Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1248/11.8TBEPS.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: BETTENCOURT DE FARIA
Descritores: CASO JULGADO
INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
Data do Acordão: 12/12/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR - RECLAMAÇÃO, VERIFICAÇÃO E GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS / SENTENÇA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA (EFEITOS) / RECURSOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 671.º E SEGUINTES.
CÓDIGO DE INSOLVÊNCIAS E RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGO 128.º E SEGUINTES.
Sumário :

Existe caso julgado entre a decisão que, no processo de insolvência julgou reconhecido um crédito e a posterior acção declarativa em que se pede a declaração de nulidade do contrato em que se funda tal crédito.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

            I

A requerimento de Construções ..., S.A., foi declarada, a insolvência de ... - Actividades Imobiliárias, Lda.

Foram reclamados os competentes créditos, designadamente pela requerente da insolvência.

O administrador da insolvência apresentou a lista de credores por si reconhecidos.

Essa lista foi impugnada pelo credor reclamante Banco Comercial Português, S.A. e pelos credores reclamantes AA, BB, CC (e marido) e FF. Pretendia o primeiro que os créditos dos segundos não podiam ser havidos como privilegiados (tinham invocado a seu favor a existência de direito de retenção sobre certos bens da Insolvente); pretendiam os segundos que os créditos deviam corresponder, além do mais, ao dobro de sinal que alegaram ter passado em cumprimento de contratos-promessa oportunamente celebrados sobre tais bens). Nenhum outro credor impugnou a lista.

Os impugnantes, porém, vieram a desistir das impugnações. Foram julgadas válidas tais desistências.

Foi proferida sentença que

A - Declarou “reconhecidos” os créditos constantes da lista - entre estes o crédito da requerente da insolvência e os créditos dos aludidos AA, BB, CC (e marido) e FF, - e os graduou, os destes com preferência ao daquela.

B - Inconformada com a decisão na parte em que se tiveram como atendíveis os créditos privilegiados dos aludidos AA, DD, CC (e marido) e FF, apelou a credora e requerente da insolvência, Construções ..., S.A.

C - Na sua alegação de recurso, sustentou que os contratos-promessa invocados por esses credores eram simulados, falsos e nulos.

D - A apelação foi julgada improcedente, sendo confirmada a decisão recorrida - acórdão de fls. 321 e seguintes - ,

Em 9 de Novembro de 2011, intentou a referida Construções ..., S.A. a presente acção ordinária contra:

(I) ... - Actividades Imobiliárias, Lda.,

(II) Massa Insolvente de ... - Actividades Imobiliárias, Lda.,

(III) Credores da Massa Insolvente de ... - Actividades Imobiliárias, Lda.,

(IV) CC (e marido),

(V) FF,

(VI) BB e

(VII) AA,

 pedindo:

que se declarasse a nulidade, por simulação, dos contratos-promessa invocados pelos demandados identificados sob IV a VII, ou, “alternativamente e sem prescindir”, se declarasse a nulidade dos contratos-promessa “por ofensa de consistência geral da garantia patrimonial dos credores da 1ª Ré através da violação do princípio nemo plus iuris, sem prejuízo da aplicação do regime da redução aos negócios dos 4º, 5º e 7º Réus, com correspondente obrigação de reintegração na massa insolvente do seu crédito que exceda €35.000,00”.

Contestaram os demandados (IV) CC (e marido), (V) FF, (VI) BB e (VII) AA.

Alegaram, além do mais, que se verificava a excepção do caso julgado relativamente ao que ficara decidido pelo supra citado acórdão, porque já no correspondente processo haviam suscitado, e nela decaído, a questão que vêm agora suscitar no presente processo. Mais sustentaram que o lugar próprio para dirimir a questão da existência e validade dos créditos ora em causa seria unicamente o processo de insolvência, de modo que é inadmissível e inatendível o recurso que a Autora faz ao presente processo. Dão-se aqui por reproduzidos, no mais, os termos da contestação.

Findos os articulados, foi proferido despacho saneador onde

se julgou verificada a excepção do caso julgado, sendo os réus absolvidos da instância.

Apelou a autora, tendo o Tribunal da Relação proferido a seguinte decisão:

Pelo exposto acordam os juízes nesta Relação em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida.”

Recorrem, agora, os réus, os quais, nas suas alegações de recurso, apresentam, em síntese, as seguintes conclusões:

1 Na decisão recorrida há contradição entre a fundamentação e o decidido, na medida em que se começa por expressar dúvidas sobre a formação do caso julgado material nas decisões de verificação e graduação de créditos nas acções executivas, ao contrário do que acontece nas acções declarativas, vindo depois, a entender que à acção de verificação de créditos no processo falimentar deve ser aplicado, por analogia o regime das primeiras, para finalmente vir a considerar, que esta última é uma verdadeira acção declarativa.

2 O processo de reconhecimento, verificação e graduação de créditos numa insolvência é uma verdadeira acção declarativa, sendo que as decisões aí proferidas vinculam as partes dentro e fora do processo.

3 Não tendo aí a recorrida impugnado os créditos da recorrente, a decisão que, em consequência disso, os reconheceu, faz caso julgado mesmo fora do processo falimentar.

4 Não se podendo fundar entendimento contrário na analogia com o que sucede na acção executiva, nem no facto de não ter havido julgamento, como também no facto do tribunal ser coadjuvado pelo AI.

Corridos os os vistos legais, cumpre decidir.

II

Como factos a atender temos os constantes do relatório supra, nomeadamente, os constantes dos pontos A, B, C e D.

III

Apreciando

1 Falam os recorrentes numa contradição entre a decisão recorrida e os respectivos fundamentos.

Este vício, como é de entendimento jurisprudencial firme, consiste numa desconformidade de ordem lógico-formal entre a decisão e os seus fundamentos. Ou seja, tais fundamentos deveriam conduzir a uma outra decisão.

Não se trata, pois, de um erro de julgamento, em que existe um erro de lógica jurídica, quando as conclusões do julgador não constituem a melhor interpretação da lei.

E isto sem que forçosamente exista uma contradição lógico-formal entre os pressupostos da decisão e aquilo que ficou decidido.

Ora, na decisão em apreço nenhum vício de raciocínio lógico existe.

Limita-se ela a considerar, em resumo, que a decisão de reconhecer os créditos tem unicamente por objectivo a sua graduação, não declarando a efectiva existência desses créditos. Logo, é possível discutir, posteriormente, em nova acção a dita existência.

Não vai nisto qualquer contradição de raciocínio.

Pelo que não se verifica a alegada irregularidade.

2 A questão de fundo que aqui se debate é a de saber se a decisão proferida no processo de insolvência reconhecendo determinados créditos faz caso julgado face a futura acção em que se debata a existência de tais créditos.

No caso vertente discute-se indirectamente os pressupostos do caso julgado- o pedido e a causa de pedir- questionando a natureza da causa em que o primeiro litígio foi decidida. Ou seja, se o conteúdo do decidido será o mesmo em qualquer dos casos, por forma a vir a entender-se que um exclui a possibilidade de repetição do julgado.  

No que divergem as instâncias,

Em 1ª instância considerou-se que se estava perante duas acções declarativas em que se discutia a subsistência dos mesmos créditos, o que importava a ocorrência do caso julgado.

Na Relação entendeu-se, como se referiu em 1 que o objectivo das acções em causa eram diferentes – com pedidos e causa de pedido diferentes - .

Antes dos mais vejamos quais as consequências da tese de 2ª instância.

Transitadas em julgado, a decisão que julgou reconhecidos os créditos e aquela, nestes autos que porventura julgasse a acção procedente, teríamos, entre as mesmas partes, um crédito que, por um lado, subsistia, mas que, por outro, a autora nestes autos não estava obrigada a reconhecer.

A necessidade de evitar a contradição de julgados impõe-se na questão em apreço. Logo, a necessidade do caso julgado.

Nem se argumente com a “falta de jurisdição” no processo de verificação dos créditos na insolvência, decorrente da apresentação de uma lista por um funcionário o AI.

Como bem se assinalou em 1ª instância, trata-se de uma acção declarativa “completa”, com a observância do princípio do contraditório – a impugnação dos créditos – e do princípio do julgamento.

Não pode é o interessado que “falhou” a impugnação dos créditos tentar “superar” essa falta por meio da propositura de uma acção declarativa autónoma, com o conteúdo do que deveria ter sido a sua impugnação, tentando transformá-la em causa prejudicial do processo de reconhecimento, como fez a recorrida, ao apelar da decisão de reconhecimento dos créditos.

            Aliás, a possibilidade de contradição de julgados é, de alguma forma reconhecida pela autora ao alegar, como fez, na sua apelação à decisão no anexo de verificação de créditos, a prejudicialidade desta causa em relação àquele processo verificação.

Como se referiu em 1ª instância:

“…tendo existido processo declarativo – o apenso de verificação de créditos – no qual foram facultadas todas as possibilidades de defesa do seu crédito à A.- nomeadamente pondo em causa os créditos reclamados pelos outros credores . e no qual a A. suscitou a questão – em sede de recurso –que agora pretende que o Tribunal novamente aprecie, não há razões para não afirmar que se produziu caso julgado material quanto ás questões da existência dos créditos.

Termos em que procede o recurso.

Pelo exposto, acordam em conceder a revista e, em consequência, revogam a decisão recorrida e mantêm a decisão de 1ª instância.

Custas nas instâncias e neste Tribunal pela autora.

                                                                       Lisboa, 12-12-2013

Bettencourt de Faria (Relator)

Pereira da Silva

João Bernardo