente uma culpa diminuída. Ela tanto pode conduzir a uma culpa agravada, como a uma culpa atenuada, tudo dependendo das características da personalidade do agente refletidas no facto; quando estas se revelarem especialmente desvaliosas do ponto de vista do direito, estaremos perante uma culpa agravada, a que corresponderá uma pena necessariamente mais grave[1].  

           Relembra-se porém que no caso dos autos nem sequer se apurou que o arguido sofresse de qualquer anomalia psíquica, pelo que é totalmente injustificada qualquer atenuação da pena com fundamento numa culpa mitigada.

           Analisando os factos mais de perto, ressalta de imediato a excecional ilicitude da globalidade das condutas imputadas ao arguido.

           Reportando-nos à ofendida, importa desde logo realçar a pluridimensionalidade das ofensas (físicas, emocionais, psíquicas e privativas da liberdade), já atrás elencadas, não relevando tanto as ofensas físicas, contrariamente ao que vulgarmente acontece, como a violência psíquica, que atingiu um grau de perversidade e malvadez excecional, sempre sustentada aliás pela ameaça do recurso a represálias físicas por parte do arguido.

            Na verdade, o arguido fez da ofendida uma pessoa isolada do mundo, impedindo o relacionamento dela com quem quer que fosse (facto nº 83), cortando-lhe os meios de contacto normais com o exterior, como o telemóvel e até a televisão ou a internet (factos nºs 82 e 85). Inclusivamente privou-a do convívio familiar, especialmente com os filhos, impedindo o normal desenvolvimento da relação afetiva entre mãe e filhos, a ponto de ela não poder contacto físico com os filhos (mesmo pegar-lhes ao colo ou dar-lhes a mão na rua, ou sequer dar-lhes um beijo de despedida), e de estes não a poderem tratar ou sequer referir-se a ela por “mãe” (factos nºs 37-39, 53, 61, 85, 103-105, entre outros).

            E até a memória do passado familiar da ofendida o arguido quis apagar, impondo-lhe a destruição do único pertence que ela tinha do pai: uma fotografia (facto nº 36).

           Não se pode omitir, pela sua relevância, demonstrativa da perversidade do arguido, uma referência às privações da liberdade de que a ofendida foi vítima, sendo fechada à chave no quarto pelo arguido quando ele não estava em casa (factos nºs 18, 20-21), ou mesmo quando estava, mas queria evitar o convívio da ofendida com outras pessoas (facto nº 22).

           A ofendida, afinal, era mero um joguete nas mãos do arguido, desprovida de vontade própria, sujeita aos caprichos mais absurdos do arguido, que chegava a controlar as idas à casa de banho da ofendida em casa (facto nº 28).

            De salientar, e para cúmulo, a exigência frequente de “provas de amor” feitas pelo arguido à ofendida, que se traduziam na imposição de cruéis formas de automutilação física, como cortes nos braços com giletes ou tesouras, provocando feridas de que a ofendida ainda hoje ostenta cicatrizes (factos nºs 77-80), e na perversa e extravagante exigência, em certa ocasião, que a ofendida passasse de uma janela de um quarto para o outro da casa onde moravam, que ficava num 10º andar, ao que ela acabou por aceder (factos nºs 8-9).

            Este quadro fáctico revela uma elevadíssima ilicitude e um grau extremo de perversidade, crueldade e malvadez por parte do arguido.

            Quanto aos filhos, bem se pode dizer com toda a propriedade que o arguido os privou da mãe, obrigando-os a viver uma infância de terror, com consequências desastrosas para o desenvolvimento afetivo das crianças (factos nºs 103-105).

Nenhuma circunstância beneficia o arguido, que não seja a ausência de antecedentes criminais, cuja relevância é escassa.

           A nível da prevenção geral, as exigências são fortíssimas, atendendo à persistência e à disseminação do fenómeno da violência doméstica, que não dá mostras de retrocesso, mau grado todas as medidas de ordem preventiva e repressiva adotadas. As últimas estatísticas conhecidas, relativas ao ano de 2016, confrontadas com as de 2015, revelam a grande dimensão a nível nacional e a persistência (inclusivamente a expansão) deste fenómeno criminal.[2]

           A nível da prevenção especial é também evidente a enorme exigência, atenta a aliás assumida tendência criminosa derivada da alegada “doença emocional” do arguido, que faz recear a repetição de condutas idênticas, se a ocasião se proporcionar.

            A medida da pena aplicada ao crime cometido contra a ofendida (4 anos e 6 meses de prisão) aproximou-se do limite máximo (5 anos de prisão), o que se mostra adequado, tendo em conta as circunstâncias referidas, de anormal gravidade, a ampla duração temporal das ofensas, e por último os fins das penas, especialmente em sede preventiva.

            Quanto aos crimes em que foram ofendidos os menores, punidos cada um com a pena de 3 anos de prisão, com uma moldura penal idêntica, valem as mesmas considerações, julgando-se igualmente adequada e proporcional a medida das penas fixadas.

            Por último, impõe-se analisar a medida da pena conjunta, fixada em 6 anos e 6 meses de prisão.

Estabelece o art. 77º, nº 1, do CP que o concurso é punido com uma pena única, em cuja medida são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. E o nº 2 acrescenta que a pena única aplicável tem como limite máximo a soma das penas parcelares (não podendo ultrapassar 25 anos de prisão) e como limite mínimo a mais elevada das penas parcelares.

            Optou o legislador penal, na punição do concurso de crimes, por um sistema de pena conjunta, e não de pena unitária, uma vez que impôs a fixação das penas correspondentes a cada um dos crimes em concurso, e é das penas parcelares que se parte para a fixação da moldura penal do concurso (enquanto que, segundo o sistema de pena unitária, seria aplicável uma única pena ao agente, sem determinação prévia das penas referentes a cada infração).

Essa moldura, por sua vez, é construída através da combinação de dois princípios: o da acumulação material e o do cúmulo jurídico. Do primeiro resulta que o limite máximo da pena do concurso é constituído pela soma aritmética das penas parcelares. O segundo estabelece que a pena é fixada em função de uma consideração conjunta dos factos e da personalidade do agente, aproximando de alguma forma o sistema do da pena unitária, sem porém de forma nenhuma se confundir com este.

            A determinação da medida concreta da pena única deve atender, como qualquer outra pena, aos critérios gerais da prevenção e da culpa (art. 71º do CP); e ainda a um critério especial: a consideração conjunta dos factos e da personalidade do agente, na sua relação mútua. Ao tribunal impõe-se uma apreciação global dos factos, tomados como conjunto, e não enquanto mero somatório de factos desligados, na sua relação com a personalidade do agente.

Essa apreciação deverá indagar se a pluralidade de factos delituosos corresponde a uma tendência da personalidade do agente, ou antes a uma mera pluriocasionalidade, de caráter fortuito ou acidental, não imputável a essa personalidade, para tanto devendo considerar múltiplos fatores, entre os quais a amplitude temporal da atividade criminosa, a diversidade dos tipos legais praticados, a gravidade dos ilícitos cometidos, a intensidade da atuação criminosa, a pluralidade de vítimas, o grau de adesão ao crime como modo de vida, as motivações do agente, as expetativas quanto ao futuro comportamento do mesmo.

            A determinação da pena única, quer pela sua sujeição aos critérios gerais da prevenção e da culpa, quer pela necessidade de proceder à avaliação global dos factos na ligação com a personalidade, não é compatível com a utilização de critérios rígidos, com fórmulas matemáticas ou abstratas de fixação da sua medida. Como em qualquer outra pena, é a justiça do caso que se procura, e ela só é atingível com a criteriosa ponderação de todas as circunstâncias que os factos revelam, sendo estes, no caso do concurso, avaliados globalmente e em relação com a personalidade do agente, como se referiu.

            A moldura penal do concurso, no caso dos autos, tem como limite mínimo 4 anos e 6 meses e limite máximo 10 anos e 6 meses de prisão.

           A gravidade extrema dos factos, avaliados globalmente e simultaneamente na sua pluralidade, a sua duração temporal, a culpa elevadíssima, revelam uma personalidade defeituosa, emocionalmente desequilibrada, capaz de condutas extremamente perversas e cruéis, denunciando uma tendência criminosa intensa da parte do arguido em conexão com os factos praticados.

As necessidades preventivas são enormes, quer de prevenção geral, quer de prevenção especial.

Neste quadro, entende-se que a pena conjunta fixada (6 anos e 6 meses de prisão) é insuscetível de qualquer redução, já que satisfaz, embora estritamente pelo mínimo, as exigências preventivas, gerais e especiais, e não excede de forma alguma a medida da culpa, que é elevadíssima, não prejudicando, por outro lado, a ressocialização do arguido, que não pode deixar de passar por uma “solene advertência” ao arguido da enorme reprovabilidade da sua conduta, que só a condenação e o cumprimento da pena de prisão pode constituir.

Prejudicada fica a apreciação da eventual suspensão da execução da pena, por força do disposto no art. 50º, nº 1, do CP.

O recurso não merece pois provimento.

III. Decisão

Com base no exposto, nega-se provimento ao recurso.

Vai o arguido condenado em 8 UC de taxa de justiça.

                               

Lisboa, 7 de fevereiro de 2018

           

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[1] Exatamente assim, Figueiredo Dias, Direito Penal, tomo I, 2ª ed., p. 585. Na jurisprudência, ver o acórdão deste Supremo Tribunal de 7.6.1995, proc. nº 46858; e, mais recentemente, os acórdãos de 27.1.2010, proc. nº 401/07.3JELSB.L1.S1; de 13.4.2011, proc. nº 693/09.3JABRG.P2.S1; e de 26.6.2013, proc. nº 10/11.2JAGRD.C1.S1.
[2] Segundo os dados do Relatório Anual de Segurança Interna, ano de 2016, pp. 34 ss., no ano de 2016 foram registadas na GNR e na PSP 27 291 “ocorrências” de violência doméstica, contra 23 251 no ano de 2015. Quanto ao sexo das vítimas 79,9% foram mulheres em 2016, 80,7% em 2015. Os denunciados foram 84,3% homens em 2016, 84,8% em 2015. Quanto à relação de parentesco entre a vítima e o denunciado, foi de caráter conjugal ou de união de facto em 71,7% dos casos em 2016, e de 72,6 em 2015.