Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
700/01.8JFLSB.C1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: HENRIQUES GASPAR
Descritores: CONCURSO DE INFRACÇÕES
CÚMULO JURÍDICO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE
TRÂNSITO EM JULGADO
CRIME CONTINUADO
BURLA QUALIFICADA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
PLURIOCASIONALIDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 04/17/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Área Temática:
DIREITO PENAL - FACTO / FORMAS DO CRIME - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO - EXTINÇÃO DA RESPONSABILIDADE CRIMINAL.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA / MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU - RECURSOS.
Doutrina:
- Aharon Barak, «Proportionality; Constitutional Rights and their Limitations», Cambrige University Press, 2012, pp.. 362-3.
- Cristina Líbano Monteiro, anotação ao acórdão do STJ de 12 de Julho de 2005, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16º, p. 155 ss..
- Eduardo Correia, “Direito Criminal”, vol II, p. 209.
- Hans Heinrich Jescheck e Thomas Weigend, “Tratado de Derecho Penal, Parte General”, trad. da 5ª edição, 2002, pp. 771-772.
- Ingo Wolfgang Sarlet, «Constituição e proporcionalidade: o direito penal e os direitos fundamentais entre proibição de excesso e de insuficiência», “Revista Brasileira de Ciências Criminais”, nº 47, Marco-Abril de 2004, p. 64-65, referindo Zagrebelsky.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 432.º, AL. C).
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 30.º, 77.º, N.ºS 1 E 2, 78.º, 118.º, N.º1, AL. B), 119.º, N.º1, 120.º, N.º1, AL. B), E N.º2, 121.º, N.ºS 2 E 3.
LEI N.º 65/2003, DE 23-08: - ARTIGO 7.º.
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM (CEDH): - ARTIGO 6.°, N.° 3, AL. A).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 2-11-2006, PROC. Nº 4069/06;
-DE 24-03-2011, PROC. Nº 322/08.2TARGR;
-DE 5-07-2012, PROC. Nº 265/11.6SAGRD;
-DE 12-07-2012, PROC. N.º 2/09.1PAETZ;
-DE 22-01-2013, PROC. N.º 182/10.3TAVPV;
-DE 27-02-2013, PROC. N.º 455/08.5GDPTM.
Sumário :

I - No caso de o recurso ser dirigido directamente ao STJ, visando o conhecimento em termos de direito, de uma pena conjunta superior a 5 anos de prisão, bem como de penas parcelares inferiores a tal limite inscrito no art. 432.º, al. c), do CPP, entende-se que ocorre um «alargamento» da competência do STJ à apreciação das penas parcelares.
II - Esta posição está em coerente coordenação com a natureza e finalidades processuais do recuso directo para o STJ, bem como com o princípio do conhecimento unitário do recurso, que supõe que a instância competente para decidir parte das questões (no caso, a pena parcelar superior a 5 anos e a pena única), assume a competência para conhecer todas as questões de que depende o exercício da competência da instância superior, ou seja, no caso, a medida das penas parcelares e da pena única.
III - Os factos pelos quais o recorrente foi condenado ocorreram desde Janeiro de 1997. O procedimento criminal pelos crimes pelos quais foi condenado é de 10 anos – art. 118.º, n.º 1, al. b). do CP; mas o prazo de prescrição do procedimento criminal, que começa a correr desde o dia em que o facto se tiver consumado (art. 119.º, n.º 1, do CP), interrompe-se, entre outros motivos, com a notificação da acusação (art. 120.º, n.º 1, al. b), do CP), sendo que depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição – art. 121.º, n.º 2, do CP.
IV - O prazo de prescrição suspende-se, para além de outros casos, sempre que o procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação (art. 120.º, n.º 1, al. b), do CP); a suspensão a partir da notificação da acusação não pode ultrapassar 3 anos – art. 120.º, n.º 2, do CP. Há, contudo, um limite máximo fixado no artigo 121.º, n.º 3, do CP: a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvando o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade; ou seja, no caso, de 18 anos. Não está, assim, atingido o prazo de prescrição do procedimento criminal.
V - O princípio da especialidade traduz-se em limitar os factos pelos quais uma pessoa extraditada ou entregue (extradição ou cumprimento de MDE) será julgada, após a entrega ao Estado requerente, àqueles que motivaram essa entrega; o fundamento jurídico do princípio assenta no reconhecimento da soberania do Estado requerido pelo Estado requerente, e corresponde à observância pelo Estado requerente do compromisso perante o Estado requerido de apenas perseguir a pessoa objecto de entrega pelas infracções mencionadas no pedido; o princípio da especialidade funda-se também na ideia de protecção dos interesses do indivíduo, como uma regra que releva do costume internacional e que vale mesmo na falta de disposições convencionais. Partindo desta visão humanista existe uma conexão entre o princípio da especialidade e a matéria dos direitos do homem, fazendo derivar o princípio da especialidade do art. 6.°, n.° 3, al. a), da CEDH.
VI - No âmbito do MDE, o princípio da especialidade está consagrado em termos amplos no art. 72.º da Lei 65/2003, de 23-08, só cedendo nas condições previstas nas als. a) a g) do n.º 2.
VII - No caso vertente, independentemente de todas as questões que a aplicação do princípio da especialidade pudesse suscitar no caso, a decisão do juiz de instrução, não impugnada, que mandou seguir o procedimento como se não houvesse ofensa ao princípio, transitou em julgado, resolvendo definitivamente a questão no processo. O recurso da decisão condenatória não é, assim, o momento processual adequado para suscitar a questão.
VIII - O crime continuado (cf. art. 30.º, n.º 2, do CP) pressupõe, no plano externo, uma série de acções que integrem o mesmo tipo legal de crime ou tipos legais próximos que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, às quais presidiu e que foram determinadas por uma pluralidade de resoluções. O fundamento de diminuição da culpa que justifica a unidade está no momento exógeno das condutas e na disposição exterior das coisas para o facto.
IX - No caso sob apreciação, os elementos de facto que o tribunal fixou permitem caracterizar uma situação que revela, distintamente, uma pluralidade de resoluções, que exprimem uma vontade sucessivamente renovada, perante situações distintas que o recorrente directa e deliberadamente procurou; embora decorrendo numa composição e num ambiente preparados pelo recorrente, as expressões de comportamentos sucessivamente renovados em relação a cada um dos ofendidos afastam a natureza exógena (situação externa favorável) das circunstâncias; bem diversamente, as condições em que o recorrente agiu não foram construídas nem se lhe apresentaram externamente, mas cada uma foi directamente criada pelo recorrente com a finalidade e intenção de praticar cada um do conjunto de actos em que se traduziu o «engano» dos ofendidos e as consequentes atribuições patrimoniais. Não concorrem, assim, os elementos essências da construção do crime continuado.
X - Nos termos do art. 77.º, n.º 1, do CP, o agente do concurso de crimes («quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles») é condenado numa única pena, em cuja medida «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente». A pena única do concurso, formada no sistema de pena conjunta e que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes (princípio da acumulação), deve ser, pois, fixada, dentro da moldura do cúmulo estabelecido pelo art. 78.º do CP, tendo em conta os factos e a personalidade do agente.
XI - O conjunto dos factos indica a gravidade do ilícito global, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que se verifique entre os factos concorrentes. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente importa, sobretudo, verificar se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. Mas tendo na devida consideração as exigências de prevenção geral, e especialmente na pena do concurso os efeitos previsíveis da pena única sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).
XII - A avaliação do conjunto dos factos – do «ilícito global» – há-de partir necessariamente da consideração relativa de cada acontecimento singular por si, mas também na projecção sobre relações de confluência: reiteração e persistência; temporalidade; aproximação ou distanciamento; homologia ou homotropia; valores individualmente afectados; pluralidade de bens pessoais; limitação a bens materiais; modos de execução; consequências instrumentais.
XIII - No caso, nesta complexa avaliação, a natureza dos factos essencialmente homogénea, em que estão em causa apenas valores materiais, integram e constituem uma projecção global do ilícito que não exaspera a ilicitude (simples) que resultaria da mera adição dos valores afectados como se fossem unitariamente construídos; a pluralidade encerra, certamente, um valor agravativo, mas esbate-se necessariamente numa estrutura aritmética da pluralidade. A personalidade do arguido que vem descrita nos factos provados, avaliada na perspectiva global que se projecta e é também revelada pela natureza e pelas circunstâncias dos diversos acontecimentos, aponta para características de alguma habitualidade, com reflexos na persistência de crimes contra o património através de artifícios e engano de idêntica natureza.
XIV - Considerada a homogeneidade e a (relativa) proximidade temporal dos crimes contra o património, a importância do conjunto dos factos, designadamente pela construção artificiosa da ambiência dos enganos aconselharia, na perspectiva das exigências de prevenção geral, a fixação de uma pena no limite da metade inferior da escala da moldura da pena do cúmulo.
XV - Porém, o percurso de vida do recorrente e a personalidade que por aí também vem revelada, com contacto com o sistema penal por factos da mesma natureza, aconselham – e impõem – a intervenção exigente das finalidades de prevenção especial; como revelam as condenações anteriores; as sanções penais de natureza e medida que então foram consideradas adequadas não constituíram meio idóneo de ressocialização e de reencaminhamento para os valores. As finalidades de prevenção especial são, assim, muito acentuadas, condicionando a justa medida da pena única: a sanção indispensável, tanto na natureza como na medida.
XVI - Porém, «na tensão entre o caso e a regra», na isonomia na construção da medida na pena única perante o «ilícito global», na ponderação da semelhança e da diferença das penas aplicadas na praxis jurisprudencial, e sobretudo tendo em consideração o tempo entretanto decorrido desde a prática dos factos, conjugado com a implicação funcional (ou funcionalista) das finalidades de prevenção geral, justifica-se urna leitura ligeiramente diversa do acórdão recorrido na perspectiva da proporcionalidade, fixando a pena em 10 anos de prisão (em substituição da pena de 12 anos de prisão aplicada na 1.ª instância).

Decisão Texto Integral:

            Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:  

                1. O Mº. Pº. deduziu acusação contra:

AA, casado, operador financeiro internacional, nascido em ..., filho de ... e de ..., natural da freguesia de ..., em ..., residente em ..., casa ..., ..., ..., imputando-lhe a prática, dos seguintes crimes:

Com referência aos factos do inquérito nº 700/01.8JFLSB:

Como autor material, em concurso real, seis crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217º e 218º nºs 1 e 2 als. a) e b) do Código Penal, na redacção anterior à Lei 59/2007 de 4 de Setembro, com referência ao disposto no art. 202º al. b) do mesmo diploma legal, pelos factos relacionados com: J...A...M...da S...& S..., Lda.; SPC- ..., Lda.; BB; CC; DD e EE e FF;

Com referência aos factos do inquérito nº 81/05.0TAVNO:

Como autor material de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217º e 218º nºs 1 e 2  als. a) e b) do Código Penal, na redacção anterior à Lei 59/2007, de 4 de Setembro, com referência ao disposto no art. 202º al. b) do mesmo diploma legal, pelos factos relacionados com M...& B..., Lda.

Com referência aos factos do inquérito nº 164/04.4TAVNO:

Como autor mediato de um crime de burla qualificada, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 217º e 218º nºs 1 e 2 als. a) e b) do Código Penal, na redacção anterior à Lei 59/2007, de 4 de Setembro, com referência ao disposto nos arts. 22º; 23º; 73º e 202º al. b) do mesmo diploma legal, em concurso real com a autoria material de um de uso de documentos falsificados agravado, p. e p. pelo art. 256º nº 1 al. c) e nº 3 (actualmente p. e p., pelo art. 256º nº 1 al. e) e nº 3);

Com referência aos factos do inquérito nº 632/03.5SKLSB:

Como autor material de um crime de abuso de confiança agravado, p. e p. pelo artigo 205º nº 1 e nº 4 al. b) do Código Penal, na redacção anterior à Lei 59/2007, de 4 de Setembro, com referência ao artigo 202º al. b) do mesmo diploma legal pelos factos relacionados com a HH – Sociedade Portuguesa de Rent a Car, Lda.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, o tribunal julgou a acusação parcialmente provada e procedente e, em consequência:

                Absolveu o arguido AA de um dos crimes de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º nº 1 e 218º nºs 1 e 2 als. a) e b), com referência aos factos descritos nos artigos 120º a 144º da acusação e referentes a FF;

                Condenou o mesmo arguido AA, como autor material, em concurso real, dos seguintes crimes:

                - Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º nº 1; 218º nº 1 e 218º nº 2 al. b) do CP, com referência aos factos descritos em 112. a 128. da matéria de facto provada de que foi vítima a SPC – ..., Lda., na pena de três anos de prisão;

- Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º nº 1; 218º nº 1 e 218º nº 2 al. b) do CP, com referência aos factos descritos em 129. a 147. da matéria de facto provada de que foi vítima BB, na pena de três anos de prisão;

- Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º nº 1; 218º nº 1 e 218º nº 2 al. b) do CP, com referência aos factos descritos em 158. a 188. da matéria de facto provada, de que foram vítimas DD e EE na pena de três anos e seis meses de prisão;

- Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º nº 1; 218º nºs 1 e 2 als. a) e  b) do CP, com referência aos factos descritos em 90. a 111. da matéria de facto provada, de que foi vítima II, Lda., na pena de cinco anos e dois meses de prisão;

- Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º nº 1; 218º nºs 1 e 2 als. a) e  b) do CP, com referência aos factos descritos em 148. a 157. da matéria de facto provada de que foi vítima CC, na pena de quatro anos de prisão;

- Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º nº 1; 218º nºs 1 e 2 als. a) e  b) do CP, com referência aos factos descritos em 189. a 219. da matéria de facto provada, de que foi vítima M...& B..., Lda., na pena de quatro anos e seis meses de prisão;

- Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º nº 1 al. c) e nº 3 do CP, com referência aos factos descritos em 231. a 281. da matéria de facto provada, relativos ao Bank fur ..., na pena de três anos e seis meses de prisão;

                - Um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art. 205º nº 1 e nº 4 al. b) do CP, com referência aos factos descritos em 285. a 309., de que foi vítima HH – Sociedade Portuguesa de Rent a Car, Lda., na pena de dois anos de prisão;

                - Como autor mediato e, em concurso real, com todos os antecedentes crimes, de um crime de burla qualificada, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 217º nº 1 e 218º nºs 1 e 2 als. a) e b); 22º; 23º e 73º do CP, na pena de quatro anos e dez meses de prisão.

                Em cúmulo jurídico destas penas parcelares, o tribunal condenou o arguido AA condenado na pena única de doze anos de prisão.

               

                2. Não se conformando, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação, com os fundamentos da motivação que apresentou, e que terminou com a formulação das seguintes conclusões:

A) Discorda o recorrente que o acórdão recorrido, não tenha aplicado o preceito legal do art°. 30°. do Código Penal Português, quando, da prova produzida nos presentes autos, claramente se percebe que “in casu”, existiram algumas ocorrências factuais que determinaram uma realização plúrima do mesmo tipo de crime e/ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protegem o mesmo bem jurídico, executados de forma essencialmente homogénea e no quadro de solicitações de uma mesma situação exterior, tudo o que, imperativamente diminui de forma avassaladoramente considerável a culpa do aqui recorrente;

B) A determinação da pena deve fazer-se com base na culpa e na prevenção, afastando-se assim definitivamente a ideia que o Juiz deve partir do meio da moldura penal do crime para encontrar a pena concreta, quer atenuantes e agravantes gerais para encontrar a medida concreta da pena depois de determinado o seu "quantum" em função do critério geral da medida fornecida por lei. A pena será assim medida, pela necessidade de evitar a produção de lesões futuras semelhantes por qualquer outro membro da comunidade ou mais exactamente de acordo com as necessidades de estabilização das expectativas na validade do direito por parte da comunidade em face da lesão dos bens jurídicos; face a tais critérios, a pena aplicada ao arguido é manifestamente exagerada, pois o tribunal a quo não atendeu, assim, como devia: ao relatório social, elemento fundamental para se aferir em como o arguido é merecedor de uma nova oportunidade. Pode, assim, afirmar-se que relativamente ao arguido é possível formular um juízo favorável no tocante às exigências de prevenção de futuras delinquências podendo formular-se um juízo de prognose social favorável.

C) Não se fez a melhor justiça na aplicação da lei penal, quando, o acórdão recorrido não fundamentou de uma forma suficientemente ponderada, clara e específica, a determinação da pena de prisão aplicada, violando com isso o disposto no Art°. 374°. n°. 2 do C.P.P. e, Art°. 375°. n°. 1 do C.P.P., tudo o que, redunda numa clara nulidade (Art°. 379°, n° 1, al. a) do C.P.P.),

Para mais,

E atendendo às questões prévias colocadas, sempre se diga que nos presentes autos, que "in casu", o procedimento criminal encontra-se já extinto por prescrição, tudo, na medida em que já decorreram 15, 14 e 13 anos sobre a prática dos factos acusatórios e, da leitura da disposição do Art° 118°. n°. 1 alínea b), do Código Penal, mesmo conjugado com o preceituado nos Art°.(s) 120°. e 121° do Código Penal, tal resulta como absoluto.

Noutra consonância, o despacho recorrido, e no âmbito da Cooperação Judiciária Internacional do cumprimento do Mandado de Detenção Europeu, não fez a melhor justiça na aplicação do Direito, ao preterir a aplicação do Princípio da Especialidade previsto no Art.º 16 da Lei n°. 144/99 de 31 de Agosto, e art°. 7 da Lei n°. 65/2003, de 23 de Agosto, apoiando-se assim o recorrente, no meio processual adequado para cumprir essa vontade de reapreciação judiciária, sob pena de uma inevitável e consequente violação do Art°. 32°. da Constituição República Portuguesa;

Termina pedindo a procedência do recurso.

                O magistrado do Ministério Público respondeu à motivação, e termina a resposta concluindo:

O arguido, AA, expõe a sua discordância do acórdão condenatório, sem concretizar quaisquer situações processuais; diligências factos ou datas donde resultam as suas afirmações ou que permitam perceber a correspondência aos preceitos legais dados como violados.

Assim, sem prejuízo da análise e estudo do teor da motivação,  apenas   o direito   aplicado aos factos   que   cabia ao recorrente   concretizar poderia   levantar a  alegada  necessidade    de as  questões serem devidamente  aprofundadas.

O arguido fez letra morta do processo e, por minúcia , escuda-se no relatório social para obter " ....um juízo de prognose social favorável. "que do mesmo relatório não emerge e   os  autos  de  todo inquinam . Vejamos:

A matéria de facto dada como provada nos presentes autos bem como as certidões de outros processos interligados, deixam perceber que a atividade do arguido no sector financeiro, sem esquecer o propósito de a continuar, estava assente em nada, o que foi confirmado pela P.I junto de algumas das entidades apresentadas como financiadoras;

Os documentos com erros, mesmo de ortografia, bem exemplificados no acórdão condenatório, permitem concluir que os empreendimentos do arguido ligados ao setor financeiro, designadamente ao grupo de empresas "N...Entreprises", não passaram de estratagema a pedra de toque para o mesmo ludibriar e determinar cada um dos ofendidos a entregar-lhe as quantias mencionadas nos factos dados como provados.

A   pura “mise   em   scéne” operada     pelo     arguido   , ao requerer   a regularização da   actividade   junto   do     Banco   de     Portugal   , tal   como     está documentada nos   autos   , não passou   disso   mesmo , pois ,

Resulta dos mesmos documentos que apesar de o Banco de Portugal solicitar ao arguido    e recorrente   vários elementos , este nada mais   entregou nem diligenciou o que quer que fosse .

O mesmo se diga da atuação do arguido, face aos alegados financiamentos obtidos de entidades bancárias de relevo internacional (pontos 40 e 80 a 83) mencionadas no acórdão condenatório , quando " .... nenhuma das sociedades identificadas em 6 a 38 , ou qualquer seu escritório de representação se encontravam ou encontram inscritos no registo especial do Banco de Portugal, que não autorizou qualquer dessas sociedades a desenvolver qualquer actividade em Portugal;

As quais também não cumpriram as exigências da ordem jurídica portuguesa, em matéria de registo comercial;

Nem têm número de contribuinte emitido pela administração fiscal portuguesa;

O que o arguido bem sabia e quis ocultar. "

Assim, se algo surpreende no referido relatório social, é pela negativa o discurso de vitimização/negação em relação aos factos dos presentes autos e antecedentes criminais conjugado com os afirmados projetos de atividade financeira,

Os factos dados como provados e ocorridos nos anos de 1997; 1998 e 1999, culminando neste ano com a prisão de, entre outras pessoas, dois dos ofendidos pelas autoridades austríacas, permitam alcançar o modo de vida do arguido,

Sempre, tal como consta dos pontos 76 e 77 da matéria de facto dada como provada:

"Garantindo aos clientes que os prometidos financiamentos iam ser concretizados a curto prazo ;

Porém, nenhum financiamento dos que o arguido, AA, prometeu intermediar, pelo menos, os que foram por ele prometidos a J...A...M...da S...& S..., Lda; ……… e M...& B..., Lda., veio a ser concedido; "

Bem ao contrário do afirmado pelo arguido e recorrente, foi ele próprio que criou os mais diversos cenários, como quis, mormente no escritório em Ourém, ostentando junto dos ofendidos - empresários que lhe eram dirigidos por terceiros e que o referenciavam pela publicitada/alegada actividade financeira, os equipamentos mais sofisticados e avançados meios de comunicação.

Mantendo os mesmos ofendidos dependentes dos estratagemas que urdiu ao longo dos anos, exibindo-lhes uma vida desafogada v. g. veículos automóveis - topo de gama - nas reuniões que marcava e onde ,

Sistematicamente, invocava obstáculos sucessivos à entrega dos supostos financiamentos, para os determinara a entregar, como entregaram mais quantias e garantias em bens imóveis.

Os alegados empréstimos das mais diversas entidades bancárias e de diferentes quantias, em regra muito avultadas, cheios de facilidades de pagamento, bem ao contrário do afirmado pelo arguido e recorrente, bastam para concluir que não “....  existiram algumas   ocorrências   factuais   que determinaram   uma   realização plúrima  do   mesmo tipo de  crime e/ou de vários tipos de crime que fundamentalmente  protegem   o   mesmo bem jurídico, executados de forma essencialmente homogénea e no quadro de  solicitações de   uma  mesma situação exterior, tudo o que imperativamente diminui   de forma avassaladoramente considerável a culpa do aqui recorrente; "

O acórdão condenatório é linear na apreciação das várias condutas do arguido e, com fundamentação exaustiva, balizou a medida da pena, sem qualquer exagero.

A  afirmação  de   “.... que “in casu " , o procedimento   criminal se encontra já extinto por prescrição,  tudo, na medida em que já decorreram   15, 14 e 13 anos   sobre a prática dos  factos   acusatórios ...”   o que   resulta   em absoluto   da leitura da   disposição do   art° 118.°,n° 1, al. b) ; 120.º   e  121.º ,  todos do Código  Penal. “carece de qualquer sentido  quando feita, como foi, sem contar quaisquer prazos e  ao arrepio dos actos processuais em que interveio pessoalmente .

O arguido e recorrente, reportando-nos aos crimes habituais - três crimes de burla qualificada p.e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 217.°,n.°l , e 218.° , n.° s 1 e 2 , al. b), ambos do Código Penal, e três crimes de burla qualificada p.e p. pelas disposições conjugadas dos art.°s 217.º,n.°1 ,e 218°,n.° 1 e 2 , als. a) e b) , ambos do Código Penal, não pode ignorar que os mesmos ocorreram desde 1997 até 1999 e, nestas circunstâncias, as causas de interrupção e de suspensão da prescrição, respetivamente nos dias 14/11/2007 e 22/04/2010 decorrentes do seu interrogatório e da notificação pessoal da acusação, impedem a  invocada prescrição.

Estas mesmas causas impedem a invocada prescrição relativamente ao crime de falsificação de documento, p. e p., pelos art. ° 256.º , n.°  1, al. c), e n.° 3, com referência ao art.º 255.º , al. c), ambos do Código Penal , e ao crime de burla qualificada, na forma tentada p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 22°; 23.º ; 73. ° ; 217.º, n.° 1 ,e 218.º, n.°s 1 e 2 , als. a) e b), todos do Código Penal, ocorridos no ano de 1999 .

Tal como impedem a invocada prescrição relativamente ao crime de abuso de confiança, p. e  p., pelo   art.° 205 °, n.°s 1 e 4, al. b), do Código Penal, ocorrido em 2003,  como melhor consta na promoção de fls. 871 a 873 dos autos , de 23/06/2008 .

O arguido, tal como consta na promoção de fls. 1249 a 1253 bem como no despacho que a sufragou a fls. 1255 dos autos, não comprovou qualquer imunidade relativamente aos factos ocorridos na Áustria; sendo certo que as autoridades deste país delegaram em Portugal a competência para o exercício da ação penal.

Assim, carece de razão na invocada violação do princípio da especialidade, designadamente porque, sem estar preso à ordem dos presentes autos, estava preso à ordem de processo distinto daquele onde foi emitido o Mandado de Detenção Europeu.

Sem violação do disposto nos art.ºs 374.º, n.° 2, 375.°, n.º 1 e 379 , n.º 1, al.  a),  todos do  CPP; do princípio da especialidade; do art.° 32.º da CRP ou de qualquer outro princípio ou preceito legal.

Atenta a natureza e gravidade dos crimes por que o arguido foi condenado, são candentes as necessidades de prevenção quer geral quer especial.

Não se vê qualquer erro; obscuridade ou contradição em toda a matéria de facto dada como provada, tal como inexiste qualquer falta de fundamentação, geradora de nulidades.

O grau de culpa do arguido é muito elevado e  as exigências de prevenção, quer geral   quer especial,  são candentes.

Assim, perante a gravidade dos factos e da culpa do agente, bem andou o tribunal ao condenar o arguido, como autor material, pela prática de :

-três crimes de burla qualificada p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.° s 217.°, n.° 1, e 218°, n°s 1 e 2, al. b), ambos do Código Penal, respetivamente, nas penas de três anos de prisão; três anos de prisão e três anos e seis meses de prisão;

- três crimes de burla qualificada p. e p. pelas disposições conjugadas dos art. ° s 217.º, n.° 1, e 218.º, n.° 1 e 2, als. a) e b ) , ambos do Código Penal, respetivamente, nas penas de cinco anos e dois meses de prisão ; quatro anos de prisão e quatro anos e seis meses de prisão;

- um crime de falsificação de documento, p. e p. , pelos art. ° 256 ° , n.° 1, al. c), e n.° 3,  com referência ao art.º 255.º , al.c), ambos do Código Penal, na pena de  três anos e seis meses de prisão ;

- um crime de abuso de confiança , p. e p. ,pelo art.º 205.º , n.ºs 1 e 4, al. b), do Código Penal, na pena de dois anos de prisão, e,

como autor mediato, em concurso real com todos os antecedentes  crimes, pela prática , de :

- um crime de burla qualificada , na forma tentada p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 22.°; 23.º ; 73. ° ; 217.°,n.°1, e 218°, n.°s 1 e 2 , als. a) e b), todos do Código Penal, na pena de  quatro anos e dez  meses de prisão  .

Em cúmulo jurídico, na pena única de 12 anos de prisão efectiva.

Que se mostra bem doseada e equilibrada.

Termina com o pedido de inteira confirmação o acórdão recorrido.

 

3. No Tribunal da Relação, o Relator considerou, no entanto, que a competência para a apreciação do presente recurso pertence ao Supremo Tribunal de Justiça e não ao Tribunal da Relação.

Fundamentou-se na circunstância de, «conforme conclusões da motivação, o recurso versar efectivamente apenas direito, porquanto apenas são suscitadas questões relativas à extinção, por prescrição, do procedimento criminal; à violação do princípio da especialidade vertido nos normativos indicados pelo recorrente e do artigo 32.° da CRP; à nulidade do acórdão, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.°, n.° 2 e 379.°, n.° 1, al. a), ambos do CPP, por insuficiente fundamentação de direito; à medida concreta da pena».

«Estando em causa um acórdão final do tribunal colectivo, que aplicou ao recorrente uma pena (parcelar) de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão e a pena conjunta de 12 (doze) anos de prisão, e visando o recurso exclusivamente o reexame de matéria de direito, o caso cabe no contexto da alínea c) do n.° 1 do artigo 432.° do CPP».

4. No Supremo Tribunal, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta teve intervenção nos termos do artigo 416º do CPP, suscitando a questão prévia da competência do Supremo Tribunal, por considerar que o recurso deve ser julgado pela Relação.

5. Colhidos os vistos, o processo foi à conferência, cumprindo decidir.

Questão prévia:

A jurisprudência do STJ sobre a questão suscitada tem manifestado divergências de interpretação das normas que estabelecem os critérios de recurso para as relações e para o STJ. Segundo uma orientação, considerando que «com a Lei 48/2007, que introduziu a Reforma de Processo Penal, alterou-se o art. 432.º, determinando-se na al. c) do n.º 1 que, dos acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo, apenas é admissível recurso para o STJ, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito, caso tenha sido aplicada pena de prisão superior a 5 anos».

Mas, nos casos da realização de cúmulo jurídico em que alguma, ou algumas, das penas parcelares são inferiores a 5 anos de prisão e a pena conjunta resultante do cúmulo é superior a tal limite, compete ao STJ proceder ao julgamento do recurso, que vise exclusivamente matéria de direito, das penas parcelares e da pena conjunta aplicadas.

A ampliação da competência do STJ ocorre quando estejam verificados os seguintes pressupostos: a) pretensão do recorrente a pena conjunta aplicada seja avaliada apenas pelo STJ; b) pretensão de que, para além da pena conjunta superior a 5 anos – cuja competência para apreciação se encontra inscrita no art. 432.º, n.º 1, al. c), do CPP –, sejam apreciadas penas parcelares inferiores àquele limite». – acórdão de 22-01-2013, proc. n.º 182/10.3TAVPV.

                Também o acórdão de 12-07-2012, proc. n.º 2/09.1PAETZ decidiu no mesmo sentido: «No caso de concurso de infracções temos dois momentos de definição de pena com sujeição a critérios diferentes: a definição das penas parcelares que modelam a moldura penal dentro da qual será aplicada a pena conjunta resultante do cúmulo jurídico e, posteriormente, a definição da pena conjunta dentro dos limites propostos por aquela. A primeira daquelas operações, concretização das penas parcelares, constitui um prius, um pressuposto, um antecedente lógico do segundo momento, pois a formação da pena conjunta opera no quadro de uma combinação de penas parcelares que não perdem a sua natureza de fundamento da pena de concurso.

Maximizando tal entendimento, pode-se dizer que se pode recorrer da pena conjunta sem colocar em causa as penas parcelares, mas o contrário já não acontece, ou seja, alterada a pena, ou as penas parcelares, necessariamente que está afectado o quadro dentro do qual foi encontrada a pena conjunta que, por tal forma, terá de ser, necessariamente sindicada.

No caso de o recurso ser dirigido directamente ao STJ, visando o conhecimento em termos de direito, de uma pena conjunta superior a 5 anos de prisão, bem como de penas parcelares inferiores a tal limite inscrito no art. 432.º, al. c), do CPP, entende-se que ocorre um «alargamento» da competência do STJ à apreciação das penas parcelares.

Essa ampliação de competência sempre se poderá fundamentar numa regra de interpretação jurídica afirmando a existência de um poder-dever implícito, que não é mais do que a regra elementar da hermenêutica segundo a qual quando se concede a determinado órgão ou instituição uma função (actividade-fim), implicitamente está-se concedendo os meios necessários para que esse fim seja atingido».

Esta posição interpretativa está em coerente coordenação com a natureza e finalidades processuais do recuso directo para o STJ, bem como com o princípio do conhecimento unitário do recurso, que supõe que a instância competente para decidir parte das questões (no caso, a pena parcelar superior a cinco anos e a pena única), assume a competência para conhecer todas as questões de que depende o exercício da competência da instância superior, ou seja, no caso, a medida das penas parcelares e da pena única.

Não procede, assim a questão prévia.

6. O recorrente invoca a extinção do procedimento criminal por prescrição, «tudo, na medida em que já decorreram 15, 14 e 13 anos sobre a prática dos factos acusatórios e, da leitura da disposição do art° 118°. n°. 1 alínea b), do Código Penal, mesmo conjugado com o preceituado nos art°.(s) 120° e 121°. do Código Penal, tal resulta como absoluto».

Não fundamenta, no entanto, a afirmação que faz e o pedido que formula.

De todo o modo, mesmo sem a invocação de qualquer fundamento – início; prazo; causas de interrupção e de suspensão e respectivas consequências – há que apreciar, pois a prescrição, que determina a extinção do procedimento criminal, é de conhecimento oficioso a qualquer momento do procedimento.

Os factos pelos quais o recorrente foi condenado ocorreram desde Janeiro de 1997.

O procedimento criminal pelos crimes pelos quais foi condenado é de dez anos – artigo 118º, nº 1, alínea b) do Código Penal; mas o prazo de prescrição do procedimento criminal, que começa a correr desde o dia em que o facto se tiver consumado (artigo 119º, nº 1 do CP), interrompe-se, entre outros motivos, com a notificação da acusação (artigo 12º, nº 1, alínea b), do CP), sendo que depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição – artigo 121º, nº 2 do CP.

O prazo de prescrição suspende-se, para além de outros casos, sempre que o procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação (artigo 120º, nº 1, alínea b), do CP); a suspensão a partir da notificação da acusação não pode ultrapassar três anos – artigo 120º, nº 2 do CP.

Há, contudo, um limite máximo fixado no artigo 121º, nº 3, do CP: a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvando o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade; ou seja, no caso, de dezoito anos.

Não está, assim, atingido o prazo de prescrição do procedimento criminal.

Improcede, pois, o fundamento invocado.

7. O recorrente considera que o «despacho recorrido» «não fez a melhor justiça na aplicação do Direito», no âmbito da Cooperação Judiciária Internacional do cumprimento do Mandado de Detenção Europeu, «ao preterir a aplicação do princípio da especialidade previsto no art.º 16º da Lei n°. 144/99, de 31 de Agosto, e no art° 7º da Lei n°. 65/2003, de 23 de Agosto, apoiando-se assim o arguido ora recorrente, no meio processual adequado para cumprir essa vontade de reapreciação judiciária, sob pena de uma inevitável e consequente violação do art°. 32° da Constituição República Portuguesa».

Saliente-se, como ponto prévio para compreensão nesta parte da motivação, que o recorrente não especifica qual seja o «despacho recorrido» a que faz referência no 3º segmento da conclusão B da motivação.

O acórdão recorrido não se pronunciou expressamente sobre qualquer alegação de violação do princípio da especialidade, não podendo, consequentemente, ser objecto de recurso em matéria que não decidiu; não pode ser, pois, o «despacho recorrido» referido pelo recorrente.

O recorrente suscitou, é certo, a fls. 1209-10, a violação do princípio da especialidade, em consequência de os factos objecto de procedimento terem sido praticados anteriormente à emissão de mandado de detenção europeu, cumprido em 5 de Junho de 2007 (fls. 1235), que apenas tinha como objecto a entrega para cumprimento de pena aplicada por acórdão de 22 de Outubro de 2001, no proc. 927/99.0JDLSB.

Porém, o requerimento do recorrente – ao tempo na fase de acusação – foi objecto de decisão por despacho de 3 de Fevereiro de 2010 do juiz de instrução (fls. 1255), que, acolhendo a interpretação constante da promoção do Mº Pº de fls. 1249-53, aceitou que não existiria violação do princípio da especialidade, mandando seguir o procedimento.

O recorrente foi notificado, e não reagiu.

O princípio da especialidade traduz-se em limitar os factos pelos quais a uma pessoa extraditada ou entregue (extradição ou cumprimento de mandado de detenção europeu) será julgada, após a entrega ao Estado requerente, àqueles que motivaram essa entrega; o fundamento jurídico do princípio assenta no reconhecimento da soberania do Estado requerido pelo Estado requerente, e corresponde à observância pelo Estado requerente do compromisso perante o Estado requerido de apenas perseguir a pessoa objecto de entrega pelas infracções mencionadas no pedido; o princípio da especialidade funda-se também na ideia de protecção dos interesses do indivíduo, como uma regra que releva do costume internacional e que vale mesmo na falta de disposições convencionais. Partindo desta visão humanista existe uma conexão entre o princípio da especialidade e a matéria dos direitos do homem, fazendo derivar o princípio da especialidade do art. 6°, n° 3, alínea a), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. (cf, v. g., acórdão do STJ de 2/11/2006, proc. nº 4069/06).

No âmbito do mandado de detenção europeu, o princípio da especialidade está consagrado em termos amplos no artigo 7º da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, só cedendo nas condições previstas nas alíneas a) a g) do nº 2.

Porém, independentemente de todas as questões que a aplicação do princípio da especialidade pudesse suscitar no caso, a referida decisão do juiz de instrução, não impugnada, que mandou seguir o procedimento como se não houvesse ofensa ao princípio, transitou em julgado, resolvendo definitivamente a questão no processo.

O recurso da decisão condenatória não é, assim, o momento processual adequado para suscitar a questão.

8. O objecto do recurso é delimitado pelo recorrente através das conclusões da motivação.

Além das matérias referidas (prescrição e princípio da especialidade), e no que respeita à decisão recorrida, as conclusões da motivação enunciam apenas duas questões que, na medida e nos termos em que são formuladas, definem o objecto do recurso e os termos da intervenção do tribunal ad quem.

- invocação da figura do crime continuado (conclusão A);

- medida da pena; mas, referindo «que a pena aplicada ao recorrente é manifestamente exagerada», e discutindo apenas «a pena» e não «as penas» (as penas parcelares aplicadas por cada um ou por alguns do vários crimes), limita o objecto do recurso à questão da determinação da pena única e da respectiva fundamentação.

9. As instâncias consideraram provados os seguintes factos:

1. Em data não concretamente apurada mas, seguramente, anterior ao início do ano de 1997, o arguido AA engendrou um plano para se apropriar indevidamente de dinheiro, bens e valores pertencentes a outras pessoas;

2. O estratagema criado pelo arguido, para esse efeito, caracterizou-se, genericamente, pela encenação de que se propunha desenvolver, em Portugal, uma actividade de intermediação, na concessão de crédito bancário, por parte de diversas instituições de crédito estrangeiras e o acesso de empresas e de empresários portugueses a investimentos, em condições mais vantajosas do que as oferecidas pela banca portuguesa;

3. No desenvolvimento do referido plano, o arguido começou a estabelecer contactos e a exercer a suposta actividade de «mediação financeira» a partir de Ourém, concretamente, de duas moradas: na Rua ... e na Quinta ...;

4. Sendo a primeira uma moradia, onde o arguido AA vivia;

5. E a segunda daquelas moradas, um prédio residencial, de três pisos, sem qualquer sinalética de funcionamento de alguma empresa ou de algum escritório, mas onde o arguido recebia potenciais clientes;

6. Assim, em execução deste plano, o arguido AA, pelo menos, no início do ano de 1997, começou a fazer-se passar por representante legal, em Portugal, das seguintes sociedades:

a) N... Enterprises Limited;

b) N... Enterprises B...;

c) N... Enterprises;

d) N... Enterprises, S.A.;

e) N... T... S... Bank – Singapore & Leichenstein;

f) G...'... Tech Limited;

7. A N... Enterprises Limited é uma sociedade de direito inglês, constituída em 06.­07.1990, na Ilha de Man;

8. Com estatutos incorporados na "Companies Acts 1985" apresentados pela I... C... Services Limited, da Ilha de Man;

9. Com sede inicial em Londres e Anvers;

10. Que o arguido AA invocava estar registada nos Estados Unidos da América;

11. E alegava ter escritório de representação em Portugal na Rua ...;

12. O arguido AA Gonçalves intitulava-se sócio único, ou presidente, ou presidente director general desta N... Enterprises Limited;

13. A N... Enterprises BBVA é uma sociedade por quotas, constituída em 28-02-1997, na Bélgica;

14. Com sede em V..., Antuérpia, Bélgica;

15. Com o NIF Belga ...;

16. Que o arguido AA alegava ter escritórios de representação em Portugal na Rua ... e na Quinta ...;

17. O arguido AA intitulava-se sócio único, gerente, administrador, presidente e «ceo» (diminutivo da expressão inglesa chief executive officer, utilizada no mundo empresarial para designar a pessoa com a mais alta responsabilidade ou autoridade numa organização empresarial) desta N... Enterprises BBVA;

18. A N... Enterprises é uma sociedade de responsabilidade limitada, de direito Belga, constituída 28 de Fevereiro de 1997, no cartório Notarial de Amberes;

19. Inscrita no oitavo Registo de Amberes, com sede em ..., Bélgica;

20. Com escritório em Espanha, na ..., Vigo e ... Pontevedra;

21. Com o NIF espanhol ...;

22. Da qual o arguido dizia ser gerente não estatutário;

23. A N... Enterprises S.A., com sede em ..., Luxemburgo;

24. Da qual o arguido dizia ser representante;

25. A N... T...S... Bank - Singapore & «Leichestein» era apresentada como pertencente ao "N... Enterprise Group";

26. Alegadamente com escritório de representação na Rua ...;

27. Da qual o arguido se arrogou a qualidade de representante legal, assinando documentos nessa qualidade;

28. E G...'... Tech Limited, registada no Departamento de Empresas, Dublin, em 16­02-1990, registo nº ...;

29. Com escritório registado em ..., República da Irlanda;

30. Morada esta, correspondente a uma «S... Company Services»;

31. Alegadamente, com escritório de representação na Rua ..., Portugal;

32. Da qual o arguido foi nomeado gerente em 27.02.1990;

33. E da qual afirmava ser sócio, gerente, presidente e legal representante em Portugal;

34. Sociedades estas, que o arguido transmitia a imagem de serem integrantes de uma holding internacional, a N... Group Organization;

35. Da qual o arguido AA se apresentava como Presidente;

36. E esta holding N... Group Organization, como estando registada no Reino Unido;

37. E como sendo proprietária de uma sociedade fiduciária financeira e de um banco registado na Comunidade europeia;

38. E como estando também registada nos Estados Unidos da América do Norte e na Bélgica, para «fazer concorrer a seu favor os múltiplos benefícios financeiros contratados em ambos os continentes»; 

39. O arguido transmitia, ainda, a imagem de que este grupo de sociedades comerciais se dedicava a vários sectores de actividade, designadamente, de serviços «de trade», financeiras e seguradora;

40. E de que estava dotado de uma arquitectura financeira com apoios negociados com entidades como G...'... Tech, Limited, T...H... Corporation; R... Belgique; W... Bank; US ...; ... Bank; Credit ...; ... Bank; ... Suisse; U...; ... Bank and T...; ... Bank; ... Bank of Australia; ... de New York; ... Bank de Londres e outras;

41. Que concorriam para a disponibilização de quantias de, no mínimo, 20 milhões de dólares norte americanos, por cada operação financeira, envolvendo apenas um, ou um conjunto de projectos de financiamento ou de investimento;

42. Destinadas a serem utilizadas, nas tais linhas de crédito ou programas de investimento a empresas e empresários portugueses;

43. Em todas estas qualidades, o arguido AA apresentava-se como pessoa muito experiente e capaz para, através das parcerias e ligações negociais e empresariais, quer com a reserva federal norte americana e com o Banco Mundial, quer com as instituições de crédito mencionadas em 40. e ainda outras assim chamadas de «primeira linha», ou de «primeira grandeza», para intermediar em Portugal a concessão de financiamentos externos e acesso a investimentos;

44. Usando, nos contactos pessoais com os clientes, um discurso fluente e repleto de termos em inglês e outros em português;

45. Para evidenciar boa preparação técnica do ponto de vista económico-financeiro;

46. E relações pessoais e empresariais privilegiadas com a alta finança, a nível mundial.

47. Fazendo-se transportar em veículos automóveis topo de gama;

48. E recebendo os potenciais clientes num escritório completamente apetrechado, com mobiliário de escritório de boa qualidade, computadores, pastas de arquivo de documentos;

49. Tudo para lhes inspirar confiança de potenciais clientes e investidores e levá-los a contratar os serviços que dizia prestar;

 50. As condições do financiamento propostas pelo arguido AA aos seus potenciais clientes eram as seguintes:

                Criação de uma linha de crédito, através de um financiamento obtido junto de uma das instituições bancárias internacionais aludidas em 40., com o objectivo de financiar projectos empresariais, recuperação de empresas, redução de custos de aquisição de matérias-primas, etc.;

                Esse financiamento seria concedido ao longo de um ano, em tranches iguais, cada uma delas, no valor correspondente a 1/12 do valor total inicialmente contratado;

                Acompanhado de um seguro de fidelidade ou seguro de hipoteca, de cuja manutenção dependeria a atribuição ao beneficiário de um fundo perdido de 50% do valor facial do contrato de seguro, no primeiro ano de duração do contrato;

                Uma vez entregue toda a quantia monetária correspondente ao financiamento contratado, durante o primeiro ano, 50% do financiamento era concedido a «fundo perdido»;

Assim, o proponente apenas pagaria os restantes 50% da seguinte forma:

                Prestações iguais e anuais, correspondentes a 1/5, desse valor, durante um período de cinco anos e sem quaisquer juros;

                A estes pagamentos acrescia um, assim designado, «premium» anual de 1%, sobre o valor do seguro de fidelidade contratado, que os proponentes teriam de manter em vigor pelo período de um ano e de mais cinco anos;

                51. E, para lhes conferir a aparência de reais contratos, válidos e eficazes, do ponto de vista jurídico, o arguido AA usava minutas de contratos-tipo com diferentes títulos, como "Investment Loan Contract"; contratos de intermediação de seguro de crédito e «Mortgage Insurance or Fidelity Insurance»;

                52. As quais constavam de papel timbrado, com os nomes das sociedades N... Enterprises, L... e G...’... Tech, Limited;  

                53. E nas quais era aposta a assinatura do arguido acompanhada de carimbo a óleo em nome da respectiva sociedade, que o arguido dizia representar;

                54. Com mistura de títulos em língua inglesa e as respectivas cláusulas em português, ou todos redigidos em língua inglesa;

55. Mas com vários erros de ortografia (v. g. contracto, em vez de contrato; reembolço, em vez de reembolso; valor faceal, em vez de valor facial; registrada, em vez de registada; avalisadas, em vez de avalizadas; consedido, em vez de concedido; permitte, em vez de permit; to use them, em vez de to use their; inssurection, em vez de insurection; desobidience em vez de desobedience  );

56. Com recurso a expressões, como «regras de “force major” estabelecidas pela Internacional Camera de Comércio»; «criação de colateral que originará criação de linha de crédito»; «montagem de operação de investment – loan»; «capacidade para negociar (…) facilitações»; «estabelecida a linha de crédito em banco de primeira linha, G... dará instruções, tendo em conta que o capital da linha de crédito não poderá abandonar a conta onde reside, como é estabelecido pelo contracto de seguro»; «receberá após 5 dias bancários ordens de pagamento avalisadas por um banco de primeira grandeza (…)»;  

57. Usadas pelo arguido AA apenas para impressionar os candidatos aos financiamentos, conferindo-lhes a aparência de uma operação financeira de grande complexidade;

58. Celebrada e a ser executada por empresas idóneas que reuniam todas as condições para exercerem as actividades financeiras de concessão de crédito, mediação de seguros e oferta de produtos financeiros, indicados nos respectivos contratos;

59. Bem como para insinuar o profissionalismo do arguido como mediador financeiro, actuando nos mercados da alta finança a nível mundial;

60. Os seus profundos conhecimentos em matéria de economia e finanças;   

61. E que a própria actividade de intermediação financeira realizada pelo arguido estava ser efectuada com elevado grau de profissionalismo e eficiência e em estrito cumprimento das regras aplicáveis a tais actividades;

62. No desenvolvimento do referido plano, para além das falsas promessas de financiamento, o arguido garantia aos seus clientes que tinha acesso a produtos financeiros de alta rentabilidade;

63. Relacionados com fundos que seriam destinados à reconstrução de Timor Lorosae;

64. Dispondo-se a intermediar a respectiva negociação, mediante a entrega dos títulos a uma empresa denominada R..., Lda., promotora do desconto dos mesmos, junto do C... Bank of Australia, no prazo de seis meses;

65. Em contrapartida do recebimento de uma comissão, a cobrar, em tempo oportuno;

66. Tratou-se de outro expediente, para se apropriar de dinheiro que sabia não lhe pertencer e não lhe ser devido, a qualquer outro título;

67. Que o arguido apelidou de «operação de desconto das promissórias portuguesas»;

68. Uma vez celebrados os tais contratos mencionados em 50. e 51., o arguido exigia que os clientes lhe prestassem as seguintes garantias para a obtenção dos projectados financiamentos:

a) Para além dos já referidos «Mortgage Insurance or Fildelity Insurance» (ou contratos de “Seguro de Garantia de Financiamento”), procurações outorgadas pelos clientes candidatos à obtenção dos financiamentos, passadas em nome de N... Enterprises ou G...’... Tech, sempre representadas pelo arguido AA, atribuindo a estas empresas poderes de disposição dos bens imóveis do cliente, para o caso de incumprimento;

b) Emissão de letras de câmbio, designadas pelo arguido como «promissórias de pagamento», umas redigidas em português, outras em francês ou em inglês, muitas vezes contendo a expressão em inglês, “Promissory Note” e emitidas em benefício das sociedades “G...’... Tech” ou “N... Enterprises, BBVA”;

69. Para reforçar a sua credibilidade pessoal, o arguido AA fez crer que tinha formação universitária, pelo menos, uma licenciatura;

70. Chegando a identificar-se perante os seus clientes como «Dr. AA »;

71. Formação essa, que o arguido sabia não possuir;

72. Com idêntico propósito, o arguido simulou ainda ser representante de uma sociedade juridicamente inexistente, que designou como «AA & Associates - International Law & Finance Consulting»;

73. Para sugerir a existência da necessária formação académica dos respectivos quadros, face ao tipo de prestação de serviços que é anunciado - consultoria em áreas especializadas;

74. Após a celebração dos chamados «contratos de investimento», a que se referem os pontos 50. e 51. e prestadas as garantias referidas em 68., o arguido passava a exigir aos clientes, faseadamente, a entrega de valores monetários;

75. Que dizia serem necessários para que os contratos de financiamento pudessem ser aprovados;

76. Garantindo aos clientes que os prometidos financiamentos iam ser concretizados a curto prazo;

77. Porém, nenhum financiamento dos que o arguido AA prometeu intermediar, pelo menos, os que foram por ele prometidos a J...A...M...da S...& S..., Lda.; SPC - ..., Lda.; BB; CC; DD e EE e M...& B..., Lda., veio a ser concedido;

Com efeito:

78. A G...’... Tech, Limited foi dissolvida em 16 de Janeiro de 1998;

79. Sendo que no país de origem, esta sociedade nunca manteve negócios nem declarou o seu efectivo centro de administração;

80. E nenhuma das sociedades identificadas em 6. a 38., ou qualquer seu escritório de representação se encontravam ou encontram inscritos no registo especial do Banco de Portugal, que não autorizou qualquer dessas sociedades a desenvolver qualquer actividade em Portugal; 

81. As quais também não cumpriram as exigências da ordem jurídica portuguesa, em matéria de registo comercial;

82. Nem têm número de contribuinte emitido pela administração fiscal portuguesa;

83. O que o arguido bem sabia e quis ocultar;

84. Do mesmo modo, as expressões a que alude o ponto 56., são completamente destituídas de qualquer significado técnico, seja do ponto de vista económico-financeiro, seja jurídico;  

85. Não obstante as interpelações das vítimas ao arguido para que procedesse à entrega das quantias dos financiamentos prometidos ou explicasse o porquê dos sucessivos atrasos, na entrega das quantias monetárias objecto de tais financiamentos, o arguido AA ia sempre prometendo que esses montantes estavam prestes a serem disponibilizados;

86. E respondia a essas interpelações, inventando factos imputáveis a terceiros, como desculpa para os atrasos verificados na aprovação dos respectivos «contratos de financiamento», tais como:

Que «a demora na finalização deste sistema de aplicações foi devido à conjuntura financeira internacional motivada pelos crashes sucessivos no oriente onde se encontra a sede desta resseguradora.

«No entanto já nos foi informado que o capital dos mesmos se encontram em deposito no C... em Singapore e que os mesmos já tem registro na Reserva Federal dos Estados Unidos, tendo sido programado, com o acordo do Ministro das Finanças e do Primeiro Ministro, uma tranche de 5,5 biliões de Dollars, tal como é do conhecimento público, através do Financial Times de 2 de Junho de 1998.

«Foi-nos pedida a nossa presença a partir do dia 20 em Singapore para assinar o último contracto que dá autorização e acesso a manipulação dos fundos contratados. Por motivos vários das directorias dos bancos envolvidos os dias apontados são entre o 23 e 28 de Junho».

Ou, ainda, a de que:

«Já foram executados todos os movimentos interbancários internacionais destinados a obtenção da aplicação de seus activos os que lhe permitirá obter um financiamento (…) de um milhão de dólares americanos (…), nos próximos dez dias bancários se efectuarão os movimentos necessários para que vossa conta começa a ser creditada pois (…) devido ao facto de estarmos em férias não seja possível executar um único “pay out”»;

Ou, ainda, a de que:

«As operações com activos seguros de crédito estão concluídas, mas só depois de concedida a autorização da Reserva Federal dos Estados Unidos da América é que haverá acesso aos fundos com a consequente transferência para as contas de Vªs Exªs. Prevê-se que o prazo máximo para recepção dos fundos nas vossas contas não ultrapassará o último dia útil do mês de Setembro»;

Ou, ainda, a de que os atrasos na concessão dos financiamentos se deveu à falsificação de uma «International Money Order», por imitação das genuínas que são transaccionadas por ele, bem como à falsificação de uns cheques que tentou descontar em Portugal e que foram destruídos, pelo que já interpelou «o High Court em Londres por causa dos cheques, assim como a FDIC Departamento de Estado dos USA, que regula a actividade bancária e viemos a descobrir que o banco português em causa mostrou a sua ignorância e a sua incompetência»;

87. Invocando as qualidades mencionadas em 6.; 10. a 12.; 16.; 17.; 22.; 24.; 27.; e 33. a 35., publicitando o exercício da actividade a que aludem os pontos 39. a 43. e em todo o restante contexto descrito nos pontos 1. a 86., o arguido AA contactou e veio a ser contactado por inúmeras pessoas e empresas;

88. Com o intuito de obterem os tais financiamentos e aplicações de elevada rentabilidade, junto da banca internacional, com o auxílio do arguido e das empresas de que ele se intitulava legal representante;

89. E foi assim que o arguido AA, veio a subscrever, com diferentes pessoas e empresas, documentos com dizeres e cláusulas idênticos àqueles a que se refere o ponto 50. e a exigir as garantias mencionadas em 68., bem como os pagamentos a que se referem os pontos 74. a 76., nos seguintes termos e com as seguintes pessoas e empresas, para além de outras:

I – J...A...M...da S...& S..., Lda.

90. Em 25 de Janeiro de 1997, II, na qualidade de «director» da sociedade J...A...M...da S...& S..., Lda., subscreveu um documento com o título «Investment Loan Contract»;

91. O qual foi também assinado pelo arguido AA por cima do carimbo com a designação e morada da Goos’On Tech Ltd e por cima do carimbo com a designação «N... Enterprises, Ltd.;

92. Documento esse, que contém, também, junto daquelas assinaturas, uma outra assinatura ilegível colocada no carimbo com os dizeres «Pan Ocean Insurance Company»;  

                93. Como se fosse um contrato e com o seguinte teor:

                «Entre

«G...’... Tech Limited, com escritório em ... Dublin 2, República da Irlanda e tendo escritório de representação na Rua ..., Portugal, referenciada aqui como G... e representada pelo seu presidente Mr. AA e

«J...A...M...da S...& S..., Lda. (…) referenciados aqui como JAMSS (…)

«Testemunham:

«Considerando que ambas as partes tem o mutua acordo e desejo de estabelecerem um contracto com o objectivo de conjuntamente obterem uma linha de credito que lhes permitirá viabilizarem seus próprios projectos de investimento e

«Considerando que G...através de empresas do seu grupo a referir, N... Enterprises Ltd e P...O... Insurance pedem estabelecer ligações contratuais entre si e outras companhias de seguro e resseguro com um único objectivo da criação de colateral que originará a linha de credito, e

«Considerando que G... através de suas ligações bancárias, como operador financeiro tem a capacidade de negociar linhas de crédito e facilitações, e

«Considerando que JAMSS possui patrimónios suficientes, que podem servir de suporte cara a criação de um seguro de fidelidade e por esse motivo estam na disposição de os ceder ­como suporte ao arranque da operação, e

«Considerando que face ao explanado estão reunidas as condições necessárias para a montagem de uma operação de Investment - Loan.

«E celebrado o seguinte contrato tendo em conta os considerandos evocados segundo as seguintes clausulas e regras:

«1. JAMSS estabelece com N... Enterprises Ltd. todos os mecanismos necessários a que esta possa operar no sentido de reasegurar o seu próprio seguro e estabelecer a colateral necessária criação da linha de crédito

«2. Estabelecida a linha de credito em Banco de Primeira Linha G... dará instruções, tendo em conta que o capital da linha de credito não poderá abandonar a conta onde reside, como é estabelecido pelo contracto de seguro.

«3. O mecanismo a utilizar permite a realização de um trade financeiro ao nível do N...Bank, banco operador de sistema.

«4. JAMSS receberá então cópia de contracto de Investment – Loan endossado pelo Natwest ou outro similar correspondendo literalmente ao processo a ser adoptado. Este contrato virá em versão inglesa

«5. JAMSS receberá apos 5 dias bancarios ordens de pagamento avalisadas por um banco de primeira grandeza correspondendo cada uma a 1/12 do montante contratado através do seguro de fidelidade (valor faceal).

«6. Conjuntamente com as ordens de pagamento G... entregará à JAMSS os termos de reembolço assim corno contrato de garantia a estabelecer para os pagamentos dos premiuns anuais

«7 Consumadas as entregas periodicas durante o primeiro ano - ano zero cabe a JAMSS reembolsar G... da seguinte forma:

«7.1 – 50% porcento do valor entregue é consedido a titulo gratuito, resultando fundo perdido

«7. 2 – Os restantes 50% são reembolsados por Goos e pagos por JAMSS 1/5 todos os anos sem juros no final de cada ano contratual

«8. JAMSS compromete-se a manter o seguro de fidelidade operacional pagando o premium de 1 % todos os anos durante os restantes 5 anos contratuais

«9. As Garantias de bloqueamento de propriedades serão requeridas e formalizadas sempre e logo com a execução deste contrato.

«10. Este contrato fica sujeito as regras de «Force Major» estabelecidas pela International Camera de Comercio

«11. Este contrato e regido sobre as regras e leis do Reino Unido quanto a sua validade interpretação execução e obrigações

«12. Qualquer situação de conflito entre as partes implicará uma arbitragem a conduzir em Londres, England. Cada parte indicara um arbitro que os represente e estes por sua vez indicarão um terceiro para desempate

«12.1 - A sentença decidida pela arbitragem poderá ser registada em qualquer jurisdição. E cada parte concorda executar suas obrigações pendente do resultado da  arbitragem e no período pedido para implementar essa decisão

«12.2 - Todos os custos da decisão serão supportados pela parte não concordante com a sentença.

«13. A copia deste contrato, mesmo enviado por fax será considerada como um original.

«Tendo as partes tomado conhecimento do contrato de Fidelity Insurance e Investment Loan contrato e tendo sido esclarecidos dos pontos base destes contratos assim como o papel de cada um e que por este meio os beneficiários receberão a curto prazo contrato de Investment Loan banquerizado e respectivas ordens de pagamento endossadas por um banco de primeira grandeza, correspondendo cada uma a 1/12 do valor faceal do Fidelity lnsurance estes assinam;

94. Na mesma data, foi também assinado um documento redigido em língua inglesa, pelo arguido, como «President Director General» da N... Enterprises, Ltd e por II, em representação da sociedade J...A...M...da S...& S..., Lda.

95. E do qual também consta uma assinatura ilegível colocada no carimbo com os dizeres «P... O... Insurance Company»;  

96. No qual a N... Enterprises, Ltd, por si ou através de companhias de seguro se obrigou a estabelecer uma «Fidelity insurance policy» que permitisse, junto dos bancos financiadores a obtenção de uma linha de crédito, cujos fundos são destinados aos projectos de investimento das partes, no âmbito «investment – loan progamme»;

97. Nesse mesmo documento foram estabelecidas as condições contratuais e os poderes conferidos à sociedade N... Enterprises Ltd, com vista à realização de um seguro de crédito para um empréstimo no valor de seis milhões de US Dólares, que seria concedido em benefício de II, Lda., entre elas:

a) A celebração do seguro de fidelidade ou de hipoteca e a sua manutenção, por um período de seis anos, mediante o pagamento por II, Lda. de um prémio anual correspondente a 1% do valor contratado;

b) A outorga de uma procuração em favor de N... Enterprises, conferindo a esta poderes de disposição sobre o património da II, Lda., durante o referido período de seis anos;

98. Na sequência da subscrição destes documentos e para dar seguimento à promessa de financiamento, o arguido exigiu o pagamento da importância de nove milhões de escudos, correspondentes a uma comissão no valor de PTE 450.000$00 (450 mil escudos) e ao valor do seguro de crédito, no montante de PTE 8.550.000$00 (oito milhões quinhentos e cinquenta mil escudos);

99. Bem como a entrega de letras, designadas de «promissórias», assinadas pela sociedade II, Lda.;

100. Em resultado desta exigência II efectuou os seguintes pagamentos:

a) Através do depósito em numerário efectuado no dia 21-01-1997, na conta nº ..., titulada pela sociedade G...’...Tech, no Banco Mello, o montante de PTE 450­.000$00 (450 mil escudos);

b) Através do depósito efectuado no dia 13-02-1997, na mesma conta bancária, do cheque nº ..., emitido por II sobre a CGD, conta nº ..., no valor de PTE 8.550.000$00 (oito milhões quinhentos e cinquenta mil escudos);

101. II entregou ainda ao arguido AA:

a) Em 08-04-1997, quatro letras/promissórias, em branco, em nome da sociedade II, Lda.;

b) Uma procuração emitida em 07-02-1997, a favor da sociedade G...’... Tech, conferindo a esta poderes de disposição sobre os bens II, Lda.;

c) E uma declaração de dando autorização de utilização de activos;

102. Com a previsão feita pelo arguido AA de que a recepção de fundos na conta da SPC ocorreria até ao final do mês de Setembro de 1997;

103. Uma vez que o prometido financiamento tardava, II endereçou cartas ao arguido, em diferentes datas, exigindo-lhe o cumprimento das promessas de financiamento nos termos acordados;

104. E o arguido ia inventando sucessivas desculpas para o atraso, semelhantes às mencionadas em 86.;

105. E prometendo sempre que dentro de alguns dias a entidade responsável pela retenção do capital do financiamento o iria libertar;

106. Designadamente, na carta datada de 24 de Junho de 1999, o arguido continuava a garantir que o processo do prometido financiamento estava em andamento e que iria ser concluído com êxito, anunciando a disponibilização de um milhão de US Dólares para 15-07-1999 e prometendo que cinco milhões de US iam ser disponibilizados 35 dias após aquela data;

107. Até que, em 26 de Setembro de 1999, o arguido exigiu a subscrição de mais letras/promissórias ou cheques em nome de II, Lda., como condição necessária ao desbloqueamento do dinheiro do financiamento;

108. Ao que II acedeu, tendo emitido duas promissórias, redigidas em inglês, em nome de N... Enterprises BVBA, no valor de dez milhões de dólares cada uma;

109. Apesar dos depósitos que efectuou a favor da empresa do arguido e das promissórias que assinou, a J...A...M...da S...& S..., Lda. não beneficiou do prometido financiamento;

110. Nem foi reembolsada das importâncias pagas;

111. Tendo J...A...M...da S...& S..., Lda. ficado destituída do montante de nove milhões de escudos;

II – SPC - ..., Lda.

                112. Em 15 de Março de 1997, JJ, na qualidade de «director» da sociedade SPC - ..., Lda., subscreveu um documento com o título «Investment Loan Contract»;

113. O qual foi também assinado pelo arguido AA por cima do carimbo com a designação e morada da G...’... Tech Ltd e por cima do carimbo com a designação «N... Enterprises, Ltd.;

114. Documento esse, que contém, também, junto daquelas assinaturas uma outra assinatura ilegível colocada no carimbo com os dizeres «P... O... Insurance Company»;  

                115. Como se fosse um contrato e com o seguinte teor:

                «Entre

«Goos’on Tech Limited, com escritório em ... Dublin 2, república da Irlanda e tendo escritório de representação na R..., Portugal, referenciada aqui como G... e representada pelo seu presidente Mr. AA e

«SPC - ..., Lda. (…) referenciados aqui como SPC (…)

«Testemunham:

«Considerando que ambas as partes tem o mutua acordo e desejo de estabelecerem um contracto com o objectivo de conjuntamente obterem uma linha de credito que lhes permitirá viabilizarem seus próprios projectos de investimento e

«Considerando que G... através de empresas do seu grupo a referir, N... Enterprises Ltd e P...O... Insurance pedem estabelecer ligações contratuais entre si e outras companhias de seguro e resseguro com um único objectivo da criação de colateral que originará a linha de credito, e

«Considerando que G... através de suas ligações bancárias, como operador financeiro tem a capacidade de negociar linhas de crédito e facilitações, e

«Considerando que SPC possui patrimónios suficientes, que podem servir de suporte cara a criação de um seguro de fidelidade e por esse motivo estam na disposição de os ceder ­como suporte ao arranque da operação, e

«Considerando que face ao explanado estão reunidas as condições necessárias para a montagem de uma operação de Investment - Loan.

«E celebrado o seguinte contrato tendo em conta os considerandos evocados segundo as seguintes clausulas e regras:

«1. SPC estabelece com N... Enterprises Ltd. todos os mecanismos necessários a que esta possa operar no sentido de reasegurar o seu próprio seguro e estabelecer a colateral necessária criação da linha de crédito

«2. Estabelecida a linha de credito em Banco de Primeira Linha G... dará instruções, tendo em conta que o capital da linha de credito não poderá abandonar a conta onde reside, como é estabelecido pelo contracto de seguro.

«3. O mecanismo a utilizar permite a realização de um trade financeiro ao nível do N... Bank, banco operador de sistema.

«4. SPC receberá então cópia de contracto de Investment – Loan endossado pelo Natwest ou outro similar correspondendo literalmente ao processo a ser adoptado. Este contrato virá em versão inglesa

«5. SPC receberá apos 5 dias bancarios ordens de pagamento avalisadas por um banco de primeira grandeza correspondendo cada uma a 1/12 do montante contratado através do seguro de fidelidade (valor faceal).

«6. Conjuntamente com as ordens de pagamento G... entregará à SPC os termos de reembolço assim corno contrato de garantia a estabelecer para os pagamentos dos premiuns anuais

«7 Consumadas as entregas periodicas durante o primeiro ano - ano zero cabe a SPC reembolsar G... da seguinte forma:

«7.1 – 50% porcento do valor entregue é consedido a titulo gratuito, resultando fundo perdido

«7. 2 – Os restantes 50% são reembolsados por G... e pagos por SPC 1/5 todos os anos sem juros no final de cada ano contratual

«8. SPC compromete-se a manter o seguro de fidelidade operacional pagando o premium de 1 % todos os anos durante os restantes 5 anos contratuais

«9. As Garantias de bloqueamento de propriedades serão requeridas e formalizadas sempre e logo com a execução deste contrato.

«10. Este contrato fica sujeito as regras de «Force Major» estabelecidas pela International Camera de Comercio

«11. Este contrato e regido sobre as regras e leis do Reino Unido quanto a sua validade interpretação execução e obrigações

«12. Qualquer situação de conflito entre as partes implicará uma arbitragem a conduzir em Londres, England. Cada parte indicara um arbitro que os represente e estes por sua vez indicarão um terceiro para desempate

«12.1 - A sentença decidida pela arbitragem poderá ser registada em qualquer jurisdição. E cada parte concorda executar suas obrigações pendente do resultado da arbitragem e no período pedido para implementar essa decisão

«12.2 - Todos os custos da decisão serão supportados pela parte não concordante com a sentença.

«13. A copia deste contrato, mesmo enviado por fax será considerada como um original.

«Tendo as partes tomado conhecimento do contrato de Fidelity Insurance e Investment Loan contrato e tendo sido esclarecidos dos pontos base destes contratos assim como o papel de cada um e que por este meio os beneficiários receberão a curto prazo contrato de Investment Loan banquerizado e respectivas ordens de pagamento endossadas por um banco de primeira grandeza, correspondendo cada uma a 1/12 do valor faceal do Fidelity lnsurance estes assinam;

116. Na mesma data, foi também assinado um documento redigido em língua inglesa, pelo arguido, como «President Director General» da N... Enterprises, Ltd e por JJ, em representação da sociedade SPC - ..., Lda.,

117. No qual a N... Enterprises, Ltd, por si ou através de companhias de seguro se obrigou a estabelecer uma «Fidelity insurance policy» que permitisse, junto dos bancos financiadores a obtenção de uma linha de crédito, cujos fundos são destinados aos projectos de investimento das partes, no âmbito «investment – loan progamme»;

118. Nesse mesmo documento foram estabelecidas as condições contratuais e os poderes conferidos à sociedade N... Enterprises Ltd, com vista à realização de um seguro de crédito para um empréstimo no valor de um milhão de US Dólares, que seria concedido em benefício de SPC - ..., Lda., entre elas:

a) A celebração do seguro de fidelidade ou de hipoteca e a sua manutenção, por um período de seis anos, mediante o pagamento por SPC - ..., Lda.,  de um prémio anual correspondente a 1% do valor contratado;

b) A outorga de uma procuração em favor de N... Enterprises, conferindo a esta poderes de disposição sobre o património da SPC - ..., Lda., durante o referido período de seis anos;

                119. Com a previsão feita pelo arguido AA de que a recepção de fundos na conta da SPC ocorreria até ao final do mês de Setembro de 1997;

120. Assim, na sequência da assinatura de tais contratos, em 08.04.1997, o arguido AA redigiu, assinou e enviou uma carta em nome da sociedade N... Enterprises Ltd, dirigida à SPC, na qual reclamou o pagamento de um prémio de seguro de risco, no valor de USD 10.000.00, como condição para a emissão de apólice de seguro tendo em vista a obtenção do prometido financiamento de um milhão de dólares;

121. Na sequência do que JJ, efectuou tal pagamento, em duas tranches, nos seguintes termos:

a) Por transferência bancária, no valor de USD 500.00, no dia 20-03-1997, da conta titulada pela SPC no Banco Borges & Irmão para a conta nº ... type 52 (US Acount), do Banco Mello, no Luxemburgo, titulada pelo arguido AA

b) Por depósito do cheque nº ..., emitido sobre a entidade ..., no valor de PTE 1.640.223$00 (um milhão seiscentos e quarenta mil, duzentos e vinte e três escudos), efectuado no dia 09-04-1997, na conta nº ..., Banco Mello, no Luxemburgo, titulada pela sociedade G...’... Tech;

122. Para garantir o cumprimento dos pagamentos acordados para o financiamento, JJ, ainda entregou ao arguido, nos termos por este exigidos:

a) Uma procuração emitida em 14-03-1997 a favor da sociedade G...’... Tech, atribuindo poderes a esta última para vender ou onerar imóveis registados em nome da sociedade SPC;

b) uma declaração dando autorização de utilização de activos por parte da mesma sociedade;

c) quatro letras/promissory notes, em branco, tendo como beneficiária G...’... Tech Limited

123. Uma vez que o prometido financiamento tardava JJ interpelou o arguido, por diversas vezes, em diferentes datas, exigindo-lhe o cumprimento das promessas de financiamento nos termos acordados;

124. Ao que o mesmo arguido respondia, inventando sucessivas desculpas para o atraso, semelhantes às mencionadas em 86.;

125. E prometendo sempre que dentro de alguns dias a entidade responsável pela retenção do capital do financiamento o iria libertar;

126. Apesar dos depósitos que efectuou a favor da G...’... Tech Limited e do arguido e das promissórias que assinou, a SPC - ..., Lda. não beneficiou do prometido financiamento;

127. Nem foi reembolsada das importâncias pagas;

128. Tendo a SPC - ..., Lda. ficado destituída do montante equivalente a € 6.646.17;

III - BB

129. Também no mesmo contexto descrito em 1. a 89., em data não concretamente apurada, mas antes de 20 de Março de 1997, BB, a recomendação de LL, procurou o arguido AA, nesta cidade de Ourém;

130. Com vista à obtenção de um financiamento para investir em negócios;

                131. BB encontrou-se com o arguido num estabelecimento de café;

                132. Que prometeu conseguir o tal financiamento, em valor a acordar, junto de bancos estrangeiros, através das empresas que representava, com uma taxa de juro muito inferior à praticada pela banca portuguesa;

                133. Mas acrescentou que, para dar andamento ao processo, BB teria de lhe pagar;

                134. E entregar uma procuração conferindo-lhe poderes para dispor dos bens de BB;

                135. O que foi aceite, por BB;

                136. Que, na sequência do acordado, em Fevereiro de 1997, efectuou o pagamento da quantia de esc. 1.425.000$00;

                137. Através do cheque nº ...., no valor de PTE 1.425.000S00 (um milhão quatrocentos e vinte e cinco mil escudos, actualmente € 7.107,87), datado de 20.03.1997, sacado sobre a conta por si titulada junto da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Cantanhede;

138. Tendo depositado tal cheque, no mesmo dia, na conta nº .... do Banco Mello, titulada pela sociedade G....’... Tech;

139. Perante os atrasos no prometido financiamento, BB começou a dirigir-se a Ourém, para falar com o arguido AA;

140. Para lhe exigir uma explicação;

141. E que cumprisse com o que havia prometido;

142. Ao que o arguido ia inventando várias desculpas, do género das enunciadas em 86.;

143. Até que MM deixou de conseguir falar com o arguido, pessoalmente, ou por telefone;

144. Perante o que lhe escreveu uma carta, data de 24 de Junho de 1999, interpelando-o para que cumprisse o acordo que havia feito;

145. À qual não obteve qualquer resposta;

146. Nunca tendo recebido qualquer dinheiro do financiamento acordado;

147. E tendo ficado destituído da quantia correspondente a € 7.107,87, a que se refere o ponto 137.

IV – CC

148. Também no mesmo contexto descrito em 1. a 89., em data não concretamente apurada, mas, pelo menos, em Outubro de 1999, CC acordou com o arguido AA, que este intermediaria a obtenção de um financiamento, junto de instituições bancárias estrangeiras, de montante não concretamente apurado;

149. Em contrapartida dos supostos serviços de mediação financeira que o arguido dizia realizar e por sua exigência, CC, emitiu o cheque nº ..., no valor de PTE 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos, actualmente equivalente a € 24.939,90), datado de 13.10.1999, sacado sobre a conta por si titulada junto do Banco Português do Atlântico, agência de Aveiro;

150. Tendo depositado tal cheque, no mesmo dia, na conta nº ... do Banco BPI, titulada pela sociedade N... Enterprises;

151. E, como garantia do cumprimento do contrato, também por exigência do arguido AA , CC emitiu oito cheques, perfazendo a quantia global de esc. 3.900.000$00;

152. E duas promissórias, nos valores de USD 10 milhões, cada uma;

153. Que foram entregues ao arguido, para serem devolvidos a NN, caso o financiamento não fosse concedido;

154. Não houve financiamento algum;

155. Sendo que CC ficou igualmente destituído da importância correspondente a € 24.939,90;

156. Não obstante ter interpelado o arguido para que cumprisse o acordo ou lhe devolvesse os cheques e as promissórias;

157. Ao que arguido AA ia inventando sucessivas desculpas para o atraso do prometido financiamento, do género daquelas a que se refere o ponto 86.;

V – DD E EE

158. Em 25 de Julho de 1997, DD subscreveu um documento com o título «Investment Loan Contract»;

159. O qual foi também assinado pelo arguido AA por cima do carimbo com a designação e morada da G...’... Tech Ltd e por cima do carimbo com a designação «N... Enterprises, Ltd.;

160. Documento esse, que contém, também, junto daquelas assinaturas uma outra assinatura ilegível colocada no carimbo com os dizeres «Pan Ocean Insurance Company»;  

                161. Como se fosse um contrato e com o seguinte teor:

                «Entre

«G....’... Tech Limited, com escritório em ..., república da Irlanda e tendo escritório de representação na Rua ..., Portugal, referenciada aqui como G... e representada pelo seu presidente Mr. AA e

«DD (…) referenciado aqui como JPD (…)

«Testemunham:

«Considerando que ambas as partes tem o mutua acordo e desejo de estabelecerem um contracto com o objectivo de conjuntamente obterem uma linha de credito que lhes permitirá viabilizarem seus próprios projectos de investimento e

«Considerando que G... através de empresas do seu grupo a referir, N... Enterprises Ltd e P... O... Insurance pedem estabelecer ligações contratuais entre si e outras companhias de seguro e resseguro com um único objectivo da criação de colateral que originará a linha de credito, e

«Considerando que G... através de suas ligações bancárias, como operador financeiro tem a capacidade de negociar linhas de crédito e facilitações, e

«Considerando que SPC possui patrimónios suficientes, que podem servir de suporte cara a criação de um seguro de fidelidade e por esse motivo estam na disposição de os ceder ­como suporte ao arranque da operação, e

«Considerando que face ao explanado estão reunidas as condições necessárias para a montagem de uma operação de Investment - Loan.

«E celebrado o seguinte contrato tendo em conta os considerandos evocados segundo as seguintes clausulas e regras:

«1. JPD estabelece com N... Enterprises Ltd. todos os mecanismos necessários a que esta possa operar no sentido de reasegurar o seu próprio seguro e estabelecer a colateral necessária criação da linha de crédito

«2. Estabelecida a linha de credito em Banco de Primeira Linha G... dará instruções, tendo em conta que o capital da linha de credito não poderá abandonar a conta onde reside, como é estabelecido pelo contracto de seguro.

«3. O mecanismo a utilizar permite a realização de um trade financeiro ao nível de um M... Bank a definir na Suíça ou no reino Unido denominado banco operador de sistema.

«4. JPD receberá então cópia de contracto de Investment – Loan endossado pelo Banco do programa correspondendo literalmente ao processo a ser adoptado assim como número de autorização da reserva federal dos Estados Unidos. Este contrato virá em versão inglesa

«5. JPD receberá apos 5 dias bancarios ordens de pagamento avalisadas por um banco de primeira grandeza correspondendo cada uma a 1/12 do montante contratado através do seguro de fidelidade (valor faceal).

«6. Conjuntamente com as ordens de pagamento G... entregará à JPD os termos de reembolço assim corno contrato de garantia a estabelecer para os pagamentos dos premiuns anuais

«7 Consumadas as entregas periodicas durante o primeiro ano - ano zero cabe a JPD reembolsar G... da seguinte forma:

«7.1 – 50% porcento do valor entregue é consedido a titulo gratuito, resultando fundo perdido

«7. 2 – Os restantes 50% são reembolsados por G... e pagos por SPC 1/5 todos os anos sem juros no final de cada ano contratual

«8. JPD compromete-se a manter o seguro de fidelidade operacional pagando o premium de 4 % todos os anos durante os restantes 5 anos contratuais, de acordo com o contrato estabelecido com a N....

«9. As Garantias de bloqueamento de propriedades serão requeridas e formalizadas sempre e logo com a execução deste contrato.

«10. Este contrato fica sujeito as regras de «Force Major» estabelecidas pela International Camera de Comercio

«11. Este contrato e regido sobre as regras e leis do Reino Unido quanto a sua validade interpretação execução e obrigações

«12. Qualquer situação de conflito entre as partes implicará uma arbitragem a conduzir em Londres, England. Cada parte indicara um arbitro que os represente e estes por sua vez indicarão um terceiro para desempate

«12.1 - A sentença decidida pela arbitragem poderá ser registada em qualquer jurisdição. E cada parte concorda executar suas obrigações pendente do resultado da arbitragem e no período pedido para implementar essa decisão

«12.2 - Todos os custos da decisão serão supportados pela parte não concordante com a sentença.

«13. A copia deste contrato, mesmo enviado por fax será considerada como um original.

«Tendo as partes tomado conhecimento do contrato de Fidelity Insurance e Investment Loan contrato e tendo sido esclarecidos dos pontos base destes contratos assim como o papel de cada um e que por este meio os beneficiários receberão a curto prazo contrato de Investment Loan banquerizado e respectivas ordens de pagamento endossadas por um banco de primeira grandeza, correspondendo cada uma a 1/12 do valor faceal do Fidelity lnsurance estes assinam;

162. Na mesma data, foi também assinado um documento redigido em língua inglesa, pelo arguido, como «President Director General» da N... Enterprises, Ltd e por DD;

163. No qual a N... Enterprises, Ltd, por si ou através de companhias de seguro se obrigou a estabelecer uma «Fidelity insurance policy» que permitisse, junto dos bancos financiadores a obtenção de uma linha de crédito, cujos fundos são destinados aos projectos de investimento das partes, no âmbito «investment – loan progamme»;

164. Nesse mesmo documento foram estabelecidas as condições contratuais e os poderes conferidos à sociedade N... Enterprises Ltd, com vista à realização de um seguro de crédito para um empréstimo no valor de dois milhões de US Dólares, que seria concedido em benefício de DD, entre elas:

a) A celebração do seguro de fidelidade ou de hipoteca e a sua manutenção, por um período de seis anos, mediante o pagamento por DD, de um prémio anual correspondente a 4% do valor contratado;

b) A outorga de uma procuração em favor de N... Enterprises, conferindo a esta poderes de disposição sobre o património de DD, durante o referido período de seis anos;

                165. Na sequência de tais contratos e para dar início ao processo do prometido financiamento o arguido exigiu que lhe fosse paga uma comissão sobre o montante que seria disponibilizado ao ofendido DD, de valor não inferior a 2 milhões e trezentos mil escudos (cerca de € 11.471,00);

                166. Em resultado de tal exigência, esta quantia veio a ser paga pelo ofendido EE;

167. Através da emissão e entrega ao arguido de um cheque de 2 milhões e trezentos mil escudos, sacado sobre a conta bancária de que era, na altura, titular, na Caixa de Crédito Agrícola de Avis;

168. Ainda, no mesmo contexto das exigências do arguido para acelerar a obtenção do prometido financiamento, DD emitiu e entregou ao arguido AA, os seguintes cheques, todos em nome do arguido e sacados sobre a conta nº ..., titulada pelo mesmo DD, na Caixa de Crédito Agrícola, de Fronteira:

Cheque nº ..., datado de 15-08-1997, no valor de dois milhões quatrocentos e setenta e quatro mil escudos;

Cheque nº ..., datado de 30-08-1997 no valor de dois milhões quatrocentos e setenta e quatro mil escudos;

Cheque nº ..., datado de 15-09-1997 no valor de dois milhões quatrocentos e setenta e quatro mil escudos;

 169. Uma vez que o prometido financiamento tardava tanto DD, como EE contactavam o arguido AA, via telefone e por visitas ao escritório deste em Ourém;

170. Por diversas vezes ao longo de cerca de dois anos;

171. Exigindo-lhe o cumprimento das promessas de financiamento nos termos acordados;

172. Ao que o arguido ia inventando desculpas, do género das descritas em 86.;

173. Sempre prometendo a chegada do dinheiro, na semana seguinte;

174. Perante as insistências de DD e de EE para que o arguido cumprisse o acordo que havia feito, AA referiu que possuía uns títulos para serem vendidos em Milão;

175. E que a forma que tinha para obter o prometido financiamento era proceder à venda de tais títulos;

176. Para o que EE poderia acompanhar OO, pessoa que o arguido tinha incumbido de se deslocar ao estrangeiro para proceder a tal venda;

177. E desse modo, ser-lhe entregue, de imediato, a quantia monetária referente ao financiamento;

178. EE acreditou no arguido;

179. E aceitou a proposta;

180. Com o propósito de obter a quantia do financiamento que o arguido havia prometido;

181. Acabando por deslocar-se a Milão e depois à Áustria;

182. Onde veio a ser preso, nas circunstâncias que adiante serão indicadas em 231. a 281.;

183. Como se fosse um "adiantamento", por conta do prometido financiamento, em 09-06-1999, o arguido entregou a DD dois cheques:

Em 02-01-1999, o cheque nº ..., no valor de onze milhões oitocentos e sessenta mil pesetas, sacado sobre a conta nº ... , do Banco ..., Madrid, titulada por ...;

Em 09-06-1999, o cheque nº ..., no valor de oito milhões de escudos, sacado sobre a conta nº ... do Banco..., titulada por ...;

184. Contudo, uma vez apresentados a pagamento, tais cheques foram devolvidos por falta de provisão das contas sacadas;

185. Até que, em data não concretamente apurada, DD veio a comunicar ao banco uma ordem de cancelamento dos cheques;

186. Quando percebeu que não ia receber financiamento algum;

187. Como não recebeu;

188. Do mesmo modo que EE, ficou destituído da quantia de esc. 2.300.000$00, a que correspondem cerca de € cerca de € 11.471,00;

VI - M...& B..., LDA. (NUIPC nº 81/05.0TAVNO apenso)

                189. J...M... e M...D'A...M...de B... são os sócios-gerentes da sociedade M...& B..., Lda.;

190. Que se dedica ao comércio de móveis, electrodomésticos e outros artigos de decoração;

191. E que, no decurso do ano de 1998, começou a ter problemas económicos;

192. Então, por indicação de PP, entretanto falecido, J...M... e M...D'A...M...de B..., entraram em contacto com o arguido AA ;

193. Pessoa de quem tinham referências de ter as qualidades mencionadas em 6.; 10. a 12.; 16.; 17.; 22.; 24.; 27.; e 33. a 35. e de se dedicar a actividades de intermediação na concessão de empréstimos, por ter sociedades financeiras e ligações a bancos estrangeiros;

194. Nesse encontro que mantiveram com o arguido AA, no escritório deste, em Ourém, o arguido garantiu que através da sua intermediação seria capaz de obter a concessão de tal empréstimo, referindo ser presidente da sociedade G...’... Tech;

195. Que apresentou como sendo uma sociedade financeira;

196. Tendo omitido que tal sociedade fora dissolvida em 16.01.1998;

197. J...M... e M...D'A...M...de B... celebraram, então, um acordo, com o arguido, tendo em vista a obtenção do pretendido financiamento;

198. Nos termos desse acordo, a M...& B..., Lda. obteria um crédito no montante de USD 1.350.000;

199. O qual seria financiado pelo Banco Mundial, através da G...’... Tech, Ltd;

200. Sendo que 50% desse valor seria a fundo perdido;

201. E os restantes 50% seriam pagos à sociedade G...'... Tech Ltd, com uma taxa de juro entre os 3,5% e os 4% ao ano;

202. A amortizar no prazo de 10 anos;

203. Como condição da celebração do acordo em questão e para garantia do cumprimento do mesmo, o arguido AA exigiu a J...M... que prestasse prestar uma garantia bancária, pelo referido valor de USD 1.350.000;

204. A qual seria paga por J...M...;

205. Mas cuja obtenção, junto do R... Canadian Bank só seria possível, com a mediação das sociedades Go...’... Tech e N... Enterprises;

206. Ficando acordado que o financiamento seria concedido no prazo de 45 dias úteis, contados da data de entrega da comissão e do custo da garantia bancária;

207. Pelas explicações dadas, J...M... e M...D'A...M...de B... convenceram-se que o arguido era um empresário idóneo em quem podiam confiar;

208. E por entenderem que as condições oferecidas para o prometido financiamento eram bastante vantajosas, resolveram contratar os serviços do arguido para a obtenção do financiamento nas condições que este lhes prometeu, mencionadas em 197. a 206.;

209. Para dar início ao processo de financiamento e à obtenção da garantia bancária que alegou que seria essencial para a disponibilização dos fundos, o arguido exigiu que J...M... e M...D'A...M...de B... lhe entregassem a quantia de PTE 6.250.000$00;

210. O que estes fizeram, através do cheque nº ...9, datado de 09.05.1998, no valor de seis milhões duzentos e cinquenta mil escudos (actualmente cerca de € 31.174,87), emitido à ordem da G...'... Tech Ltd e sacado sobre a conta nº ... da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, agência de S. Brás, Alportel, titulada pela M...& B..., Lda.;

211. Uma vez que o prometido financiamento tardava, J...M... contactou telefonicamente, por diversas vezes, com o arguido AA, exigindo-lhe o cumprimento das promessas de financiamento nos termos acordados;

212. E em 04-06-1999 fez idêntica exigência por escrito, através de carta que dirigiu ao arguido;

213. Que, ia inventando sucessivas desculpas para o atraso, do género das exemplificadas em 86.;

214. Garantindo sempre que o financiamento ia ser concedido;

215. Porém, não havia garantia bancária alguma;

216. Já que o R... Canadian Bank não tinha qualquer cliente com o nome J...M... ou G...'... Tech Ltd;

217. E também não havia financiamento algum;

218. O qual nunca foi obtido, nem tentado obter, pelo arguido ou alguma das empresas enumeradas em 6. a 38.;

219. Tendo a M...& B..., Lda. ficado destituída da referida importância de esc. 6.250.000$00, a que correspondem, actualmente, € 31.174,87;

220. O arguido assinou os documentos de «investiment loan contract», de intermediação de seguro de crédito, de «mortgage insurance or fidelity insurance» acima mencionados e prometeu os financiamentos, nos termos a que se referem os pontos 129. a 135.; 148. e 149. e 197. a 208., apenas para criar a aparência de que se tratavam de reais contratos legalmente válidos e eficazes;

221. Mas sem ter qualquer intenção de os vir a cumprir;

222. E sabendo, de antemão, que não o faria;

223. Pois não reunia nem a formação académica, ou técnica, nem as condições materiais, empresariais ou financeiras para realizar as obrigações contratuais assumidas perante os clientes/investidores, nos termos descritos em 90. a 97.; 112. a 118., 129. a 135.; 148.: 149.; 158. a 164. e 197. a 208., como era do seu conhecimento;

224. E a única real intenção do arguido, ao anunciar os seus serviços e negociar e celebrar os mencionados contratos foi a de se apropriar, ilegitimamente, dos valores monetários, dos títulos negociáveis, cheques, promissórias e letras que os clientes lhe entregaram;

225. Ciente de que tais bens e valores não lhe pertenciam e não lhe eram devidos;

226. E de que os candidatos aos financiamentos iriam ficar destituídos das somas monetárias que lhe entregaram, como ficaram;

227. Tudo como o arguido pretendia;

228. Sabendo que agia contra a vontade dessas empresas e empresários;

229. Que recorreram aos serviços de mediação financeira que o arguido invocava prestar porque, em resultado das qualidades que o arguido dizia ter mencionadas em 6.; 10. a 12.; 16.; 17.; 22.; 24.; 27.; e 33. a 35., bem como da publicitação da actividade a que aludem os pontos 39. a 43. e de todo o restante contexto descrito nos pontos 1. a 89. todas essas empresas e empresários se convenceram de que o arguido era quem dizia ser, ou seja, um empresário honesto e cumpridor, merecedor da sua confiança, a quem podiam entregar os valores monetários, titulas e garantias que lhes foram solicitados, para a preparação dos financiamentos e investimentos prometidos e de que as sociedades que ele dizia representar eram idóneas;

230. E porque confiaram absolutamente que iriam, efectivamente, aceder às tais linhas de crédito que achavam ter contratado com o arguido e receber as quantias monetárias fixadas naqueles documentos;

VII - Bank fur ... (NUIPC nº 164/04.4TAVNO apenso - competência delegada na Justiça Portuguesa e aceite pelo Sr. Ministro da Justiça, por despacho de 23-07-2001, constante de fls. 3 do referido inquérito):

231. Em circunstâncias não apuradas, no princípio do ano de 1999 o arguido AA ficou na posse de cinco Certificados de Depósito;

232. Alegadamente emitidos pelo Banco Deutsche Bank, SPA, de Milão, ao portador;

233. No valor unitário de mil milhões de liras italianas;

234. Todos ostentando como data de emissão 16-12-1997;

235. E todos ostentando como data de vencimento 16-12-1999;

236. E uma taxa de juro contratada de 8,5% ao ano;

237. Estes títulos apresentavam os seguintes números de emissão e de referência:

emissão ... e de referência -...- 17 MILANO

emissão ... e de referência - ... - 17 MILANO

emissão ... e de referência - ... - 17 MILANO

emissão ... e de referência - ...- 17 MILANO

emissão ... e de referência - ... - 17 MILANO

238. Os referidos documentos encontram-se impressos com timbre do banco emissor;

239. Num impresso em tudo idêntico aos certificados de depósito regularmente emitidos pelo D... Bank, SPA, de Milão;

240. Contendo até assinaturas;

241. Mas foram fabricados para darem a aparência de serem títulos de depósitos autênticos;

242. E de que poderiam ser transaccionados como documentos comerciais transmissíveis por endosso;

243. Factos que eram apenas do conhecimento do arguido; 

                244. O arguido dispôs-se a introduzir os certificados de depósito falsificados no circuito comercial, como se fossem verdadeiros;

245. Com o propósito de se locupletar à custa do património de terceiros;

246. Designadamente, de pessoas que se dispusessem a adquirir os certificados ao arguido;

247. Ou de entidades bancárias que aceitassem negociar ou receber os certificados a título de garantia;

                248. Com tal propósito, em princípios de Abril de 1999, nos escritórios do arguido, sitos em Ourém, o arguido AA prometeu, pelo menos, a EE que do depósito em conta ou da venda daqueles certificados de depósito, de que se afirmou beneficiário, retiraria o dinheiro do financiamento que havia prometido a DD;

                249. Ficou, então, combinado que seria OO, quem, em representação do arguido e seguindo as suas ordens e instruções, iria deslocar-se a Milão, para os vender;

                250. E que seria acompanhado por QQ, por EE;

                251. Sendo que FF também os acompanhou nessa viagem;

252. Todos eles confiando na veracidade e genuinidade dos certificados de depósito mencionados em 231. a 239., desconhecendo totalmente que tais certificados haviam sido fabricados, nos termos descritos em 241. e 242.;

253. Então, o arguido AA entregou os certificados discriminados em 231. a 239., a OO, acompanhados de uma declaração da N... Enterprises ..., datada de 12-04-1999, na qual declarava a legítima posse dos certificados e atribuía a OO os poderes necessários para os negociar;

254. Chegados a Milão, a transacção ou depósito dos títulos identificados em 231. a 2409., não se concretizou;

255. Pelo que, dias mais tarde, 15.04.1999, com o mesmo tipo de argumentação e prosseguindo os mesmos objectivos referidos em 233. a 240., deslocaram-se todos – OO; QQ; FF e EE – a Viena de Áustria;

256. Porque havia, entretanto, dois potenciais interessados na aquisição daqueles certificados de depósito;

257. Os Srs. C...P... e M... C..., da empresa «J... Division»;

258. Que exigiram a comprovação prévia da autenticidade dos certificados de depósito;

259. Os mesmos indicaram que o interessado na aquisição dos certificados era R... C..., seu parceiro;

260. Perante o que o arguido fabricou os seguintes documentos:

a) Uma aparente certificação, como se tivesse sido emitida pelo próprio do Banco... Bank SPA, a declarar a autenticidade dos referidos certificados;

b) uma declaração datada de 12.04.1999, confirmando os poderes que atribuíra a OO, para negociar os certificados;

c) uma declaração, alegadamente emitida pelo cidadão grego Koutsimanis Aimilios, certificando ter sido o anterior possuidor dos certificados e ter dado poderes de negociação dos mesmos ao arguido AA;

261. Documentos estes, que mandou enviar, para os escritórios da Jeans Division, para tentar dar credibilidade aos certificados;

262. O BAWAG (Bank fur ...) não aceitou a negociação imediata dos certificados;

263. Tendo retido os certificados de depósito e a certidão de autenticidade em apreço, para efeitos de ser obtida a certificação da sua autenticidade junto do banco emissor;

264. Ficou registado que OO foi o apresentante dos referidos certificados;

265. Em 23.04.1999, foi elaborado um fax em nome de OO, dirigido ao BAWAG;

266. A solicitar informação sobre se os certificados já haviam sido verificados e sobre qual a data em que seria efectuada a transacção;

267. Posto a par  da situação e respondendo à solicitação do BAWAG, em 21 de Abril de 1999 o Deutsche Bank de Milano, informou que os referidos certificados de depósito eram falsos, o mesmo se passando com a declaração de certificação, efectuada com o nome do mesmo Banco;

                268. Em resultado do que, quando, no dia 26 de Abril de 1999, OO e QQ se apresentaram nas instalações do BAWAG, foram identificados como sendo os mesmos indivíduos que ali tinham entregue os certificados de depósito falsos;

269. Pelo que foram, de imediato, detidos;

270. O mesmo tendo acontecido com FF e EE;

271. O arguido AA e R... C... haviam acordado que este último pagaria àquele 4.400.000.000 de Liras italianas, como contrapartida da entrega daqueles certificados de depósito nas instalações do Bank fur ...;

272. O arguido AA sabia que ao colocar em circulação os referidos certificados falsos estava a agir contra a vontade tácita e contratual do banco que constava como emissor – D... Bank, SPA, de Milão;

273. Também sabia que ao agir da forma descrita punha em crise a credibilidade deste tipo de título de crédito;

274. E que a sua conduta abalava a fé pública de tais documentos e a confiança que é absolutamente necessária à normalização das relações comerciais e ao exercício da actividade bancária;

275. As referidas cinco imitações de certificados de depósito só não chegaram a ser transaccionadas, por factos estranhos à vontade do arguido e apenas devido aos cuidados adoptados pelo Bank fur ..., nos termos descritos em 262. a 264.; 

276. Ao agir deste modo, o arguido tinha o propósito de, mediante a utilização de terceiros, fazer crer a quem estivesse interessado em negociar a aquisição dos referidos documentos, que se tratavam de certificados de depósito legítimos;

277. E que poderiam ser transaccionados e, em concreto, levar o BAWAG, por via do contrato de financiamento celebrado com R... C... a disponibilizar o valor equivalente ao titulado nos supostos títulos;

278. O qual seria depois integrado no património do arguido;

279. Sem que lhe fosse devido ou a ele tivesse direito;

280. E, em prejuízo exclusivo dos visados;

281. Tudo como o arguido pretendia;

282. O arguido AA não exercia qualquer actividade profissional remunerada nem possuía qualquer fonte de rendimento lícito;

283. Fazendo da prática dos factos descritos em 1. a 281. e de outros como os ali descritos, a sua principal actividade;

284. Sendo desta actividade que obtinha a sua fonte de proventos para o seu sustento;

V - HH - Sociedade Portuguesa de Rent a Car, Lda. (NUIPC nº 632/03.5SKLSB apenso)

                285. No dia 5 de Junho de 2003, o arguido AA efectuou a reserva de uma viatura de aluguer, a levantar no aeroporto de Lisboa, junto da agência de viagens... – Viagens e Turismo, Lda., com sede no Campo 24 de Agosto, no Porto, de que RR é sócio-gerente;

                286. Através de um Voucher Full Credit, nos termos do qual todas as despesas, com combustível, taxa de aeroporto, franquia e outras, efectuadas pelo cliente que aluga a viatura são suportadas pela agência de viagens, na qual é feita a correspondente reserva;

                287. A reserva foi feita, no mesmo dia, pela sociedade Quatro Cantos em nome do AA, com indicação das condições de Voucher Full Credit, junto da agência ...- Rent a Car, pertencente à sociedade HH ­Sociedade Portuguesa de Rent a Car Lda.;

                288. Na sequência de tal reserva, o arguido dirigiu-se no dia 05-06-2003 ao aeroporto de Lisboa;

289. E ali celebrou o contrato de aluguer nº 318562, com a empresa ... - Rent a Car, da ofendida HH - Sociedade Portuguesa de Rent a Car, Lda.;

290. Em cumprimento desse contrato, pelas 19h30m, do mesmo dia 5 de Junho de 2003, foi entregue ao arguido AA o veículo de marca Volvo, modelo S 40 1.9 D, com a matrícula ...-US;

291. Na altura, com 5039 Km;

292. Em perfeitas condições de funcionamento;

293. E apenas com pequenas riscos na pintura, assinaladas no local do contrato;

294. Veículo que valia, à data, cerca de € 30.000,00;

295. Nos termos do mesmo contrato, o arguido deveria ter restituído o veículo ...-US no dia 19.6.2003, pelas 18 horas, no Aeroporto de Lisboa; 

296. No entanto, o arguido não o fez;

297. Nem prestou qualquer justificação à ofendida;

298. Mantendo o veículo em seu poder, após terminado o prazo estabelecido no contrato de aluguer que celebrou com mesma;

299. Como se fosse seu proprietário;

300. Na sequência de queixa apresentada pela ofendida HH, o referido veículo veio a ser localizado pela GNR de Coina, em 13 de Outubro de 2005;

301. Tendo sido apreendido na Rua ..., em Cascais;

302. O veículo foi restituído à HH em 03-08-2007, juntamente com a com a documentação que havia sido entregue ao arguido;

303. Ao actuar pela forma descrita, o arguido AA quis e conseguiu apropriar-se do referido veículo automóvel, como se fosse o seu proprietário;

304. Dando-lhe descaminho;

305. Bem sabendo que a HH Sociedade Portuguesa de Rent a Car, Lda. é que era a sua legítima proprietária;

306. Que esta apenas lhe tinha atribuído a possibilidade de conduzir e de usar o veículo pelo período temporal especificado no contrato de aluguer;

307. E que findo tal período, o deveria devolver à HH, Lda.

308. Que, assim, ficou destituída da viatura e dos respectivos documentos, até 3 de Agosto de 2007;

309. O arguido Sabia ainda que estava a agir contra a vontade e em prejuízo da sociedade HH, Lda.;

310. O arguido AA agiu em todos os momentos acima descritos em 1. a 309. de forma livre, deliberada e consciente;

311. Bem sabendo que todas as suas condutas acima descritas são proibidas e puníveis por Lei;

312. O arguido AA sofreu as seguintes condenações:

Por sentença de 23.04.1996, transitada em julgado, proferida no âmbito do processo comum nº 496/90 da 2ª Secção da 3ª Vara Criminal de Lisboa, por factos cometidos em 07.11.1986, na pena de um ano e quatro meses de prisão, integralmente perdoada, pela pratica de um crime de abuso de confiança.

Por acórdão de 22.10.2001, transitado em julgado, proferido no âmbito do processo comum colectivo nº 927/99.0JDLSB da 2ª Secção da 2ª Vara Criminal de Lisboa, nas seguintes penas parcelares, por factos cometidos entre finais de 1998 e princípios de 1999:

Quatro anos de prisão, pela pratica, como co-autor material de um crime de burla agravada, na forma tentada, p. e p. pelo art. 217º nº 1 e 2 e 218º nº 2 al. a) , do Código Penal;

Dois anos de prisão pela prática, em co-autoria material, de um crime de falsificação de títulos de crédito, p. e p. pelo art. 256º nºs 1 e 3 do Código Penal;

Um ano e oito meses de prisão, pela pratica, em co-autoria material de uma crime de receptação p. e p. pelo art. 231º do Código Penal;

Em cúmulo jurídico foi-lhe aplicada a pena de cinco anos e dez meses de prisão;

                Por sentença proferida em 13.12.2007, transitada em julgado em 15 de Janeiro de 2008, proferida no processo comum singular nº 1225/98.2JALRA do 2º Juízo de Abrantes, pena de dois anos de prisão, pela prática, em 1997, de um crime de burla qualificada, com perdão de um ano desta pena de prisão;

                Em 20 de Maio de 2008, neste mesmo processo, em cúmulo jurídico que englobou as penas aplicadas no processo comum colectivo nº 927/99.0JDLSB da 2ª Secção da 2ª Vara Criminal de Lisboa, pena de seis anos e três meses de prisão;

                Por sentença proferida em 16 de Março de 2011, transitada em julgado em 16 de Maio de 2011, no processo comum singular nº 1529/09.0TDLSDB do 1º Juízo Criminal, 2ª Secção de Lisboa, pena de sete meses de prisão substituída por 210 dias de multa, pela prática, em 1 de Janeiro de 2009, de um crime de denúncia caluniosa;

                313. Por decisão proferida em 8 de Outubro de 2009, no âmbito do processo 492/07.7TXEVR do 1º Juízo do Tribunal de Execução de Penas do Porto, o arguido foi colocado em liberdade condicional, até 8 de Janeiro de 2013, data em que cessaria o cumprimento da pena de seis anos e três meses de prisão que lhe foi imposta no processo comum singular nº 1225/98.2JALRA do 2º Juízo de Abrantes;

                314. Até ao presente, o arguido continua a intitular-se operador financeiro;

                315. E alega desenvolver essa sua actividade, tanto nos Estados Unidos da América, como em vários países da Europa, como Espanha e Suíça, através da empresa N... Enterprises;

                316. Actualmente, encontra-se numa fase de reorganização da sua vida profissional, ligada ao sector financeiro;

                317. Invocando ter comprado uma parte de uma entidade bancária na Suíça (Banco Nacional de Paris);

                318. E manter a empresa N... Enterprises a laborar em Espanha;

                319. Economicamente, o arguido e o seu agregado familiar vivem dos rendimentos ganhos no passado;

                320. Alegadamente, quando, depois de ter fundado a N... Enterprises, criou cerca de 3000 postos de trabalho, sobretudo, no Brasil, onde comprou minas de ferro, fazendas de produção de açúcar e de soja e a administração da Fundação Evangélica e no decurso do seu percurso profissional, no sector financeiro, através da referida empresa «N... Enterprises»; 

321. Vive com a sua mulher e quatro filhos, com 19, 17, 15 e 13 anos de idade;

                322. Num complexo habitacional sito em Esposende;

                323. Mantém com os membros do seu agregado familiar relações afectivas coesas;

                324. Privilegiando o convívio com a sua família;

                325. Sendo visto, no meio onde reside, como uma pessoa reservada;

                326. Goza do apoio da sua família;

                327. Mostra empenho em reorganizar a sua vida profissional, mas continuando ligado ao, por ele assim chamado, «sector financeiro».

                10. Referindo-se ao artigo 30º do Código Penal (o tribunal «deveria ter aplicado o preceito do artigo 30º do Código Penal», por ter actuado «no quadro de solicitações de uma mesma situação exterior»), o recorrente considera que deveria ter sido condenado por um crime continuado e não por uma pluralidade de crimes.

A realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quando de solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente», constitui, na definição do artigo 30º, nº 2, do Código Penal, um crime continuado.

                A consideração como um só crime das condutas que realizem, de modo plural, um tipo de crime, e que, por isso, seriam naturalisticamente tratadas como pluralidade de infracções, procura responder a exigências de justiça e de economia processual, mas supõe, no plano das valorações, uma gravidade diminuída da actuação e um menor  -  consideravelmente menor  -  grau de culpa do agente. A definição de crime continuado, que condensa o resultado de elaborado trabalho dogmático, revela uma construção teleológica do conceito.

                O crime continuado pressupõe, pois, no plano externo, uma série de acções que integrem o mesmo tipo legal de crime ou tipos legais próximos que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, às quais presidiu e que foram determinadas por uma pluralidade de resoluções. O fundamento de diminuição da culpa que justifica a unidade está no momento exógeno das condutas e nas disposição exterior das coisas para o facto.

                «Pressuposto da continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito» (cfr., Eduardo Correia, “Direito Criminal”, vol II, pág. 209).

                Para que se possa considerar a existência de um crime continuado, há, assim, que apurar se a actuação do agente se traduz numa pluralidade de actos de execução de um mesmo tipo legal, em que se verifique uma homogeneidade do modo de comissão, que conforma como que um “dolo continuado”; apresenta-se como um «fracasso psíquico», sempre homogéneo, do agente perante a mesma situação de facto, suposto, porém, que o agente não revele uma personalidade que se deixe facilmente sucumbir perante situações externas favoráveis, e que por essa fragilidade facilmente não supere o grau de inibição relativamente a comportamentos que preenchem um tipo legal de crime (cfr., Hans Heinrich Jescheck e Thomas Weigend, “Tratado de Derecho Penal, Parte General”, trad. da 5ª edição, 2002, pág. 771-772).

                No caso sob apreciação, os elementos de facto que o tribunal fixou permitem caracterizar uma situação que revela, distintamente, uma pluralidade de resoluções, que exprimem uma vontade sucessivamente renovada, perante situações distintas que o recorrente directa e deliberadamente procurou; embora decorrendo numa composição e  num ambiente preparados pelo recorrente, as expressões de comportamentos sucessivamente renovados em relação a cada um dos ofendidos afastam a natureza exógena (situação externa favorável) das circunstâncias; bem diversamente, as condições em que o recorrente agiu não foram construídas nem se lhe apresentaram externamente, mas cada uma foi directamente criada pelo recorrente com a finalidade e intenção de praticar cada um do conjunto de actos em que se traduziu o «engano» dos ofendidos e as consequentes atribuições patrimoniais – tudo como melhor consta da fundamentação do acórdão recorrido, a que nada haverá a acrescentar.

                Não concorrem, assim, os elementos essências da construção do crime continuado.

                11. Em caso de concurso de crimes, será fixada uma pena única de acordo com os critérios do artigo 77º, nºs 1 e 2 do Código Penal.

                Há que salientar, preliminarmente, que a fundamentação do acórdão recorrido é extensa e muito completa, sendo, por isso, manifestamente improcedentes as considerações do recorrente sobre a falta de fundamentação na fixação da medida da pena; não se verifica, por isso, a nulidade invocada.

Nos termos do artigo 77º, nº 1, do Código Penal, o agente do concurso de crimes («quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles») é condenado numa única pena, em cuja medida «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente».

A pena única do concurso, formada no sistema de pena conjunta e que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes (princípio da acumulação), deve ser, pois, fixada, dentro da moldura do cúmulo estabelecido pelo artigo 78º do Código Penal, tendo em conta os factos e a personalidade do agente.

Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está, pois, ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.

Na consideração da personalidade (da personalidade, dir-se-ia estrutural, que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos) deve ser ponderado o modo como a personalidade se projecta nos factos ou é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente.

O modelo de fixação da pena no concurso de crimes rejeita, pois, uma visão atomística dos vários crimes e obriga a olhar para o conjunto - para a possível  conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse pedaço de vida criminosa com a personalidade do seu agente. Por isso que, determinadas definitivamente as penas parcelares correspondentes a cada um dos singulares crimes, cabe ao tribunal, na moldura do concurso definida em função das penas parcelares, encontrar e justificar a pena conjunta cujos critérios legais de determinação são diferentes dos que determinam as penas parcelares por cada crime. Nesta segunda fase, «quem julga há-de descer da ficção, da visão compartimentada que [esteve] na base da construção da moldura e atentar na unicidade do sujeito em julgamento. A perspectiva nova, conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova conexão de sentido».

Aqui, o todo não equivale à mera soma das partes e, além disso, os mesmos tipos legais de crime são passíveis de «relações existenciais diversíssimas», a reclamar uma valoração que não se repete de caso para caso. A este conjunto – a esta «massa de ilícito que aparente uma particular unidade de relação» - corresponderá uma nova culpa (que continuará a ser culpa pelo facto) mas, agora, culpa pelos factos em relação, isto é, a avaliação conjunta dos factos e da personalidade.

Fundamental na formação da pena do concurso é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação desse espaço de vida com a personalidade. «Como referem Maurach, Gossel e Zipf a pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da personalidade do autor e das diversas penas parcelares. Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos (Schonke-Schrôder-Stree)», «a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto; a maior ou menor autonomia a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também o receptividade à pena pelo agente deve ser objecto de nova discussão perante o concurso ou seja a culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa».

«Também Jeschek pensa no mesmo registo referindo que a pena global se determina como acto autónomo de determinação penal com referência a princípios valorativos próprios. Deverão equacionar-se em conjunto a pessoa do autor e os delitos individuais o que requer uma especial fundamentação da pena global. Por esta forma pretende significar-se que a formação da pena global não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível mas deve reflectir a personalidade do autor e os factos individuais num plano de conexão e frequência. Por isso na valoração da personalidade do autor deve atender-se antes de tudo a saber se os factos são expressão de uma inclinação criminosa ou só constituem delitos ocasionais sem relação entre si» (cfr., v. g., os acórdãos do STJ, de 24 de Março de 2011, proc. nº 322/08.2TARGR, e de 5 de Julho de 2012, proc. nº 265/11.6SAGRD, este com exaustiva indicação de jurisprudência, e Cristina Líbano Monteiro, anotação ao acórdão do STJ de 12 de Julho de 2005, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16º, p. 155 ss.).

                Assim, o conjunto dos factos indica a gravidade do ilícito global, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que se verifique entre os factos concorrentes.

Na avaliação da personalidade – unitária – do agente importa, sobretudo, verificar se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta.

Mas tendo na devida consideração as exigências de prevenção geral, e especialmente na pena do concurso os efeitos previsíveis da pena única sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).

A avaliação do conjunto dos factos – do «ilícito global» - há-de partir necessariamente da consideração relativa de cada acontecimento singular por si, mas também na projecção sobre relações de confluência: reiteração e persistência; temporalidade; aproximação ou distanciamento; homologia ou homotropia; valores individualmente afectados; pluralidade de bens pessoais; limitação a bens materiais; modos de execução; consequências instrumentais.

No caso, nesta complexa avaliação, a natureza dos factos essencialmente homogénea, em que estão em causa apenas valores materiais, integram e constituem uma projecção global do ilícito que não exaspera a ilicitude (simples) que resultaria da mera adição dos valores afectados como se fossem unitariamente construídos; a pluralidade encerra, certamente, um valor agravativo, mas esbate-se necessariamente numa estrutura aritmética da pluralidade.

A personalidade do arguido que vem descrita nos factos provados, avaliada na perspectiva global que se projecta e é também revelada pela natureza e pelas circunstâncias dos diversos acontecimentos, aponta para características de alguma habitualidade, com reflexos na persistência de crimes contra o património através de artifícios e engano de idêntica natureza.

 A fixação da pena do cúmulo – meio judicial para encontrar ponderadamente a pena única adequada a responder simultaneamente às exigências de prevenção geral e especial – não constitui um re-sancionamento do agente depois das penas parcelares, mas realiza a finalidade de determinar a pena individualizada do conjunto num sistema diverso da acumulação e da exasperação, prevenindo a relativa incerteza decorrente da concretização da sanção concreta a cumprir apenas no âmbito da execução.

A aplicação e a interacção das regras do artigo 77º, nº 1, do Código Penal (avaliação em conjunto dos factos e da personalidade) convocam critérios de proporcionalidade material na fixação da pena única dentro da moldura do cúmulo, por vezes de grande amplitude; proporcionalidade e proibição de excesso em relação aos fins na equação entre a gravidade do ilícito global e a amplitude dos limites da moldura da pena conjunta.

A condição principológica da proporcionalidade permite concretizar o valor em construção normativo-aplicativa e instrumento metodológico; a proporcionalidade stricto sensu dimensão material e operativa da proporcionalidade em sentido amplo - constitui um instrumento para encontrar o equilíbrio adequado entre direitos ou valores em confronto. No julgamento e na ponderação na aplicação de penas actua através da interacção complexa entre o valor da liberdade (e, negativamente, a privação de liberdade) ou de outros modos de intromissão na autonomia e livre condução de vida do agente de um crime, e o interesse público na aplicação de uma sanção penal pela prática de um acto qualificado como crime, que realize, nem mais nem menos, as finalidades da punição impostas para a realização desse interesse público.

A proporcionalidade, regra ou princípio, na dimensão stricto sensu faz a passagem entre a abstracção de uma noção e a identificação metodológica de critérios utilizáveis em cada caso concreto.

A regra básica de ponderação e construção ou encontro da harmonia e do equilíbrio (balancing) de direitos e razões (proporcionalidade), como medida fundamental de decisão, seja do legislador, do juiz ou da administração, está na «importância social marginal» dos valores ou posições em confronto (cf., Aharon Barak, «Proportionality; Constitutional Rights and their Limitations», Cambrige University Press, 2012, p. 362-3); a leitura adequada da proporcionalidade aponta para um juízo de equidade, que exige uma «particular atitude espiritual» do juiz, «de estreita relação prática: razoabilidade, adaptação, capacidade de alcançar composições», com «espaço para muitas razões» (cf., Ingo Wolfgang Sarlet, «Constituição e proporcionalidade: o direito penal e os direitos fundamentais entre proibição de excesso e de insuficiência», “Revista Brasileira de Ciências Criminais”, nº 47, Marco-Abril de 2004, p. 64-65, referindo Zagrebelsky).

Aplicando em casos de determinação da medida da pena, a importância social marginal dos benefícios decorrentes da protecção de uma norma ou de um determinado acto praticado em aplicação de uma norma, e a importância social marginal dos efeitos individuais na prevenção de um dano ou das consequências no destinatário da aplicação de uma sanção penal pela prática de um facto qualificado como crime.

Concretizando estes critérios, considerada a homogeneidade e a (relativa) proximidade temporal dos crimes contra o património, a importância do conjunto dos factos, designadamente pela construção artificiosa da ambiência dos enganos aconselharia,, na perspectiva das exigências de prevenção geral, a fixação de uma pena no limite da metade inferior da escala da moldura da pena do cúmulo.

Porém, o percurso de vida do recorrente e a personalidade que por aí também vem revelada, com contacto com o sistema penal por factos da mesma natureza, aconselham – e impõem – a intervenção exigente das finalidades de prevenção especial; como revelam as condenações anteriores (ponto 312 da matéria de facto); as sanções penais de natureza e medida que então foram consideradas adequadas não constituíram meio idóneo de ressocialização e de reencaminhamento para os valores.

As finalidades de prevenção especial são, assim, muito acentuadas, condicionando a justa medida da pena única: a sanção indispensável, tanto na natureza como na medida.

Porém, «na tensão entre o caso e a regra», na isonomia na construção da medida na pena única perante o «ilícito global», na ponderação da semelhança e da diferença das penas aplicadas na praxis jurisprudencial, e sobretudo tendo em consideração o tempo entretanto decorrido desde a prática dos factos, conjugado com a implicação funcional (ou funcionalista) das finalidades de prevenção geral, justifica-se uma leitura ligeiramente diversa do acórdão recorrido na perspectiva da proporcionalidade, fixando a pena em dez anos de prisão (cf, v. g., acórdão de 27 de Fevereiro de 2013, proc. nº   455/08.5GDPTM).

12. Nestes termos, concede-se provimento parcial ao recurso, fixando pelo cúmulo das penas aplicadas a pena única de dez anos de prisão.

Supremo Tribunal de Justiça, 17 de Abril de 2013

Henriques Gaspar (Relator)

Armindo Monteiro