Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8158/16.0T8VNG.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 09/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / TEMPO E A REPERCUSSÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO / PRESCRIÇÃO / INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO / INTERRUPÇÃO PROMOVIDA PELO TITULAR.
Doutrina:
- Ana Filipa M. Antunes, Prescrição e Caducidade, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 2014, p. 24, 25, 29 e 30;
- Salvador da Costa, O Apoio Judiciário, 2012, 8.ª Edição, Almedina.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 323.º N.º 2.
ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS, APROVADO PELA LEI N.º 34/2004, DE 2 DE JUNHO, COM AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI N.º 47/2007, DE 28 DE AGOSTO: - ARTIGO 33.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 20-10-2011, RELATOR PEREIRA RODRIGUES;
- DE 20-06-2012, PROCESSO N.º 347/10.8TTVNG.P1.S1;
- DE 17-04-2013, PROCESSO N.º 36/12.9TTPRT.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 12-01-2017, PROCESSO N.º 14143/14.0T8LSB.L1.S1.
Sumário :
I - A expressão legal – “causa não imputável ao requerente” – constante do art.º 323.º n.º 2 do Código Civil, deve ser interpretada em termos de causalidade objetiva, ou seja, a conduta do requerente só exclui a interrupção da prescrição quando tenha infringido objetivamente a lei, em qualquer termo processual, até à verificação da citação.

II – Não integra ato imputável ao requerente para excluir a interrupção da prescrição nos termos do n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil, o não cumprimento por parte do patrono nomeado, no âmbito do apoio judiciário, do prazo para propositura da ação previsto no n.º 1 do artigo 33.º da Lei n.º 34/200, de 29 de junho, na redação resultante da Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

 


I

AA intentou a presente ação emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra: - BB, S.A.; - CC, Ld.ª; e - DD- Empresa de Trabalho Temporário, S.A., invocando a nulidade dos contratos de trabalho temporário celebrados com a 2.ª e 3.ª Rés, sendo a 1.ª Ré utilizadora, e de um contrato de trabalho, a termo certo, celebrado com a 1.ª Ré, pedindo que:

A) I. A 1.ª Ré seja condenada ao pagamento de € 72.532,80 (setenta e dois mil, quinhentos e trinta e dois euros e oitenta cêntimos), relativos a título de retribuições vencidas e nas vincendas desde esta data até ao trânsito em julgado desta sentença;

II. A 2.ª Ré seja considerada solidariamente responsável pelo pagamento da referida indemnização.

Caso assim não se entenda, pedia que seja

B) I. Considerado o contrato celebrado em 1.10.09 convertido em contrato sem termo e, consequentemente, declarado ilícito o despedimento em que se traduziu a rescisão do «contrato de trabalho a termo certo», referido no ponto anterior, comunicada pela 1.ª Ré ao Autor, com produção de efeitos no dia 30.09.2012, devendo, em consequência, ser a 1.ª Ré, condenada a reintegrar, de imediato, o Autor no estabelecimento onde laborava esta última, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; e

II. Condenando, ainda, a 1.ª Ré a pagar ao Autor todas as remunerações a que este teria direito e que se venceram entre 1.10.2012 e a entrada da presente ação, as quais ascendem a € 40.878,00, bem como as vincendas até ao trânsito em julgado desta sentença.

Caso assim não se entenda, que:

C) Por cumulação de vício substancial do contrato de trabalho temporário com vício do contrato de utilização, ocorreu a conversão do contrato em contrato de trabalho por tempo indeterminado com a 1.ª Ré, devendo esta ser então condenada ao pagamento de € 18.352,00 (dezoito mil, trezentos e cinquenta e dois euros), a título de retribuições vencidas e nas vincendas desde 14.4.14 até ao trânsito em julgado desta sentença. Ou

D) Caso assim não se entenda, existindo uma clara nulidade do termo, ocorreu a conversão do contrato em contrato de trabalho por tempo indeterminado com a empresa de trabalho temporário, aqui 3.ª Ré, devendo ser a mesma condenada ao pagamento de € 18.352,00 (dezoito mil, trezentos e cinquenta e dois euros), relativos a título de retribuições vencidas e nas vincendas desde 14.4.14 até ao trânsito em julgado desta sentença.

E) Por nulidade do motivo justificativo e seu incumprimento deverá a 1.ª Ré deverá ser então condenada ao pagamento de € 17.980,00 (dezassete mil, novecentos e oitenta euros), relativos a título de retribuições vencidas e nas vincendas desde esta data até ao trânsito em julgado desta sentença e respetivos juros vincendos.

A qualquer dos pedidos supra referidos, deverá acrescer:

F) A condenação a pagar ao Autor, a título de compensação pelos danos não patrimoniais, € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) bem como,

G) Respetivos juros à taxa legal, até efetivo pagamento, tudo a liquidar em incidente nos termos do art. 609º/2 e 358º e ss. do NCPC.

Invocou como fundamento das suas pretensões, em síntese, que:

- O contrato de trabalho temporário excedeu a sua duração, pelo que era nulo, nos termos do art. 178.º, n.º 4 do Código do Trabalho;

- Era também nulo por falta de motivo justificativo, nos termos do art. 176.º do Código do Trabalho;

- Havia nulidade do termo aposto no contrato de trabalho com termo certo celebrado em 1/10/2009, nos termos do art. 147.º do Código do Trabalho; e

- Nulidade dos contratos de trabalho temporário a termo incerto de 27/1/14, de 15/4/14, de 15/9/14 e de 21/10/14.

As RR. apresentaram contestação em que excecionaram e impugnaram o peticionado pelo A., tendo concluído: «Em face do exposto, deve o pedido formulado pelo A. ser considerado totalmente improcedente, em virtude de ao mesmo ser oponível a exceção perentória extintiva de prescrição (cfr. artigos 571º n.º 2 e 576º n.º 3 do Código de Processo Civil)».

A ação prosseguiu seus termos e veio a ser decidida por saneador sentença nos seguintes termos: «Nestes termos e com tais fundamentos, julgo procedente a exceção de prescrição invocada pelas Rés e, em consequência, absolvo-as de todos os pedidos formulados pelo Autor na petição inicial».

Inconformado com esta decisão, dela apelou o Autor para o Tribunal da Relação do Porto que veio a conhecer do recurso por acórdão de 8 de janeiro de 2018 e que integrou o seguinte dispositivo: «Atento o exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

a) Conceder provimento ao recurso.

b) Revogar a decisão recorrida, julgando improcedente a invocada exceção da prescrição.

c) Ordenar o prosseguimento dos autos».

Irresignada com esta decisão, dela recorre agora a 1.ª Ré, de revista, para este Supremo Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

«1. Nos presentes autos, o Autor pretendia, com base na declaração de nulidade dos sucessivos contratos de trabalho que foi celebrando com as Rés, obter o reconhecimento de que deveria ser reputado trabalhador da 1.ª Ré BB, ora Recorrente, por tempo indeterminado, desde 01 de outubro de 2008.

2. Em sede de Contestação, as Rés defenderam-se por exceção, alegando a caducidade e prescrição dos direitos invocados pelo Autor.

3. Como resulta da matéria de facto provada, e foi destacado na Sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, embora "o Autor defenda que estamos apenas perante um só e único contrato de trabalho, que vigorou ininterruptamente desde outubro de 2008 até março de 2015 (...) da análise destes factos alegados pelo próprio Autor, facilmente se extrai de imediato a conclusão de que ele não exerceu funções efetivas para a 1.ª Ré ininterruptamente durante todo esse período de tempo".

4. Por conseguinte, as exceções de caducidade e prescrição, arguidas pelas Rés deveriam ser apreciadas em relação a cada uma das relações contratuais das quais o Autor pretende fazer emergir as suas pretensões, tendo presente que a presente ação foi intentada no dia 09 de outubro de 2016 e a 1.ª Ré BB foi citada no dia 21 de novembro de 2016.

5. Com o intuito de facilitar a análise da exceção invocada, o Tribunal de primeira instância optou por laborar sobre a hipótese de, como alegado pelo Autor, se estar perante uma única relação laboral com a 1.ª Ré BB, que teve o seu início em 01 de outubro de 2008 e cessou em 17 de março de 2015.

6. Nesse pressuposto, em Saneador-Sentença o Tribunal de primeira instância concluiu que, tendo a relação laboral cessado no dia 17 de março de 2015 e dispondo o Autor do prazo de um ano, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 337.º do Código Civil, para pôr em causa a licitude do seu despedimento, há muito tinha decorrido o prazo de prescrição quando as Rés foram citadas para a presente ação, em 21 e 22 de novembro de 2016.

7. O que não seria prejudicado pelo facto de o Autor ter requerido concessão de apoio judiciário na modalidade de nomeação de nomeação de patrono no dia 31 de julho de 2015 e de, nos termos do n.º 4 do artigo 33.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, se considerar a ação proposta naquela data, porquanto, por força do estatuído no n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil, a prescrição apenas se interrompe com a citação e não se pode considerar que sua não realização no prazo de cinco dias a contar da ficcionada propositura da ação não seja imputável ao Autor, para os efeitos previstos no n-º 2 daquele normativo.

8. Diferentemente, o Tribunal da Relação do Porto, laborando no mesmo pressuposto, considerou não se verificar a exceção de prescrição por entender não estar provado que o atraso de nove meses na propositura da ação tenha sido da responsabilidade do Autor.

9. É com esta decisão que a 1.ª Ré BB, ora Recorrente, não se conforma, por considerar, com o devido respeito, que ela traduz uma errada interpretação das normas jurídicas aplicáveis, nomeadamente do n.º 1 do artigo 337.º do Código do Trabalho, dos n.ºs 1 e 2 do artigo 232.º do Código Civil e do n.º 4 do artigo 33.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, que disciplina o sistema de acesso ao direito e aos tribunais.

10. interpretação que in casu, na perspetiva da Recorrente, se materializa numa violação dos princípios fundamentais da igualdade e da certeza e segurança jurídicas.

11. Da matéria de facto provada resulta que o Autor cessou definitivamente a relação com a 1.ª Ré BB em 17 de março de 2015, momento a partir do qual não mais voltou a exercer quaisquer funções ao seu serviço.

12. Mais de quatro meses volvidos, no dia 31 de julho de 2015, o Autor requereu junto da Segurança Social a concessão do benefício de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de pagamento de taxa de justiça e nomeação de patrono.

13. O pedido foi deferido no dia 21 de janeiro de 2016, tendo sido o patrono nomeado informado no dia 20 de janeiro de 2016.

14. A Petição Inicial deu entrada no dia 19 de outubro de 2016, quase dez meses depois de o Autor ter patrono nomeado e dezanove meses depois de o Autor ter cessado o exercício de funções ao serviço da l.ª Ré BB.

15. Tendo a relação que o Autor pretende qualificar como de trabalho com a 1.ª Ré cessado definitivamente no dia 17 de março de 2015, iniciou-se no dia 18 de março de 2015 o prazo de um ano, previsto no n.º 1 do, artigo 337.º do Código do Trabalho, para o Autor invocar quaisquer créditos sobre a Ré, que atingiria o seu termo no dia 17 de março de 2016. Assim, não se considerando a prescrição interrompida, os eventuais créditos de que o Autor fosse titular prescreveriam no dia 18 de março de 2016.

16. Ora, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil, que deve ser interpretado em termos estritos, a prescrição apenas se interrompe com a citação.

17. A citação, nos presentes autos, apenas teve lugar 19 meses depois de cessada a relação entre as partes, há muito decorrido completamente o prazo de prescrição.

18. É certo que, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 33.º da Lei n.º 34/2004 de 29 de julho, que aprovou o sistema de acesso ao Direito e aos Tribunais, sucessivamente alterada, nos casos de concessão de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono para a propositura de uma ação, a ação considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono.

19. Por conseguinte, no presente caso, considerando que o Autor requereu junto da Segurança Social a concessão do benefício de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação de patrono no dia 31 de julho de 2015 - cfr. alínea n) dos factos provados - a presente ação deve ter-se por proposta nessa data.

20. Prevê-se, adicionalmente, no n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil, que, se a citação não se fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, a prescrição se tem por interrompida logo que decorram cinco dias.

21. Nos presentes autos, a ausência de citação nos 16 meses que se seguiram à presumida propositura da ação, e que decorreu da circunstância de a ação não ter sido efetivamente proposta, não se pode ter por não imputável ao Autor.

22. O Autor, após apresentação do pedido de apoio judiciário, em 31 de julho de 2015, desinteressou-se por completo pela presente ação, que apenas veio a ser intentada quase 15 meses depois, tendo as Rés sido citadas decorridos quase 16 meses depois de o Autor ter requerido a concessão de apoio judiciário.

23. E não se diga que antes disso o Autor, beneficiário de apoio judiciário, não tinha condições para propor a ação. O pedido de apoio judiciário foi deferido pela Segurança Social em 21 de janeiro de 2016 - cfr. alínea o) dos factos provados -, decisão de que o Autor foi notificado, conforme previsto no artigo 31.º da Lei n.º 34/2004 de 29 de julho, pelo que, desde essa data, estava em perfeitas condições para propor a ação, o que só veio a fazer quase dez meses depois.

24. A eventual responsabilidade disciplinar do patrono nomeado pela proposição tardia da ação à luz da lei do apoio judiciário e a responsabilidade do Autor por se ter desinteressado completamente da ação, podem e devem ser apreciadas isoladamente.

25. Se é verdade que o Autor, enquanto beneficiário de apoio judiciário não pode ser prejudicado por esse facto, o certo é que ele também não pode por isso ser beneficiado em termos que constituiriam uma discriminação inadmissível atentatória de outros princípios jurídicos fundamentais como precisamente aqueles que presidem ao instituto jurídico da prescrição que visa, como sublinha a doutrina, sancionar a inércia, a negligência, o desinteresse do titular do direito, que o torna indigno da tutela do Direito.

26. Ora, esta inércia, este desinteresse pessoal do Autor, é manifesto no caso concreto, em nada saindo mitigada pelo facto de o Autor beneficiar de apoio judiciário; pelo contrário, por esta via foi dada ao Autor a oportunidade razoável para exercer o seu direito e não o fez, se nisso estivesse interessado o Autor tinha diligenciado junto do seu patrono pela propositura da ação ou requerido a substituição deste com esse intuito.

27. É inquestionável que, ainda que o "atraso" na propositura da ação se devesse a completo esquecimento do patrono nomeado, se exigia ao Autor como se exige a qualquer cidadão que constitui mandatário, que diligenciasse junto dele no sentido de aferir do estado da ação.

28. Mal se compreenderia que, tendo a ação sido efetivamente proposta e encontrando-se ela a aguardar algum impulso processual do Autor por mais de seis meses, a instância se considerasse deserta, com a sua consequente extinção, nos termos das disposições conjugadas da alínea c) do artigo 277.º e do n.º 1 do artigo 281.º do Código de Processo Civil, e nas hipóteses em que a ação se ficciona intentada se defenda que se deva aguardar mais de um ano pela efetiva apresentação de Petição Inicial, não se retirando quaisquer consequências do absoluto desinteresse processual manifestado pelo Autor.

29. Pelo exposto, é convicção da 1.ª Ré BB, ora Recorrente, que, no presente caso, a ausência de citação nos cinco dias posteriores à propositura da ação não pode ser reputada de não imputável ao requerente, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil. Impondo-se, assim, a conclusão de que se encontram prescritos todos os direitos invocados pelo Autor nestes autos.»

Termina referindo que «deve o Acórdão recorrido ser revogado, confirmando-se a decisão proferida em primeira instância que julgou procedente a exceção de prescrição e absolveu as Rés dos pedidos formulados pelo Autor».

O Autor não respondeu ao recurso interposto pela Ré.

Neste Tribunal a Exm.ª Magistrada do Ministério Público proferiu parecer, nos termos do n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho, pronunciando-se no sentido da negação da revista.

Notificado este parecer às partes não motivou qualquer tomada de posição.

Sabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 3, e 639.º do Código de Processo Civil, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa na presente revista saber se procede a exceção de prescrição dos créditos reclamados pelo Autor.


II

As instâncias fixaram a seguinte matéria de facto, com relevo no âmbito do presente recurso:

«2. Os factos a ter em consideração, provados documentalmente ou por acordo das partes, são os seguintes:

a) Em 01 de outubro de 2008, o Autor e a 2ª Ré celebraram um contrato de trabalho temporário, junto a fls. 27 dos autos e cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido, através do qual passou a exercer para a 1ª Ré funções inerentes à categoria profissional de “operário especializado de 3ª”. (documento junto a fls. 27 dos autos)

b) Na sequência do mencionado em a), o Autor exerceu as funções aí descritas para a 1ª Ré até 30 de setembro de 2009. (documentos juntos de fls. 28 a 38 dos autos)

c) No dia 01 de outubro de 2009, o Autor e a 1ª Ré celebraram um contrato de trabalho a termo certo, junto a fls. 39 e seguintes dos autos, mediante o qual aquele foi admitido ao serviço desta para exercer as mesmas funções mencionadas em a), pelo prazo de 12 meses. (documento junto a fls. 39 e seguintes dos autos)

d) Na sequência do mencionado em c), o Autor exerceu as funções aí descritas para a 1ª Ré até 30 de setembro de 2012, data em que esta fez cessar o contrato. (documento junto a fls. 296 dos autos)

e) No dia 27 de janeiro de 2014, o Autor e a 3ª Ré celebraram um contrato de trabalho temporário, junto a fls. 66 dos autos e cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido, através do qual passou a exercer para a 1ª Ré funções inerentes à categoria profissional de “operário especializado de 3ª”. (documento junto a fls. 66 dos autos)

f) Na sequência do mencionado em e), o Autor exerceu as funções aí descritas para a 1ª Ré até 14 de abril de 2014, data em que a 3ª Ré fez cessar o contrato. (documento junto a fls. 73 dos autos)

g) No dia 15 de abril de 2014, o Autor e a 3ª Ré celebraram um contrato de trabalho temporário, junto a fls. 372 dos autos e cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido, através do qual passou a exercer para a 1ª Ré funções inerentes à categoria profissional de “operário especializado de 3ª”. (documento junto a fls. 372 dos autos)

h) Na sequência do mencionado em g), o Autor exerceu as funções aí descritas para a 1ª Ré até 04 de agosto de 2014, data em que a 3ª Ré fez cessar o contrato. (documento junto a fls. 374 dos autos)

i) No dia 15 de setembro de 2014, o Autor e a 3ª Ré celebraram um contrato de trabalho temporário, junto a fls. 78 dos autos e cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido, através do qual passou a exercer para a 1ª Ré funções inerentes à categoria profissional de “operário especializado de 3ª”. (documento junto a fls. 78 dos autos)

j) Na sequência do mencionado em i), o Autor exerceu as funções aí descritas para a 1ª Ré até 20 de outubro de 2014, data em que a 3ª Ré fez cessar o contrato. (documento junto a fls. 82 dos autos)

k) No dia 21 de outubro de 2014, o Autor e a 3ª Ré celebraram um contrato de trabalho temporário, junto a fls. 381 dos autos e cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido, através do qual passou a exercer para a 1ª Ré funções inerentes à categoria profissional de “operário especializado de 3ª”. (documento junto a fls. 381 dos autos)

l) Através de carta datada de 06 de março de 2015, junta a fls. 83 dos autos e cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido, a 3ª Ré comunicou ao Autor que o contrato mencionado em k) caducaria no dia 17 de março de 2015. (documento junto a fls. 83 dos autos)

m) A partir do dia 17 de março de 2015 o Autor não mais voltou a exercer funções para a 1ª Ré. (artigo 94º da petição inicial, com a correção resultante da análise do documento junto pelo próprio Autor a fls. 83)

n) No dia 31 de julho de 2015 o Autor requereu junto da Segurança Social a concessão do benefício do apoio judiciário, nas modalidades de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo; e de nomeação de patrono. (documento junto de fls. 93 a 96 dos autos)

o) O pedido de apoio judiciário foi deferido pela Segurança Social, através de decisão proferida em 20 de janeiro de 2016. (documento junto a fls. 105 e 106 dos autos)

p) Através de ofício datado de 20 de janeiro de 2016, a Ordem dos Advogados comunicou à Ilustre Advogada, Dr.ª EE, a sua nomeação como patrono do Autor. (documento junto a fls. 46 dos autos)

q) A presente ação foi instaurada em 19 de outubro de 2016. (cfr. fls. 84)

r) A Ilustre Patrona nomeada ao Autor não requereu junto da Ordem dos Advogados a prorrogação do prazo para contestar. (requerimento do Autor de fls. 437 e seguintes)

s) A 1ª Ré foi citada no dia 21 de novembro de 2016. (fls. 99)

t) A 2ª Ré foi citada no dia 22 de novembro de 2016. (fls. 101)

u) A 3ª Ré foi citada no dia 21 de novembro de 2016. (fls. 364)»


III

1 – A decisão recorrida, afastando-se da orientação subjacente ao saneador sentença proferido na 1.ª instância, respondeu à questão que integra o objeto do presente recurso, com a seguinte fundamentação:

«4. - Da tempestividade da petição inicial por patrono nomeado versus prescrição dos créditos laborais.

4.1. - As rés invocaram a prescrição dos créditos laborais pedidos pelo autor, alegando que quando a ação foi proposta, no dia 19 de outubro de 2016, já havia decorrido o prazo de um ano previsto no artigo 337.º n.º 1 do Código do Trabalho, dado que o contrato de trabalho cessara no dia 17 de março de 2015.

(…)

4.3. - Por sua vez, em sede de recurso, o autor alegou:

“O prazo decorrente do art.º 33º nº 1 da LAJ não tem natureza adjetiva, não obstante tratar-se dum prazo dentro do qual se deve praticar um ato em juízo.

Sendo o Advogado nomeado para propor uma ação, inexiste ainda, processo judicial.

Decorre do respetivo n.º 3 que o prazo de 30 dias é um prazo disciplinar porquanto a injustificada, ou a justificação insatisfatória da não propositura da ação, tem como cominação a “apreciação de eventual responsabilidade disciplinar”.

“Sendo tal prazo de 30 dias meramente disciplinador, gerando o seu incumprimento injustificado apenas responsabilidade disciplinar do faltoso, nunca funcionando em prejuízo do assistido que oportunamente e tempestivamente requereu o apoio judiciário» (cfr. Acs. do STA nº 01654/03, de 4/12/03; nº 0136/04 de 2/3/04; e nº 0135/04 de 4/3/04) sublinhado e negrito nossos.”.

4.4. – Quid iuris?

4.4.1. - Nos termos do artigo 337.º - Prescrição e prova de crédito – do Código do Trabalho, “1 – O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.

Por sua vez, o artigo 33.º - Prazo de propositura da ação – da Lei 34/2004 de 29 de julho (com alterações da lei 47/2007 de 28 de agosto), dispõe:

“1 - O patrono nomeado para a propositura da ação deve intentá-la nos 30 dias seguintes à notificação da nomeação, apresentando justificação à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores se não instaurar a ação naquele prazo.

2 - O patrono nomeado pode requerer à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores a prorrogação do prazo previsto no número anterior, fundamentando o pedido.

3 - Quando não for apresentada justificação, ou esta não for considerada satisfatória, a Ordem dos Advogados ou a Câmara dos Solicitadores deve proceder à apreciação de eventual responsabilidade disciplinar, sendo nomeado novo patrono ao requerente.

4 - A ação considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono.” (negritos nossos)

E o artigo 323.º - Interrupção promovida pelo titular – do Código Civil estatui:

“1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente. 

2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.”. 

(…)

Ora, concordando nós com tais considerações, dizemos que na situação em que o trabalhador solicita a nomeação de patrono para intentar uma ação judicial, como é o caso dos autos, esta considera-se proposta na data em que for apresentado o respetivo pedido de nomeação de patrono, conforme resulta do artigo 33.º, n.º 4 da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho.

E o prazo de 30 dias, previsto no n.º 1 do artigo 33.º, tem natureza disciplinar para o patrono nomeado, como decorre do n.º 3 do mesmo artigo, e não natureza processual perentória para o trabalhador carenciado de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono.

Assim sendo, irreleva, para efeitos prescricionais, o período de tempo que decorra entre a apresentação do requerimento de nomeação, junto da Segurança Social, e a data da apresentação da petição inicial pelo patrono nomeado, pela Ordem dos Advogados.

No caso em apreço, está provado, nomeadamente, que:

O contrato de trabalho, referenciado nos autos, cessou de facto no dia 17 de março de 2015,

No dia 31 de julho de 2015, o autor requereu junto da Segurança Social a concessão do benefício do apoio judiciário, nas modalidades de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo; e de nomeação de patrono, pedido esse deferido pela Segurança Social, em 20 de janeiro de 2016;

Nessa mesma data, a Ordem dos Advogados comunicou à Advogada, Dr.ª EE, a sua nomeação como patrono do Autor.

A presente ação foi instaurada em 19 de outubro de 2016.

A 1ª Ré foi citada no dia 21 de novembro de 2016.

A 2ª Ré foi citada no dia 22 de novembro de 2016.

A 3ª Ré foi citada no dia 21 de novembro de 2016.”.

 Ora, não estando provado que o atraso de nove meses na propositura da ação tenha sido da responsabilidade do autor, isto é, que o autor tenha infringido objetivamente a lei, não se verifica a exceção da prescrição invocada pelas rés recorridas.»

2 - A prescrição é um instituto jurídico que materializa uma das formas de projeção do tempo sobre o exercício dos direitos.

Conforme refere ANA FILIPA M. ANTUNES, «invocada com êxito, a prescrição determina a paralisação dos direitos, sempre que os mesmos não sejam exercidos, sem uma justificação legítima, durante um certo lapso de tempo fixado por lei. Confere-se, assim, ao beneficiário da prescrição, o poder ou a faculdade de recusar de modo lícito, a realização da prestação devida (cfr. n.º 1 do artigo 304.º - “tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito”»[1].

Ainda de acordo com a mesma autora, «a prescrição é um instituto que se funda em interesses multifacetados. Não existe, assim uma única causa justificativa. Os principais fundamentos são: i) a probabilidade de ter sido feito o pagamento; ii) a presunção de renúncia do credor; iii) a sanção da negligência do credor; iv) a consolidação de situações de facto; v) a proteção do devedor contra a dificuldade de prova do pagamento; vi) a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos; vii) a exigência de sanear a vida jurídica de direitos praticamente caducos; viii) a promoção do exercício oportuno dos direitos»[2].

Nos termos do artigo 303.º do Código Civil «o tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; este necessita, para ser eficaz, de ser invocada, por aquele a quem aproveita», pelo que quem pretenda dela beneficiar tem de a alegar e provar em juízo.

Tratando de um facto extintivo de direitos, o ónus de alegar e provar os respetivos fundamentos incide sobre o devedor, atento o regime decorrente do n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil, uma vez que é ao devedor que tal facto aproveita.

Atenta a sua natureza e os efeitos que dela decorrem, a prescrição assume-se como uma exceção perentória, nos termos do n.º 3 do artigo 576.º do Código de Processo Civil.

Resulta do disposto no artigo 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho que «o crédito do empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho».

Este dispositivo estabelece um prazo específico de prescrição dos créditos emergentes da relação de trabalho, com a duração de um ano, contado do dia seguinte àquele em cessou o contrato de trabalho.

Como prazo de prescrição que é, este prazo está sujeito às vicissitudes estabelecidas nos artigos 318.º e ss.º do Código Civil, e concretamente, ao regime de interrupção estabelecido nos artigos 323.º e seguintes daquele diploma.

De acordo com o disposto no n.º 1 deste artigo, «a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente».

Por força do disposto no n.º 2 deste artigo, «se a citação ou a notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias».

Decorre, por sua vez do n.º 1 do artigo 326.º do código Civil que a «interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo (…)».

3 - Referiu-se no acórdão desta Secção de 20 de junho de 2012, proferido no processo n.º 347/10.8TTVNG.P1.S1, sobre a interrupção do prazo de prescrição, o seguinte:

«Por sua vez, a propositura de ações destinadas a obter o reconhecimento de direitos subjetivos – e a acionar o seu exercício – desencadeia, de forma mediata ou imediata, determinados efeitos de natureza substantiva. Um desses efeitos mediatos consiste na interrupção da prescrição, conforme estatui o art. 323º do Código Civil, aplicável subsidiariamente, que no seu n.º 1 dispõe que “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.

E o seu n.º 2 estabelece, que “Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias”. 

Se for feita uma retrospetiva da evolução histórica sobre as disposições que regeram esta matéria, constata-se que o legislador sempre considerou assente o princípio de que a prescrição se interrompe pela citação, mas evoluiu para a consideração de que a citação tardia não imputável ao autor não o deveria prejudicar.[3][3] 

 “Assim, o efeito interruptivo estabelecido no n.º 2 do art.º 323º citado, pressupõe a concorrência de três requisitos:

- que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da ação;

- que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias; 

- que o retardamento na efetivação desse ato não seja imputável ao Autor.

É dizer que aquele benefício, assim concedido ao credor, exige necessariamente – para além da verificação daqueles dois primeiros requisitos – que o demandante não tenha adjetivamente contribuído para que a informação não chegasse ao demandado no sobredito prazo de cinco dias; caso contrário, isto é, se a demora lhe for imputável, a lei retira-lhe o ficcionado benefício e manda atender, sem mais, à data da efetiva prática do ato informativo”.»

4 - Conforme resulta do n.º 4 do artigo 33º da Lei nº 34/2004, de 29 de julho, com as alterações introduzidas pela Lei nº 47/2007, de 29 de julho, (Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais) e sob a epígrafe «Prazo de propositura da ação», «a ação considera-‑se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono».

Assente que a ação se tem de considerar proposta na data em que é apresentado o requerimento de concessão de apoio judiciário, passa a funcionar a presunção decorrente do artigo n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil, nos termos do qual «se a citação ou notificação não se fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias», ou seja no dia 5 de agosto de 2013.

Neste sentido considerou-se no acórdão desta Secção de 17 de abril de 2013, proferido na revista n.º 36/12.9TTPRT.S1[4], que «por outro lado, quando o regime aplicável for o da prescrição, não basta a instauração da ação dentro do prazo, pois o prazo de prescrição só se interrompe com a citação, ou com a notificação de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, conforme estabelece o artigo 323º, n.º 1 do Código Civil.

De qualquer forma, o legislador, partindo do pressuposto que, em condições de normalidade, a citação se fará em regra cinco dias depois de ter sido requerida, ficcionou que a prescrição se tem por interrompida decorridos esses cinco dias, conforme resulta do n.º 2 do referido artigo 323° do Código Civil».

5 - A Ré insurge-se contra a interpretação do referido n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil subjacente à decisão recorrida, referindo que no caso dos autos se pode afirmar que citação não tenha sido levada a cabo tempestivamente «por causa não imputável ao requerente», ou seja o Autor.

Refere que «O Autor, após apresentação do pedido de apoio judiciário, em 31 de julho de 2015, desinteressou-se por completo pela presente ação, que apenas veio a ser intentada quase 15 meses depois, tendo as Rés sido citadas decorridos quase 16 meses depois de o Autor ter requerido a concessão de apoio judiciário», uma vez que «O pedido de apoio judiciário foi deferido pela Segurança Social em 21 de janeiro de 2016 - cfr. alínea o) dos factos provados -, decisão de que o Autor foi notificado, conforme previsto no artigo 31.º da Lei n.º 34/2004 de 29 de julho, pelo que, desde essa data, estava em perfeitas condições para propor a ação, o que só veio a fazer quase dez meses depois».

Realça que «Se é verdade que o Autor, enquanto beneficiário de apoio judiciário não pode ser prejudicado por esse facto, o certo é que ele também não pode por isso ser beneficiado em termos que constituiriam uma discriminação inadmissível atentatória de outros princípios jurídicos fundamentais como precisamente aqueles que presidem ao instituto jurídico da prescrição que visa, como sublinha a doutrina, sancionar a inércia, a negligência, o desinteresse do titular do direito, que o torna indigno da tutela do Direito».

Destaca que «esta inércia, este desinteresse pessoal do Autor, é manifesto no caso concreto, em nada saindo mitigada pelo facto de o Autor beneficiar de apoio judiciário; pelo contrário, por esta via foi dada ao Autor a oportunidade razoável para exercer o seu direito e não o fez, se nisso estivesse interessado o Autor tinha diligenciado junto do seu patrono pela propositura da ação ou requerido a substituição deste com esse intuito» pelo que ainda que o "atraso" na propositura da ação se devesse a completo esquecimento do patrono nomeado, se exigia ao Autor como se exige a qualquer cidadão que constitui mandatário, que diligenciasse junto dele no sentido de aferir do estado da ação.»

Conclui afirmando que «no presente caso, a ausência de citação nos cinco dias posteriores à propositura da ação não pode ser reputada de não imputável ao requerente, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil. Impondo-se, assim, a conclusão de que se encontram prescritos todos os direitos invocados pelo Autor nestes autos.»

6 - Carece de sentido a pretensão da Ré de imputar ao Autor o facto de a ação ter sido instaurada pelo patrono nomeado pela Segurança Social para além do prazo previsto no n.º 1 do artigo 33.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, com as alterações decorrentes da Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, invocando o referido no 2.º do artigo 323.º do Código Civil, para afirmar que a citação ocorreu depois do 5.º dia após ter sido requerida por facto imputável ao Autor.

Na verdade, nos termos do n.º 1 do referido artigo o patrono tem o prazo de 30 dias para instaurar a ação.

Tal prazo tem natureza disciplinar e decorre da relação do patrono com a Ordem dos Advogados, não tendo o respetivo incumprimento qualquer reflexo na situação jurídica a dirimir através da ação instaurada e nomeadamente na posição do requerente de apoio judiciário.

A norma do n.º 4 daquele artigo 33.º visa efetivamente proteger o requerente de apoio judiciário de situações de menor zelo do patrono nomeado, ou até da complexidade da demanda a instaurar, que possa justificar, nomeadamente, a prorrogação do prazo, nos termos dos n.º 2 e 3 daquele dispositivo.

Conforme refere Salvador da Costa in “O Apoio Judiciário”, 2012, 8.ª Edição, Almedina, «(…) no caso do titular do direito substantivo pedir a nomeação de patrono no quadro do apoio judiciário, a ação considera-se proposta na data em que foi apresentado o referido pedido. Isso significa que, pedida a nomeação de patrono no quadro da proteção jurídica antes do decurso do prazo de caducidade do direito de ação em causa, queda irrelevante o prazo que decorra entre aquele momento e o da propositura da ação pelo patrono que venha a ser nomeado» e «Assim, a circunstância de a ação só ter sido proposta dois anos depois da apresentação nos serviços da Segurança Social do requerimento para a concessão do apoio judiciário na modalidade de patrocínio, é a data daquela apresentação que funciona para impedir o funcionamento da exceção de caducidade do direito de ação».

Também a jurisprudência desta Secção vem afirmando que «III. A expressão legal – “causa não imputável ao requerente” – contida no falado art.º 323º n.º 2, deve ser interpretada em termos de causalidade objetiva, ou seja, a conduta do requerente só exclui a interrupção da prescrição quando tenha infringido objetivamente a lei, em qualquer termo processual, até à verificação da citação.», acórdão de 20/06/2012, proferido no processo n.º 347/10.8TTVNG.P1.S1[5].

A ultrapassagem do prazo legalmente previsto para que o patrono nomeado instaure a ação visada com a nomeação não é imputável ao requerente de apoio judiciário, não tendo qualquer relevo relativamente ao regime previsto no n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil.


IV

Em face do exposto, acorda-se em negar a revista e em confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Ré recorrente.

Junta-se sumário do acórdão

Lisboa, 12 de setembro de 2018

António Leones Dantas (Relator)

Júlio Gomes

Ribeiro Cardoso

_________________
[1] Prescrição e Caducidade, Coimbra Editora, 2.ª edição, 2014, p.p. 24 e 25.
[2] Obra citada, p.p. 29 e 30.
[3] « 3] Cfr., a este propósito, Ac. do STJ de 20 de outubro de 2011 – 4ª secção (Pereira Rodrigues).»
[4] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[5] Citado no acórdão desta Secção, de 12 de janeiro de 2017, proferido no processo n.º  14143/14.0T8LSB.L1.S1.