Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
308/09.0TBCBR.C1.S1
Nº Convencional: 1ª SEÇÃO
Relator: MÁRIO MENDES
Descritores: RESPONSABILIDADE MÉDICA
INTERVENÇÃO CIRÚRGICA
CONSENTIMENTO
DEVER DE INFORMAÇÃO
OBRIGAÇÕES DE MEIOS E DE RESULTADO
Data do Acordão: 06/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PESSOAS SINGULARES / DIREITOS DA PERSONALIDADE - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL.
DIREITO BIOMÉDICO - RESPONSABILIDADE MÉDICA.
Doutrina:
- Álvaro Rodrigues, A Responsabilidade Médica em Direito Penal, 346.
- André Gonçalo Dias Pereira “Direitos dos Pacientes e Responsabilidade Médica”, Coimbra Editora, 2015, pp. 200, 399 nota 6, 410, 422, nota 6, 425, 426, 718.
- Carneiro da Frada, Contrato e Deveres de Protecção, p.209 e segs..
- Jean Penneau, La responsabilité du médicin, Dalloz, 1966.
- José Lago, “Consientemiento Informado y Responsabilidade Civil”, Revista Julgar, Número Especial de 2014, 163.
- Rose-Marie Lozano, La Proteccion Européenne des Droits de l’ Homme dans le Domaine de la Biomédicine” 2ª edição IGN 2004.
- Rubio Torrano “Deber de information y consentimiento informado en la actividad sanitária” Actualidad Jurídica Aranzadi Civil-Mercantil, 2008.
- Sinde Monteiro “Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações”, Almedina, 1999.
- V. Sanchez Gargallo “Tratamiento Legal y Jurisprudencial del consentimiento informado” – Working Paper nº 209 (www.indret.com).
- V. Yves-Henri Leleu/Gilles Génicot, Le droit médical – aspects juridiques de la rélation médicin-pacient.
- Vera Lúcia Raposo, “Do Regime das Intervenções Médico-Cirurgicas Arbitrárias no Código Penal Português”.
- Yvonne Lambert-Faivre, Le Droit du dommage corporel, Dalloz, 1990.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 70.º, 483.º.
CÓDIGO DEONTOLÓGICO DA ORDEM DOS MÉDICOS (PUBLICADO COMO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA, 2.ª SÉRIE, DE 13.1.2009, BASE XIV Nº 1 ALÍNEA E) DA LEI DE BASES DA SAÚDE (LEI Nº 48/90, DE 24 DE AGOSTO): - ARTIGOS 44.º, N.º1 E 45.º, N.º1.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 156.º, N.º2, 157.º
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 25.º, 26.º.
Legislação Comunitária:
CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA: - ARTIGO 3.º, N.º 2.
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO DE OVIEDO (CONVENÇÃO DO CONSELHO DA EUROPA PARA A PROTECÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DA DIGNIDADE DO SER HUMANO FACE ÀS APLICAÇÕES DA BIOLOGIA E DA MEDICINA, ADOPTADA E ABERTA À ASSINATURA EM OVIEDO, A 4 DE ABRIL DE 1997 E EM VIGOR NA ORDEM JURÍDICA NACIONAL DESDE 1 DE DEZEMBRO DE 2001): - ARTIGO 5.º.
CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DO HOMEM E A BIOMEDICINA (PUBLICADA NO DR 1ª SÉRIE DE 3/1/2001).
DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DOS PACIENTES – ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE (EUROPA), 1999: - ARTIGO 2.2.
DECLARAÇÃO UNIVERSAL SOBRE BIOÉTICA E DIREITOS HUMANOS, DE OUTUBRO DE 2005: - ARTIGOS 6.º E 7.º.
Jurisprudência Estrangeira:
JURISPRUDÊNCIA ALEMÃ:
- ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ALEMÃODE 22.12.2010.
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JURISPRUDÊNCIA BELGA:
-DECISÃO DE 29/3/66, DA COUR D’ APPEL DE BRUXELLES,
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JURISPRUDÊNCIA ESPANHOLA:
-DECISÕES TRIBUNAL SUPREMO DE ESPANHA DE 28/12/98 E DE 19/4/99.
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JURISPRUDÊNCIA FRANCESA:
- DECISÕES DA COUR DE CASSATION FRANCESA DE 21 DE FEVEREIRO DE 1961 E DE 25 DE FEVEREIRO DE 1997.
Sumário :
I - Constituindo uma intervenção médico-cirúrgica (sobretudo e como é aqui o caso de natureza invasiva) uma violação objectiva do direito (com consagração constitucional no art. 25.º da CRP) à integridade física e moral do doente, e sendo, enquanto tal, geradora de responsabilidade civil, torna-se, no entanto e em condições normais, licita se previamente justificada com o consentimento livre, consciente e esclarecido do lesado.

II - De um modo geral e partindo-se do princípio que qualquer intervenção cirúrgica tem riscos, compreende a possibilidade de ocorrência de situações não desejadas ou desejáveis, tem a doutrina e a jurisprudência europeia consagrado um princípio que tem como prévia do consentimento informado a transmissão de uma informação simples e aproximativa e sobretudo leal, a qual compreenda os riscos normalmente previsíveis, salientando-se, porém, que se tem verificado uma maior exigência e rigor de informação nos casos de intervenções não necessárias.

III - Actualmente tanto na doutrina como na jurisprudência (tanto nacional como europeia) vem prevalecendo o entendimento no sentido de que, em princípio e independentemente de se fazer especial apelo ao princípio da colaboração processual em matéria de prova, compete ao médico provar que prestou as informações devidas.

IV - Quando se passa do plano da eventual falta de informação sobre os riscos normais ou previsíveis do acto cirúrgico para um plano de falta de informação sobre a probabilidade de obtenção do resultado desejado desloca-se o núcleo típico do dever de informação prévio à intervenção cirúrgica enquanto uma obrigação de meios para aquele que deveria ser o núcleo desse mesmo dever caso estivéssemos no âmbito de uma obrigação de resultado ou seja o dever de informação deixaria de compreender apenas a transmissão dos riscos normais ou razoavelmente previsíveis ou mesmo significativos do tratamento ou da intervenção para passar a compreender igualmente o dever de transmitir o risco de não verificação do resultado normalmente previsível.

V - Não sendo a medicina uma ciência exacta e revestindo o resultado de uma cirurgia um carácter aleatório, não pode em geral o médico vincular-se ao resultado da terapia ou evolução clínica consequente, mostrando-se o dever de informação quanto a um resultado, apenas tido como provável ou altamente provável, devidamente preenchido quando o médico informa de uma forma leal, e dentro do ética e deontologicamente exigível, que aquele é o meio terapêutico adequado a debelar ou minimizar os efeitos da situação determinante, fazendo referência às vantagens prováveis daquele tratamento.
Decisão Texto Integral:
Revista excepcional 308/09.0TBCBR.C1

Recorrente: AA
Recorridos: BB, SA e outros

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I – AA – instaurou acção declarativa, com forma de processo ordinário, contra BB, S.A.; CC, S.A. – DD e EE, pedindo a condenação dos Réus a pagar-lhe, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de € 164.680,00, acrescida de juros desde a citação.
Alegou, em síntese, que em 02/01/2006, sofreu acidente de trabalho de que resultaram lesões (entorse lombar e hérnia discal em L4/L5) e tendo accionado o contrato de seguro de acidentes de trabalho outorgado com a 1ª R, foi submetido a uma primeira intervenção cirúrgica lombar feita pelo 3º R (médico neurocirurgião) nas instalações clínicas da 2ª R, intervenção essa que não terá resultado razão pela qual o 3º R optou por nova cirurgia a qual também não trouxe melhorias ao A.
A 1ª R BB deu-lhe alta e o TTCBR fixou-lhe IPP de 46% a qual deve ser revista.
Como continuou com dores na coluna a 1ª R encaminhou-o para consulta de psicologia e programa de fisioterapia e em 22/10/2007, não obstante o seu estado de saúde continuar a deteriorar-se deu-lhe alta definitiva.
Alega que tem dificuldades de mobilidade motoras, inibições sexuais, depressão nervosa com ideias suicidas, problemas económicos, e dependência de terceiros.
Reclama uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, com base na violação pelo 3º R das “leges artis” que deveriam ter presidido à sua actuação aquando das intervenções cirúrgicas que realizou e também na violação do dever de informação e bem assim no facto de, quer o 3º quer a 2ª R terem dado alta prematura ao Autor quanto aquele ainda carecia de tratamento.
Contestou a 1ª Ré (fls. 66 e segs.), defendendo desde logo que uma vez que o A já foi ressarcido no âmbito do processo com o n.º 255/07.0 TTCBR, do Tribunal de Trabalho de Coimbra, verifica-se a excepção do caso julgado e, por outro lado, que não ocorrem pressupostos da responsabilidade civil (contratual ou extracontratual) porque não houve erro ou negligência médica por parte do 3º Réu, nem violação do dever de informação.
Contestaram a 2ª e 3º Réu (fls. 85 e 112 e segs.) defendendo-se com idênticos argumentos.
O 3º R requereu a intervenção acessória provocada da companhia de seguros “FF – Companhia de Seguros, S.A.”, para a qual havia transferido a sua responsabilidade civil profissional através de seguro válido à data dos factos a qual contestou (fls. 139 e segs.), nos termos da defesa do seu segurado.
O A replicou (fls. 124 e segs.) contraditando a defesa por excepção.
No saneador (fls. 262 e segs.) julgou-se improcedente a excepção do caso julgado, afirmando-se a validade e regularidade da instância.
Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença na qual se julgou a acção improcedente absolvendo os RR do pedido.
Inconformado interpôs o A recurso de apelação na sequência do qual foi proferido acórdão que julgou improcedente o recurso mantendo a sentença absolutória recorrida.

II – Deste acórdão foi interposto recurso de revista excepcional o qual foi admitido.
Tendo em conta as conclusões da alegação do recorrente a questão que se coloca no presente recurso é a de saber se os RR e em especial o 3ºR cumpriu o dever de informação sobre os riscos que a intervenção cirúrgica comportava por forma a possibilitar ao recorrente uma decisão informada quanto a submeter-se ou não a uma segunda cirurgia; a partir da decisão quanto a esta primeira questão, e se for caso disso, coloca-se a questão de saber se estão reunidos os pressupostos da responsabilidade civil e consequente obrigação de indemnizar o A recorrente pelos danos sofridos em resultado da intervenção cirúrgica.
IIIFactos provados –
1- A. celebrou com a Companhia de Seguros BB-…, S.A. um seguro de acidentes de trabalho, titulado pela apólice n…., junta a fls. 23 a 25, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
2- Correram termos pelo 1.º Juízo do Tribunal de Trabalho de Coimbra, registados sob o n.º 255/07.0TTCBR, autos de acidente de trabalho, em que o aqui A. aí figurava também como A.
3- Nesse processo foram realizados exames ao A., pelo INML, a 1 de Junho de 2007 e 7 de Dezembro de 2007, com o teor que consta a fls. 30 a 32 e 37 e 38, respectivamente.
4- Nesse processo foi a 19 de Fevereiro de 2008 realizada a tentativa de conciliação, a qual decorreu nos termos constantes de fls. 241 e 242, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
5- Posteriormente, a 14 de Abril de 2008 e 14 de Maio de 2008, tiveram lugar os exames por junta médica ao A. (psiquiatria e neurocirurgia) nos termos constantes de fls. 242 a 247, aqui dados por reproduzidos.
6- Por sentença proferida nesse processo a 20 de Junho de 2008, transitada em julgado, o A. foi considerado curado desde o dia 28 de Fevereiro de 2007, portador de IPP de 46%+IPATH, tendo a aí Ré Companhia de Seguros BB, S.A., sido condenada a pagar ao A. € 4.815,33 a título de pensão anual e vitalícia desde 28/02/2007 e ainda no pagamento do subsídio de elevada incapacidade no valor de € 3.884,29, quantias acrescidas de juros de mora, à taxa legal, a contar dos respectivos vencimentos até integral e efectivo pagamento.
7- A pensão atribuída ao A. foi objecto de remissão, tendo a BB pago ao A. o capital respectivo (€ 24.375,16) em 26 de Novembro de 2008.
8 - Nos anos de 2006 e 2007 o R. EE, mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º …, junta a fls. 143 a 150, cujo teor aqui se dá por reproduzido, havia transferido a sua responsabilidade civil pelos danos ocasionados com a sua actividade de médico – neurocirurgia – para a Ré FF, …, S.A., até ao montante de € 600.000, limitado a € 300.000,00 em cada sinistro e até ao montante de € 300.000 a título de “Exploração” com uma franquia de 10% do valor dos danos resultantes de lesões materiais, no mínimo de € 125.
9 - Por determinação da BB o A. passou a ser seguido na CC, S.A. – DD, no âmbito dos Serviços Clínicos da Companhia de Seguros BB.
10- Após a realização de vários exames, nomeadamente um NC, uma ressonância magnética nuclear e um TAC, bem como de programa de fisioterapia, o Autor foi submetido a uma intervenção cirúrgica.
11- No dia 13 de Março de 2006, o A. foi operado pelo Réu, Dr. GG, na especialidade de Neurocirurgia, na CC, S.A. – DD.
12- O A. foi submetido a uma cirurgia lombar.
13- O A. realizou nova cirurgia a 9 de Outubro de 2006
14- A 27 de Fevereiro de 2007 o Autor teve alta dada pelos Serviços Clínicos da Companhia de Seguros BB.
15 - O A. foi examinado no Instituto de Medicina Legal no dia 1 de Junho de 2007.
16 - O A. O e exercia, até ao ano de 2006, a profissão de pedreiro, trabalhando por conta própria.
17 - No dia 2 de Janeiro de 2006, quando procedia a uma reparação no telhado, em M..., C..., o A. desequilibrou-se, o que lhe provocou um movimento de torção dorsal.
18 - O que lhe provocou primeiramente, uma sensação de formigueiro na zona lombar e, ao fim do dia, evoluiu para uma forte dor na coxa esquerda.
19 - Pelo que se deslocou aos Serviços de Urgência do Centro Hospitalar …, onde foi observado.
20 - Da referida torção resultou para o A. uma entorse lombar e hérnia discal em L4/L5.
21 - Em consequência, o A. accionou o seguro referido em 1)
22 - A cirurgia referida em i) e j) foi reputada pelo médico que o autor consultou – Dr. GG – como o meio adequado para corrigir a lesão que o afectava.
23 - Na sequência  dessa cirurgia gerou-se “um pequeno componente de fibrose epidural antero-lateral esquerdo envolvendo a raiz de L5…”
24 - Em virtude disso, o A. foi submetido de novo a ressonância magnética nuclear.
25 - Perante o resultado de tal exame e face à fibrose pós-operatória, o R. GG optou por sujeitar o A. a nova cirurgia.
26- O que veio a realizar-se a 9 de Outubro de 2006.
27 - Não obstante as melhorias referidas no diário clínico do paciente nos dias 07 de Novembro de 2006, 05 de Dezembro de 2006 e 09 de Janeiro de 2007, esta cirurgia também não logrou atingir a finalidade terapêutica almejada, dado que o autor continuou a sentir dores na coluna.
28 - Aquando da alta determinada pelos Serviços Clínicos da BB (27/02/2007), o Autor continuava a padecer de dores na coluna.
29 - O que obrigou o A. a recorrer ao seu médico de família.
30 - Este concedeu-lhe baixa para o exercício da profissão.
31 - Segundo o relatório médico-legal junto  ao processo que correu termos pelo Tribunal do Trabalho, 1 de Junho de 2007 o A. queixava-se de fortes dores lombares, com irradiação para o membro inferior esquerdo, não conseguindo sequer dobrar-se, e apresentava sintomas de depressão.
32 - A 29 de Junho de 2007 a situação clínica do A. foi revista pelos serviços da BB.
33 - Tendo-se concluído pela efectiva necessidade de encaminhar o A. para consultas de psicologia.
34 - Por determinação dos Serviços Clínicos da BB o A. realizou uma nova ressonância magnética e foi sujeito a novo programa de fisioterapia.
35 - A Ré BB, através dos respectivos Serviços Clínicos, deu alta ao A. a 22 de Outubro de 2007, apesar de nessa data o A. continuar a padecer de dores lombares intensas e com incapacidade para o exercício da sua actividade profissional habitual.
36 - Bem como com o estado depressivo referido nos documentos de fls. 34 a 36.
37 - Face a tal situação clínica, o seu médico de família deu-lhe novamente baixa.
38 - Situação que se mantém até à presente data, continuando o A. a ter a necessidade de se submeter a tratamentos de fisioterapia com vista a evitar o agravamento do seu estado.
39 - Devido às lesões que apresenta, o A. está incapacitado de desempenhar a sua actividade profissional e outras da mesma área técnico-profissional.
40 - O Autor padece de perturbação depressiva major com episódios depressivos major recorrentes, elevado risco suicidário, e deterioração cognitiva com deficits cognitivos vários.
41 - Tal quadro depressivo tem como causa o sofrimento físico que afecta o Autor de forma permanente, com dores lombares intensas que o assolam e que se propagam para o membro inferior esquerdo.
42 - Esse quadro depressivo deriva dos transtornos e ansiedade inerentes às intervenções cirúrgicas, bem como aos numerosos exames e sucessivos tratamentos, a que foi submetido, sem serem alcançados os resultados por ele esperados.
43- E da incapacidade que limita o A. de realizar as tarefas normais do seu quotidiano.
44 - O A. tem actualmente graves dificuldades de mobilidade motora, perdendo progressiva e irreversivelmente a sua autonomia.
45- O que faz com que o A. necessite do auxílio de terceiros para a execução das actividades básicas e normais do seu dia-a-dia.
46 - O A. sempre foi pessoa activa e trabalhadora.
47 - O A. está dependente de elevadas doses de medicação que lhe mitigam as dores.
48 - A situação em que o A. se encontra acarreta-lhe limitações e inibições para a sua vida sexual.
49- Por tudo isto, o A. tende a isolar-se, evita a convivência social e apresenta tendências de agressividade e irritabilidade, revelando dificuldade em controlar os impulsos.
50- Tais situações repercutem-se na sua vida familiar e geram nos A. sentimentos de culpabilidade.
51- O A. não tem qualquer esperança relativamente à sua vida futura, considerando o suicídio como a única saída para os problemas que vivencia.
52- Sempre lhe foi comunicado que a  intervenção cirúrgica  era o único meio adequado a corrigir a lesão resultante do acidente sofrido.
53-Não lhe tendo nunca sido referido pelos médicos que o seguiram que da mesma poderia resultar um agravamento da sua situação.
54- Julgando o A. que, após tal intervenção, bem como depois de cumprir rigorosamente o programa de fisioterapia prescrito, veria resolvidos – ou pelo menos minimizados – os seus problemas de saúde.
55- (eliminado)
56- Antes da segunda intervenção o R. GG Réu referiu ao A. que o mesmo teria, novamente, de ser intervencionado, (…) e que havia situações decorrentes de exames entretanto efectuados que só poderiam ser eficazmente examinadas com nova operação.
57- O A. interpelou o R. GG dizendo-lhe que não estava preparado para nova intervenção, dado o sofrimento que tinha tido com a primeira, uma vez que esteve cerca de dois meses totalmente dependente,  já que não conseguia alimentar-se, nem sequer mexer-se, sendo a esposa quem o auxiliava em todas as tarefas do quotidiano.
58- O R. GG respondeu ao A. se, sendo ele um homem ainda novo, se queria manter em tal situação de inactividade e dependência, para o resto da vida.
59- Criando no A. a expectativa de que a segunda operação reporia a sua saúde integral ou, no mínimo, mitigaria a sua situação clínica.
60- (eliminado)
61- Actualmente, o Autor apenas aufere uma pensão da Companhia de Seguros BB no montante de € 230,20.
62- As intervenções cirúrgicas e tratamentos a que o A. foi  submetido foram realizados nas instalações da Ré CC, S.A. por determinação da Ré BB.
63- A Ré CC, mediante contrapartida pecuniária, fornece à BB serviços de casa de saúde.
64- O R. Dr. GG exerce funções, no âmbito da sua actividade profissional.
65 -  O A. começou por ser seguido na Clínica da Ré CC pelo médico Dr. HH que fez  o  diagnóstico das  lesões  de que o  A. era portador e prescreveu  os  tratamentos registados no boletim clínico do A. junto a fls. 99 a 106.
66- Em meados de Fevereiro de 2006, o A. estava descontente com a evolução da sua situação clínica.
67- Tendo pedido uma consulta com o R. GG.
68- Em 21 de Fevereiro de 2006, o R. GG observou-o pela primeira vez tendo constatado que o quadro clínico do A. tinha evoluído para síndrome lombociático esquerdo.
69- O R. receitou nessa data ao A. a medicação habitual para esses casos e pediu a realização de TAC.
70- Tal TAC revelou hérnia discal L4-L5 esquerda.
71- Em face da ineficácia do tratamento conservador, o R. propôs ao A. intervenção cirúrgica com vista a extirpar a hérnia discal e debelar síndrome lombociático esquerdo.
72- O protocolo médico consensualmente aceite na comunidade neurocirúrgica consiste na indicação de cirurgia para os casos em que se verifique persistência da ciatalgia depois de 4 a 6 semanas de tratamentos conservadores ou até antes se existir défice motor progressivo.
73- O A. foi informado pelo R. GG daquele objectivo da intervenção, ou seja, de extirpar a hérnia e de eliminar a dor ciática e dos precisos termos em que se processaria.
74- A intervenção foi realizada em 13 de Março de 2006 e consistiu na extirpação de hérnia discal e dissectomia L4-L5 por abordagem interlaminar esquerda, tendo sido realizada sem quaisquer problemas ou incidentes.
75- A hérnia discal é uma das manifestações mais comuns da patologia degenerativa da coluna lombar.
76- O A. já apresentava lesões degenerativas em L4-L5, anteriores ao acidente, patentes na Ressonância Magnética efectuada em Janeiro de 2006.
77- O acidente de trabalho sofrido pelo A. pode ter sido o factor precipitante da hérnia e não a sua causa primária.
78- Na intervenção cirúrgica de 13 de Março de 2006 a hérnia de que o A. padecia foi debelada.
79- Em consequência da cirurgia, o A., até à consulta de 6 de Junho de 2006 referiu nas diversas consultas de acompanhamento pós-operatório que sentia uma melhoria.
79- Em consequência da cirurgia, o A., até à consulta de 6 de Junho de 2006 referiu nas diversas consultas  de  acompanhamento  pós-operatório que sentia uma melhoria significativa, tendo desaparecido a ciatalgia.
80- Na consulta de 6 de Junho de 2006, o A. referiu ao R. GG que andava bem até ter caído na sua garagem sobre o lado direito, após o que terá piorado, informação do A. que o R. registou no relatório clínico.
81- Na sequência da queda, o A. passou a queixar-se novamente da dor ciática.
82- Realizada nova ressonância magnética, esta não foi conclusiva acerca  da existência ou não de recidiva herniária.
83- Em face da persistência das queixas do A. e à ineficácia do tratamento médico, foi proposta nova intervenção cirúrgica para debelar a ciatalgia.
84- O que veio a ter lugar em 9 de Outubro de 2006.
85- Os achados operatórios desta segunda intervenção foram apenas fibrose epidural, pelo que a extirpação da hérnia tinha sido efectuada com sucesso.
86- O A., nas consultas subsequentes à segunda intervenção – 7 de Novembro de 2006, 5 de Dezembro de 2006 e 9 de Janeiro de 2007 – referiu que se sentia melhor, sobretudo quanto à ciatalgia.
87- Tendo-lhe sido prescrito tratamento fisiátrico e medicamentoso adequado.
88- Em 6 de Fevereiro de 2007, o A. voltou a queixar-se de dor ciática, tendo sido, de imediato, marcada nova ressonância magnética.
89- Exame que foi realizado no dia 27 de Fevereiro de 2007.
90- Deste exame resultou que o A. mostrava sinais moderados de fibrose epidural e ausência de resíduo herniário.
91- As dores que o A. diz ter não são consequência da errada execução intervenções cirúrgicas realizadas pelo R. GG, podendo ter como causa as lesões degenerativas da coluna lombar que já apresentava à data do acidente.
92- A queda que sofreu sobre o  lado direito constitui causa  suficiente  para o agravamento dos sintomas dolorosos relativos às lesões degenerativas.
93- Em alguns  outros casos  ocorreram lombalgias residuais  após  as  intervenções cirúrgicas como a efectuada pelo A.
94- Casos que aumentam no caso de haver lesões degenerativas.
95- As queixas por lombalgia residual é ainda frequente quando existem factores como síndrome depressivo ou em caso de litigação, como foi o caso perante o Tribunal de Trabalho e é agora, através da presente acção.
96- Todas as intervenções cirúrgicas, por constituírem tratamento invasivo e intrusivo, deixam fibroses epidurais, que mais não são do que cicatrizes internas, podendo aquelas ser mais ou menos extensas, e só em alguns casos são patológicas.
97- O R. GG agiu com os melhores cuidados possíveis, disponíveis na técnica profissional, com recurso às leis da arte e da ciência médica.
98- Recorreu às intervenções cirúrgicas de acordo com o diagnóstico que os meios auxiliares permitiam e de acordo com a sintomatologia apurada.
99- O A. foi alertado nas consultas pré-operatórias quanto ao facto de a cirurgia em causa ser de realização simples, apresentando quadro bastante favorável de recuperação, não obstante as dores que inelutavelmente se podem associar a uma intervenção cortante e invasiva.
100- Não se justificando, em face do problema concreto do A., de reduzida gravidade, do carácter menor da intervenção e da inexistência de riscos significativos, o relato de complicações anormais e imprevisíveis.
101- A Ré BB Mundial, devido ao acordo referido  em  1),  confiou os tratamentos a ministrar ao A. à Ré CC, que é um estabelecimento hospitalar privado.
102- O qual goza de elevada reputação e prima pela qualidade dos serviços que presta a todos os níveis.
103- A Ré CC confiou os tratamentos cirúrgicos de que o A. carecia ao R. GG, médico cirurgião que goza da maior reputação.
104- O R. GG presta serviço nos HUC e é um profissional sabedor, actualizado, muito experiente e diligente.
105- A Ré BB tinha e tem a certeza e garantia de que o estabelecimento hospitalar da Ré CC primava por ter serviços organizados, de forma a garantir o adequado restabelecimento e reabilitação dos pacientes e sinistrados submetidos aos seus cuidados.
106- O estabelecimento de saúde da Ré CC estava e continua certificado pelo Ministério da Saúde.
107- Possui alvará que atesta a verificação de todas as condições necessárias para a reabilitação das mais diversas cirurgias.
108-Em virtude disso a BB celebrou com a CC um acordo mediante o qual esta se obrigou e obriga a tratar os doentes que BB lhe envia, seja para a reabilitação de cirurgias da mais diversa índole e natureza, seja para a ministração dos mais diversos tratamentos.
109-O R. GG desenvolve a sua actividade profissional de médico cirurgião no estabelecimento hospitalar da Ré CC, a título de prestação de serviços, como profissional liberal.
110- No âmbito deste acordo, a Ré CC faculta ao R. GG as suas instalações e equipamentos e pessoal não médico e mesmo médico e de enfermagem para que todas as intervenções possam ser realizadas.

IV. Do mérito –
Começaremos a apreciação de mérito com um breve enunciado da questão geral que de coloca e perspectiva da sua abordagemtal como se menciona no acórdão recorrido, o A recorrente não alicerça a responsabilidade civil (no caso contratual[1]) em erro ou falta na realização de acto médico-cirúrgico (por parte do neurocirurgião responsável aqui 3º R) mas sim na violação do dever de informação enquanto pressuposto fundamental do consentimento informado[2], entendido este, tanto no campo ético como no campo jurídico, como uma autorização autónoma de um paciente para uma intervenção médica ou médico-cirurgica a qual é necessariamente precedida da prestação pelo médico da adequada informação e recomendação ou conselho[3].
De acordo com a argumentação do recorrente a violação do dever de informação decorre da alegada circunstancia de o recorrido não ter alertado o recorrente para o risco de a intervenção cirúrgica poder não produzir efeitos no seu estado de saúde ou mesmo de este poder piorar em consequência da intervenção, razão pela qual o consentimento prestado não poderia ser considerado como um consentimento informado, sendo nessas referidas circunstancias inválido.
Colocada a questão nestes termos cabe sublinhar que o alicerce do direito à indemnização agora sustentado pelo A (recorrente) deixou, tal como inicialmente referimos, de ter por base qualquer acção ou omissão do médico na execução da intervenção cirúrgica (ou seja responsabilidade civil decorrente de erro médico por violação das leges artis) para se deslocar para um momento anterior (um ante) precisamente aquele momento em que o A (paciente) dá (ou deve dar) o seu consentimento para que se efectue a intervenção cirúrgica legitimando desse modo e através de uma conduta auto-determinada a actuação do médico.
Sublinhe-se desde já ser nosso entendimento que a verificar-se uma situação de intervenção médico-cirurgica não autorizada ou não validamente informada (consequentemente ilícita[4]) estaremos desde logo, tout court e independentemente de outros danos ressarcíveis, perante um dano não patrimonial[5] autónomo indemnizável.
Como se refere o Tribunal Supremo de Espanha, em decisão proferida em 4 de Abril de 2000 (e num contexto normativo idêntico ao nosso), decisão esta que acolhemos como elemento de referencia, um consentimento viciado em resultado de informação insuficiente sobre os riscos pode ser suficiente para constituir um dano moral grave e autónomo indemnizável em função da sua própria valoração e independente de outros danos materiais e morais consequentes ao resultado da intervenção não validamente autorizada.
Concluindo este breve enunciado da questão há, de acordo com o nosso entendimento, que distinguir os casos em que o direito à indemnização emerge de erro médico situação em que deverá abranger os danos morais e materiais e os casos em que a causa de pedir se funda exclusivamente na violação do dever de informar e consequente ausência de consentimento informado ou vicio de consentimento, situações estas em que, em principio, haverá lugar à reparação dos danos não patrimoniais relevantes consequentes á violação do direito à integridade física e moral do doente à qual acrescerá a eventualidade de uma indemnização por danos patrimoniais necessariamente decorrente da verificação dos pressupostos gerais da responsabilidade civil.,
Colocada a questão nos termos que acabamos de enunciar e dentro de uma análise de ordem geral que se justifica pela circunstancia de estarmos colocados perante um recurso de revista excepcional, cuja admissão se mostra fundamentada pela relevância jurídica e escassa jurisprudência nacional sobre a mesma, passaremos a fazer uma referencia sobre a validade do consentimento (informado) do paciente como condição de licitude da intervenção médica[6].
Constituindo uma intervenção médico-cirurgica (sobretudo e como é aqui o caso de natureza invasiva) uma violação objectiva do direito (com consagração constitucional no artigo 25ª CRP) à integridade física e moral do doente e sendo enquanto tal geradora de responsabilidade civil torna-se, no entanto, em condições normais licitas licita se previamente justificada com o consentimento livre, consciente e esclarecido do lesado (excepcionam-se desta regra geral os casos em que o consentimento é dispensado nomeadamente nas hipóteses legalmente previstas no nº 2 do artigo 156º CPenal); esta realidade é válida mesmo na perspectiva do direito penal configurando a intervenção não consentida o crime previsto e punido no nº 1 do artigo 156º CPenal, sendo certo, porém, que no artigo 157º do mesmo Código se enunciam as condições gerais de eficácia do consentimento (também numa perspectiva jurídico-penal, com obvias repercussões em matéria de responsabilidade civil por factos ilícitos – artigo 483º CC - a intervenção médico-cirurgica configura em abstracto uma ofensa à integridade física funcionando o consentimento eficaz como condição de exclusão de punibilidade).
Devemos pois ter em consideração que consentimento só se revelará válido e eficaz (quer na perspectiva da responsabilidade civil como da responsabilidade penal[7]) quando o paciente tiver sido devidamente esclarecido sobre o diagnóstico e a necessidade, natureza e riscos da intervenção, mais precisamente quando lhe tiverem sido fornecidos os elementos suficientes para que a capacidade de decidir se revele consciente e livre[8].
De uma forma geral e em conclusão que estabelece o quadro geral em que analisaremos a questão concreta que se nos coloca, poderemos afirmar que na relação médico/paciente o dever de informação por parte do médico (entendido como obrigação jurídica[9]) que se mostrará cumprido quando tenha sido fornecida a informação tida por relevante é prévio ao consentimento relevante[10] que após ser dada a informação será dado pelo paciente de forma consciente e livre; será de toda a importância lembrar que, de acordo com os princípios gerais do ordenamento civil, o consentimento do paciente enquanto declaração de vontade não pode estar afectado pelos vícios de vontade enunciados na Subsecção V do Código Civil (especialmente artigos 246 – falta de consciência da declaração – e 252 - erro sobre os motivos).
No seguimento do que referimos impõe-se agora uma nota sobre o conteúdo (mínimo) do direito à informação (relevante).
Adoptando uma perspectiva que permanece, num quadro geral, actual uma decisão (arrêt) da Cour de Cassation francesa, de 21 de Fevereiro de 1961 (considerado nesta matéria o leading case da jurisprudência francesa[11]) estabeleceu como constituindo padrão do conteúdo do direito à informação/dever de informação a necessidade de transmissão de “uma informação simples, aproximativa, inteligível e leal por forma a permitir-ser ao doente uma tomada de decisão que ele considere como aquela que as circunstancias impõem[12]; este padrão geral do conteúdo de direito á informação tem naturalmente a natureza elástica e genérica necessária que se apresenta como a mais adequada a diferentes tipos de paciente e a diferentes situações clínicas integrando como elementos fundamentais os relativos ás vantagens (ainda que prováveis) do tratamento ou intervenção e os (igualmente prováveis) respectivos riscos.
Estão na essência deste conteúdo típico de dever de informação as mesmas fundadas razões que estiveram subjacetes e determinaram o conceito de dever de informação que mereceu acolhimento no artigo 5º da Convenção de Oviedo (Convenção do Conselho da Europa para a Protecção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e da Medicina, adoptada e aberta à assinatura em Oviedo, a 4 de Abril de 1997 e em vigor na ordem jurídica nacional desde 1 de Dezembro de 2001) o qual, de um modo geral, fala numa transmissão (ética e leal) de informação adequada sobre a finalidade e natureza da intervenção assim como respectivos riscos e consequências[13][14] e também da definição conceptual de direito e dever de esclarecimento consagrada no artigo 2.2 da Declaração dos Direitos dos Pacientes – Organização Mundial de Saúde (Europa), 1999[15].
Partindo deste modelo tem por toda a Europa a jurisprudência[16] e mesmo alguma legislação (caso da Lei nº 2002/303 – Code de la Santé Publique, França, e Ley nº 41/2002, Espanha, que citamos a titulo meramente indicativo) procurado dar maior conteúdo ao direito a ser informado compreendido com uma destinação que finalisticamente procura uma tomada de decisão esclarecida e livre[17]; neste sentido e percorrendo as linhas gerais orientadoras vêm-se afirmando, de uma forma sempre evolutiva e adequada a uma realidade que constantemente evolui, como elementos essenciais do dever de informação (e do preenchimento do co-respectivo direito) as linhas essenciais da intervenção ou tratamento a realizar, a sua utilidade, a sua eventual urgência, as consequências previsíveis, os riscos previsíveis frequentes ou graves, as alternativas possíveis e as consequências previsíveis de uma eventual recusa.
De um modo geral e partindo-se do principio que qualquer intervenção cirúrgica tem riscos compreende a possibilidade de ocorrência de situações não desejadas ou desejáveis tem a doutrina e a jurisprudência europeia consagrado um principio que tem como prévia do consentimento informado a transmissão de uma informação simples e aproximativa e sobretudo leal a qual compreenda os riscos normalmente previsíveis, salientando-se, porém, que se tem verificado uma maior exigência e rigor de informação nos casos de intervenções não necessárias (caso de algumas cirurgias plásticas)[18] (como refere Rose-Marie Lozano – “La Proteccion Européenne des Droits de l’ Homme dans le Domaine de la Biomédicine” 2ª edição IGN 2004[19]) “quanto menos necessário for o tratamento mais rigorosa deve ser a informação devendo ser extrema na chamada cirurgia voluntária em contraposição com a cirurgia curativa ou assistencial”.
Em conclusão e no que toca aos riscos que devem ser integrar o direito à informação/obrigação de informação entendemos que os riscos a informar devem ser os riscos tidos como previsíveis e sérios[20], admitindo ainda que em intervenções de particular grau de risco se comuniquem ao paciente os riscos graves dessa mesma intervenção (morte ou invalidez permanente) ainda que de ocorrência excepcional (sobre este ponto e sobre a jurisprudência europeia relevante v. André Gonçalo Dias Pereira, obra citada (nota 6) pagina 425.
Na sequência do que ficou referido importa agora e dentro da análise geral que estamos a efectuar analisar a questão do onus da prova da prestação de informação.
Actualmente tanto na doutrina como na jurisprudência (tanto nacional como europeia) vem prevalecendo o entendimento no sentido de que, em princípio e independentemente de se fazer especial apelo ao princípio da colaboração processual em matéria de prova, compete ao médico provar que prestou as informações devidas; na doutrina portuguesa este entendimento é defendido por André Dias Pereira (obra citada, página 200) que menciona ser o entendimento no sentido de recair sobre o médico o onus probandi do cumprimento do dever de informar defendido, também e entre outros, por Orlando de Carvalho, Figueiredo Dias, Sinde Monteiro e Capelo de Sousa.
Entendendo dever nesta matéria acompanhar-se este entendimento dominante da nossa doutrina e tornando-se relevante sublinhar ser o mesmo entendimento que vem merecendo acolhimento no Tribunal Supremo de Espanha (v. decisões de 28/12/98 e de 19/4/99, nas quais com base na teoria da facilidade probatória se imputa ao médico o ónus da prova, por ser ele que está em melhores condições de conseguir a prova) e, antes de a questão ser resolvida por via legislativa com a Loi du 4 Mars (Loi n° 2002-303 du 4 mars 2002 relative aux droits des malades et à la qualité du système de santé), na Cour de Cassation francesa (arrêt Hedreul de 25/2/97, onde se refere que o paciente tem mais dificuldade em provar o facto negativo que o médico o facto positivo)[21], concluímos ser nosso entendimento recair sobre o médico (enquanto devedor da obrigação de informar) o onus probandi do cumprimento do dever de informar, sendo certo que a consagração de uma posição neste sentido deve reforçar o cuidado de preenchimento das fichas clínicas com os elementos necessários à demosntração do cumprimento do dever de informar.
Enunciado o quadro geral a considerar e passando ao plano da análise concreta começaremos por mencionar (transcrevendo partes relevantes da decisão recorrida) que depois de considerar, em linha com o entedimento dominante da doutrina e jurisprudência nacional e europeia, que o “ónus da prova do consentimento e da prestação da informação incide sobre o médico ou a instituição de saúde, porque o consentimento funciona como causa de exclusão da ilicitude, e a adequada informação é um pressuposto da sua validade, logo matéria de excepção, como facto impeditivo (art. 342 nº2 CC), devendo atender-se ainda ao princípio da “distribuição  dinâmica da prova “ se entendeu no acórdão recorrido que no tocante ao dever de informação que “se comprovou que sempre foi comunicado ao Autor que a intervenção cirúrgica era o único meio adequado a corrigir a lesão resultante do acidente sofrido, do objectivo da intervenção, ou seja, de extirpar a hérnia e de eliminar a dor ciática e dos precisos termos em que se processaria e que foi alertado nas consultas pré-operatórias quanto ao facto de a cirurgia ser de realização simples, apresentando quadro favorável e recuperação, não se justificando o relato de complicações anormais e imprevisíveis” concluindo-se que se encontrava satisfeito o dever de informação.
Inconformado com esta conclusão refere o recorrente que em momento algum lhe foi referida a possibilidade de agravamento da sua situação em resultado da intervenção cirúrgica e que a consciência do risco de não melhorar ou mesmo de piorar era indispensável à tomada de uma decisão informada de se submeter a nova intervenção.
No acervo factual demonstra-se, além do mais, que (98) o R médico recorreu às intervenções cirúrgicas de acordo com o diagnóstico que os meios auxiliares permitiam e de acordo com a sintomatologia apurada, (99) que o A foi alertado nas consultas pré-operatórias quanto ao facto de a cirurgia em causa ser de realização simples, apresentando quadro bastante favorável de recuperação, não obstante as dores que inelutavelmente se podem associar a uma intervenção cortante e invasiva, (100) não se justificando, em face do problema concreto do A., de reduzida gravidade, do carácter menor da intervenção e da inexistência de riscos significativos, o relato de complicações anormais e imprevisíveis.
Estes elementos factuais, acompanhados dos demais relevantes alguns dos quais iremos referir, conduzem a que, tal como foi entendimento acolhido no acórdão recorrido e de acordo com a linhas gerais de análise que antes expusemos, se deva concluir que o R médico prestou ao A os elementos de informação tidos como necessários à formação de uma consciência de toda a situação fundamental para o consentimento que foi dado tanto para a primeira como para a segunda intervenção, transmitindo quer as razões da necessidade e adequação da intervenção – (72) o protocolo médico consensualmente aceite na comunidade neurocirúrgica consiste na indicação de cirurgia para os casos em que se verifique persistência da ciatalgia depois de 4 a 6 semanas de tratamentos conservadores ou até antes se existir défice motor progressivo (73) o A. foi informado pelo R. GG daquele objectivo da intervenção, ou seja, de extirpar a hérnia e de eliminar a dor ciática e dos precisos termos em que se processaria – quer a reduzida gravidade da intervenção e consequente desnecessidade de alertar para complicações anormais de todo imprevisíveis (99) e (100).
Os elementos informativos que de acordo com a factualidade apurada se apresentam como fornecidos mostram-se suficientes para podermos concluir que o consentimento dado pelo A para uma e outra intervenção cirúrgica, e não deixa de ser relevante a circunstancia de o A ter autorizado as duas intervenções nas condições que as determinaram e na sequencia em que foram efectuadas, foi um consentimento informado e livre  (dado no contexto de uma relação médico/paciente mais ou menos prolongada) não padecendo a declaração de autorização de qualquer vício de vontade; tal como se afirma no acórdão recorrido “comprovou-se que sempre foi comunicado ao A que a intervenção cirúrgica era o único meio adequado a corrigir a lesão resultante do acidente sofrido, do objectivo da intervenção, ou seja, de extirpar a hérnia e de eliminar a dor ciática e dos precisos termos em que se processaria, comprovou-se que o A foi alertado nas consultas pré-operatórias quanto ao facto de a cirurgia ser de realização simples, apresentando quadro favorável e recuperação, não se justificando o relato de complicações anormais e imprevisíveis e não se provou que a deterioração do seu estado de saúde e a situação depressiva tivesse sido consequência da actuação médica”.
Perante isto e na perspectiva em que o A coloca agora a sua discordância relativamente à decisão recorrida, ganha especial ou fundamental destaque a circunstancia de o acento tónico da sua discordância passar a ser relativo à alegada falta de informação quanto à possibilidade de o seu estado de saúde poder não melhorar ou mesmo piorar, informação essa que seria determinante para tomar a decisão informada de se submeter a uma segunda cirurgia (conclusões 11, 12 e 23 da alegação).
Passamos assim do plano da eventual falta de informação sobre os riscos normais ou previsíveis do acto cirúrgico para um palno de falta de informação sobre a probabilidade de obtenção do resultado desejado.
Ao utilizar a argumentação referida o recorrente desloca o núcleo típico do dever de informação prévio à intervenção cirurgica enquanto uma obrigação de meios para aquele que, em nosso entender, deveria ser o núcleo desse mesmo dever caso estivéssemos no âmbito de uma obrigação de resultado ou seja o dever de informação deixaria de compreender apenas a transmissão dos riscos normais ou razoavelmente previsíveis ou mesmo significativos do tratamento ou da intervenção para passar a compreender igualmente o dever de transmitir o risco de não verificação do resultado normalmente previsível.
Ora, na cirurgia curativa ou assistencial (como é aqui o caso), ao contrario do que pode ocorrer em algumas cirurgias voluntárias, nunca o médico se compromete a um resultado limitando-se a assumir (contratualmente) a obrigação de utilização dos meios adequados à produção de um resultado (previsível) que debele ou pelo menos atenue a situação determinante da intervenção. Não sendo a medicina uma ciência exata e envolvendo o tratamento médico ou cirurgico uma alea relativamente ao resultado não pode em geral o médico vincular-se ao resultado da terapia ou  da evolução clínica consequente, mostrando-se o dever de informação quanto a um resultado,
 apenas tido como provável ou altamente provável devidamente preenchido quando o médico informa de uma forma leal e dentro do ética e deontologicamente exigível que aquele é o meio terapeutico adequado a debelar ou minimizar os efeitos da situação determinante, fazendo referencia às vantagens prováveis daquele tratamento.
Apenas nas situações em que, como tivemos ocasião de referir, por qualquer razão (e isto pode, por exemplo, ocorrer em sede de cirurgia plástica voluntária ou cirurgia dentária), o médico promete um certo e determinado resultado não advertindo o paciente para a existência de uma margem de insucesso é que em nosso entender se verificará uma omissão do dever de informar ligada à omissão de informação sobre a probabilidade de resultado (v. decisão da Corte di Cassazioni (Itália) de 10 de Setembro de 1999, referida por André G. Dias Pereira, obra citada, página 718).
Posto isto e indo ainda mais à situação concreta, mesmo a admitir-se que constituia obrigação intregrante do dever de informação o esclarecimento relativo à eficácia concreta e individual do acto cirúrgico (esclarecimento que na nossa perspectiva se mostra transmitido quando correctamente se indica ser a cirurgia o meio adequado para debelar o problema- v. entre outros os pontos 99 e 100 dos factos provados) esclarecimento que no caso concreto foi  dado  verifica-se que da factualidade provada não resulta minimaemnte que o resultado previsto decorrente das intervenções não tenha sido obtido.
Nestes termos não merece censura o acórdão recorrido.

V. Decisão –perante o que fica exposto acorda-se em negar a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 16 de Junho de 2015

Mário Mendes (Relator)
Sebastião Póvoas
Moreira Alves

______________________
[1] Contrato de prestação de serviços médicos.
[2] O dever de informação e o consentimento informado tem consagração legal, nomeadamente, na Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina (publicada no DR 1ª Série de 3/1/2001), Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (art. 3º), artºs. 25 e 26 da CRP, art. 70 CC ( Direito geral de personalidade ), Código Deontológico da Ordem dos Médicos ( arts. 44 e 45 ), Lei de Bases da Saúde ( Lei nº 48/99 de 24/8, alterada pela Lei nº 27/2002 de 8/11 ).
[3] O dever de informação do médico não se esgota, de acordo com o nosso entendimento, no fornecimento da informação adequada devendo essa informação ser complementada, no quadro da relação que se estabelece entre médico e paciente a qual implica o desenvolvimento de um quadro de confiança, com a recomendação ou conselho no sentido da prática futura do acto. Este entendimento sobre o conteúdo do dever de informação pode ter consequências em termos de responsabilidade civil (v. Sinde Monteiro “Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações”, Almedina, 1999.
[4] V. artigo 156º do Código Penal, sublinhando-se que, de acordo co alguma doutrina o legislador ao eregir aqui o direito à autodeterminação como bem jurídico tutelado pela norma  admite que esse direito possa prevalecer sobre o direito à vida (Vera Lúcia Raposo, “Do Regime das Intervenções Médico-Cirurgicas Arbitrárias no Código Penal Português”. Sublinhe-se que não acompanhamos este entendimento uma vez que entendemos que a norma visa porteger o direito à integridade física e moral sendo este o bem, constitucionalmente protegido, verdadeiramente tutelado pela norma.
[6]  Refira-se ainda que estando no quadro de um contrato o cumprimento referido no art. 800 nº1 do CC, vai para além da mera execução da prestação a que o devedor se vinculou, abrangendo os deveres laterais de conduta que integram a relação obrigacional complexa, onde se incluem os deveres de protecção e de informação ( cf., Carneiro da Frada, Contrato e Deveres de Protecção, pág.209 e segs.).
[7] Num e noutro caso dá-se tradução no plano da lei ordinária ao que no plsno condtitucionsl se estatui no artigo 25º CRP.
[8] V. no plano interno os artigos 44.º, n.º1 e 45.º, n.º1 do “Código Deontológico” da Ordem dos Médicos (publicado como no Diário da República, 2.ª série, de 13.1.2009, Base XIV nº 1 alínea e) da Lei de Bases da Saúde (Lei nº 48/90, de 24 de Agosto e no plano internacioanal o artigo 5º da Convenção de Oviedo, artigo 3º nº 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e os artigos 6º e 7º da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, de Outubro de 2005.
[9] V. André Gonçalo Dias Pereira “Direitos dos Pacientes e Responsabilidade Médica”, Coimbra Editora, 2015, página 410.
[10] De acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional de Espanha o consentimento informado tem hoje um valor próximo do de um direito fundamental apresentando-se como manifestação do direito à liberdade de consciência.
[11] Citamos Alexandre G Dias Pereira, obra citada na nota 6, página 399.
[12] Tradução livre.
[13] Na jurisprudência belga merece relevo a decisão de 29/3/66, da Cour d’ Appel de Bruxelles, na qual se refere que o dever de informar “abrange os riscos sérios, conhecidos, susceptíveis de ocorrerem com certa frequência”.
[14]  Artigo 5.º - Qualquer intervenção no domínio da saúde só pode ser efectuada  após ter sido prestado pela pessoa em causa o seu  consentimento livre e esclarecido. Esta pessoa deve receber previamente a informação adequada quanto ao objectivo e à natureza da intervenção, bem como às suas consequências e riscos.
[15] V. obra citada na nota de rodapé 6 página 422.
[16] O Supremo Tribunal Alemão em Acórdão de 22.12.2010 reafirmou o entendimento de que deve ser prestada ao paciente informação base (“Grundaufklärung”) em termos “gerais e completos” (“Grossen und Ganzen”), com inclusão das chances e riscos da intervenção, nestes se compreendendo todos os riscos graves ligados à intervenção mesmo os de verificação rara, mas sem necessidade duma descrição médica exata. Quanto aos efeitos secundários, sequelas e riscos do tratamento a doutrina recomenda o esclarecimento daqueles que se verificam com  frequência, não havendo necessidade de focar os riscos de carácter  excepcional na sua verificação.
[17] V. Sanchez Gargallo “Tratamiento Legal y Jurisprudencial del consentimiento informado” – Working Paper nº 209 (www.indret.com).
[18] No domínio da Ley 41/2002, de 14 de Novembro e da posição que vem sendo assumida em Espanha quer pelo Tribunal Supremo quer pelo Tribunal Constitucional (sobretudo em sede de recurso de amparo) v. Rubio Torrano “Deber de information y consentimiento informado en la actividad sanitária” Actualidad Jurídica Aranzadi Civil-Mercantil, 2008. Igualmente José Lago (Consientemiento Informado y Responsabilidade Civil, Revista Julgar, Número Especial de 2014, 163) refere que a Sala Civil do Tribunal Supremo Espanhol vem distinguido consoante se trate de intervenções de medicina curativa ou necessária ou apenas “satisfactiva, reparadora o no necessária”. Neste segundo caso, as exigências relativas ao conteúdo informativo são mais rigorosas, do que no primeiro, tendo em conta “a necessidade de evitar que se silenciem os riscos excepcionais ante cujo conhecimento o paciente poderia subtrair-se a uma intervenção não necessária ou de uma necessidade relativa.” Ainda sobre o conteúdo do dever de informação em cirurgia não necessária v. Jean Penneau “La responsabilité du médicin” Dalloz, 1966 e Yvonne Lambert-Faivre “Le Droit du dommage corporel”, Dalloz, 1990.
[19] Citada por André Gonçalo Dias Pereira, obra citada, página 426
[20] Entre nós, Álvaro Rodrigues (A Responsabilidade Médica em Direito  Penal, 346) defende que: “Quanto aos efeitos secundários, sequelas e riscos do tratamento a  doutrina recomenda o esclarecimento daqueles que se verificam com frequência, não havendo necessidade de focar os riscos de carácter excepcional na sua verificação. Mais uma vez, aqui, como em tudo na vida, o melhor critério será o da ponderação dos interesses em jogo, mediante uma atitude ética e conscienciosa, que procurando devolver a saúde ao doente, tenha sempre no horizonte o direito deste à sua liberdade de decisão convenientemente esclarecida.”
[21] V. Yves-Henri Leleu/Gilles Génicot “Le droit médical – aspects juridiques de la rélation médicin-pacient”