Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3303/05.4TBVIS.C2.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: AZEVEDO RAMOS
Descritores: CONTRATO DE TRANSPORTE
CONVENÇÃO CMR
FURTO
PRESUNÇÃO DE CULPA
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
VALOR DA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 06/05/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
DIREITO COMERCIAL - CONTRATOS COMERCIAIS
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - INCIDENTES DA INSTÂNCIA - DISCUSSÃO E JULGAMENTO DA CAUSA - RECURSOS
Doutrina: - Manuel de Andrade, Teoria geral das Obrigações, 1958, pág. 417.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 483.º, N.º1, 798.º, 799.º, N.º1.
CÓDIGO COMERCIAL (C.COM.):- ARTIGOS 376.º, 383.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 330.º, 332.º, N.º4, 655.º, N.º1, 646.º, N.º4, 712.º, N.º2, 722.º, N.º2, 729.º, N.º3.
CONVENÇÃO RELATIVA AO CONTRATO DE TRANSPORTE INTERNACIONAL DE MERCADORIAS POR ESTRADA (CMR): - ARTIGOS 17.º, N.ºS 1 E 2, 18.º, N.º2, 23, NºS 1, 2, 3, 5 E 6, 27.º, N.º1, 29.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 17-1-2006, PROCESSO Nº 2735/05;
-DE 24-5-2007, PROCESSO Nº 1311/07;
-DE 18-12-2008, PROCESSO Nº 3828/08,
-DE 9-2-2010, PROCESSO Nº 892/03.1TCGMR.G1.S1;
-DE 29-4-2010, PROCESSO Nº 982/07, 1TVPRT.P1.S1;
-DE 14-6-2011, PROCESSO N.º 437/05.9TBANG.C1. S1; TODOS EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I – Nas prestações de resultado, como acontece no contrato de transporte de mercadorias, por estrada, em que o transportador se encontra obrigado a alcançar o efeito útil contratualmente previsto, basta ao credor demonstrar a não verificação do resultado, ou seja, a não entrega da mercadoria pelo transportador, no local e tempo acordados, para se verificar o incumprimento do devedor.

II – O transportador é responsável pela perda total ou parcial, ou pela avaria que se produzir entre o momento do carregamento da mercadoria e o da entrega.

III – Por isso, torna-se responsável pelo desaparecimento da mercadoria, se não demonstrar que a perda teve por causa algum dos factos previstos no nº2, do art. 17, da CMR.

IV – O furto de mercadorias transportadas num reboque, coberto por lona, ocorrido durante a noite, quando o veículo estava estacionado num lugar público, sem vigilância, estando o motorista a dormir em casa, situada a uma distância de 80 metros, não exclui a culpa do transportador.

V- Isto por o furto não constituir caso fortuito susceptível de integrar algumas daquelas causas de exclusão da responsabilidade do transportador.

VI – Uma falta que, segundo a lei portuguesa, seja considerada equivalente ao dolo, para efeito do art. 29, nº1, da CMR, não pode deixar de ser, face à legislação nacional, enquanto elemento do nexo de imputação do facto ao agente, a negligência ou mera culpa que, conjuntamente com o dolo, faz parte da culpa em sentido lato.

A.R.
Decisão Texto Integral:

         Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

      

         Em 19-7-2005, AA—Württembergische und Badische VersicherungsAktiengesellschaft instaurou a presente acção ordinária contra o réu BB, alegando em síntese:

As sociedades portuguesas B...— Auto Rádio Portugal, Lda. e M... Portuguesa, Lda. fazem parte do grupo internacional CC e, no exercício da sua actividade industrial, venderam à B...GmbH, para entrega em França, os artigos constantes das facturas juntas aos autos como documentos n°s 1 e 2.

Acrescenta que, durante o transporte, desapareceu mercadoria, tendo faltado à descarga, de acordo com a reclamação apresentada, 5 aparelhos referentes à guia de remessa ..., factura nº ..., de 13/08/2004, no valor de €407,06 e 375 aparelhos referentes à guia de remessa ..., factura n.° ..., de 13/08/2004 no valor total de €35027,44.

As vendedoras encarregaram o transitário L... Transitários, SA de organizar o transporte da referida mercadoria de Braga para as instalações da Normatrans em Grentheville, França, a qual escolheu como transportador o ora réu, que carregou a mercadoria em Braga, no dia 13 de Agosto de 2004, acrescentando que este, em vez de seguir para o seu destino, estacionou o veículo transportador no Largo ..., em Viseu, sem ninguém a bordo, na noite de 13 para 14 de Agosto de 2004.

No dia 14 de Agosto de 2004, por volta das 10:00 horas, o réu verificou que durante a noite o camião tinha sido arrombado, tendo participado a ocorrência à autoridade policial, bem como à respectiva seguradora, que não assumiu qualquer responsabilidade pelos prejuízos causados pelo seu segurado.

A firma B...GmbH pagou à B...- Auto Rádio Portugal, Lda. e à M... Portuguesa, Lda. a totalidade daquelas facturas, sendo a seguradora de todas as companhias e filiais do grupo CC em que se integra a B...GmbH, através de apólice de seguro de transporte como n.° ...-..., acrescentando que o roubo de que tratam os presentes autos estava coberto pela respectiva Apólice e assumiu a responsabilidade pelo sinistro perante a destinatária da mercadoria, a B...GmbH, tendo por esta sido subrogada em todos os direitos que a mesma tem contra o Réu.

Concluiu, pedindo que o réu seja condenado a indemnizar-lhe todos os prejuízos causados pelo roubo ocorrido durante o transporte titulado pelo CMR RC102582, acrescidos de juros, à taxa anual de 5%, até integral pagamento.

                                               *

A autora requereu ainda a intervenção principal provocada da L..., Transitários, S. A., mas tal pedido foi indeferido.

                                                        *

O réu contestou, impugnando os factos alegados pela autora no que respeita aos prejuízos sofridos e alegou que estacionou o seu veículo junto à sua residência, em local público bem iluminado e bem frequentado, rodeado de residências, tendo trancado as portas, fechado os vidros e retirado as chaves, acrescentando que era o lugar na sua localidade onde o veículo poderia estar mais seguro e que na cidade de Viseu não existem parques vigiados/guardados adequados ao seu veículo de grandes dimensões.

Refere ainda que tinha transferido a sua responsabilidade civil para a seguradora DD, pelo que, caso venha a ser condenado a pagar à autora a indemnização peticionada, será a dita seguradora a responsável pelo seu pagamento, acrescentando que esta estabeleceu na cláusula n.° 3, alínea k) das condições gerais a exclusão da sua responsabilidade, no caso de furto em parque sem guarda, mas não negociou tal cláusula que lhe foi imposta pela seguradora, além de que a mesma é absolutamente proibida por absolutamente desequilibrada e inexequível.

Pediu a sua absolvição do pedido e requereu a intervenção da Companhia de Seguros DD, S.A. como sua associada.

                                                        *

         Houve réplica.

                                                        *

Por despacho constante de fls. 153 a 154, foi admitida a intervenção acessória provocada da Companhia de Seguros DD, S. A.,

                                                        *

A Companhia de Seguros DD, SA contestou, aceitando que celebrou um contrato de seguro com o réu, que se encontrava em vigor na noite de 13 para 14 de Agosto de 2004.

No mais, impugnou os factos alegados pela autora por desconhecimento e alegou que, após lhe ter sido participado o sinistro em causa, diligenciou por efectuar uma vistoria e na sequência do respectivo relatório concluiu que, no caso, está excluída a sua responsabilidade, porquanto o réu negligenciou o estacionamento do veículo e mercadorias nele carregadas, pois abandonou os mesmos, não tomando as precauções razoáveis de segurança, e foi, no seu próprio interesse, pernoitar na sua própria residência em Viseu, em vez de seguir viagem, configurando-se uma exclusão da apólice de seguro contratada.

Refere ainda que veio a ser apurado, posteriormente à elaboração do contrato de seguro, que o réu não possui alvará para o exercício da actividade de transporte internacional rodoviário, nem possui capacidade profissional para requerer o referido alvará, pelo que não está legalmente habilitado para o exercício desta actividade, sendo, assim, além do mais, o contrato de seguro nulo.

No que respeita aos danos, alega ainda que a medida da indemnização não é o valor da mercadoria, mas sim o peso, nos termos do artigo 23.°, n.° 3 da Convenção CMR, pelo que, sendo 815,22 kg o peso bruto total das mercadorias em falta, o valor indemnizável não pode ultrapassar €8134,G8, a que sempre haveria que deduzir a franquia de €500.

                                                        *

Notificada a autora, veio esta impugnar por desconhecimento as condições gerais e particulares do contrato de seguro, bem como os termos em que a apólice foi subscrita e, bem assim, a alegada inexistência de alvará por parte do réu para o exercício de transporte internacional.

Acrescenta que o desaparecimento da mercadoria durante o transporte ocorreu por culpa exclusiva do segurado da interveniente, pelo que esta não pode invocar a limitação prevista no artigo 23.°, n.° 3 da Convenção CMR, inaplicável no caso concreto.

*

Notificada da contestação apresentada pelo réu, a chamada DD respondeu, dizendo que a cláusula k) não isenta em absoluto qualquer responsabilidade sua, como resulta da sua completa leitura.

O réu aderiu ao contrato tipificado na apólice, de cujas cláusulas tinha e tem perfeito conhecimento, designadamente da cláusula k), a que nunca colocou qualquer obstáculo, sempre aceitou o que dela consta e nunca a pôs em crise.

                                                        *

         Realizado o julgamento e apurados os factos, foi proferida sentença , onde se decidiu julgar acção improcedente e absolver o réu do pedido, por não estarem verificados os pressupostos da sub-rogação, em virtude de não se ter provado que a autora tivesse pago à B...GmbH a quantia de 35.435,80 euros, de que pretende ser ressarcida.

         Foi considerado prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.

 

                                                        *    

         Apelou a autora e a Relação de Coimbra, através do seu Acórdão de 11 de Maio de 2010, decidiu:

         1 – conceder provimento à apelação e revogar a sentença recorrida, na parte em que considerou que não se verificam os pressupostos da sub-rogação da autora no direito desta a ser ressarcida dos prejuízos resultantes do serviço de transporte em causa;

         2 – consequentemente, determinou que o tribunal de 1ª instância se pronuncie sobre todas as questões cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras e ainda pela atribuição da questionada responsabilidade relativamente ao réu António Coelho Almeida e à interveniente acessória, Companhia de Seguros DD, S.A.

                                                        *

         Tal Acórdão da Relação de Coimbra foi confirmado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-12-2010, transitado em julgado.

 

                                                        *

         Tendo o processo baixado à 1ª instância, foi proferida a sentença de 22-2-2011, que julgou a acção parcialmente procedente e condenou o réu BB a pagar à autora a quantia de 7.764,72 euros, acrescida de juros de mora, calculados à taxa de 5% ao ano, desde 19-7-2005 (data da instauração da presente acção), até integral pagamento.

                                                        *

         Apelaram a autora, bem como o réu BB.

         A Relação de Coimbra, através do seu Acórdão de 15-11-2011, decidiu:

         1 – Negar provimento à apelação interposta pela autora;

         2 – Conceder provimento à apelação apresentada pelo réu e, consequentemente, revogou a sentença recorrida e absolveu o réu do pedido.

                                                       

                                                        *

         Continuando inconformada, a autora pede revista, onde resumidamente conclui:   

         1 – Existe contradição entre a resposta dada ao quesito 6º da base instrutória e as respostas aos quesitos 15º e 16º.

         2 – Os depoimentos das testemunhas ,,,, ,,,, ,,,, ,,, e ,,, não dão suporte à resposta positiva dada à matéria do quesito 6º da base instrutória.

         3 – Ao abrigo dos arts 722, nº2 e 712, nº1, al. a) e b), do C.P.C., solicita-se que seja ordenado ao tribunal de 2ª instância a reapreciação da resposta ao quesito 6º da base instrutória.

         4 – O quesito 9º da base instrutória não contém matéria de facto, mas sim matéria conclusiva que teria de se fundamentar ou sustentar em factos concretos que levassem o tribunal a chegar a essa conclusão.

         5 – Dos depoimentos das testemunhas ,,,, ,,, e ,,, resulta que o local onde o réu estacionou o camião não era objecto de uma vigilância policial permanente e nesse mesmo local já tinha havido outros assaltos antes do camião do réu ter sido assaltado.

         6 – Ao abrigo dos arts 722, nº2 e 712, nº1, al. a) e b), do C.P.C., solicita-se que se ordene ao tribunal de 2ª instância a reapreciação da resposta dada ao quesito 9º da base instrutória.

         7 – O réu não cumpriu as obrigações que assumiu como transportador.

         8 – O desaparecimento da mercadoria ocorreu por culpa do réu que estacionou o camião, sem qualquer tipo de alarme, revestido com uma simples lona, carregado com auto rádios (mercadoria facilmente sonegável), numa via pública onde já tinham ocorrido vários furtos durante a noite, sem vigilância.

         9 – O réu agiu com falta de diligência e até com dolo eventual, pois sabia que era possível o roubo e mesmo assim não vigiou a carga entre as 22 horas do dia 13 de Agosto de 2004 e as 10 horas do dia 14 de Agosto de 2004.

         10 – O roubo da mercadoria transportada num camião de lona e abandonado durante a noite não é um caso fortuito ou inevitável, como as instâncias parece considerarem.

         11 – O Acórdão recorrido, ao absolver o réu do pedido, por entender que o transportador não é responsável pela perda da mercadoria, por não lhe ser exigível, no caso concreto, outro comportamento para evitar o furto, interpretou erradamente o disposto no art. 17, nº2, da Convenção CMR, violando o disposto nos arts 17, 18 e 29 da mesma Convenção.

         12 – O transportado0r não tem o direito de se aproveitar das disposições da Convenção que excluem ou limitam a sua responsabilidade – nomeadamente da limitação prevista no art. 23, nº3 da Convenção CMR – se o dano provier de dolo ou falta que não seja imputável ao transportador.

         13 – A perda da mercadoria durante o transporte resultou da falta imputável ao transportador e dos comportamentos negligentes deste que integram o conceito de dolo eventual.

         14 – Contrariamente ao que foi decidido na 1ª instância, é inaplicável ao caso a excepção da limitação da indemnização do art. 23, nº3, da Convenção CMR, não podendo o réu beneficiar de tal limitação sob pena de violação do disposto nos arts 17, 29 e 30 da Convenção CMR.

         15 – Tendo o réu transferido a sua responsabilidade civil por furto ou roubo para a Companhia de Seguros DD, por contrato de seguro vigente à data do sinistro, deverá esta ser solidariamente condenada no pagamento do pedido.  

         16 – Termina por pedir:

         - seja ordenada a remessa dos autos à Relação de Coimbra, para apreciação das respostas dadas aos quesitos 6º e 9º da base instrutória;

         - seja revogado o Acórdão recorrido, por errada aplicação dos arts 17, nº2 e 18 da Convenção CMR, condenando-se o réu e a sua seguradora integralmente no pedido, sem aplicação da limitação da indemnização prevista no art. 23, nº3, da Convenção CMR.

                                                        *

         A seguradora Companhia de Seguros DD, S.A., contra-alegou em defesa do julgado .        

            

                                                        *

         Corridos os vistos, cumpre decidir.

                                                        *

         Estão provados os factos seguintes :

1. As sociedades portuguesas B...- Auto Rádio Portugal, Lda. e M... Portuguesa, Lda., a primeira com sede em Braga e a segunda em Vila Real, fazem parte do grupo internacional CC.

2. No exercício da sua actividade industrial, venderam à B...GmbH, com sede em Hildesheim, na Alemanha, para entrega nas instalações desta em França na Normatrans Pour RB GmbH, com sede em Grentheville, em França, os artigos constantes das facturas n°s ... e ..., cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

3. A venda previa o transporte por camião, nos termos da cláusula Incoterms CIP Carriage and Insurance.

4. A organização e efectivação dos transportes das referidas sociedades portuguesas é feita, normalmente, utilizando os serviços da L... - Transitários, S. A..

5. Foram enviados à L... as respectivas ordens de transporte, indicando-se que a destinatária da mercadoria era a B...Werke GmbH de Hildesheim, na Alemanha, com entrega em França, nas instalações da Normatrans, em Grentheville.

6. A mercadoria da B...foi embalada em 29 paletes e a da M... em 24 paletes, abrangendo as ordens de transporte, em conjunto, 53 paletes.

7. Como é habitual nas relações entre as referidas sociedades portuguesas e a L..., a escolha do transportador foi feita pela L....

8. Neste caso, o transportador escolhido foi o ora réu BB, tendo a mercadoria sido embarcada no atrelado P- ..., tendo como tractor o veículo FH- ..., ambos pertencentes ao Réu.

9. O Réu carregou a mercadoria, em Braga, no dia 13 de Agosto de 2004 e emitiu e assinou o CMR RC 102582 A, junto com a petição inicial como documento n.° 5, do qual resulta a recepção das 53 paletes, sem qualquer reserva.

10. O transportador, ora Réu, saiu de Braga em 13 de Agosto de 2004 e estacionou o veículo transportador em Esculca, Viseu, sem ninguém a bordo, na noite de 13 para 14 de Agosto de 2004.

11. O Réu reside na Rua de S. Pedro, 27°, 1°, Esq. - Tras., Esculca, em Viseu, e pernoitou em casa na noite de 13 para 14 de Agosto de 2004.

12. O Réu estacionou o veículo junto à sua residência sita em Esculca, zona residencial de Viseu ( resposta ao quesito 6º).

12-A – Quando estacionou o camião, fê-lo em lugar público, bem iluminado, em aglomerado residencial (conforme resposta dada ao quesito 7º, resultante da alteração introduzida pela Relação – fls 1168 e 1173v)  

13. O camião estava estacionado no Largo ....

14. A distância entre o local de estacionamento do camião e o prédio onde mora o Réu é de cerca de 80 metros.

15. Era o lugar da sua localidade onde o veículo poderia estar mais seguro, não havendo na sua localidade parques guardados, nem fechados para o efeito.

16. Na cidade de Viseu, não existem parques públicos vigiados/guardados adequados ao veículo do Réu de grandes dimensões.

17. No trajecto entre Braga e Vilar Formoso, não havia parques guardados ou fechados.

18. Estacionado o camião, o motorista, ora Réu, foi para casa dormir, tendo regressado ao veículo no dia seguinte, às 9 horas da manhã.

19. No dia 14 de Agosto de 2004, por volta das 10:00 horas, o Réu verificou que, durante a noite, o camião tinha sido arrombado, tendo participado a ocorrência na esquadra sede da Polícia de Segurança Pública, em Viseu, conforme declaração junta com a petição inicial como documento n.° 6.

20.O camião foi assaltado entre as 22 horas e 15 minutos do dia 13 de Agosto de 2004 (sexta-feira) e as 9 horas do dia seguinte.

21. A L... comunicou às sociedades B...- Auto Rádio Portugal, Lda. e M... Portuguesa, Lda., a ocorrência do assalto, primeiro através do e-mail de 16/08/2004 junto com a petição como documento n.° 7 e depois de efectuada a descarga, em França, através do fax de 17/08/2004, junto com a petição como documento n.° 8, no qual confirma as reservas feitas quando a mercadoria chegou a França.

22. A descarga da mercadoria ocorreu em 17 de Agosto de 2004, em França, tendo a destinatária aposto no CMR as reservas constantes do documento n.° 9 junto com a petição, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

23. De acordo com a reclamação apresentada, faltaram à descarga os seguintes aparelhos:

— 5 aparelhos referentes à guia de remessa ..., factura comercial ..., de 13/08/04, no valor total de €407,06;

— 375 aparelhos referentes à guia de remessa ..., factura comercial ..., de 13/08/04, no valor total de €35.027,44.

24. O peso bruto total das mercadorias em falta é de 815,22 kg.

25. O desaparecimento da mercadoria ocorreu durante o transporte.

26. A Autora é seguradora de todas as companhias e filiais do grupo CC, em que se integra a B...GmbH através de apólice de seguro de transporte com o n.° ...-RG junta com a petição como documento n.° 10.

27. O roubo de que tratam os presentes autos está coberto pela respectiva apólice n.°...-RG e a Autora assumiu a responsabilidade pelo sinistro perante a destinatária da mercadoria, a B...GmbH, tendo sido por ela subrogada nos termos do documento n.° 11 junto com a petição.

28. A B...GmbH de Hildesheim pagou à B...Auto Rádio Portugal e à M... Portuguesa a totalidade das facturas n°s ... e ....

29. O Réu transferiu a responsabilidade civil por furto ou roubo para a Companhia de Seguros DD, 5. A., nos termos e condições da apólice n.° ..., estando o contrato de seguro em vigor à data do sinistro.

30. O Réu participou o sinistro à sua seguradora, a Companhia de Seguros DD, S. A..

31. A interveniente Companhia de Seguros DD, S. A. efectuou uma vistoria, após lhe ter sido participado o sinistro dos autos.

32. O Réu deu depois conhecimento que tinha participado a ocorrência à sua seguradora, mas até hoje, apesar de ter sido feita uma vistoria à mercadoria, continuam por indemnizar os danos causados pelo roubo.

33. Veio a ser apurado, posteriormente à elaboração do contrato de seguro titulado pela apólice acima referida, que o Réu, o segurado BB, não possui alvará para o exercício do transporte internacional rodoviário, nem possui capacidade profissional para requerer o referido alvará, nos termos das condições de acesso à actividade transportadora definidas no Decreto-Lei n.° 38/99, de 6 de Fevereiro.

34. Os alvarás do tractor e do semi-reboque que compõem o camião estão em nome da empresa Transportes ..., Lda..

  

         A Relação considerou ainda provados os factos seguintes, com fundamento no documento de fls 619, junto pela autora em 14 de Janeiro de 2008 (fls 926) :

37- A autora, como seguradora, assumiu perante a destinatária da mercadoria a responsabilidade pelo pagamento dos prejuízos resultantes do roubo ocorrido durante o transporte em causa nestes autos.

38 – E foi por ela sub-rogada nos termos do documento nº11, junto com a petição inicial que constitui fls 72.    

39 – A autora pagou o montante de 35.435,80 euros que lhe tinha sido debitado pela B...GmbH, a título de liquidação de todos os danos resultantes do roubo em causa nestes autos.

40 – Recebido esse valor, a B...emitiu  o respectivo recibo que autora juntou aos autos no dia 14 de Janeiro de 2008, para prova da matéria do quesito 1º da base instrutória.

  

41 – Nesse recibo, subscrito e assinado pela B...HmbH em 4 de Dezembro de 2007, a B...GmbH declara ter recebido da Companhia de Seguros Wurttembergische und Badische Versicherungs-Aktiengesellschaft, no dia 14 de Novembro de 2007, o montante de 35.435,80 euros, a título de liquidação de todos os danos resultantes do sinistro do transporte feito ao abrigo do CMR nº 102582 A.

42 – Declara ainda que já em 3-6-2005, “tinha sub-rogado a Wurttembergische und Badische Versicherungs – Aktiengesellschaft em todos os direitos e créditos resultantes do sinistro a que se reportava o CMR 102582 A”.    

                                                        *

         Vejamos agora o mérito do recurso.

         A recorrente começa por invocar que existe contradição entre a resposta ao quesito 6º, por um lado, e as respostas aos quesitos 15º e 16º, por outro.

         Mas sem razão. 

         O quesito 6º tinha a seguinte redacção:

         “O réu estacionou junto à sua residência, sita em Esculca, zona residencial” ?.

         Obteve resposta de “provado”.

         O quesito 15º estava redigido da seguinte forma:

         “O camião estava estacionado numa rua lateral ao largo de são Pedro, mas a cerca de mais ou menos 20 metros do referido lugar”?.

         Obteve a seguinte resposta:

         “ Provado que o camião estava estacionado no Largo de S. Pedro”.

         No quesito 16º perguntava-se :

         “A distância entre o local de estacionamento do camião e o prédio onde mora o réu é de cerca de 80 metros”?

         Obteve resposta de “provado”.

         Assim sendo, como é, não existe qualquer contradição relevante, para efeitos do art. 729, nº3, do C.P.C., entre as respostas ao quesito 6º, por um lado, e aos quesitos 15º e 16º, por outro.

         As respostas aos quesitos 15º e 16º não contrariam a resposta ao quesito 6º e antes se limitam a explicá-la e a esclarecê-la, relativamente à distância concreta do estacionamento do camião, dando nota do local exacto do referido estacionamento.

         Ora, no contexto dos factos provados, é razoável considerar-se que uma distância de 80 metros é uma distância relativamente curta para se poder concluir que o veículo estacionado a essa distância da residência do réu se localiza junto/próximo dessa residência.

        

         A recorrente também pretende que seja ordenado ao Tribunal da 2ª instância a reapreciação das respostas aos quesitos 6º e 9º, com base nos depoimentos testemunhais que identifica, nas conclusões da revista, por entender que tais depoimentos foram mal reapreciados pela Relação.

         Não pode ser.

         A Relação já reapreciou os mencionados depoimentos testemunhais, no recurso de apelação oportunamente interposto, com base no princípio da livre apreciação da prova, nos termos das disposições conjugadas dos art. 655, nº1 e 712, nº2, do C.P.C.

         O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, casos excepcionais que aqui não ocorrem – art. 722, nº2, do C.C.     

         A recorrente ainda se insurge contra a resposta ao quesito 9º da base instrutória, por entender que a mesma não contém matéria de facto, mas sim matéria conclusiva.

         No quesito 9º perguntava-se:

         “Era o lugar da sua localidade onde o veículo poderia estar mais seguro”?.             

         Tal matéria foi considerada provada, mas é evidente que tal resposta não contém matéria de facto, mas antes matéria conclusiva, que teria de se sustentar em factos concretos que levassem o Tribunal a poder retirar tal conclusão.

         Por isso, sendo conclusivo, considera-se tal resposta ao quesito 9º como não escrita, por analogia com o disposto no art. 646, nº4, do C.P.C.

         O questão fulcral a resolver consiste na apreciação da culpa do réu transportador, no desaparecimento da mercadoria.

         As partes não discutem, nem se suscitam dúvidas de que estamos em presença de um contrato de transporte internacional de mercadorias, com aplicação da Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR), assinada em Genebra, em 19 de Maio de 1958, inserida no direito interno português pelo dec-lei nº 46.235, de 18 de Março de 1965, alterada pelo Protocolo de Genebra de 5 de Julho de 1978, aprovado em Portugal para sua adesão pelo dec-lei nº 28/88, de 6 de Setembro, tendo Portugal depositado o respectivo instrumento de confirmação e adesão a este protocolo em 17-8-89, conforme aviso publicado no Diário da República, I série, nº 206, de 7-9-89.     

         Com efeito, está em causa o transporte de mercadorias de Portugal para França, países diferentes, por estrada, mediante o pagamento de um preço, por via do qual o réu transportador assumiu a obrigação de resultado de entregar a mercadoria em França.

         Nas prestações de resultado, como acontece no contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, em que o transportador se encontra obrigado a alcançar o efeito útil contratualmente previsto, basta ao credor demonstrar a não verificação desse resultado, ou seja, a não entrega da mercadoria pelo transportador, no local e tempo acordados, para se estabelecer o incumprimento do devedor.

         Este apenas se desonera da culpa pelo incumprimento, com fundamento nas causas liberatórias previstas nos arts 383 e 376 do Código Comercial, que são as situações provenientes de caso fortuito, força maior, vício do objecto, culpa do expedidor ou do destinatário.

         O caso de força maior, quer se trate de acontecimentos naturais, quer de acções humanas, embora possa ser prevenido, não pode ser evitado, sobrelevando a ideia de inevitabilidade.

         No caso fortuito, o facto não foi previsível, mas seria evitável se tivesse sido previsto, relevando portanto a ideia de imprevisibilidade (Manuel de Andrade, Teoria geral das Obrigações, 1958, pág. 417).          

         A propósito da responsabilidade do transportador, na parte que agora interessa considerar, em conformidade com a causa de pedir invocada pela autora, dispõe o art. 17, nº1 da CMR que “o transportador é responsável pela perda total ou parcial, ou pela avaria que se produzir entre o momento do carregamento da mercadoria e o da entrega, assim como pela demora da entrega “.

         Trata-se de uma presunção de culpa do transportador, que só fica desobrigado desta responsabilidade, nos termos do 2, do mesmo art. 17, da CMR, se a perda, avaria ou demora teve por causa:

         - uma falta do interessado;

         - uma ordem deste que não resulte de falta do transportador;

         - um vício próprio da mercadoria ;

         - ou circunstâncias que o transportador não podia evitar e a cujas consequências não podia obviar.   

         Compete ao transportador fazer a prova de que a perda, avaria ou demora teve por causa um dos factos previstos no citado art. 17, nº2.

          Assim, o ónus da prova da existência de caso fortuito cabe ao transportador, a quem incumbe demonstrar o cumprimento não culposo do contrato de transporte. 

         No conceito de perda, inclui-se o furto total ou parcial da mercadoria, que não pode ser considerado como caso fortuito.

  

         Pois bem.

 

         No caso concreto, apurou-se que o réu se encarregou de transportar a mercadoria em questão, de Braga para França, tendo tal mercadoria sido embarcada no atrelado P-..., tendo como tractor o veículo Fh-... ambos pertencentes ao mesmo réu.  

         O réu, transportador, saiu de Braga em 13 de Agosto de 2004 e estacionou o veículo transportador em Esculca, Viseu, sem ninguém a bordo, na noite de 13 para 14 de Agosto de 2004.

         O réu reside na Rua ..., em Esculca, Viseu, e pernoitou em sua casa, naquela noite de 13 para 14 de Agosto de 2004.

         O camião ficou estacionado no Largo ..., a uma distância de 80 metros do local da residência do réu.

         Quando estacionou o veículo, o réu fê-lo em lugar público, bem iluminado, em aglomerado residencial.

         Na cidade de Viseu não existem parques públicos vigiados/guardados, adequados ao veículo do réu, de grandes dimensões.

         No trajecto entre Braga e Vilar Formoso, não existem parques guardados ou fechados.

         Estacionado o camião, o réu foi para casa dormir, tendo regressado ao veículo no dia seguinte, às 9 horas da manhã.

         No dia 14 de Agosto de 2004, por volta das 10 horas, o réu verificou que, durante a noite, o camião tinha sido arrombado, tendo sido furtados os seguintes aparelhos:

         - 5 aparelhos referentes à guia de remessa ...;

         - 375 aparelhos referentes à guia de remessa ....

         Como as fotografias juntas aos autos evidenciam e o Acórdão da Relação dá nota ( fls 1174), o acesso à carga do dito camião foi feito através de cortes na lona envolvente ao perímetro da carga.   

         O camião foi assaltado entre as 22 horas e 15 minutos do dia 13 de Agosto de 2004 e as 9 horas do dia seguinte.

         A descarga da restante mercadoria transportada ocorreu no dia 17 de Agosto de 2004, em França, que foi recebida em situação de perda parcial, durante o transporte.

         Ora, perante estes factos provados, ter-se-á de concluir que o réu não adoptou todos os cuidados que a situação concreta lhe impunha para cumprir a obrigação de resultado de que se incumbira, que consistia em transportar a totalidade da mercadoria, tal como a tinha recebido, até ao local do destino, pois só com a entrega da totalidade dessa mercadoria ao destinatário se poderá considerar cumprido o contrato de transporte.

         Com efeito, não basta o réu provar que deixou o camião estacionado em lugar público, bem iluminado, em zona residencial, e que na cidade de Viseu e até Vilar Formoso não existiam parques guardados ou fechados.

         Não sendo possível a continuidade ininterrupta do percurso, até França, ou a paragem em parques guardados, o réu devia fazer-se acompanhar por outro motorista, para alternarem no descanso e na vigilância da viatura, enquanto o outro repousava.

         Não podia o réu ir pernoitar a casa e deixar o camião abandonado, de noite e sem qualquer vigilância, durante cerca de 11 horas.

         O réu não podia ignorar a frequência de assaltos a cargas transportadas em veículos de transporte internacional, sendo certo que não tomou todas as providências que a situação exigia e que um bonus pater famílias, nas mesmas circunstâncias, tomaria.

         Ao transportador impõe-se a guarda e a conservação da mercadoria, protegendo-a da acção dos elementos da natureza ou de terceiros, tal como o faria um profissional experiente, conhecedor e responsável, com o padrão de diligência adoptado por um bonus pater famílias ( Ac. S.T.J. de 9-2-10, Revista nº 892/03.1TCGMR.G1.S1; Ac. S.T.J de29-4-2010, Revista nº 982/07, 1TVPRT.P1.S1; Ac. S.T.J. de 24-5-2007, Revista nº 1311/07; Ac. S.T.J. de 14-6-2011, Revista nº 437/05. 9TBANG. C1.S1 - www. dgsi, pt).

         Não tendo o réu provado factos suficientes para provar a inevitabilidade do furto e, consequentemente, que este constitua caso fortuito, é responsável pela perda parcial dos artigos em falta, cujo transporte foi confiado à sua guarda, com o inevitável incumprimento contratual, presumindo-se a sua culpa que não logrou ilidir (Ac. S.T.J. de 14-6-20011, Revista nº 437/05. 9TBANG.C1.S1; Ac. S.T.J. de 18-12-2008, Revista nº 3828/08, Ac. S.T.J. de 24-5-2007, Revista nº 1311/07; Ac. S.T.J. de 17-1-2006, Revista nº 2735/05 – www.dgsi.pt)

         Por isso, responde pelos prejuízos causados, estando obrigado a indemnizar os danos verificados, nos termos dos arts 382 e 383 do Cód. Comercial, 17, nº1 e 18, nº2, da CMR, 798, 799, nº1 e 483 , nº1, do C.C.        

         No art. 23, nºs 1, 2, 3, 5 e 6 da CMR estabelece-se um regime específico de indemnização por perdas e danos.

         Mas tal regime especial não tem aplicação se a perda da mercadoria for imputável a dolo ou a falta do transportador equivalente a dolo.

         Com efeito, dispõe o art. 29, nº1, da CMR:

         “O transportador não tem direito de aproveitar-se das disposições do presente capítulo que excluem ou limitam a sua responsabilidade ou que transferem o encargo da prova se o dano provier de dolo seu ou de falta que lhe seja imputável e que, segundo a lei de jurisdição que julgar o caso, seja equivalente ao dolo”.

         Quando houver dolo do transportador ou falta equivalente, a indemnização deve reparar integralmente os danos verificados, de acordo com a teoria da diferença.     

         À luz dos factos provados, é manifesto que o réu, pelo menos, agiu com negligência consciente.

         E, conforme se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-6-2011 ( Revista nº 437/05.9TBANG.C1. S1 – www.dgsi.pt), “uma falta que segundo a lei da jurisdição que julgar o caso seja considerada equivalente ao dolo, como acontece com a jurisdição nacional, não pode deixar de ser, manifestamente, face à legislação nacional, enquanto elemento do nexo de imputação do facto ao agente, a negligência ou mera culpa que, conjuntamente com o dolo, faz parte da culpa lato sensu”.

         Daí que o valor a indemnizar, sem qualquer limitação, seja o de 35.435,80 euros, correspondente ao valor dos danos causados e em que a autora se encontra sub-rogada.

         Sobre esse montante incidem juros, à taxa de 5% ao ano, desde a data da instauração da acção, nos termos expressamente previstos no art. 27, nº1, da CMR.      

 

         A recorrente pede a condenação solidária da seguradora Companhia de Seguros DD, S.A., no pagamento da indemnização, juntamente com o réu.

         A Companhia de Seguros DD, S.A., foi admitida como interveniente acessória, como consta do despacho de fls 153/154.

         Foi nessa posição que a seguradora foi admitida, ao abrigo do art. 330 do C.P.C., tendo tal despacho transitado em julgado.

         O incidente da intervenção acessória provocada é uma inovação da reforma de 1995, destinada a colmatar a lacuna decorrente da supressão do incidente do chamamento à autoria, regulado antes nos arts.325 a 329 do C.P.C. como incidente autónomo.    

         Relativamente à intervenção acessória provocada, o art. 330 do C.P.C. dispõe o seguinte:

         “1 – O réu que tenha acção de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal.

          2 – A intervenção do chamado circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento”.    

         Por sua vez, o art. 332, nº4, do C.P.C. estabelece:

         “A sentença proferida constitui caso julgado quanto ao chamado, nos termos previstos no art. 341, relativamente às questões de que depende o direito de regresso do autor do chamamento, por este invocável em ulterior acção de indemnização”.

         Assim sendo, face à posição processual de interveniente acessória provocada em que a seguradora foi admitida, não pode a mesma ser condenada, solidariamente com o réu.

         A intervenção acessória destina-se apenas a impor à seguradora o referido efeito de caso julgado.

                                                        *

         Termos em que, concedendo parcialmente a revista, revogam o Acórdão recorrido, julgam a acção procedente e condenam o réu BB a pagar à autora a quantia de 35.435, 80 euros (trinta e cinco mil quatrocentos e trinta e cinco euros  e oitenta cêntimos), acrescida de juros, à taxa anual de 5%, desde a data da propositura da presente acção e até efectivo e integral pagamento.

         Custas pelo recorrido, quer no Supremo, quer nas instâncias.

                                                                           Lisboa, 5-6-2012      

Azevedo Ramos (Relator)

Silva Salazar

Nuno Cameira