Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1829/95.5TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA RIBEIRO COELHO
Descritores: CONTRATO DE MÚTUO
PRESSUPOSTOS
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
AUTONOMIA DA VONTADE
OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
RECURSO DE REVISTA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ACTIVIDADE BANCÁRIA
ATIVIDADE BANCÁRIA
CONTRATO REAL
Data do Acordão: 09/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / FORMA / NULIDADE E ANULABILIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO – DIREITO DAS COISAS / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / REALIZAÇÃO COACTIVA DA PRESTAÇÃO / ACÇÃO DE CUMPRIMENTO E EXECUÇÃO / CAUSAS DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES ALÉM DO CUMPRIMENTO / COMPENSAÇÃO / CONTRATOS EM ESPECIAL / MÚTUO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, p. 406 e 407;
- Andreia Marques Martins, Do Crédito à Habitação em Portugal e a Crise Financeira e Económica Mundial. Em Especial: a Prestação de Garantias no Crédito à Habitação, Revista de Direito das Sociedades, Ano II, n.º 3-4, 2010, p. 745;
- Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, Volume II, Lisboa, AAFDL, 1985, p. 309 e 310;
- Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, Volume VIII, Coimbra Editora, 1934, p. 265;
- Fátima Cristina Fontes da Costa, A Questão da Adjudicação ao Banco Exequente do Imóvel Hipotecado Por Um Valor Inferior ao da Dívida Exequenda Em Virtude do Incumprimento do Contrato de Mútuo para Aquisição de Habitação. Um Problema…., p. 18, in https://estudogeral.sib.uc.pt/;
- J. Simões Patrício, Direito Bancário Privado, 2004, p. 309;
- João Calvão da Silva, Direito Bancário, Almedina, p. 361;
- José Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, 2015, p. 497 e 498;
- José Maria Pires, Direito Bancário, As Operações Bancárias, 1995, Volume II, p. 201 e 202;
- Menezes Cordeiro, Da Compensação no Direito Civil e no Direito Bancário, p. 113, 115 e 116 ; Direito Bancário, 6.ª Edição, p. 260;
- Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 2.ª Edição, 2001, p. 575 e 515 ; Tratado do Direito Civil, I, 1º, 2.ª Edição, p. 263, 266 e 313 ; Tratado de Direito Civil, 3.ª Edição, IX, Direito das Obrigações, Cumprimento e Não-Cumprimento, Transmissão, Modificação e Extinção, p. 1027
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, 2002, Volume II, p. 196 ; Direito das Obrigações, Volume III – Contratos em Especial, 10.ª Edição, 2015, págs. 343 e ss. e 347;
- Mota Pinto, Teoria Geral, p. 398 e 399;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 4.ª Edição, p. 202, 761 e 762;
- Vaz Serra, Notas Acerca do Contrato de Mútuo, Revista de Legislação e Jurisprudência n.º 93, p. 65 a 69, 81 a 83, 97 a 100, 129 a 131, 161 a 164 e 177 a 180;
- Vaz Serra, Rev. Leg. Jur., Ano 93º, p. 65 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 219.º, 289.º, N.º 1, 817.º, 847.º, N.º 1, ALÍNEAS A) E B), 848.º E 1142.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 674.º, N.º 3.
LEI DE ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS (LOFTJ): - ARTIGO 26.º.
CÓDIGO COMERCIAL (CCOM): - ARTIGO 362.º, 394.º, 395.º E 396.º.
DL N.º 58/2013, DE 8 DE MAIO.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- 20-10-1998, RELATOR TORRES PAULO, SASTJ, IN WWW.STJ.PT;
- DE 02-07-2015, PROCESSO N.º 91832/12.3YIPRT-A.C1.S, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 07-04-2005, RELATOR SALVADOR DA COSTA, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 10-04-2018, PROCESSO N.º 23656/15.5T8SNT.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 13-02-2007, RELATOR URBANO DIAS, IN WWW.DGSI.PT;

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

- DE 19-01-2006, PROCESSO N.º 0536641, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I – Aplica-se tanto ao mútuo civil como ao mútuo bancário o entendimento segundo o qual o mútuo é um contrato real “quoad constitutionem” que, sem a entrega, ou ato equivalente, não fica perfeito nem completo.

II – Admitindo-se, porém, a possibilidade de, ao lado do contrato de mútuo típico real e da promessa de mútuo, existirem, por convenção das partes e ao abrigo da liberdade contratual, contratos de mútuo consensuais, só haverá a obrigação de restituir por parte do autor se a factualidade apurada evidenciar, de modo bastante, a efectiva entrega ou disponibilização em conta ou por outro meio dos valores envolvidos nas operações de financiamento.

III – A expressão “concedeu ao autor durante o ano de 1992, os valores a seguir mencionados (…) pelos quais disponibilizou ao autor, a título de empréstimo, sem acordo escrito, para que este lhe devolvesse após um ano, mediante um juro, os seguintes valores (…)”, interpretada no seu conjunto e vista à luz do significado que possui em termos de linguagem comum, implica a ideia suficientemente segura de que os valores em causa foram postos na efectiva disponibilidade do autor (em conta sua ou através de um qualquer outro meio), pois só assim tem sentido a afirmação de que a devolução seria feita após o decurso de um ano.

IV – Para efeitos de compensação, o requisito segundo o qual o crédito deve ser exigível judicialmente não significa necessidade de prévio reconhecimento judicial, mas apenas que o mesmo crédito esteja em condições de, nos termos do art. 817º, ser judicialmente reconhecido, nomeadamente através de acção de cumprimento.

V – Conhecendo o STJ apenas de matéria de direito, ressalvadas exceções previstas na lei, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

VI – Não há entre um banco e o seu cliente um contrato bancário geral que possa vincular o banco a aceitar as propostas feitas pelo cliente; estas, se em concreto forem aceites, darão lugar à celebração de novos contratos.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL




I - AA intentou contra o Banco BB – hoje, Banco CC, S.A., – a presente ação declarativa, em cuja p. i. alegou, conforme síntese já feita nas instâncias, o seguinte:

- Vive e trabalha na … como emigrante produtivo desde Junho de 1980 e, como não residente, constituiu vários depósitos na sucursal financeira exterior (SFE) do réu, a funcionar na Rua …, n.° …, 3.°, em Lisboa, os quais foram contabilizados em nome do autor e das empresas a si ligadas (DD e EE).

- Confiou no réu, na contabilização do banco, não lhe tendo sido possível, dada a permanência no estrangeiro e seus afazeres, ir confrontando o réu com a documentação dele emanada, mas, agora, pôde apurar que constituiu, pelo menos, os depósitos constantes do documento n.° 34 (faltando nos documentos do réu as correções acordadas, como a contabilização de taxas de juro de depósitos a prazo a taxas inferiores às negociadas, taxas de juro devidas e não contabilizadas, depósitos a prazo "esquecidos" sem as contabilizações posteriores ao 1.° ou 2.° vencimento do prazo, sendo que todos os depósitos eram para renovar pela melhor taxa de juro, igual à melhor praticada pelo réu para clientes seus).

- Desde o início acordou com o réu que só estabeleceria com ele operações de «colateral» (facilidades de caixa dadas pelo banco em garantia absoluta, em que o banco, depois de ter em seu poder uma quantia pertencente ao autor entrega o mesmo ou menor valor do que aquele que detém) desde que o réu lhe garantisse a neutralização do risco cambial.

- Logo que a campanha Clinton mostrou que o dólar iria valorizar deu ordem - em 13-07-92 - de conversão dos escudos que detinha depositados no réu para dólares, assim como de imediata colocação desses ativos em Nova York através da sucursal do réu.

- O réu estava obrigado a proceder a essa aplicação, porque acordara nas seguintes facilidades para o autor: «1° Pode saldar em qualquer altura Activos e/ou Passivos; 2° Pode dispor livremente de todos os seus activos contando-se os juros até à data da liquidação; 3° Aplicando todo o activo em Treasury Bonds ou equivalente em USD essa aplicação é a 5 anos no mínimo para amortização dos custos iniciais da sua compra. O passivo será renovado ano a ano conforme o seu pedido (Libor + 1/8 a 1/4). 4° Pode amortizar qualquer passivo parcial ou totalmente. 5.° Pode colocar activos ou passivos na moeda que quiser mas não deve sobrecarregar estes serviços com mudanças frequentes. 6. ° Se activos, cativos, forem transferidos, devem os mesmos continuar vinculados ao Banco» (conforme docs. 9 e 10), tendo recebido essa ordem.

- O autor propôs ao réu contrair um empréstimo único em dólares, pagar todo o passivo e aplicar o remanescente em Treasury Bonds americanos ou sucedâneo, e tal operação foi debatida com responsáveis do réu, sendo o prazo desta proposta de 3 dias e, decorridos tais 3 dias, sem resposta, o réu tinha de fazer a transferência dos ativos do autor para Nova Iorque, conforme lhe tinha sido ordenado, mas o réu, incumprindo as suas obrigações, não o fez, sendo responsável pelo prejuízo causado ao autor, o qual ainda está por apurar.

- A data de 13-07-92 em que foi dada ordem de aplicação pelo réu do ativo do autor em dólares, marca a taxa de câmbio aplicável aos valores de ativo para os traduzir em dólares, sendo a taxa de juro do «Franklin Tax Advantage U.S. Government Securities Fund», dos últimos 5 anos, de 11,21% em média.

- O réu apurou na mesma data o total de ativos do autor em Esc. 1.303.262.364$00, sendo que aplicada a taxa o capital e juros perfazem USD 16.002.871,43.

- Este valor de ativos deve ser corrigido para, pelo menos, Esc. 1.710.744.125$80, pelo que, com este valor, de acordo com a taxa aplicada, o capital e juros perfaz USD 21.006.375,27, valor que tem de ser contabilizado como ativo do autor, para efeito das contas a fazer e da liquidação do pedido em execução de sentença.

- O não cumprimento das suas instruções não passou pela cabeça do autor que tentou por todos os modos, dentro das suas possibilidades, encontrar uma saída, só que os diferentes responsáveis do réu nada fizeram, antes agravaram a situação, tendo o autor tentado soluções parcelares, ordenando o envio de depósitos que entretanto se iam vencendo, enquanto o réu ainda em Dezembro repetia que ia fazer as transferências.

- Só na Páscoa de 93 quando veio a Portugal de férias, pôde pedir a reunião cujo memorando consta do doc. 25, e entretanto ia enviando cartas do estrangeiro, pedindo a colaboração na gestão da sua carteira de ativos e passivos e tentando assim gerir o seu património confiado ao réu.

- Em 02-08-92, deu ordem - pelo doc. 33 - de renovação dos passivos em dólares, ordem essa que não foi cumprida pelo réu.

- Houve ainda 2 reuniões, mas o réu não cumpriu nenhuma das soluções encontradas.

- Logo que teve oportunidade, ainda sem toda a documentação e do estrangeiro, o autor processou o réu e este logo que soube que ia ser processado, apressou-se a fazer a compensação do saldo credor, contra os seus próprios acordos e sem qualquer base ou fundamento, mas unicamente para tentar escamotear o seu incumprimento.

- Até hoje, o réu não prestou contas detalhadas que logo foram pedidas (doc. 27).

- Até hoje, não sabe qual o crédito que tem na conta de contencioso, nem qual o passivo que o réu lhe imputa, sabendo apenas que o réu diz estarem as suas contas com saldo zero, tendo havido assim uma apropriação do réu do dinheiro que o autor pusera à sua guarda.

- O réu fez "colaterais" (collateral cash) ao autor, cujos valores e comprovação o réu se recusou a tornar líquidos e cada um deles tinha a garanti-lo, a 100% e quase sempre mais, um depósito feito antecipadamente pelo autor, sendo que os juros negociados com o réu apresentavam uma diferença substancial a favor do autor (pois os colaterais eram em dólares a cerca de 5% ao ano - taxa libor + 1/8 - e os depósitos eram em escudos - taxa de cerca de 16%).

- Os funcionários do réu erraram, primeiro por omissão, ao não fazerem a proteção cambial entre os ativos e passivos a favor do autor, e depois, por não terem cumprido atempadamente as ordens do autor, atrasando tal decisão que deixou de servir por se terem alterado entretanto as circunstâncias (entretanto, o dólar "disparou").

- Entre Julho de 1992 e Abril de 1993, o réu nada fez e, nesse período, a ordem de transferência para Nova Iorque não foi atempadamente cumprida, não sabendo o autor o motivo.

- Não é possível fazer aplicações financeiras de elevado volume e risco sem a rede, o apoio, proporcionada pela rápida mobilidade e consonância entre ativos e passivos, sendo o autor cliente de outros offshore e todos concedem semelhantes facilidades.

- Ficou estabelecido e reafirmado pela comunicação do réu, de 28-07-92, que todos os passivos seriam automaticamente prorrogados à taxa de juro habitual (libor +1/8) pelo período de tempo que durava a aplicação (5 anos).

- O réu tem de proceder à contabilização como ativos do autor, dos valores relacionados no doc. 94, e juros corrigidos até à conversão em dólares (13-07-92) e, depois da conversão, tem o réu de contabilizar como ativos do autor os juros correspondentes à aplicação no Fundo Franklin, devidos ao autor e tem de apresentar, de maneira clara e insofismável, os passivos que o réu reivindica com a respetiva documentação e não apenas documentos internos elaborados pelo réu.

- O autor sempre recusou ser o prejudicado com as ineficiências do réu.

- Ao autor não interessa outra solução que não seja: a) a contabilização como ativo do autor, do montante que para o autor resulta da transferência dos ativos totais, em dólares, para o réu em Nova Iorque - a aplicar no Fundo Franklin - por 5 anos à taxa esperada de 11,2%, isentos de impostos, e sendo os juros anuais, contabilizados os já vencidos acrescidos dos juros legais que disserem respeito até à data em que forem contabilizados como saldo disponível na conta do autor; b) a contabilização do passivo comprovado por documento bastante, todo convertido em dólares em 02-08-92, com juro à taxa Libor + 1/8; c) o apuramento do saldo entre estas duas valências e a respetiva contabilização desse saldo disponível, a favor do autor, na conta n.° 1110-03548-010 existente na S.F.E. de Nova Iorque, aberta pelo réu, com a concordância do autor.

- Os ativos têm de ser apurados a partir do doc. 94, onde estão identificados alguns dos existentes e deverão ser refeitas as contas e contabilizados os juros corretos e, pelos motivos indicados, não aceita a existência de passivos que sejam contabilizados em moeda que não seja USD a partir de 02-08-92, à taxa de juro acordada (Libor + 1/8) ou não sejam titulados e documentados com contrato legalmente válido ou com o recibo respetivo, assinados, pelo autor.

E com esta base factual formulou os seguintes pedidos de condenação do réu a:

A – Aplicar na contabilização dos ativos e passivos do autor:

A.1 – os acordos celebrados entre autor e réu, nomeadamente: a) os referidos no nº 24 da PI[1]; b) os acordos de taxas de juro dos ativos (libor + 1/8) e passivos (libor - 1/8) de moeda estrangeira; e a melhor taxa praticada (prime rate) pelo réu a cliente, para PTE (escudos);

A.2 – as ordens dadas pelo autor ao réu referentes a: a) conversão dos ativos em dólares em 13.7.92 e dos passivos em dólares em 2.8.92; b) aplicação pelo réu através da corretora de todos os ativos, convertidos em dólares, no Fundo Franklin à taxa esperada de 11,21% por 5 anos;

A.3 – a lista de ativos constante do doc. nº 94, identificados com número e data de constituição, como forma de proceder ao apuramento do total de ativos atual;

B – Contabilizar a favor do autor o saldo referido em A. na conta nº 11…10 da sucursal financeira exterior em Nova Iorque aberta em 6.11.92 para o efeito;

C – Reconhecer que o saldo para com o autor é o que resulta do saldo em dólares entre ativos e passivos, depois de efetuada a contabilização em cumprimento da al. A), e a pagar ao autor o saldo credor que for apurado e liquidado em execução de sentença.

        


Na contestação o réu pugnou pela improcedência da ação e, em sede de reconvenção, pediu a condenação do autor a pagar-lhe a quantia de 136.686.876$10, acrescidos de juros de mora à taxa supletiva legal de 15% desde 29.6.93 até integral pagamento, sendo de 35.838.176$00 os já vencidos.

O pedido reconvencional assentou em factualidade que pode ser resumida da seguinte forma:

- o réu concedeu ao autor, durante o ano de 92, os créditos enunciados nas operações descritas (de 1 a 12), significando a concessão ao autor de um crédito global de Esc. 1.182.234.523$80, sendo Esc. 1.102.062.515$70 de capital e Esc. 80.172.000$00 de juros remuneratórios contados até à data do vencimento dos mesmos;

- nas datas de vencimento dos vários empréstimos, o autor não pagou os mesmos, nem posteriormente, apesar de várias diligências do réu nesse sentido;

- goradas as negociações para regularização da situação devedora do autor, o réu, em 29.06.93, procedeu à compensação do saldo dos depósitos a prazo dados em penhor pelo mesmo, no montante de Esc. 1.042.967.750$90, que oportunamente comunicou ao autor e apesar dessa compensação parcial, a dívida do autor para o réu ascendia, em 29.06.93, a Esc. 136.686.876$10, a que acrescem, atualmente, os juros de mora, que calculados à taxa legal de 15% ascendem a Esc. 35.838.176$00 e imposto de selo.


Houve réplica e tréplica e teve lugar a audiência de julgamento, no decurso da qual o autor requereu – fls. 3533 e segs. – a ampliação do pedido, como desenvolvimento do pedido inicial, no sentido da condenação do réu a pagar-lhe USD 26.653,304, convertidos à taxa cambial relevante – 10.7.1992 – em 3.386.251.276$00, ou seja, € 19.657.910,00, acrescidos de juros moratórios à taxa convencionada de 11,21% ou, a não se entender assim, à taxa média de 15,525% ao ano, ampliação esta que foi admitida pelo despacho de fls. 3555-3556.


Foi depois proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo o réu dos pedidos formulados pelo autor, e que, no tocante à reconvenção, decidiu o seguinte:

- declarar a nulidade dos empréstimos realizados pelo réu ao autor e condenar este a restituir àquele as quantias recebidas a esse título, com juros de mora à taxa supletiva legal desde a notificação da reconvenção – 28.4.95 – e até efetivo e integral pagamento, sendo de abater a esta quantia o valor de € 5.202.301,21 já recebido pelo réu;

- absolver o autor do mais pedido pelo réu.


Apelou o autor, tendo a Relação de … julgado a apelação improcedente e confirmado a sentença.


Inconformado, o autor interpôs o presente recurso de revista, pedindo que o acórdão seja revogado e substituído por decisão que condene o réu em todo o pedido da ação e absolva o autor do pedido reconvencional, ou, no limite, que anule a decisão da 1ª instância e ordene a ampliação da matéria de facto e a repetição do julgamento, pelo menos na parte não viciada.

Formulou, para tanto, as conclusões que passamos a transcrever:[2]

1ª Vem o presente recurso de revista interposto do Acórdão da Relação de … que, incorrendo nos mesmos vícios, de facto e de Direito, da sentença da 1a instância, a confirmou integralmente, julgando improcedentes os pedidos do A. e procedente o pedido reconvencional do R. e, dada a data do início dos presentes autos, é tal recurso plenamente admissível, mostrando-se interposto tempestivamente e por quem para tal tem legitimidade.

2a Desde logo o R. nunca alegou e, logo, muito menos provou (para além de não ter havido contraditório sobre tal matéria) em que data, a quem, onde (país) em que conta, em que moeda e em que montante teria emprestado ao A. e colocado na disponibilidade deste qualquer um que fosse dos pretensos "empréstimos".

3a Não se tendo provado a entrega ao A. dos montantes pecuniários em questão, e também estando assegurada a 100% a cobertura de cada uma das "operações" invocadas pelo R., não se poderia nunca validamente constituir qualquer obrigação de prestar ou restituir por parte do A.. Desde logo,

4a Mesmo tendo presentes os valores que as instâncias deram como tendo entrado efectivamente na esfera jurídica do R. (11.403.102 euros) e na do A. (4.785.735 euros), sempre o A. seria credor da diferença de 6.617.367 euros, que o R. deveria ter sido condenado (e erradamente não foi) a pagar-lhe.

5a Pelo que nunca poderia o R. ter validamente operado a compensação que ele próprio confessa ter feito, com evidentes prejuízos para o A. de acordo com a própria tese das instâncias,

6a Além de que o A. pagou ao R. Esc. 1.042.967,750 enquanto as denominadas "operações" 1a a 12a somam apenas Esc. 814.261.279, sendo ainda certo que o R. não demonstrou ter qualquer crédito exigível judicialmente do A..

7a Os Depósitos a Prazo da carteira são notoriamente diferentes dos penhorados identificados na prova 15 a 26.

8a O saldo credor total do A. é composto pelos seguintes depósitos, aditados dos juros de mora legais até pagamento:

a) Depósitos à ordem em escudos - Prova n° 1;

b) Depósitos a prazo em escudos e moeda estrangeira;

c) Depósitos a prazo em escudos constituídos pelo A. constantes do Doc. N° 6 da contestação do R. e por ele junto a fls. 351 dos autos;

d) Depósitos a prazo em escudos constantes da carta do R. ao A. de 14/7/93 a fls. 116 e 467/70;

e) Depósitos à ordem e a prazo em escudos e moeda estrangeira (operações Ia a 12a) que o R. não provou terem dado entrada em qualquer conta do A.;

f) Os depósitos à ordem em escudos, registados pelo R. nas contas correntes em escudos do A.;

g) Juros de mora sobre todos estes depósitos até efectivo e integral pagamento dos seus montantes ao A.

9a Mesmo na errónea tese das instâncias, e apenas considerando os depósitos a prazo constantes do documento assente na al. P), fls.116, o saldo a favor do A., a valores actuais, é de 6.531.225,00.

10a Ademais, os supostos empréstimos das operações chamadas de "cash colateral" estavam todos liquidados, conforme documento de fls. 1897-1899,

11a Sendo que o R. e o seu empregado/procurador/perito FF adulteraram o documento original remetido ao A. apagando a linha manuscrita onde se lê e quantifica a "liquidação" e a quantia paga.

12a As instâncias decretaram que todo o passivo do A. era constituído por operações colateral cash, mas não só nunca definiram o que seriam e qual o montante que significariam como esqueceram por completo que os "cash collateral" definidos em 11) tinham garantia a 100% por depósitos do A..

13a Em suma, não só não existia na matéria a provar, como não foi provada, a entrega física ou escritural de algum valor de "empréstimo" ao A. como não existiam passivos do A., pois todos eles foram saldados a partir de Julho de 1992.

14a Deste modo, e só por esta via, o pedido reconvencional do R. não poderia ter deixado de improceder.

15a Acresce que o R. também não provou ter depositado a favor do A. o valor de Esc. 1.564.174.529, correspondente a USD 21.073.018, do que supostamente teria concedido ao A. e que, uma vez aplicados no mercado de capitais americanos, teria rendido mais USD 186.060.419!

16a Mais! A título de contas correntes DO (cfr. Doc. De fls. 1666 e 2400-2416), temos um total de PTE 1.757.638.814, equivalente hoje a 18.648.674 euros.

17a Quanto às contas DO em escudos e às contas DO em moeda estrangeira aplica-se o saldo de fls. 1896, aliás coincidente com o relatório pela D.I. em 11/11/92.

18a Quanto às contas correntes em moeda estrangeira - que o R. trata desesperadamente de ocultar - face aos docs. de fls. 351, 556, 560, 1900-1903 e 1669-1670, elas representam um valor actual equivalente a 7.190.161 euros.

19a Quanto às Contas de Depósitos à Ordem (DP's), o R. também tratou de as ocultar mas estão provadas (n°s 15 e 28 dos factos provados - presentemente, 8.988.016 euros), bem como os já assentes em P), fls. 116 e anexos de fls. 541 a 543 (total PTE 1.557.239.997 = 16.625.261 euros).

20a Tudo isto para além dos já antes referidos depósitos a prazo, dados em garantia de 100%, e ainda dos liquidados no final, assentes em P).

21a Mais! O R. ao finalmente abrir as contas e ao juntar as CC de fls. 2611-2638 do processo-crime confirmou ser afinal o A. o dono ("beneficiai owner") das 8 contas ali elencadas, e não apenas as dadas como provadas pelas instâncias, pelo que se verifica hoje um montante devido ao A., em DP's, equivalente actualmente a €8.988.016 + €16.625.261 = € 25.613.277.

22ª O que significa que o valor total geral dos activos do A. na posse do R. desde 10/7/92 é de €18.648.674 + €25.613.277 + €7.190.161 = €51.452.112, ao qual acrescerão juros até integral pagamento e ainda a indemnização de todos os danos emergentes e lucros cessantes causados pelo R. ao A..

23a A que ainda deverá acrescer o montante de €454.318.032,791 correspondente aos 882.992% que o A. deixou de ganhar entre julho de 1992 e Setembro de 2016 pelo não investimento no mercado de capitais norte-americano decorrente do incumprimento, pelo R., da ordem de transferência de todos os seus activos para NY.

24a Montante este de €51.452.112 + €454.318.032.791 = €505.770.145 a que se deverá ainda aditar o valor dos juros moratórios comerciais à taxa média de 15,525% desde a data da ilegal liquidação dos depósitos a prazo assente em P), acrescidos do montante das perdas constantes e calculadas (nas ai. I-L), no valor provisório global actual de €148.987.179.

25a Se acolhermos o Acórdão recorrido, com o seu erro na soma dos DP’s liquidados pelo R., o A. é credor do R., presentemente, de € 11.401.102 – 4.785.735 = 6.617.367; se acolhermos o acórdão recorrido mas fizermos a soma aritmética correcta dos DP’a do A. liquidados pelo R., prova 50 fld. 116/467-470 (541-543), dos autos, o seu valor é de € 16.625.261 – 4.785.735 =, pelo que o valor inequívoco do saldo credor do A. (saldo devedor do R. ao A.) é presentemente € 11.839.526.

26a Como se tudo isto não bastasse, o R. incumpriu, grave, reiterada e intencionalmente, os deveres quer de zelo e diligência de gestor/"private banker" do ausente A., quer de adequada e atempada informação do mesmo A..

27a Ora, a verdade é que - questão esta incontornável mas que as instâncias obliteraram por completo - nunca se demonstrou nos autos o que seriam exactamente as chamadas operações "cash colateral" nem onde estariam os depósitos dos pretensos passivos do A..

28a E são as próprias instâncias que dão como provado que cada operação tinha a garanti-la um depósito de 100% e que o A. não levantou nenhum dos pretensos "financiamentos" ou dos "depósitos a prazo"!?

29a A decisão recorrida padece de inúmeras e graves confusões (como por exemplo a de que o montante de PTE 1.042.967.750 seria o único valor do A. que teria entrado na esfera jurídica do R.), confusão essa propositadamente criada pelo mesmo R. - que se eximiu, por todas as formas e mais alguma, nestes autos e nos de processo-crime, a disponibilizar a prova documental que tinha em seu poder - numa conduta processual que deveria ter sido analisada e (negativamente) valorada, e erradamente não foi, e também pelo seu empregado/procurador/perito FF,

30a Como também a confusão de esquecerem os depósitos efectuados em nome de duas empresas ligadas ao A. e com dinheiro totalmente disponibilizado por este (DD e EE).

31a É indiscutível que o A. deu ao R. uma ordem - da qual de todo não se "esqueceu" nem se "desinteressou" - e o mesmo R. ostensivamente incumpriu-a (apesar de tudo ter sido tratado para receber os activos do A. em NY).

32a E é incompreensível que o R. não haja sido igualmente condenado e registar devidamente na sua contabilidade e a favor do A. as importâncias que o mesmo R. diz ter-lhe "concedido" mas que inconcebivelmente não registou como activos do A.,

33a Numa conduta, para mais por parte de uma instituição financeira como é um Banco, que não é de todo crível e muito menos legalmente admissível.

34a Como aliás o detectou e demonstrou a perícia no processo-crime (fls. 7/143 do relatório de perícia) quanto ao Documento de fls. 215, pois tal contrato, tal como todos os seguintes, e pelas mesmas razões, são falsos, foram claramente adulterados, ostentando datas impossíveis e inconsistentes com a realidade registada pelos próprios computadores do R..

35a Há também erro notório na apreciação da prova pericial quando não só a mesma não foi de todo unânime ou com qualquer "acordo de fundo" com o perito do A. como ficou absolutamente demonstrado que o funcionário/procurador/perito do Réu falsificou o documento 10, de 416/93, anexo a fls. 931, apagando a linha do original de 11/11/92 (a fls. 1895 a 1999) que continha a menção de "liquidação"

36a Também não há nenhum débito de juros nas contas à ordem do A. quando as mais básicas regras da experiência comum ensinam que, em particular nas actividade bancária, onde há empréstimos, terá necessariamente de haver juros e o seu débito,

37a Questão esta ainda mais relevante em face do facto assente na al.. T) de que todos os passivos foram liquidados (não renovados) entre Julho de 92 e Abril de 93.

38° Todos os fundamentos dos 3 pedidos do A. (apresentação de contas pelo R., com base na sua própria contabilidade, o que o R. não fez; aplicação dos acordos e cumprimento das ordens do A., que o R. de igual modo gravemente incumpriu; apuramento dos activos e condenação do R. a pagá-los ao A.) foram, não obstante a gravosa e sistemática obstrução probatória assumida pelo mesmo R., devidamente comprovados nos autos.

39a E por isso deve o R. ser condenado nos mesmos pedidos.

40a O R. é que montou as chamadas "operações" 1 a 12 dos autos, de cash colateral em Money Market, com o dinheiro do A. a servir de "funding" de garantia para mais "funding", para assim criar um (artificial) aumento do cash flow do offshore, ganhando assim 4 biliões de escudos que depositou a favor da sua própria "Conta Lisboa".

41a Os ditos "funding" foram sempre garantidos pelos depósitos a prazo constituídos pelo A., enquanto é o próprio empregado/procurador/perito do Banco R. que reconhece não existirem quaisquer registos dos pretensos empréstimos concedidos ao A..

42a Em suma, o Banco R. não consegue indicar onde, quando, em que conta, em que moeda e em que país teria dado entrada na esfera jurídica do A. de qualquer montante,

43a Como não tem qualquer registo dos pretensos empréstimos a favor do A..

44a Ao invés, está demonstrado que todas as dita "operações" estavam garantidas a 100% por activos (depósitos a prazo) do A..

45a Apesar de toda a conduta de ocultação praticada durante décadas pelo Banco Réu, existem - e foram precisa e especificadamente indicados nos autos - comprovativos de inúmeros e consideráveis activos do A., que este, através de funcionários disponibilizados pelo mesmo R., expatriou da Venezuela onde estava emigrado, e que deveriam ter sido transferidos pelo R. para Nova Iorque, e não foram, tendo antes sido feitos desaparecer, para o R., com base na falsa, provocatória e absolutamente indemonstrada teoria da conspiração, ainda se fazer passar por credor do A..

46a O processo-crime não pode ser valorado para o que pareça interessar à tese do mesmo R. mas já ser por completo desconsiderado em tudo o que demonstra a falsidade de tal tese.

47a Ora e em qualquer caso, não tendo sido alegados e muito menos demonstrados os factos concretos integradores da entrega efectiva do dinheiro, fosse a título de "empréstimo", fosse de "chash collateral", fosse de "passivo", não é depois legalmente possível ao julgador dar por provados tais factos, e designadamente, e desde logo, a própria existência dos pretensos "empréstimos".

48a Por outro lado, o Banco Réu - que tinha sempre actuado e invocado como bons, válidos e eficazes os ditos contratos de mútuo - não poderia nunca agora, em autêntico "venire contra factum proprium", beneficiar da arguição por ele próprio e/ou declaração de nulidade dos referidos contratos para assim conseguir obter a condenação da contra parte nos termos supra indicados;

49a Mas, pior do que isso, tendo dado (ao menos principal, para não dizer exclusiva) causa à nulidade em questão, não poderia ser tratado exactamente da mesma forma como se tivesse ab initio actuado em conformidade com a lei. E não se invoque, em benefício da tese da sentença, o pretenso "enriquecimento sem causa" do A. pois este tem carácter subsidiário e a devolução, a ela haver lugar, sempre teria de ter por base o art° 289° do Código Civil.

50a E também absolutamente inaceitável é que, relativamente aos valores inequivocamente prestados pelo A. ao R., não se aplicasse - como a decisão impugnada não aplica - o mesmo entendimento e a mesma lógica e, logo, não se contabilizassem igualmente os respectivos juros de mora, numa violação, tão evidente quanto legalmente inadmissível, do princípio da equivalência das prestações recíprocas.

51a No mútuo financeiro, tendo o Banco dado o seu acordo a um pedido de empréstimo - o que, como se viu, não é sequer o caso do A., pois não se provou de todo a existência de tais "empréstimos" - o contrato só se torna perfeito, válido e eficaz com a efectiva entrega do dinheiro, ou seja, com a possibilidade real de, após o lançamento na conta do cliente, este poder efectivamente dispor dele.

52a Sem estar satisfeita esta condição, o cliente não tem qualquer obrigação de restituir a quantia em causa e isto mesmo que o Banco o tenha creditado em conta, o que aqui também não sucedeu.

53a Importa verificar também que, como já referido, o Banco Réu incumpriu, sistemática e reiteradamente, o seu dever de informar a contra parte de todas as circunstâncias de que tinha conhecimento e que eram susceptíveis de influir sobre a decisão (do A.) de contratar e acerca do modo da respectiva execução.

54a Ora, se o Banco Réu não cumpriu com tal dever, e antes omitiu reiteradamente a informação precisa sobre quais os activos e passivos do A., sobre o saldo dos passivos com os activos e sua consequente não renovação, sobre as Contas correntes, ME e Depósitos a Prazo, bem como acerca de onde, quando e como teria supostamente mutuado o que quer que fosse ao A., é óbvio que não pode sair premiado por essa sua conduta, antes se constitui na obrigação de indemnizar o mesmo A. pelos danos que com a mesma lhe causou!

55a Ora, dos autos resulta absolutamente patente, em particular do processo criminal, nunca é demais reafirmá-lo e evidenciá-lo, que o A. se viu confrontado com uma sistemática conduta do R. consistente em sonegar-lhe informação e em denegar-lhe a disponibilização de documentos.

56a Ora, perante uma tal conduta - que manifestamente visava não apenas dificultar mas até impossibilitar a percepção pelo A. da verdade dos factos como também a prova do que sempre invocou e constitui a causa de pedir da presente acção - é manifesto que o aresto ora recorrido teria de ter decidido de forma oposta à que decidiu,

57a Porquanto, invocando não ter nem contratos, nem registos, nem inscrições na respectiva contabilidade nem documentação alguma da que lhe foi sendo sucessivamente requisitada, o R. culposa, para não dizer dolosamente, dificultou desmesuradamente e mesmo impossibilitou a prova dos factos relevantes ao A., pelo que sempre deveriam as instâncias ter determinado a legalmente prevista (art° 233°, n° 2 do CC) inversão do ónus da prova.

58a Mas se porventura a 2a instância entendia - o que apenas por hipótese de raciocínio ora aqui se coloca - que, independentemente da questão da completa ausência e/ou absoluta falta de credibilidade das provas, quer documentais, quer testemunhais, apresentadas pelo R., e, no mínimo, das mais que fundadas dúvidas que se devem suscitar sobre tais provas, não dispunha de matéria de facto suficiente, clara, não contraditória e devidamente fundamentada que lhe permitisse decidir sobre factos essenciais para o correcto julgamento da causa, então o que deveria ter ordenado, no mínimo, nos termos do art° 662°, n°s 2 e 3 do NCPC, era, não embarcar na inverídica e fantasiosa teoria do R., mas sim determinar a clarificação e/ou ampliação da matéria de facto e a repetição do julgamento para a sua completa dilucidação.


Contra-alegando, o recorrido sustenta a inadmissibilidade do recurso e, também, a sua improcedência.


Cumpre decidir.


II – Da admissibilidade do recurso:

Importa analisar, desde já, esta questão que o recorrido, se bem entendemos a sua posição, alicerça na alegada circunstância de o recorrente pretender obter um terceiro grau de jurisdição em matéria de facto, contrariamente à restrição, imposta pelo art. 26º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, dos poderes de cognição do STJ à matéria de direito.

Não se acompanha, porém, esta tese.

São realidades que não se confundem, por um lado, a admissibilidade do recurso de revista e, por outro, os fundamentos que, nos termos da lei, neste podem ser invocados.

A falta de verificação dos requisitos legalmente exigidos para o acesso ao terceiro grau de jurisdição determina a inadmissibilidade do recurso, enquanto a invocação de fundamento que não caiba no objeto definido no art. 674º para o recurso de revista leva à sua improcedência nessa parte.

Assim, acaso o recorrente vise a alteração da decisão proferida sobre os factos fora do condicionalismo excecional estabelecido no nº 3 do art. 674º, a sua pretensão necessariamente soçobrará, mas sem que isso constitua óbice à admissibilidade da revista.

O invocado pelo recorrido não constitui, pois, motivo de inadmissibilidade da revista.



III - Na 1ª instância, foram dados como provados os seguintes factos:

1) O Autor constituiu vários depósitos no Réu, 5 deles entre 13 e 21 de Janeiro de 1992, no valor global de Esc. 27.959.698$00 (correspondendo a € 139.462,39 - cento e trinta e nove mil, quatrocentos e sessenta e dois euros e trinta e nove cêntimos) (cfr. alínea B) da matéria de facto assente).

2) Alguns desses depósitos foram constituídos na Sucursal Financeira Exterior da … ("SFE" ou "OFFSHORE") do R a funcionar na Rua …, … - 3.°, em Lisboa (cfr. alínea C) da matéria de facto assente).

3) Alguns desses depósitos foram contabilizados pelo R. em nome do A. e de uma empresa a si ligada "DD Limited", em dinheiro totalmente disponibilizado pelo A. (cfr. alínea D) da matéria de facto assente).

4) O Autor abriu contas bancárias nas seguintes agências do réu: SFE da …, A… e A… (cfr. artigo 2°) do questionário, funcionando como temas da prova).

5) O A é titular no Réu, em nome individual, das seguintes contas:

1 - conta n.° 5…/04/13…4, sediada no Balcão … e aberta em 19.12.91 na qualidade de não residente no país.

2 - conta n.° 5../01/13….2, sediada no Balcão … e aberta em 19.12.91 na qualidade de residente;

3 - conta n.° 6…/04/14….5, sediada no Balcão da A… e aberta em 14.05.92 na qualidade de emigrante; e

4 - conta n.° 6…/13….4, sediada na Sucursal Financeira Exterior da …. também designada por OFFSHORE e aberta em 10.01.92 (cfr. artigo 41°) do questionário/temas da prova).

6) Em Abril de 1992, foi constatado pela auditoria do réu que a SFE tinha tido em 1991 um grande crescimento de atividade ao nível de resultados e rentabilidade (os saldos acumulados dos agregados da conta de Exploração apresentavam crescimentos bastantes significativos face ao ano transacto, com repercussão evidente ao nível do Cash-Flow e dos Resultados - crescimento na ordem dos 600%), o qual não foi, contudo, acompanhado a título organizativo, não estando contemplada a existência de controlos básicos, nem de controlos de disciplina, o que potenciava a ocorrência de erros graves, apontando a situação dos serviços para um situação de sobrecarga administrativa, acompanhada da quase inexistência de controlos internos ou de supervisão eficazes, para o que contribuiu a inexistência de suportes informáticos para a maioria das operações, precisamente as de maior complexidade contabilística e de maior carga administrativa, tendo sido constatado ser nulo o investimento em formação (não tendo qualquer dos elementos do quadro frequentado ações de formação desde a sua integração na sucursal) (cfr. artigos 16°), 17°), 18°), 19°), 20°), 21°) e 22°) do questionário/temas da prova);

7) Dou por inteiramente reproduzido o teor do relatório constante de fls. 47 a 91 (cfr. alínea I) da matéria de facto assente);--‑

8) Dou por inteiramente reproduzido o teor do MEMORANDUM constante de fls. 92 a 95 (cfr. alínea J) da matéria de facto assente);--‑

9) Dou por inteiramente reproduzido o teor do documento n.° 25 de fls. 106 a 109 (cfr. alínea M) da matéria de facto assente);--‑

10) O autor constituiu - nos termos mencionados de fls. 827 a 832 dos autos e tendo os mesmos tido os percursos aí descritos - no réu, os depósitos a prazo seguintes:--‑

a) 15…42, em 16-01-92 (d.v. a 14-01-92), a 367 dias, no valor de Esc. 11.927.656$00, à taxa de juro de 15,25%;--‑

b) 15…41, em 17-01-92 (d.v. a 14-01-92), a 367 dias, no valor de Esc. 4.632.042$00, à taxa de juro de 15,25%;--‑

c) 16…00, em 27-01-92 (d.v. a 22-01-92), a 367 dias, no valor de Esc. 1.000.000$00, à taxa de juro de 15,25%;--‑

d) 16…01, em 27-01-92 (d.v. a 23-01-92), a 367 dias, no valor de Esc. 10.000.000$00, à taxa de juro de 15,25%;--‑

e) 16…40, em 04-02-1992 (d.v. a 05-01-92), a 367 dias, no valor de Esc. 226.215$50, à taxa de juro de 17%;--‑

f) 16…34, em 07-02-1992, a 367 dias, no valor de Esc. 26.795.432$00, à taxa de juro de 17%;--‑

g) 16...26, em 19-03-1992 (d.v. a 27-03-92), a 367 dias, no valor de Esc. 24.844.996$00, à taxa de juro de 17%;--‑

h) 16…26, em 10-04-1992 (d.v. a 09-04-92), a 367 dias, no valor de Esc. 28.751.871$00, à taxa de juro de 16,25%;--‑não existia

i) 16…28, em 10-04-1992, a 367 dias, no valor de Esc. 33.073.277$00, à taxa de juro de 15,75%;--‑

j) 16…34, em 15-04-92, no valor de Esc. 523.883$00, à taxa de juro de 15,75%;---

l) 16…60, em 24-04-92 (d.v. a 25-04-92), a 367 dias, no valor de Esc. 37.892.053$00, à taxa de juro de 15,75%;---

m) 16…61, em 24-04-92 (d.v. a 25-04-92), a 367 dias, no valor de Esc. 60.000.000$00, à taxa de juro de 15,75%;-‑

n) 16…15, em 07-05-92 (d.v. a 05-05-92), a 367 dias, no valor de Esc. 43.412.451$00, à taxa de juro de 15,5%;--‑

o) 16…18, em 07-05-92, a 367 dias, no valor de Esc. 49.737.102$00, à taxa de juro de 15,5%;--‑

p) 16…82, em 14-05-92 (d.v. a 09-05-92), a 367 dias, no valor de Esc. 56.983.176$00, à taxa de juro de 15,5%;--‑

q) 16…85, em 14-05-92 (d.v. a 13-05-92), a 367 dias, no valor de Esc. 64.153.139$00, à taxa de juro de 15,5%;--‑

r) 16…57, no valor de Esc. 50.000.000$00;--‑

s) 16…10, em 04-06-92, no valor de Esc. 1.000.000$00, à taxa de juro de 16,25%;--‑

t) 16…04, em 09-06-92 (d.v. a 04-06-92), no valor de Esc. 56.000.000$00, à taxa de juro de 16,25%;--‑

u) 15…34, em 20-01-92 (d.v. a 14-01-92), a 367 dias, no valor de Esc. 400.000$00, à taxa de juro de 15,25%;--‑

v) 16…53, em 16-07-92, no valor de Esc. 72.579.945$20;--‑

x) 18…90, em 29-04-93 (d.v. a 23-04-93), no valor de Esc. 28.953.571$00;--‑

z) 18…95, em 29-04-93 (d.v. a 13-04-93), no valor de Esc. 37.918.041$00;---

aa) 18…04, em 22-04-93 (d.v. a 12-04-93), no valor de Esc. 33.097.317$00;---

ab) 18…03, em 30-04-93 (d.v. a 23-04-93), no valor de Esc. 31.711.576$70;---

ac) 18…12, em 30-04-93 (d.v. a 23-04-93), no valor de Esc. 264.113$50;-

ad) 18…52, em 05-05-93 (d.v. a 28-04-93), no valor de Esc. 43.442.700$70;---

ae) 18…54, em 05-05-93 (d.v. a 28-04-93), no valor de Esc. 68.789.146$80;--‑

af) 18…09, em 13-05-93 (d.v. a 08-05-93), no valor de Esc. 49.670.816$80;---

ag) 18…19, em 17-05-93 (d.v. a 12-05-93), no valor de Esc. 65.197.906$00;--‑

ah) 18…20, em 17-05-93 (d.v. a 10-05-93), no valor de Esc. 56.907.233$30;--‑

ai) 18…85, em 18-05-93 (d.v. a 01-05-93), no valor de Esc. 62.995.336$80;---

aj) 18…50, em 20-05-93 (d.v. a 18-05-93), no valor de Esc. 57.440.547$60;---

al) 18…72, em 21-05-93 (d.v. a 18-05-93), no valor de Esc. 16.193.464$00;---

am) 17…27, em 23-09-92 (d.v. a 19-09-92), a uma semana, no valor de Esc. 8.000.000$00;---

an) 11…69, em 09-04-92, a 367 dias, no valor de DEM 335.928,33, à taxa de juro de 9,563%;--‑

ao) 11…71, em 09-04-92 (d.v. a 10-04-92), a 367 dias, no valor de DEM 386.418,59, à taxa de juro de 9,563%;---

ap) 11…53, em 23-04-92 (d.v. a 25-04-92), no valor de DEM 446.032,43, à taxa de juro de 9,56%;--‑

aq) 12…52, em 20-05-92 (d.v. a 25-04-92), a 367 dias, no valor de DEM 466.032,43, à taxa de juro de 9,56%;--‑

ar) 14…04, em 04-09-92 (d.v. a 05-09-92), no valor de DEM 1.138.204,27;--‑

as) 18…21, em 12-04-93 (d.v. a 11-04-93), no valor de DEM 368.677,81;-

at) 18…71, em 27-04-93 (d.v. a 28-04-93), no valor de DEM 489.502,26;-

au) 18…28, em 12-04-93 (d.v. a 13-04-93), no valor de DEM 424.090,33;---

av) 12…48, em 20-05-92 (d.v. a 13-05-92), a 367 dias, no valor de XEU 382.311,30, à taxa de juro de 9,75%;---

ax) 12…49, em 20-05-92 (d.v. a 05-05-92), a 367 dias, no valor de XEU 251.455,00, à taxa de juro de 9,75%;--‑

az) 12…50, em 20-05-92 (d.v. a 09-05-92), a 367 dias, no valor de XEU 327.137,84, à taxa de juro de 9,75%;---

ba) 12…51, em 20-05-92 (d.v. a 07-05-92), a 367 dias, no valor de XEU 288.200,00, à taxa de juro de 9,75%;---

bb) 18…06, em 07-05-93 (d.v. az) a 08-05-93), no valor de XEU 276.448,88;-

bc) 18…58, em 10-05-93, no valor de XEU 316.845,88;---

bd) 18…77, em 11-05-93 (d.v. a 12-05-93), no valor de XEU 359.653,98;-compensado

be) 19….09, em 17-05-93 (d.v. a 16-05-93), no valor de XEU 419.212,05 (cfr. artigo 8° do questionário/temas da prova);--‑

11) O autor fez operações de "cash collateral" com o Réu (cfr. alínea R) da matéria de facto assente);--‑

12) Com as operações de "cash collateral" referidas em 11), o autor nunca pretendeu cobrir o risco de câmbio (cfr. artigo 94°) do questionário/temas da prova)

13) Relativamente aos colaterais referidos em 11), cada um deles tinha a garanti-lo um depósito, sensivelmente a 100% do valor do financiamento, sendo todo o passivo do autor constituído por operações "collateral cash" (cfr. artigos 32°) e 40°) do questionário/temas da prova);--

14) O Banco réu, através da sua Sucursal Financeira Exterior - …, concedeu ao autor durante o ano de 1992, os valores a seguir mencionados - e enunciados como 1ª a 12ª OPERAÇÕES nos documentos constantes 960 e 961 dos presentes autos - pelos quais disponibilizou ao autor, a título de empréstimo, sem acordo escrito, para que este lhe devolvesse após um ano, mediante um juro, os seguintes valores:--‑

- 1ª OPERAÇÃO: Em Janeiro, JPY (ienes japoneses) 24.704.350,00;-­-

- 2ª OPERAÇÃO: Em Fevereiro, USD (dólares norte-americanos) 195.543;--‑

- 3ª OPERAÇÃO: Em Abril, JPY 27.579.732,37 + JPY 27.579.732,37;--­- - - 4ª OPERAÇÃO: Em Abril, JPY 31.724.966,00 + JPY 31.724.966,00;--­-

- 5ª OPERAÇÃO: Em Abril, USD 267.165,28 + USD 267.165,28;--­-

- 6ª OPERAÇÃO: Em Abril, USD 311.678,50 + USD 311.678,50;--­-

- 7a OPERAÇÃO: Em Abril, Esc. 60.000.000$00;--‑

- 8ª OPERAÇÃO: Em Maio, USD 359.242 + USD 359.242;--‑

- 9ª OPERAÇÃO: Em Maio, JPY 54.550.235,50 + JPY 54.550.235,50;--­-

- 10ª OPERAÇÃO: Em Maio, JPY 63.682.083 + JPY 63.682.083;--‑

- 11ª OPERAÇÃO: Em Junho, Esc. 57.400.000$00; e--‑

- 12ª OPERAÇÃO: Em Junho, USD 429.273,38 (cfr. artigos 42°), 43°), 52°), 55°), 58°), 61°), 64°), 67°), 70°), 73°), 76°), 79°), 83°) e 86°) do questionário/temas da prova);--‑

15) Como garantia da 1ª OPERAÇÃO referida em 14), o autor deu em penhor ao Banco os depósitos a prazo, de sua titularidade, a seguir discriminados:---

a) Depósito n.° 15…42, no valor de Esc: 11.927.656$00 constituído em 16-01-92 (d.v. a 14-01-92), com juros à taxa de 15,25%;--- b) Depósito n.° 15…41, no valor de Esc: 4.632.142$00 constituído em 17-01-92 (d.v. a 14-01-92), com juros à taxa de 15,25%;--‑

c) Depósito n.° 15…34, no valor de Esc: 400.000$00 constituído em 27-01-92 (d.v. a 22-01-92), com juros à taxa de 15,25%;--‑

d) Depósito n.° 16…01, no valor de Esc: 10.000.000$00 constituído em 27-01-92 (d.v. a 23-01-92), com juros à taxa de 15,25%;--‑

e) Depósito n.° 16…00, no valor de Esc: 1.000.000$00 constituído em 04-02-92 (d.v. a 05-01-92), com juros à taxa de 15,25% (cfr. artigos 44°) e 45°) do questionário/temas da prova);--‑

16) O autor liquidou parcialmente o depósito n° 15…41, em 15-07-92, pelo valor de Esc: 3.729.330$00 e, em 20-10-92, pelo valor de Esc: 135.638$40 (cfr. artigos 46°) e 47°) do questionário/temas da prova), liquidou em 18-08-92, Esc: 260.014$20, do depósito n.° 15…34 (cfr. artigo 48°) do questionário/temas da prova), bem como liquidou em 28-07-92 o depósito n.° 16…01 no montante de Esc: 5.565.200$00 (cfr. artigo 49°) do questionário/temas da prova) e, em 20-10-92, liquidou integralmente - Esc: 1.000.000$00 - o depósito n.° 16…00 (cfr. artigo 50°) do questionário/temas da prova);--‑

17) Como garantia da 2ª OPERAÇÃO referida em 14), o autor deu em penhor ao Banco o depósito a prazo n.° 16…34, no valor de Esc: 26.795.432$00 constituído em 07-02-92, com juros à taxa de 17% (cfr. artigo 53°) do questionário/temas da prova);--‑

18) Como garantia da 3ª OPERAÇÃO referida em 14), o autor deu em penhor ao Banco dois depósitos a prazo, de sua titularidade, a seguir discriminados:

- O depósito n.° 16…26, no valor de Esc. 28.751.871$00, constituído em 10-04-1992 (d.v. a 09-04-92), com juros à taxa de 16,25%; e--‑

- O depósito n.° 11…69, no valor de DEM 335.928,53, constituído em 09-04-92, com juros à taxa de 9,563% (cfr. artigo 56°) do questionário/temas da prova);--‑

19) Como garantia da 4ª OPERAÇÃO referida em 14), o autor deu em penhor ao Banco dois depósitos a prazo:--‑

- O depósito n.° 16…28, no valor de Esc. 33.073.277$00, constituído em 10-04-1992, com juros à taxa de 15,75%;--‑

- O depósito n.° 11…71, no valor de DEM 386.418,59, constituído em 09-04-92 (d. v. a 10-04-92), com juros à taxa de 9,563% (cfr. artigo 59°) do questionário/temas da prova);--‑

20) Como garantia da 5ª OPERAÇÃO referida em 14), o autor deu em penhor ao Banco dois depósitos a prazo:-

- O depósito n.° 16…60, no valor de Esc. 37.892.053$00, constituído em 24-04-92 (d.v. a 25-04-92), com juros à taxa de 15,75%; e--‑

- O depósito n.° 11…53, no valor de DEM 446.032,43, constituído em 23-04-92 (d.v. a 25-04-92), com juros à taxa de 9,56% (cfr. artigo 62°) do questionário/temas da prova);‑

21) Como garantia da 6ª OPERAÇÃO referida em 14), o autor deu em penhor ao Banco dois depósitos a prazo:-

- O depósito n.° 16…15, no valor de Esc. 43.412.451$00, constituído em 07-05-92 (d.v. a 05-05-92), com juros à taxa de 15,5%; e--‑

- O depósito n.° 12…49, no valor de XEU 251.455,00, constituído em 20-05-92 (d.v. a 05-05-92), com juros à taxa de 9,75% (cfr. artigo 65°) do questionário/temas da prova);-

22) Como garantia da 7ª operação referida em 14), o autor deu em penhor ao Banco o depósito a prazo nº 16…61, no valor de Esc. 60.000.000$00, constituído em 24-04-92, com juros à taxa legal de 15,75% (cfr. artigo 71º do questionário/temas de prova);--   

23) Como garantia da 8ª OPERAÇÃO referida em 14), o autor deu em penhor ao Banco dois depósitos a prazo:-

- O depósito n.° 16…18, no valor de Esc. 49.737.102$00, constituído em 07-05-92, com juros à taxa de 15,5%; e--‑

- O depósito n° 12251, no valor de XEU 288.200, constituído em 20-05-92 (d.v. a 07­05-92), com juros à taxa de 9,75% (cfr. artigo 68°) do questionário/temas da prova);‑

24) Como garantia da 9ª OPERAÇÃO referida em 14), o autor deu em penhor ao Banco dois depósitos a prazo, a saber:--‑

- O depósito n.° 16…82, no valor de Esc. 56.983.176$00, constituído em 14-05-92 (d.v. a 09-05-92), com juros à taxa de 15,5%; e--‑

- O depósito n.° 12…50, no valor de XEU 327137,84, constituído em 08-05-92, com juros à taxa de 9,75% (cfr. artigo 74°) do questionário/temas da prova);-‑

25) Como garantia da 10a OPERAÇÃO referida em 14), o autor deu em penhor ao Banco dois depósitos a prazo:--‑

- O depósito n.° 16…85, no valor de Esc. 64.153.139$00, constituído em 14-05-92 (d.v. a 13-05-92), com juros à taxa de 15,5%; e--‑

- O depósito n.° 12…48, no valor de XEU 382.311,30, constituído em 20-05-92 (d.v. a 13-05-92), com juros à taxa de 9,75% (cfr. artigo 77°) do questionário/temas da prova);‑

26) Como garantia da 11a OPERAÇÃO referida em 14), o autor deu em penhor ao Banco dois depósitos a prazo:--‑

- O depósito n.° 16…04, no valor de Esc. 56.000.000$00, constituído em 09-06-92 (d.v. a 04-06-92), com juros à taxa de 16,25%; e--‑

- O depósito n.° 16…10, no valor de Esc. 1.000.000$00, constituído em 04-06-92, com juros à taxa de 16,25% (cfr. artigo 80°) do questionário/temas da prova);--‑

27) Deste depósito n.° 16…10, o A. levantou em 15-06-92 a quantia de 450.000$00 questionário/temas da prova);--‑

28) Como garantia da 12a OPERAÇÃO referida em 14), o autor deu em penhor ao Banco o depósito a prazo n.° 16…57, no valor de Esc. 50.000.000$00 (cfr. artigo 84°) do questionário/temas da prova);--‑

29) Os montantes emprestados pelo réu ao autor não foram reembolsados por este àquele (cfr. artigos 51°), 54°), 57°), 60°), 63°), 66°), 69°), 72°), 75°), 78°), 82°) e 85°) do questionário/temas da prova);-

30) O A propôs ao R contrair um empréstimo único em Dólares, pagar todo o passivo e aplicar o remanescente em Treasury Bonds americanos ou sucedâneo, com o esclarecimento que tal sucedeu em 13-07-1992, tendo o autor dado entrada no réu do documento que consta de fls. 33 dos autos, que aqui se dá por reproduzido, dele constando, nomeadamente escrito o seguinte:

«VENHO COM AMAXIMA URGENCIA SOLICITAR A V/ATENÇÃO PARA O SEGUINTE.--‑

1 - TENHO VALORES DE ACTIVO DEPOSITADOS NESSE BANCO NO VALOR APROXIMADO DE 1MILHÃO E 500 MIL CONTOS.--‑

OFEREÇO ESSE VALOR EM GARANTIA A 100% DE UM EMPRÉSTIMO

EM USD QUE SOLICITO E TAL COMO SEMPRE À TAXA LIBOR +1/8.--‑

ESTE EMPRESTIMO DEVE SER CONCEDIDO A MUITO CURTO PRAZO

PARA EU APROVEITAR AS TAXAS DE CAMBIO FAVORÁVEIS, COM ESSE MONTANTE SALDA-SE TODO O PASSIVO CONFORME O PREVIAMENTE COMBINADO.--

O REMANESCENTE, À VOLTA DOS 300 MIL CONTOS, SERÁ APLICADO EM TREASURY BONDS. PEÇO QUE ME SEJA FEITO O APURAMENTO DO SALDO.--‑

2 – CASO EM 2/3 DIAS NÃO ME SEJA EFECTUADA ESTA OPERAÇÃO ORDENO DESDE JÁ A TRANSFERÊNCIA DE TODA A MINHA CARTEIRA DE ACTIVOS PARA A SUCURSAL DE N. Y. DESSE BANCO PARA SER APLICADO NUM FUNDO SEGURO COM BOM RENDIMENTO (...). DEVE SER SOLICITADA INFORMAÇÃO À SUC. N. Y. SOBRE O ASSUNTO DE SABER QUAL É O FUNDO ACONSELHADO.-

3 - APROVEITO PARA PEDIR QUE ME SEJAM CLARIFIADAS AS CONDIÇOES ACORDADAS ENTRE NOS PARA CONSTITUIÇÃO DA M/CARTEIRA DE DEPOSITOS E PARA A GESTÃO DA CARTEIRA DE ACTIVOS E PASSIVOS. ISTO É BEM IMPORTANTE PARA NÃO HAVER MUDANÇAS SEM QUE EU TENHA CONHECIMENTO E SEM O MEU ACORDO EXPRESSO.--‑

4 – CONFIO COMO SEMPRE NA GESTÃO QUE ME TEM SIDO FEITA PELOS MEUS GESTORES DE CONTA E PRIVATE BANKER EM GESTÃO ABERTA. CONTUDO AGORA É ESTA A MELHOR OPÇÃO E NÃO QUERO PERDER ESTA BOA OPORTUNIDADE CONJUNTURAL.--‑

VOU ESTAR SEM CONTACTO EM VIAGEM E DEPOIS TIRO UMAS FÉRIAS PELO QUE AS INSTRUÇÕES FICAM DADAS (...)» (cfr. artigos 10°) e 13°) do questionário/temas da prova);--‑

31) O réu respondeu ao solicitado – como referido em 30) – pelo autor, nos termos do documento, datado de 14-07-92, que se encontra de fls. 34 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, dele constando, nomeadamente, escrito o seguinte:—

«Junto lhe envio apuramento do saldo de activos e passivos com um saldo a seu favor de Pte. 214.490.657$00 dos quais 100.653.455$30 estão livres de qualquer caução.--‑

Envio-lhe ainda duplicado da comunicação que entreguei na D.I. ao Dr. GG das suas ordens referentes à carteira de activos e passivos.--‑

Aproveito para satisfazer o seu pedido de clarificação das condições previamente concertadas entre esta Off Shore e o Sr. para a constituição e gestão da sua carteira:—

1° pode saldar em qualquer altura activos e/ou passivos;--‑

2° pode dispor livremente de todos os seus activos contando-se os juros até à data da liquidação;--‑

3° aplicando todo o activo em treasury bonds ou equivalente em U.S.D.. essa aplicação é a 5 anos no mínimo. Para amortização dos custos iniciais da sua compra, o passivo será renovado ano a ano conforme o seu pedido (lisbor + spread 1/8 a 1/4).—

4° pode amortizar qualquer passivo parcial ou totalmente;--‑

5° pode colocar activos ou passivos na moeda que quiser mas não deve sobrecarregar estes serviços com mudanças frequentes;---

6° se activos, cativos forem transferidos devem os mesmos continuar vinculados ao Banco (...)» (cfr. artigo 28°) do questionário/temas da prova);-‑

32) O então responsável pela SFE do réu, HH, dirigiu ao autor e este recebeu a carta de 28.07.92 constante de fls. 117 com os dizeres nela inscritos (cfr. artigo 35°) do questionário/temas da prova);--‑

33) Dessa carta o mesmo responsável do R deu conhecimento à Direcção Internacional onde se inseria (cfr. artigo 36°) do questionário/temas da prova);--‑

34) Em Julho de 1992, o réu nomeou a Dra. II para a SFE, em substituição de HH — até então responsável operacional da SFE (cfr. artigo 34°) do questionário/temas da prova);--‑

35) HH dirigiu à Direcção Central da Direcção Internacional do Réu a carta datada de 26.08.92 e entrada naquela Direcção em 27 do mesmo mês com os dizeres constantes de fls. 112 (cfr. artigo 38°) do questionário/temas da prova);--‑

36) O autor remeteu ao réu, em 04-08-92, a carta que consta de fls. 118, que aqui se dá por reproduzida, de onde consta escrito, nomeadamente, o seguinte:--‑ «(...) Venho por esta via manifestar o meu acordo com a sugestão que essa SFE me fez relativa à conveniência de todos os passivos deverem passar a ser contabilizados em dólares (...)» (cfr. artigo 30°) do questionário/temas da prova);--‑

37) Em 6 de Novembro de 1992 às 16h45m o R. enviou ao A o fax constante de fls. 40 cujo teor dou por inteiramente reproduzido (cfr. alínea G) da matéria de facto assente);--

38) Em 9 de Novembro de 1992 às 8h20m o Réu enviou ao A o fax constante de fls. 37 e 38 cujo teor dou aqui por inteiramente reproduzido (cfr. alínea F) da matéria de facto assente);--‑

39) Em Novembro de 92, o A foi à agência da A… do Réu para saber informações sobre os títulos de dívida pública americana (cfr. artigo 89°) do questionário/temas da prova);-‑

40) Na sequência desse pedido a referida agência consultou a sucursal do R em NY que em 6.11.92 enviou àquela agência a informação constante do documento de fls. 37 e 38 (cfr. artigo 90°) do questionário/temas da prova);--‑

41) Dou por inteiramente reproduzido o teor do fax datado de 3.12.92 de que uma cópia se encontra a fls. 102 (cfr. alínea L) da matéria de facto assente);--‑

42) Dou por inteiramente reproduzido o teor do fax datado de 23.12.92 e de uma cópia se encontra a fls. 113 (cfr. alínea N) da matéria de facto assente);--‑

43) [Em Dezembro de 1992], o A. deu ao R. a ordem de transferência para a Sucursal do Banco BB em NY constante dos documentos n.° 19, 20 e 21 a fls. 99, 100 e 101 e cujo teor dou por inteiramente reproduzido (cfr. alínea E) da matéria de facto assente)

44) De Julho de 1992 a Abril de 1993 o Réu não fez transferências de activos do A para NY nem procedeu à renovação do passivo (cfr. alínea T) da matéria de facto assente);--‑

45) Em 9 de Março de 1993 deu entrada no réu (Direcção Internacional) a carta do autor de fls. 110 cujos dizeres se dão aqui por inteiramente reproduzidos (cfr. artigo 39°) do questionário/temas da prova);--‑

46) A e R tiveram reuniões em 6 e 16 de Abril de 1993 onde foram tratados assuntos relacionados com os depósitos e posições críticas e negativas do Réu (cfr. alínea S) da matéria de facto assente);--

47) Na segunda das reuniões referidas em 46) o A reconheceu estar em situação devedora e prometeu regularizar a situação (cfr. artigo 91°) do questionário/temas da prova);--‑

48) Dou por inteiramente reproduzido o teor da carta datada de 19.04.93 de que uma cópia se encontra a fls. 114 e 115 (cfr. alínea O) da matéria de facto assente);--‑

49) A carta referida em 48) limita-se a sintetizar o referido na reunião de 16-04-93 (cfr. artigo 92°) do questionário/temas da prova);--‑

50) Dou por inteiramente reproduzido o teor da carta datada de 14.07.93 de que uma cópia se encontra a fls. 116 (cfr. alínea P) da matéria de facto assente)[3];--‑

51) O Autor expediu para o Réu e este recebeu a carta datada de 5.8.93 de que uma cópia se encontra a fls. 111 e cujo teor dou por inteiramente reproduzido (cfr. alínea H) da matéria de facto assente);--‑

52) Os "Franklyn Tax-Advantaged U.S. Government Securities Fund" são títulos garantidos pelo governo Norte-Americano (cfr. alínea Q) da matéria de facto assente).—


Como factos julgados “não provados” vêm descritos os seguintes:

a) O questionado no quesito 1°) do questionário/temas da prova;--‑

b) O demais questionado no artigo 2°) do questionário/temas da prova (para além do consignado em 4) dos factos provados);--‑

c) O questionado nos quesitos 3°) e 4°) do questionário/temas da prova;-

d) O demais questionado nos artigos 16°), 17°), 18°), 19°), 20°), 21°) e 22°) do questionário/temas da prova (para além do consignado em 6) dos factos provados);--‑

e) O demais questionado no quesito 8°) — para além do consignado em 10) dos factos provados — e o questionado no quesito 9°) do questionário/temas da prova;--‑

f) O questionado no quesito 7°) do questionário/temas da prova;--‑

g) O questionado no quesito 12°) do questionário/temas da prova;--‑

h) O demais questionado no quesito 32°) — para além do consignado em 13) dos factos provados - do questionário/temas da prova;---

i) O questionado no artigo 6°) do questionário/temas da prova

j) O questionado nos artigos 23°), 24°), 25°), 26°) e 27°) do questionário/temas da prova;--‑

1) O questionado no artigo 33°) do questionário/temas da prova;--‑

m) O demais questionado no quesito 10°) — para além do consignado em 30) dos factos provados - do questionário/temas da prova e o questionado no artigo 11°) do mesmo questionário/temas da prova;--‑

n) O demais questionado no quesito 28°) — para além do consignado em 31) dos factos provados - do questionário/temas da prova e o questionado no artigo 29°) do mesmo questionário/temas da prova;--‑

o) O demais questionado no quesito 35°) — para além do consignado em 32) dos factos provados - do questionário/temas da prova;--‑

p) O questionado no artigo 37°) do questionário/temas da prova;--‑

q) O demais questionado no quesito 34°) — para além do consignado em 34) dos factos provados - do questionário/temas da prova;--‑

r) O demais questionado no quesito 30°) — para além do consignado em 36) dos factos provados - do questionário/temas da prova;---

s) O questionado nos artigos 87°) e 88°) do questionário/temas da prova;-

t) O demais questionado no quesito 89°) - para além do consignado em 39) dos factos provados - do questionário/temas da prova;--‑

u) O demais questionado no quesito 39°) - para além do consignado em 45) dos factos provados - do questionário/temas da prova;--‑

v) O questionado no artigo 5°) do questionário/temas da prova;--‑

x) O demais questionado no quesito 92°) - para além do consignado em 49) dos factos provados - do questionário/temas da prova;--‑

z) O questionado no artigo 31°) do questionário/temas da prova;---

aa) O demais questionado no quesito 93°) - para além do consignado em 29) dos factos provados - do questionário/temas da prova;---

ab) O questionado nos quesitos 14°) e 15°) do questionário/temas da prova;-

ac) O demais questionado nos quesitos 42°), 43°), 52°), 55°), 58°), 61°), 64°), 67°), 70°), 73°), 76°), 79°), 83°) e 86°) - para além do consignado em 14) dos factos provados - do questionário/temas da prova;---

ad) O demais questionado nos quesitos 44°), 45°), 53°), 56°), 59°), 62°), 65°), 68°), 71°), 74°), 77°), 80°) e 84°) - para além do consignado em 15), 17), 18), 19), 20), 21), 22), 23), 24), 25), 26) e 28) dos factos provados - do questionário/temas da prova;---

ae) O demais questionado nos quesitos 51°), 54°), 57°), 60°), 63°), 66°), 69°), 72°), 75°), 78°), 82°) e 85°) - para além do consignado em 29) dos factos provados - do questionário/temas da prova.-



     Para melhor compreensão da matéria de facto apurada, interessa destacar que da carta mencionada no facto provado nº 32, a sentença destacou o facto de o réu nela referir que a SFE “(…) irá oferecer a transferência dos seus activos para N. York logo que consiga resolver pequenos problemas burocráticos internos… Por outro lado, a colocação dos fundos pelo menos por 5 anos no Fundo de Investimento em N. York implica a prorrogação automática dos Passivos à taxa habitual … por idêntico período de tempo já que são operações ligadas entre si. Cada Passivo tem um Activo que lhe corresponde enquanto os Activos estiverem mobilizados os Passivos renovam-se, embora haja Activos sem qualquer vinculação a Passivos os quais têm vida própria e livre. Espera esta SFE ter respondido aos problemas que colocou”.

     Ainda no plano dos factos a que se atribuiu particular interesse para a decisão do litígio, importa assinalar que na sentença se jogou também com os que passamos a destacar:

 - a carta enviada pelo autor ao réu – SFE Offshore … – em 2.8.92, junta a fls. 118, onde aquele escreveu: “Venho por esta via manifestar o meu acordo com a sugestão que essa SFE me fez relativa à conveniência de todos os passivos deverem passar a ser contabilizados em dólares (…)”;

- o fax enviado ao autor pelo réu – agência da A… – em 3.12.92, junto a fls. 102, onde este comunica àquele que a possibilidade de concretização da operação de transferência para Nova Iorque "só se colocará se tiver uma resposta do Dr. JJ (Banco BB Nova Iorque) que nos diga que o BB não perde quaisquer garantias ao permitir a transferência de fundos penhorando a sua carteira de títulos (implicações face Direito Americano)...";

- as instruções escritas, datadas de 2.12.92, dadas pelo autor ao réu – agência da Amadora –, juntas a fls. 99 e 100, no sentido da liquidação do depósito nº 16…42, no valor de 56.000 contos e juros vencidos, e da transferência deste, bem como do depósito nº 16…04, no valor de 60.174.157$70, para a sua conta nº 11….10 do BB – Nova Iorque, para aplicação em Treasury Bonds ou equivalente.


   IV - Tendo o autor, ora recorrente, formulado na apelação impugnação da decisão proferida sobre os factos pela 1ª instância, e tendo essa impugnação sido julgada improcedente no acórdão recorrido, é com a factualidade acima descrita que o presente recurso tem de ser apreciado.


    O acórdão recorrido, depois de considerações várias sobre o regime jurídico dos depósitos bancários e de outras operações bancárias, nomeadamente do tipo do mútuo, debruçou-se sobre a questão de saber se havia fundamento para imputar ao Banco recorrido o dever de indemnizar o recorrente por não ter aplicado os ativos deste no mercado de capitais norte-americano, conforme instruções que este lhe dera em Julho de 1992, o que passava pela averiguação de eventual incumprimento, pelo Banco, de deveres a que estivesse vinculado e pelo apuramento de prejuízos daí resultantes.

     Entendeu-se que a omissão de cumprimento, pelo Banco, das instruções recebidas não fora ilícita porque, conforme fora transmitido ao recorrente pela comunicação de 3.12.92 acima mencionada, essa operação estava dependente de informação a obter e de subsequente ponderação. E, inexistindo ilicitude, não havia que falar em culpa.

     Por outro lado, considerou-se não ter ficado demonstrada a existência de prejuízos, sendo que, dada a natureza da operação pretendida – aplicação de capitais num fundo de investimento –, não estava garantida a obtenção de ganhos.

      E no tocante ao pedido reconvencional, destacando os factos provados descritos sob os nºs 10, 11, 13, 14, 29, e 50, considerou-se, essencialmente, que:

 - a disponibilização de fundos operada pelo réu ao autor não teve lugar mediante a celebração de contrato escrito, forma exigida pelo artigo único do Decreto-Lei nº 32765, de 29 de abril de 1943;

- são, pois, nulos por falta de forma, nos termos do art. 220º do C. Civil, os mútuos celebrados; e declarada essa nulidade, devem as partes, nos termos do art. 289º do mesmo diploma, devolver tudo o que prestaram.

- deve, assim, o autor restituir ao réu aquilo que dele recebeu, deduzido o montante já compensado. 


Atentemos agora nas críticas que o recorrente lhe dirige.


Dos invocados financiamentos:

Nas 2ª, 3ª, 13ª e 42ª conclusões, o recorrente sustenta, em síntese, que não foi alegado nem se apurou “(…) em que data, a quem, onde (país) em que conta, em que moeda e em que montante (…)” lhe teriam sido emprestados e disponibilizados os valores enunciados no facto provado nº 14, não tendo ficado provado que lhe tenham sido entregues os montantes pecuniários em causa. (sublinhado nosso)

Embora à primeira vista possa parecer que nestas conclusões o recorrente manifesta a sua discordância e põe em causa a decisão que consagrou como provada a matéria constante do nº 14 – e esta é a interpretação do recorrido -, uma leitura mais cuidada do seu conteúdo[4] permite concluir que nelas se afirma a falta de demonstração (e da correspondente enunciação nos factos provados) da entrega ou de lançamento a crédito do autor dos montantes envolvidos nas operações em causa, sem o que não existe a obrigação de restituir que foi condenado a satisfazer.

Isto significa que o recorrente defende que os mútuos, tidos como existentes pelas instâncias a partir do facto nº 14, não podem, por insuficiência da matéria que compõe este ponto, terem-se como firmados pelas partes.

É abordagem que não tem a ver com a atribuição de qualquer erro de julgamento na apreciação e fixação dos factos pelas instâncias, mas antes com a aplicação que do direito fizeram à matéria julgada como provada.


Vejamos então.

Deste facto nº 14 consta, relembremos, que o réu concedeu, disponibilizou ao autor, a título de empréstimo, sem acordo escrito, e para que este lhos devolvesse após um ano, mediante um juro, os valores aí descritos.

É matéria que surge no seguimento da alegação, feita pelo Banco réu, ora recorrido, nos arts. 159º a 205º da contestação/reconvenção, sem que deles constem, em bom rigor, os elementos de facto a que estas conclusões aludem; na verdade, nos artigos desse articulado onde as doze operações em causa foram alegadas – os arts. 159º, 170º, 173º, 176º, 179º, 182º, 185º, 188º, 191º, 194º, 197º e 202º – apenas se afirma, quanto a cada uma delas, ter havido concessão de empréstimo de determinado valor e, ainda, a data em que deveria ser pago. Não concretizou o réu, realmente, em que moeda e conta do autor levou a crédito deste os respetivos valores.

Impugnou o réu estas alegações, como se vê das passagens contidas nos arts. 223º-226º, 239º e 266º da sua réplica, negando terem existido as ditas operações e quaisquer financiamentos, nomeadamente por as importâncias em causa lhe não terem sido entregues.

O facto provado nº 14 encerra, como dissemos, o que a este respeito se apurou.


Resta, pois, saber se a matéria que dele consta permite, ou não, concluir fundadamente que o réu efectivamente entregou ao autor ou lançou a seu crédito em qualquer das contas que mantinha abertas no réu os valores aí descritos e que defendeu ter-lhe emprestado.


Saliente-se que esta é questão de importância decisiva, pois que, como se vem entendendo[5], sem a entrega, ou ato equivalente, o contrato de mútuo não fica perfeito nem completo.

E isto, aplicando-se ao mútuo civil, vale também para o bancário, que é uma modalidade de mútuo cuja particularidade específica em relação ao mútuo civil se traduz no facto de o mutuante ser uma entidade bancária.[6],[7]

Estando embora sujeito às regras do Dec. Lei nº 58/2013, de 8 de maio, e dos arts. 394º a 396º do Código Comercial, enquanto operação bancária prevista no art. 362º do mesmo diploma[8], a insuficiência destas normas para a sua caraterização leva à necessidade de recurso às pertinentes regras do Código Civil.


Definido no art. 1142º do Código Civil, o contrato de mútuo é aquele “pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”, sendo seus elementos essenciais a entrega da coisa – dinheiro ou outra coisa fungível – pelo mutuante ao mutuário e a obrigação a que o mutuário fica adstrito de restituir ao mutuante outro tanto do mesmo género e qualidade.

No dizer de Pires de Lima e Antunes Varela[9], tal como o comodato, “o mútuo é, de sua natureza, um contrato real, no sentido de que só se completa pela entrega (empréstimo) da coisa. É o que resulta deste artigo 1142º. A solução defendida por Vaz Serra (…, na Rev. Leg. Jur., ano 93º, págs. 65 e segs.), da admissibilidade do mútuo consensual, como figura intermédia entre a promessa de mútuo, sujeita ao regime dos artigos 410º e seguintes, e o mútuo real, não apresentava para o comércio jurídico qualquer interesse prático. Ou se empresta a coisa, ou se promete emprestá-la. No primeiro caso, há um contrato de mútuo; no segundo, um contrato-promessa.”     

Embora haja controvérsia doutrinária sobre a questão, a doutrina e jurisprudência maioritárias[10] vêm atribuindo ao mútuo, tanto civil, como comercial, a natureza jurídica de contrato real “quoad constitutionem”, a significar que a sua formação e completude pressupõe a entrega - ou ato equivalente – da coisa ao respetivo beneficiário; a entrega daquilo que é objecto do contrato não faz parte da execução deste, antes integrando a sua própria constituição.

A convergência de vontade dos contraentes no sentido da realização do empréstimo não basta para a formação do contrato, exigindo-se ainda como elemento estruturante da sua completude a traditio.

Acerca da qualificação do mútuo como contrato real quoad constitutionem ou como contrato consensual, escreve Menezes Leitão[11]:

“A tese do cariz consensual do contrato de mútuo contradiz claramente o disposto na nossa lei, que o qualifica como um contrato real quoad constitutionem e não prevê qualquer obrigação de entrega das coisas que constituem o seu objecto. Efectivamente, a definição do mútuo, constante do art. 1142º é idêntica às definições de outros contratos reais quoad constitutionem, como a parceria pecuária (art. 1121º), o comodato (art. 1129º), e o depósito (art. 1185º), afastando-se das fórmulas definitórias dos contratos consensuais, onde se prevê uma obrigação de entrega, como a compra e venda (arts. 874º e 879º b)) e a locação (arts. 1022º e 1031ºb)). As qualificações jurídicas podem ser afastadas pelo intérprete, mas não quando delas resulte a aplicação de determinado regime, como é aqui o caso.

(…) O mútuo é assim claramente entre nós um contrato real quoad constitutionem, exigindo a tradição das coisas mutuadas para a sua constituição. Essa tradição não tem, no entanto, que corresponder a uma entrega material das coisas mutuadas, podendo considerar-se suficiente que o mutuante atribua ao mutuário a disponibilidade jurídica das quantias mutuadas, como sucederá, por exemplo, se a soma for creditada na conta-corrente do mutuário.


É esta também a linha de entendimento que vem sendo adotada neste STJ, o que é evidenciado pelos arestos que passamos a citar e dos quais passamos a transcrever breves mas elucidativas passagens.

I – A entrega de dinheiro é elemento indispensável ao aperfeiçoamento do mútuo legalmente típico, sendo, pois, elemento integrante e constitutivo do contrato, e não um acto de execução.

II – A função económica do mútuo apenas se realiza quando a coisa é entregue ao mutuário para que este lhe dê a utilização tencionada.[12]


“Trata-se de um contrato que só se completa com a entrega pelo mutuante do respectivo objecto ao mutuário, a qual implica a transferência do respectivo direito de propriedade para o último (artigo 1144º do Código Civil).”[13]

“Sendo o contrato de mútuo um contrato real quoad constitutionem (vide definição constante do art. 1142º do CC), isto é, um contrato que só se completa com a entrega da coisa, e não tendo havido qualquer entrega, então tal "contrato" é nulo por falta de objecto, nos termos do art. 280º do CC. A "este contrato" falta, pois, o quid sem o qual não pode haver contrato de mútuo, ou seja, o objecto mediato ou stricto sensu.”[14]

Mas mesmo que, na controvérsia doutrinal existente sobre a natureza jurídica do mútuo[15], se admita a possibilidade de, ao lado do contrato de mútuo típico real e da promessa de mútuo, existirem, por convenção das partes e ao abrigo da liberdade contratual – art. 219º do CC -, contratos de mútuo consensuais, para que possamos concluir pela existência da obrigação de restituir por parte do autor, necessário será que a factualidade apurada evidencie, de modo bastante, a efectiva entrega ou disponibilização em conta ou por outro meio dos valores envolvidos nas ditas operações de financiamento.

Nesta tese, para a formação desse mútuo consensual basta o encontro de vontades das partes, no sentido de o mutuante se obrigar a entregar ao mutuário certa quantia em dinheiro ou outra coisa fungível, sendo então a entrega da coisa, já não um elemento constitutivo e integrante do negócio, mas um ato da sua execução[16] - cumprimento da obrigação que dele emergiria para o mutuante.

Mesmo nesta linha de entendimento, sem a demonstração da satisfação dessa obrigação por parte do réu, nada terá este prestado, pelo que não haverá obrigação de restituir a cargo do autor derivada, como entenderam as instâncias, da invalidade dos mútuos – art. 289º, nº 1 do CC.


O facto nº 14, descrito como consta no rol dos factos definitivamente julgados como provados, tem o seguinte teor:

14) O Banco réu, através da sua Sucursal Financeira Exterior - …, concedeu ao autor durante o ano de 1992, os valores a seguir mencionados - e enunciados como 1ª a 12ª OPERAÇÕES nos documentos constantes 960 e 961 dos presentes autos - pelos quais disponibilizou ao autor, a título de empréstimo, sem acordo escrito, para que este lhe devolvesse após um ano, mediante um juro, os seguintes valores:--‑

- 1ª OPERAÇÃO: Em Janeiro, JPY (ienes japoneses) 24.704.350,00;-­-

- 2ª OPERAÇÃO: Em Fevereiro, USD (dólares norte-americanos) 195.543;--‑

- 3ª OPERAÇÃO: Em Abril, JPY 27.579.732,37 + JPY 27.579.732,37;--­- - - 4ª OPERAÇÃO: Em Abril, JPY 31.724.966,00 + JPY 31.724.966,00;--­-

- 5ª OPERAÇÃO: Em Abril, USD 267.165,28 + USD 267.165,28;--­-

- 6ª OPERAÇÃO: Em Abril, USD 311.678,50 + USD 311.678,50;--­-

- 7a OPERAÇÃO: Em Abril, Esc. 60.000.000$00;--‑

- 8ª OPERAÇÃO: Em Maio, USD 359.242 + USD 359.242;--‑

- 9ª OPERAÇÃO: Em Maio, JPY 54.550.235,50 + JPY 54.550.235,50;--­-

- 10ª OPERAÇÃO: Em Maio, JPY 63.682.083 + JPY 63.682.083;--‑

- 11ª OPERAÇÃO: Em Junho, Esc. 57.400.000$00; e--‑

- 12ª OPERAÇÃO: Em Junho, USD 429.273,38 (cfr. artigos 42°), 43°), 52°), 55°), 58°), 61°), 64°), 67°), 70°), 73°), 76°), 79°), 83°) e 86°) do questionário/temas da prova);--‑

No assim julgado como provado não se mostra, realmente, concretizado em que contas bancárias do recorrente entraram esses valores (designadamente com lançamentos a crédito nessas mesmas contas), nem que os mesmos hajam sido por este levantados ou por si utilizados de qualquer outra forma.

Mas a expressão “concedeu ao autor durante o ano de 1992, os valores a seguir mencionados (…) pelos quais disponibilizou ao autor, a título de empréstimo, sem acordo escrito, para que este lhe devolvesse após um ano, mediante um juro, os seguintes valores (…)” interpretada no seu conjunto e vista à luz do significado que possui em termos de linguagem comum, implica a ideia suficientemente segura de que os valores em causa foram postos na efectiva disponibilidade do autor (em conta sua ou através de um qualquer outro meio), pois só assim tem sentido a afirmação de que a devolução seria feita após o decurso de um ano.

No mesmo sentido apontam os subsequentes factos nºs 15 a 28 onde se vê que o autor, em garantia dessas operações, deu em penhor ao réu depósitos que possuía em contas bancárias por si abertas no réu.

Ditam as regras da experiência comum que só se presta garantia de cumprimento de obrigação efectivamente existente….

Finalmente, a leitura da fundamentação da decisão proferida sobre os factos, constante da sentença – invocada no acórdão da Relação que julgou o recurso interposto contra a decisão proferida sobre esse mesmo facto, confirmando-a - mostra que foi esse o sentido que se quis dar ao afirmado no facto nº 14, sendo de notar ainda que, neste ponto, expressamente se refere que os valores disponibilizados são os “enunciados como 1ª a 12ª operações nos documentos constantes 960 e 961 dos presentes autos”, integrando estas folhas um anexo do relatório da peritagem feita no processo, e que têm como epígrafe, respectivamente, “Empréstimos (PASSIVOS DO AUTOR)” e “Cálculo do Valor dos Empréstimos à data de 14/7/93”.

Cremos, assim, dever concluir-se, e concluímos, que o facto nº 14, evidencia de forma suficientemente segura, que houve efectiva entrega ou colocação na efectiva disponibilidade jurídica do autor dos valores envolvidos nas aí faladas operações de financiamento.

Daí que, contra o que sustenta o recorrente nas conclusões 6ª a 14ª, haja fundamento para a procedência do pedido reconvencional, pelos fundamentos expostos no acórdão recorrido e que passamos a transcrever:

“Resulta igualmente dos autos que a disponibilização de fundos operada pelo réu ao autor não teve lugar mediante a celebração de qualquer contrato escrito. E é com base nesse facto que o Apelante inclusivamente pretendeu impugnar a realização dessas operações.

Ora, "no mútuo típico bancário, o contrato está sujeito à mera forma escrita, independentemente do seu valor conforme assim refere o artigo único do DL n° 32765 de 29 de Abril de 1943 - "Os contratos de mútuo ou usura, seja qual for o seu valor, quando feitos por estabelecimentos bancários autorizados, podem provar-se For escrito particular, ainda mesmo que a outra parte contratante não seja comerciante"

No caso em apreço, os mútuos celebrados, dado que não foi observada a forma escrita, são nulos por falta de forma, nos termos do art.° 219.° do Código Civil. E estipula o art.° 289.° do Código Civil que a declaração de nulidade do negócio tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo aquilo que foi prestado.

E assim, tem toda a pertinência o que consta da sentença recorrida ao referir que" a nulidade da obrigação principal determina a nulidade da obrigação acessória em que as «garantias» de penhor constituídas se traduziam.

Transpondo tais considerações para o caso dos autos, verifica-se que o réu disponibilizou diversas quantias ao autor, a título de empréstimo, mas sem que tenha existido acordo escrito, para o efeito, razão pela qual, os empréstimos verificados padecem de nulidade, a qual é, em face do exposto, extensiva à obrigação garantida.

(...)

À luz do referido art.° 289.°, n.° 1, do Código Civil, não sofre dúvidas que, anulado um contrato ou declarada a sua nulidade, as partes devem restituir em espécie ou em valor, se aquela não for possível, o que lhes tiver sido prestado (...).

Deve, pois, o autor restituir ao réu as quantias que recebeu, a título de  empréstimos, acrescidas de juros de mora, à taxa supletiva legalmente prevista,  contados desde a notificação da reconvenção — 28-04-1995 - e até efectivo e integral pagamento, a liquidar ulteriormente.”


É fundamentação e decisão que merecem o nosso total acolhimento, estando o autor obrigado a restituir ao réu o que este lhe prestou a título de empréstimos nulos por falta de forma e a pagar-lhe juros de mora nos termos indicados, o que se afirma sem prejuízo do que abaixo se dirá sobre a compensação declarada pelo réu ao autor.


Assim, fica esvaziado de conteúdo a analisar o que se diz nas conclusões 15ª, 27ª e 28ª, 32ª a 37ª, 40ª, 41ª, 43º, 44ª, 47ª a 49ª, 51ª e 52ª.



Da compensação:

Mostram as conclusões 4ª, 5ª e 6ª – e a parte antecedente das alegações que estas se propõem sintetizar - que o autor põe em causa a compensação que lhe foi declarada pelo réu, através da missiva a que alude o facto nº 50 e que transcrevemos em nota de rodapé, seja por alegada inexistência do crédito compensatório, seja porque, segundo afirma, o mesmo não era judicialmente exigível.

Concluímos acima que o crédito do réu sobre o autor – que aquele opôs a este para compensação – existe, sendo constituído pelo valor dos empréstimos, a cuja restituição está obrigado por força da nulidade dos mútuos celebrados – cfr. factos nºs 14 e 29.

Mas será que - como sustenta o autor na conclusão 4ª e na parte arrazoada das suas alegações (fls. 4 e seguintes) -, mesmo partindo dos valores que as instâncias consideraram ter entrado na sua esfera jurídica, a título de empréstimos, e na esfera jurídica do réu, através da declarada compensação, se deve concluir que o primeiro é inferior ao segundo em € 6.617.367,00, o que representará um saldo a favor do autor desse montante?

Lidas e relidas as alegações do autor - que, em termos de arrumação e clareza, estão muitíssimo longe do que seria desejável -, constata-se que este, para chegar aos valores que põe em confronto, usa “métodos” absolutamente díspares.

Por um lado, alcança o valor de € 11.403.102,00 convertendo em euros a quantia de esc. 1.042.967.750$00, saldo credor da sua conta que o réu declarou ter compensado através da carta referida no facto nº 50, e depois procede à sua correção, alegadamente de acordo com a inflação. Aqui joga com o que será o valor atual daqueles esc. 1.042.967.750$00

Já o montante de € 4.785.753,00, que diz corresponder, na tese das instâncias, àquilo que entrou na sua esfera jurídica por via dos empréstimos, é por ele alcançado, segundo nos é dado entender, sem qualquer atualização, o que viciosamente lhe permite afirmar o que seria o tal saldo a seu favor.

Como resulta de fls. 960 e 961, para as quais se remete no facto provado nº 14, o valor global das 1ª a 12ª operações de financiamento, à data de 14.07.93 (aquela em que a compensação foi declarada), convertido em escudos, ascendia, segundo aí consta, a Esc. 1.191.758.452,00.

Isto mostra que, ao invés do que repetidamente afirma o autor ao longo das suas alegações e nas conclusões 4ª e 25ª, em 14.07.93, o valor dos empréstimos era superior ao do saldo credor que tinha sobre o réu no valor de esc. 1.042.967.750,90 e que este último, nessa mesma data,  lhe comunicou compensar.

Não tem, assim, o menor fundamento esta argumentação do recorrente.


Importa então saber se se mostram verificados os requisitos enunciados nas alíneas a) e b) do art. 847º do Código Civil, cuja falta o autor expressamente invoca.[17]


Sendo duas pessoas, credor e devedor reciprocamente, qualquer uma delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, desde que se verifiquem os demais pressupostos enunciados na dita norma, a saber:

- ser o crédito daquele que declara a compensação - o chamado contra crédito –, exigível judicialmente e não proceder contra ele, exceção, perentória ou dilatória, de direito material – alínea a);

- terem ambas as obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma qualidade – alínea b).

Não sofre dúvidas de que o segundo destes requisitos se verifica no caso, pois que tem natureza pecuniária a obrigação de cada uma das partes.


Interessa então saber o que é, para efeitos do primeiro dos enunciados pressupostos, um crédito exigível judicialmente.


Segundo Antunes Varela[18]Para que o devedor se possa livrar da obrigação por compensação, é preciso que ele possa impor nesse momento ao notificado a realização coativa do crédito (contra crédito) que se arroga contra este”, ideia que o dito art. 847º, nº 1 concretiza, “explicitando os corolários que dela decorrem: o crédito do compensante tem de ser exigível judicialmente e não estar sujeito a nenhuma excepção, peremptória ou dilatória, de direito material”, dizendo-se “judicialmente exigível a obrigação que, não sendo voluntariamente cumprida, dá direito à ação de cumprimento e à execução do património do devedor (art. 817º).”


Na mesma linha se pronunciam Menezes Cordeiro[19] e Menezes Leitão[20], entendendo que o crédito é judicialmente exigível, quando, no momento em que pretende operar a compensação, o compensante esteja em condições de opor ao devedor a realização coativa do seu crédito, o que nos remete para o já referido art. 817º do Código Civil, preceito que,  inserido em Secção com a epígrafe “Realização Coactiva da Prestação”, dispõe que “não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor, nos termos declarados neste código e nas leis do processo.

A exigibilidade judicial de que trata a norma em análise significa, pois, que o crédito oposto pelo compensante ao seu credor esteja vencido.[21]

Costuma designar-se como crédito ativo aquele que é invocado pelo compensante e crédito passivo o da pessoa a quem o mesmo é oposto.[22]

Estabelecendo a distinção entre o crédito ativo e o crédito para efeitos de exigibilidade judicial, escreve Menezes Cordeiro[23]:

Podemos, agora, reescalonar a exigibilidade como requisito da compensação. No fundo, ela traduz a necessidade de que os créditos em presença possam ser cumpridos. Quanto ao crédito activo, isso implica: - que seja válido e eficaz; que não seja produto de obrigação natural; que não esteja pendente de prazo ou de condição; que não seja detido por nenhuma excepção; que possa ser judicialmente actuado; que se possa extinguir por vontade do próprio […].

No tocante ao crédito passivo, podemos dispensar, dos apontados requisitos, o não ser obrigação natural, a pendência do prazo, quando estabelecido a favor do compensante, numa asserção extensiva à compensação, por analogia e o problema das excepções: estando tudo isso na disponibilidade do compensante, ele prescindirá, necessária e automaticamente, das inerentes posições, quando pretenda compensar”.

Embora a questão não venha merecendo solução unânime na nossa jurisprudência, este STJ vem-se pronunciando maioritariamente, segundo cremos, no sentido apontado pela citada doutrina, ou seja, considerando que a exigibilidade judicial de que o preceito não prescinde quanto ao crédito ativo não significa necessidade de prévio reconhecimento judicial, mas apenas que o mesmo crédito esteja em condições de, nos termos do art. 817º, ser judicialmente reconhecido.[24]

Assim, diz-se no recente acórdão deste STJ de 10.04.2018[25]:

o crédito (activo) a compensar não tem de estar reconhecido previamente para se poder invocar a compensação (…)

Assim, é exigível judicialmente o crédito susceptível de ser reconhecido em acção de cumprimento

E no acórdão do mesmo tribunal de 2.07.2015 que o primeiro cita[26]:

A exigibilidade do crédito para efeito de compensação não significa que o crédito (…) do compensante, no momento de ser invocado, tenha de estar já definido judicialmente: do que se trata é de saber se tal crédito, que se pretende ver compensado, existe na esfera jurídica do compensante, e preenche os demais requisitos legais; sendo exigível, não procedendo contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material; e terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade – als. a) e b) do nº1 do art. 847º do Código Civil.

(…)

O invocado crédito não deixa de ser exigível, muito embora no momento em que é oposto não esteja reconhecido, nem judicialmente, nem pelo credor, o que conduz, inexoravelmente, a uma decisão judicial que os reconheça.

Distinta da exigibilidade judicial do crédito, imposta pelo art. 847º, n.º 1) a) do Código Civil é o respectivo reconhecimento judicial, não obstante só possa operar-se a compensação, caso ambos os créditos venham a ser reconhecidos na acção judicial em que se discutem.”


Ora, no caso dos autos, a obrigação de restituição dos valores recebidos, a que o autor está sujeito, perante o réu, por força da nulidade por falta de forma dos contratos de mútuo celebrados, existia já no momento em que ocorreu a declaração de compensação feita pelo réu ao autor - embora aí fundada no não cumprimento voluntário dos contratos (facto nº 29) -, por isso podendo aquele exigir então judicialmente o seu cumprimento, nos termos do dito art. 817º, alínea a) do C. Civil.

Conclui-se, assim, pela verificação, quanto à compensação declarada pelo réu ao autor, dos requisitos enunciados nos arts. 847º, nºs 1, alíneas a) e b) e 848º, ambos do Código Civil.



Do saldo do autor sobre o réu:

Nas conclusões 16ª a 31ª o recorrente desenvolve considerações várias das quais extrai ter sobre o recorrido um saldo credor atual de € 6.547.573,24 (conclusão 25ª), valor que é produto de manifesto lapso pois que as suas diversas componentes referidas nas conclusões anteriores, se devidamente somadas, ascendem a € 654.757.324,00.

      Para tanto o recorrente afirma, como se tivessem sido demonstrados, factos estranhos aos julgados como provados e que extrai de documentos elaborados pelo recorrido, juntos aos autos (ou ao processo crime que esteve apensado aos autos), mas não dotados de força probatória plena - contas correntes e contas de depósitos à ordem.

A sua tese está, à partida, votada ao insucesso.

De facto, segundo o art. 33º da LOFTJ, este STJ apenas conhece de matéria de direito, ressalvadas exceções previstas na lei, dispondo, na mesma linha, o art. 674º nº 3 que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

Não vem invocado nem existe erro de julgamento que possa ser reconduzido a qualquer destas hipóteses excecionais de violação de prova legal, sendo certo, por outro lado, que os documentos de que o recorrente se serve para afirmar a existência dos factos não têm, como dissemos já, força probatória plena, hipótese que, se ocorresse, legitimaria a consideração dos respetivos factos, nos termos da segunda parte do nº 4 do art. 607º.

A intervenção do STJ no campo dos factos justifica-se nas situações excecionais em que, no dizer claro de Abrantes Geraldes[27], se está perante “verdadeiros erros de direito que, nesta perspectiva, se integram também na esfera de competência do Supremo” que então “pode cassar uma decisão sustentada em determinado facto cuja prova, dependente de documento escrito, foi declarada a partir de depoimento testemunhal, de documento de valor inferior, de confissão ineficaz ou de presunção judicial.

Por seu lado deverá também introduzir as modificações na decisão da matéria de facto que se revelarem ajustadas quando, por exemplo, tenha sido descurado o valor probatório pleno de determinado documento ou tenham sido desatendidos os efeitos legais de uma declaração confessória ou do acordo das partes.

     Por outro lado, não há factos que mostrem a ilicitude do não cumprimento, por parte do recorrido, de instruções dadas pelo recorrente, nem de que dessa omissão tenham resultado para este prejuízos patrimoniais que hajam de ser ressarcidos.

      Assim, soçobra o que nestas conclusões é defendido pelo recorrente.


      Das conclusões 29ª e 30ª:

Têm correspondência no texto das alegações que se acha a fls. 4105 e 4106 dos autos, onde se vê que o seu conteúdo se apoia em documentos sem força probatória plena que, conforme atrás se referiu já, não podem levar o STJ a fixar factos diversos dos que as instâncias deram como apurados.

Daí que o sustentado não possa ser tido em consideração.


      Do mérito dos pedidos formulados pelo autor:

A análise do pedido formulado na petição inicial mostra que o autor, ora recorrente, pretende o reconhecimento de que a contabilização dos seus ativos e passivos, a fazer pelo réu, deve ter lugar segundo as vias que aí indicou e, ainda, a condenação do réu a pagar-lhe “o saldo credor (em dólares) que for apurado e liquidado em execução de sentença.” (sublinhado nosso)

Veio mais tarde, em ampliação do pedido, que foi admitida, pedir a condenação do réu a pagar-lhe “USD 26.653,304, convertidos à taxa cambial relevante – 10.7.1992 – em 3.386.251.276$00, ou seja, € 19.657.910,00, acrescidos de juros moratórios à taxa convencionada de 11,21% ou, a não se entender assim, à taxa média de 15,525% ao ano.”.

Refira-se que esta ampliação - que, segundo nos é dado ver, as instancias não trataram - teve por base a alegação de matéria que não consta do rol dos factos julgados como provados, o que conduz necessariamente à sua improcedência.



Nas conclusões 38ª, 39ª, 45ª, 46ª, 50ª e 53ª a 57ª, o recorrente sustenta a procedência dos pedidos que formulou contra o recorrido, basicamente fundado em que:

- os seus ativos expatriados da Venezuela que, por sua ordem, deviam ter sido transferidos para Nova Iorque, não o foram e desapareceram (45ª.)

- há que contabilizar os juros de mora respetivos;

- o banco incumpriu sistematicamente o dever de informação sobre os ativos e passivos do recorrente, suas contas correntes, depósitos e mútuos, sonegando informação.

A matéria de facto apurada nas instâncias não dá cobertura à parte final da 1ª destas afirmações (desaparecimento dos ativos) nem à última delas.  

Quanto às ordens de transferência dos ativos para Nova York, sabemos que o recorrente constituiu no recorrido os depósitos enumerados no facto provado nº 10 e ainda que lhe pediu o que consta do facto provado nº 30, proposta que mereceu ao réu as respostas mencionadas nos factos nºs 31, 32, 37 e 38 e ainda o fax junto a fls. 102, acima parcialmente transcrito. E na carta referida no facto provado nº 45, já em 1993 e, portanto, na vigência do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras – o RGIC, aprovado pelo DL nº 288/92, de 31.12 que entrou em vigor em 1.1.93 –, o recorrente ainda insistia no sentido da satisfação do que havia ordenado.

Uma vez que destas comunicações consta a menção a diligências feitas pelo recorrido com vista à efetivação da operação pretendida e, simultaneamente, a referência a dificuldades na obtenção desse resultado, não podemos considerar que o recorrido haja emitido qualquer declaração negocial comprometendo-se a realizar a mesma.

Interessa, porém, saber se entre o recorrente e o recorrido havia anteriormente sido acordado algo que o vinculasse a satisfazer este pedido do autor.

      Avulta, a este propósito, o que consta dos factos provados 30 e 31.

      Neste último são enumerados os pontos que haviam sido objeto de concertação anterior entre o recorrente e o recorrido, nomeadamente que o recorrente:

1° podia saldar em qualquer altura ativos e/ou passivos;

2° podia dispor livremente de todos os seus ativos contando-se os juros até à data da liquidação;

3° aplicando todo o ativo em treasury bonds ou equivalente em U.S.D.. essa aplicação seria a 5 anos no mínimo. Para amortização dos custos iniciais da sua compra, o passivo seria renovado ano a ano conforme o seu pedido (lisbor + spread 1/8 a ¼);

4° podia amortizar qualquer passivo parcial ou totalmente;

podia colocar ativos ou passivos na moeda que quisesse mas não devia sobrecarregar os serviços com mudanças frequentes; (sublinhado nosso)

6° se ativos, cativos fossem transferidos deviam os mesmos continuar vinculados ao Banco (...);

     Ora, na ordem dada pelo recorrente, constante do facto provado nº 30, não se encontra qualquer indicação no sentido de conversão dos seus ativos em USD, apenas se ordenando a transferência dos mesmos para a sucursal do recorrido em Nova Iorque, o que não envolve necessariamente a sua conversão em USD.

     Também se não encontra naquele facto nº 31 um acordo geral para sujeição do seu passivo à taxa correspondente à libor + 1/8; tal taxa apenas estava aí prevista para o caso de eventual aplicação do ativo em treasury bonds ou equivalente em USD, sendo certo que não era esta a instrução dada pelo recorrente na carta a que se refere o facto provado nº 30, pois aí as indicações – em causa nestes autos - eram emitidas no sentido da aplicação do ativo num fundo seguro, a averiguar, que desse bom rendimento.

       Apenas quanto ao passivo se pode reconhecer que o recorrente havia ordenado, pela carta a que se refere o facto provado nº 36, a conversão do mesmo em USD, como se vê da frase dela constante: “(…) TODO O MEU PASSIVO TEM DE SER A PARTIR DE AGORA PROCESSADO EM DÓLARES (…)”, o que está em conformidade com o ponto 5º das condições acordadas conforme consta do facto nº 31. Mas já não vincula o banco a referência feita seguidamente a uma habitual taxa correspondente a libor + 1/8, pela razão acima já exposta.

      Deste modo, impõe-se concluir pela inexistência da obrigação, por parte do recorrido, de efetuar a operação de transferência de ativos para NY e sua aplicação num fundo seguro que desse bom rendimento, ordenada pelo recorrente.


      Estaria o recorrido, ainda assim, obrigado a conseguir esse resultado?

      Do RGIC constava então uma enumeração das operações que os bancos podiam levar a cabo, nomeadamente as que eram, de início[28], referidas na al. e) do nº 1 do seu art. 4º: Transacções, por conta própria ou da clientela, sobre instrumentos do mercado monetário e cambial, instrumentos financeiros a prazo e opções e operações sobre divisas ou sobre taxas de juro e valores mobiliários; (…)

     Porém, quando estas operações são pedidas pelo cliente, a obrigação da sua realização não faz parte da relação estabelecida entre este e o banco.

       A propósito da existência de um contrato bancário geral, e repudiando a sua existência, escreve Menezes Cordeiro[29]:

“A questão em aberto, no tocante ao contrato bancário geral, tinha a ver com um eventual dever de contratar, por parte do banco. E designadamente: mercê do contrato em causa, ficaria o banqueiro obrigado a conceder crédito futuro ao cliente? A resposta era negativa: mesmo no auge da conceção do contrato bancário, sempre se entendeu que o banqueiro era livre de celebrar contratos futuros, de acordo com os seus critérios próprios: apenas em situações particulares lhe poderia ser oposto o abuso do direito, perante a recusa de contratar.

E foi justamente por esta via que a doutrina do contrato bancário perdeu terreno.”

         E mais adiante[30]:

“Impunha-se a questão fulcral de saber se o contrato bancário geral preenchia os requisitos de um verdadeiro contrato. Também aqui a resposta era negativa. O contrato bancário geral não assentava, propriamente, num encontro de vontades destinado a instituir, entre elas, uma relação duradoura, fonte de novos contratos. Salvo ficção, em nenhum momento do percurso bancário seria possível apontar uma vontade das partes – ou de alguma delas – a tanto dirigida.”

         E ainda, no seguimento da adesão à doutrina da relação legal e de confiança[31]:

“Desde o momento em que o cliente e o banqueiro concluam um primeiro negócio significativo – normalmente, a abertura de conta – estabelece-se, entre eles, uma relação social e económica. Essa relação tenderá a ter continuidade. Surgindo mais negócios entre ambos, ela intensificar-se-á. Ambas as partes terão deveres de conduta, derivados da boa fé, dos usos ou de acordos parcelares que venham a concluir. Todos esses deveres surgem num conjunto que tem uma unidade económica e social evidente: há uma relação bancária contínua, suscetível de ser preenchida com os mais diversos negócios.”

      Por isso, não há um contrato bancário geral que possa vincular o banqueiro a aceitar as propostas feitas pelo cliente; estas, se em concreto forem aceites, darão lugar à celebração de novos contratos.

      Não envolve, a nosso ver, violação de deveres impostos pela boa fé, a circunstância de não ter recusado liminarmente a operação e de haver levado a cabo diligências que vieram a revelar-se infrutíferas na obtenção do resultado almejado pelo autor; e não se conhecem usos nem acordos parcelares que a tanto obrigassem o réu.

       Acompanhamos, pois, as instâncias quando concluíram que a não efetivação, por parte do réu, do que fora pedido pelo recorrente quanto aos seus ativos não traduz um ilícito contratual; e, sendo a responsabilidade contratual uma das modalidades de responsabilidade por factos ilícitos, é de excluir que dessa omissão possa ter resultado, para o recorrido, obrigação de indemnizar o recorrente.

       O que se diz sem esquecer que, se a conclusão fosse contrária àquela a que chegámos, a pretensão do recorrente no sentido de ser indemnizado esbarraria na total falta de prova da existência de danos, e não apenas do quantitativo destes.

Assim, os factos provados não dão fundamentos para condenar o réu a contabilizar os ativos do autor nos termos por este enunciados em A) do pedido formulado na p. i..


Quanto ao passivo, a necessidade da sua contabilização em USD decorreria das considerações que acabámos de fazer. Mas não tem já sentido tal contabilização, na medida em que todo o passivo do autor, segundo o próprio recorrido, era constituído pelos financiamentos feitos, e o autor vai agora condenado, na procedência do pedido reconvencional, a restituir-lhe a parte ainda não recebida do respetivo valor.


Improcedem também pelas razões apontadas os pedidos formulados em B. e C. da petição inicial.



Quanto a este último importa dizer ainda que a matéria de facto apurada não revela que o autor seja titular de ativos sobre o réu e, na procedência do pedido reconvencional, vai o mesmo condenado a pagar aquilo que, segundo o demonstrado, deve ao réu, nos termos da decisão das instâncias que, por tudo o que vimos dizendo, é de confirmar.



     V - Pelo exposto, julga-se a revista improcedente, mantendo-se, na íntegra, o acórdão recorrido.

    Custas da revista a cargo do autor.


Lisboa, 27.09.2018


Rosa Maria M. C. Ribeiro Coelho (Relatora)

João Bernardo

Oliveira Vasconcelos


_________

[1] O teor do art. 24º da p. i. deu lugar ao facto provado descrito sob o nº. 31.
[2] O teor das conclusões 24ª e 25ª que adiante se transcreve leva em conta a retificação que o recorrente introduziu através do requerimento de fls. 4156.
[3] Do seguinte teor:
ASSUNTO: Carteira de DP´s em anexo
Exmos. Senhores,
Vimos pela presente comunicar (…) que nesta data e ao abrigo do disposto nos artigos 847º, nº 1 e a) e b) e 848º, ambos do Código Civil, procedemos à compensação do saldo credor da vossa conta D. O. nº 13757704 na Sucursal Financeira Exterior Madeira no montante de PTE 1.042.967.750,90 que transferimos para crédito da vossa conta em Contencioso.”

[4] E da parte das alegações que antecedem as conclusões onde repetidamente o recorrente afirma o mesmo.
[5] Numa das teses existentes na controvérsia sobre a qualificação jurídica do mútuo, abaixo mais detalhadamente mencionadas.

[6] Na definição de João Calvão da Silva, Direito Bancário, Almedina, pág. 361, tal contrato é o “mútuo firmado por bancos”

[7] E segundo José Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, 2015, págs. 497-498 “Designa-se por empréstimo ou mútuo bancário ("bank loan", "Darlehensvertrag", "prêt bancaire", "mutuo bancario", "prestamo bancario") o contrato pelo qual o banco (mutuante) entrega ou se obriga a entregar uma determinada quantia em dinheiro ao cliente (mutuário), ficando este obrigado a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade ("tantundem"), acrescido dos correspondentes juros.”
[8] Segundo o qual «são comerciais todas as operações de bancos tendentes a realizar lucros sobre numerário, fundos públicos ou títulos negociáveis, e em especial as de câmbio, os arbítrios, os empréstimos, descontos, cobranças, aberturas de crédito, emissão e circulação de notas ou títulos fiduciários pagáveis à vista e ao portador”
[9] Código Civil Anotado, 4ª edição, pág. 761-762
[10] Para além dos autores já citados, adotam este entendimento, entre outros, Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume III – Contratos em Especial, 10.ª Edição, 2015, págs. 343 e segs.; Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, Volume VIII, Coimbra Editora, 1934, pág. 265; José Maria Pires, “Direito Bancário, As Operações Bancárias, 1995, Volume II, págs. 201-202; Fátima Cristina Fontes da Costa, “A Questão da Adjudicação ao Banco Exequente do Imóvel Hipotecado Por Um Valor Inferior ao da Dívida Exequenda Em Virtude do Incumprimento do Contrato de Mútuo para Aquisição de Habitação. Um Problema….”, pág. 18, acessível em https://estudogeral.sib.uc.pt/; Andreia Marques Martins, Do Crédito à Habitação em Portugal e a Crise Financeira e Económica Mundial. Em Especial: a Prestação de Garantias no Crédito à Habitação, Revista de Direito das Sociedades, Ano II, n.º 3-4, 2010, pág. 745 (esta, conforme citação feita na obra referida em último lugar). 
[11] Obra citada, pág. 347
[12] Sumário do Acórdão do STJ de 20 de Outubro de 1998, relator Conselheiro Torres Paulo, acessível em www.dgsi.pt
 [13] Acórdão do STJ de 7.04.2005, relator Conselheiro Salvador da Costa, disponível em www.dgsi.pt
[14] Acórdão do STJ de 13.02.2007, relator Conselheiro Urbano Dias, acessível em www.dgsi.pt
[15] Contra a sua qualificação como contrato real “quoad constitutionem” e atribuindo-lhe a natureza de contrato consensual, cfr. Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, Volume II, Lisboa, AAFDL, 1985, págs. 309-310 e J. Simões Patrício, Direito Bancário Privado, 2004, pág. 309.
[16] Como Vaz Serra, Notas Acerca do Contrato de Mútuo, Revista de Legislação e Jurisprudência n.º 93, pág. 65-69, 81-83, 97-100, 129-131, 161-164 e 177-180, Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 2ª edição, 2001, pág. 575 e 515 e em Tratado do Direito Civil, I, 1º, 2ª edição pág. 313 e Mota Pinto, Teoria Geral, págs. 398-399
[17] Na parte arrazoada das suas alegações (fls. 8 e segs.)
[18] Obra citada, pág. 202
[19] Em “Da Compensação no Direito Civil e no Direito Bancário”, pág. 113.
[20] Em Direito das Obrigações, 2002, vol. II, pág. 196
[21] Menezes Cordeiro, obra e local que acabámos de citar
[22] Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, 3ª edição, IX, Direito das Obrigações, Cumprimento e Não-Cumprimento, Transmissão, Modificação e Extinção, pág. 1027 
[23] “Da Compensação no Direito Civil e no Direito Bancário”, pág. 115 e 116
[24] Contra, cita-se, a título de exemplo o acórdão da Relação do Porto de 19.01.2006, Relator Fernando B. Oliveira, proc. 0536641, acessível em www.dgsi.pt, no qual se diz: legislador ao usar a expressão “exigível” se quis referir a um crédito certo, seguro, e não meramente hipotético ou eventual. Enquanto não estiver reconhecido o crédito, não pode o mesmo servir de sustento a uma compensação de “créditos”. E parece claro que não é nesta demanda que tal reconhecimento do crédito pode ter lugar, (…), pois o contra crédito já tem de estar definido – para poder ser exigível – no momento em que se alega a compensação … de créditos.
E ainda o aludido na sentença e invocado pelo recorrente nas suas alegações.sinvocado
[25] Relator Conselheiro Pinto de Almeida, Proc. 23656/15.5T8SNT.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt
[26] Relator Conselheiro Fonseca Ramos,
proc. 91832/12.3YIPRT-A.C1.S, acessível em
www.dgsi.pt
[27] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pág. 406 e 407
[28] V., hoje, o nº 1 do seu art. 4º, na redação emergente do art. 2.º do Decreto-Lei n.º 242/2012, de 7.11; ”Os bancos podem efetuar as operações seguintes: (…) q) Prestação dos serviços e exercício das actividades de investimento a que se refere o artigo 199.º-A, não abrangidos pelas alíneas anteriores; (…)”
[29] Cfr. Direito Bancário, 6ª edição, pág. 260
[30] Cfr. autor e obra citada, pág. 263,
[31] Cfr. autor e obra citados, pág. 266