Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
592/1995.L2.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: CONTRATO PROMESSA
MORA
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
DANO DA PRIVAÇÃO DO USO DO IMÓVEL
Data do Acordão: 09/13/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / CONTRATO PROMESSA
Doutrina: - Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6ª edição, 342.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º1, 410.º, N.º1, 413.º, N.ºS 1 E 2, 483.º, 1305.º
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 2/6/2009, 15/11/2011 E DE 10/1/2012 , IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I O contrato promessa, em princípio produz meros efeitos obrigacionais, assistindo contudo às partes a possibilidade de lhe atribuir eficácia real, desde que se verifiquem os requisitos a que alude o artigo 413º, nº1 e 2 do CCivil, na redacção do DL 379/86, de 11 de Novembro.

II Todavia, esta eficácia real a existir, apenas nos conduz à oponibilidade erga omnes do contratado, determinando a ineficácia dos actos realizados em sua violação, daí não advindo quaisquer outros direitos adicionais de carácter real.

III Podem ainda as partes estipular a traditio do imóvel, mas esta situação apenas conduz à figura jurídica da detenção a qual não permite, sem mais, dá-lo de arrendamento.

IV A mora no cumprimento do contrato promessa que conduza à sua execução específica não constitui fonte do direito de indemnizar o promitente comprador pela privação do uso do imóvel.

(APB)

Decisão Texto Integral:

ACORDAM, NO SUPREMOS TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I F, veio intentar contra M, acção declarativa com processo ordinário pedindo que este fosse condenado a pagar-lhe:

- A quantia de Esc. 5.400.000$00, pelos prejuízos sofridos desde Dezembro de 1994 até Agosto de 1995, com a mora no cumprimento do contrato promessa, acrescida de juros à taxa de 15% ao ano, desde a data da citação até pagamento;

- A quantia de Esc.600.000$00 por cada mês que decorresse desde Agosto de 1995 e até que se operasse a transmissão da propriedade do imóvel referido na petição inicial para o Autor, por vontade do Réu ou por força da sentença com trânsito em julgado a proferir na acção de execução especifica que corria os seus termos pelo 4° juízo, 3a secção do mesmo tribunal;

- Os valores das normais, legais e anuais actualizações de uma renda de Esc. 600.000$00 por mês a partir de Dezembro de 1995, data em que estaria perfeito o primeiro ano de arrendamento, até que se verifique a transmissão da propriedade como peticionado, sendo estes valores a liquidar em execução de sentença.

Para tanto alegou, em síntese:

Conhecidos de longa data e amigos, o aqui Autor e o Dr. E, entretanto falecido, celebraram entre si, em Abril de 1991, um contrato-promessa, nos termos do qual o primeiro prometeu vender ao segundo o prédio urbano, sito no Largo …, n.ºs 2 e 3 em Lisboa, pelo preço de Esc. 50.000.000$00.

O prédio destinava-se a ser inteiramente reconstruído, sob a direcção e responsabilidade do Autor, que, por conta do preço acordado, pagaria o custo das obras até ao limite de Esc. 20.000.000$00.

O remanescente do preço da compra e venda seria pago em 60 prestações mensais, de Esc. 500.000$00 cada, com início no mês seguinte ao da realização da vistoria final, após a conclusão das obras.

Nessa data, o promitente vendedor entregou ao Autor as chaves do imóvel, pois seria ele a cuidar da reconstrução como entendesse;

O projecto foi elaborado a pedido e segundo instruções do Autor;

Após a formalização do contrato-promessa, iniciaram-se as obras de demolição e reconstrução do imóvel sob a direcção do Autor e sob a sua responsabilidade;

Foi o Autor quem pagou todas as facturas das obras e acabamentos da casa;

Os trabalhos prosseguiram em simultâneo nos imóveis com os n.º1 e n.º 2 e 3, mas o falecido pagou todas as obras referentes ao n° 1;

O Autor despendeu um total de esc.57.155.781 $00, com a moradia dos n.º 2 e 3;

Em finais de 1992, o M F e o Autor decidiram reequacionar os termos do negócio primitivo, porquanto os custos das obras previstas, excluindo mesmo os trabalhos a mais ordenados pelo Autor já ultrapassavam e até final ultrapassariam ainda mais, o inicialmente previsto;

Sendo que o falecido não havia custeado o valor excedente a esc.20.000.000$00 como estava previsto no contrato e tendo o Autor já nessa ocasião despendido cerca de esc.50.000.000$00;

Sobrevindo doença ao Dr. M F, este incumbiu o seu advogado de preparar os documentos necessários à realização da escritura do contrato definitivo;

O falecido outorgou procuração para em seu nome e em sua representação intervirem na escritura de compra e venda do imóvel;

Em 25 de Janeiro de 1993, foi assinado novo contrato-promessa nele se tendo clausulado:

O prédio havia sido reconstruído sob a direcção e responsabilidade do Autor que havia investido recursos próprios no valor de esc.50.000.000$00;

M F prometia vender o imóvel, livre de ónus e encargos ao Autor ou a quem este indicasse, prometendo este comprá-lo;

Tendo presente o as quantias despendidas pelo Autor nas obras, o preço da prometida venda era de esc.24.000.000$00 a pagar em 120 prestações mensais e sucessivas de esc.200.000$00 cada;

A escritura do contrato definitivo seria celebrada em data e cartório de Lisboa escolhidos pelo Autor, depois do preço se encontrar totalmente pago, ou desde que aquele garantisse a parte do preço em dívida com hipoteca sobre o prédio;

O Autor ficava a gozar de execução específica do contrato;

Ficava com a possibilidade de utilizar dois espaços de estacionamento na cave do prédio contíguo;

Este contrato-promessa actualizava e substituía aquele que fora celebrado em 1991:

Em 31 de Janeiro de 1993 faleceu M F;

Em finais de Julho de 1993, o empreiteiro deu a obra por finda;

Finda a obra o Autor começou a prepará-la a fim de aí se instalar com o seu agregado familiar;

A casa está equipada com todos os electrodomésticos do Autor, com várias mobílias e pronta a habitar;

O Autor havia acordado com o falecido que se mudaria para a casa independentemente da realização da escritura do contrato prometido;

Foi passada licença de utilização do imóvel;

Ao falecido sucedeu como seu único herdeiro, o Réu, ainda menor na data de propositura da acção;

Até à conclusão das obras nunca a mãe do menor pôs em causa os direitos do Autor, emergentes do contrato-promessa, antes os tendo reconhecido;

Mas, terminadas as obras, declarou não reconhecer ao Autor qualquer direito sobre a casa, recusou o recebimento das prestações do preço que o autor tentou pagar e, no dia 19-11-1993, tentou arrombar a porta de entrada e mudar a fechadura, não o tendo conseguido porque o Autor se encontrava na casa;

Por cartas de 16-08-1994, o Autor interpelou o então menor, na pessoa de sua mãe, para que fosse celebrada a escritura de compra e venda, devendo, para o efeito, requerer a necessária autorização judicial até ao dia 30-09-1994, para a escritura ser outorgada até 31-10-1994, salvo delongas no processo judicial de autorização;

Mas nunca foi contactado para a celebração da escritura, apesar de se ter oferecido para colaborar em tudo o que fosse preciso para tal cumprimento; Antes a mãe do Réu pôs a casa à venda;

Em virtude disso o Autor propôs acção requerendo a execução específica do contrato -promessa;

Era intenção do Autor, após a conclusão das obras passar a residir na casa:

Porém, tendo visto indeferida uma providência cautelar de restituição de posse da casa, tendo perdido o emprego, e perspectivando o relacionamento difícil com a mãe do Réu, que vive na casa contígua, decidiu destinar a casa a arrendamento:

Tendo, no Verão de 1994, estabelecido acordo com um interessado, de arrendamento da moradia pelo prazo de cinco anos, com renda mensal de Esc. 600.000$00;

A recusa do Réu em outorgar a escritura inviabilizou a celebração do contrato de arrendamento;

O imóvel, no estado em que está vale no mercado entre Esc.85.000.000$00 e Esc. 90.000.000$00.

 

O Réu foi citado e contestou.

Foi determinada a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da sentença a proferir na acção de execução específica, a qual foi julgada procedente por sentença datada de 06-10-2004, confirmada por acórdãos do TRL de 29-09-2005 e do STJ de 06-07-2006, tendo sido considerado transmitido a favor do Autor o direito de propriedade sobre o prédio sito no Largo …nºs2 e 3, descrito na 5ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º …, freguesia da Graça (Santo André) e inscrito na matriz sob o art…., da freguesia de São Vicente de Fora.

Os presentes autos prosseguiram, com o julgamento e sentença tendo sido a acção julgada improcedente com a absolvição do Réu do pedido, da qual, inconformado, apelou o Autor, tendo a Apelação sido julgada improcedente.

De novo recorre o Autor, agora de Revista, apresentando as seguintes conclusões:

- O Recorrido, ao ser interpelado pelo Recorrente para comparecer no dia 31 de Outubro de 1994, pelas 10 horas, no 25.0 Cartório Notarial de Lisboa, a fim de ser celebrado o contrato prometido de compra e venda, não tendo comparecido para outorgar esse contrato, constituiu-se em mora, naquela data, quanto ao cumprimento da sua obrigação de celebrar o mesmo nos termos prometidos.

- Essa mora, consubstanciada no retardamento da celebração do contrato prometido, foi culposa, já que a mãe do Recorrido, que o representava, por este ser então menor, não compareceu deliberadamente no Notário, com o objectivo de recusar, como recusou, celebrar o contrato prometido.

- Nos termos do artigo 804.º do Código Civil, “a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor”.

- O Recorrido só obteve o cumprimento do contrato promessa, por via da execução específica do mesmo, em 20.7.2006, data em que transitou em julgado o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que confirmou as decisões das instâncias, que haviam julgado procedente a acção de execução específica, declarando o Recorrente proprietário do imóvel objecto do contrato promessa em questão e substituindo-se ao mesmo na emissão da respectiva declaração negocial.

- Na data em que foi marcada a escritura de compra e venda - 31.10.1994 - o prédio, após demolição e reconstrução, estava apto a ser habitado.

- O Recorrente, face à recusa da outorga da escritura de compra e venda por parte da mãe do Recorrido, ficou impedido de o usar. Ficou, em particular, impedido de o arrendar, como era sua intenção, já que não sendo dono do imóvel, não tinha legitimidade para celebrar arrendamentos.

- O contrato promessa não prevê a traditio, mas mesmo que assim acontecesse, o Recorrente sempre seria um mero detentor precário do imóvel, sem qualquer poder ou legitimidade para o arrendar, como era o uso que lhe pretendia dar.

- O Recorrente, por virtude da mora no cumprimento do contrato promessa por parte da mãe do Recorrido, ficou privado de dar ao imóvel o uso pretendido. no caso o arrendamento desde 31 de Outubro de l994, data em que o mesmo teria ingressado no seu património caso a mãe do Recorrido tivesse comparecido no Notário para celebrar o contrato prometido até 20 de Julho de 2006, data em ocorreu aquele ingresso, com o trânsito em julgado do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que confirmou as decisões das instâncias, que haviam julgado procedente a execução específica do contrato promessa, substituindo-se ao Recorrido na emissão da respectiva declaração negocial.

- O “dano da privação do uso” de um bem deve ser valorado como dano autónomo no âmbito da nossa ordem jurídica, uma vez que a privação ilegal do uso de um bem já integra um prejuízo de que o lesado deve ser compensado, com recurso, em última análise, às regras da equidade.

- Não se toma necessário, quanto àquele dano autónomo de privação do uso de um bem, que, para além dessa privação, o lesado alegue e prove factos que comprovem um dano concreto por ele sofrido. A simples privação ilegal do uso é em si mesmo um prejuízo de que o lesado deve ser ressarcido.

- O dano decorrente da “privação do uso” do imóvel pelo Recorrente não é um dano abstracto, na medida em que é representado pela impossibilidade objectiva de fruição do mesmo pelo Recorrente pelo período temporal referido, privação essa que é irreversível e não passível de reconstituição natural, tratando-se, por conseguinte, dum dano concreto, real e indemnizável.

- Mas mesmo que se entenda que não é suficiente que o lesado prove pura e simplesmente a privação do uso do bem, mostrando-se ainda necessário que o mesmo demonstre que pretende usar a coisa, ou seja, que dela pretende retirar as utilidades (ou alguma delas) que a coisa normalmente lhe proporcionaria se não estivesse dela privado pela actuação ilícita do lesante, ficou provado que o Recorrente, no verão de 1994, pouco antes da data aprazada para a celebração da escritura de compra e venda, tencionava destinar o imóvel ao arrendamento.

- O valor locativo do imóvel, ou seja, o rendimento que o imóvel em questão poderia gerar, caso fosse posto no mercado do arrendamento, durante o período em que perdurou o facto originador do dano, constitui o meio directo, adequado e objectivo de se determinar o valor do dano de privação do respectivo uso.

- Ficou provado que em 1995 o imóvel objecto do contrato promessa valia no mercado de arrendamento cerca de 300.000$00 por mês, ou seja, € 1.496,39, sendo este o valor que deve ser considerado, para fixar o valor indemnizatório do dano de privação do uso do imóvel pelo Alegante.

- Não fora a mora culposa por parte do Recorrido na celebração do contrato prometido, o imóvel teria entrado na propriedade do Recorrente em 31.10.1994, que assim lhe poderia dar o uso pretendido - o do destinar ao arrendamento -, a partir dessa data.

- Só a partir de 20 de Julho de 2006, data do trânsito em julgado do Acórdão do STJ que, confirmando as decisões das instâncias, julgou procedente o pedido de execução específica do contrato promessa, declarando que o imóvel era propriedade do Recorrente, é que este passou a poder dispor daquele. 18.8

- O Recorrente esteve, assim, privado de usar o imóvel para o fim pretendido do arrendamento, entre 1.11.1994 e 20.7.2006.

- Estando apurado que o valor locativo do imóvel em causa nos autos era, em 1995, de € 1.496,39 por mês e considerando que esse deve ser o valor em que deve ser computado o dano de privação do uso do imóvel, o Recorrente, entre Janeiro de 1995 até 20 de Julho de 2006, sofreu um prejuízo de € 206.501,82 (€ 1.496,39 x 138 meses).

- Porque esse valor locativo se iria actualizando anualmente, na média do coeficiente de actualização anual das rendas, àquele valor indemnizatório deve acrescer o que resultaria do aumento anual das rendas dos arrendamentos urbanos, partindo de uma renda mensal, fixada em 1.1.995 em € 1.496,39.

- As instâncias deveriam ter condenado o Recorrido a pagar ao Recorrente aqueles valores.

- Não o tendo feito, violaram, no mínimo, o disposto no artigo 804.°, 562.° e 566.° do Código Civil e no artigo 659.° do CPC.

- Deve por isso o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por Acórdão desse Tribunal, que julgue a acção parcialmente procedente e, em consequência, condene o Recorrido a pagar ao Recorrente, a título de indemnização pela privação do uso do imóvel objecto do contrato promessa para o arrendamento pretendido, o valor de € 1.496,39 por mês, desde 1 de Novembro de 1995 até 20 de Julho de 2006, valor aquele que deve ser actualizado anualmente, a partir de 1.11.1996, de acordo com o coeficiente de actualização das rendas dos arrendamentos urbanos que foi fixado pela lei para cada um dos anos que mediaram entre 1996 e 2006.

O Réu/Recorrido não contra-alegou.

II A única questão de direito que se coloca no âmbito do presente recurso é a de saber se, por via da mora no cumprimento do contrato promessa, o Autor esteve ou não privado do uso do imóvel e no caso afirmativo se deverá ser ressarcido de tal privação.

As instâncias julgaram provados os seguintes factos:

- No dia 21/1/1993, no 7º Cartório Notarial de Lisboa foi celebrado o instrumento notarial de procuração através do qual o pai do Réu constituiu seu procurador o Sr. J F e o Sr. J S; (A))

- Ao abrigo da procuração referida em os ditos procuradores celebraram com o Autor, em 25 de Janeiro de 1993, acordo escrito que denominaram “contrato promessa de compra e venda”, no qual o A. figurava na qualidade de promitente comprador e o falecido pai do Réu na qualidade de promitente vendedor, conforme documento junto de fls.99 a 82 dos autos de procedimento cautelar a estes apensos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo por objecto o prédio urbano, sito em Lisboa, no Largo …, n° 2 e 3, então descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n°…; (B))

- O acordo referido substituiu um outro acordo que em Abril de 1991 o A. e o falecido pai do Réu já tinham celebrado relativo ao mesmo imóvel; (C))

4. Após a celebração do acordo referido iniciaram-se obras de demolição e reconstrução do imóvel sob a exclusiva direcção do A. e sob a sua responsabilidade; (D))

- O A. liquidou à sociedade “P, Lda.” A quantia de esc. 43.373.308$00 por conta das obras de reconstrução da moradia prometida comprar ao pai do R.; (E ))

- O pai do R. tinha conhecimento das obras e das alterações ao plano inicial introduzidas pelo A. bem como de que os custos previstos para as mesmas estavam em muito ultrapassados; (F))

- O promitente vendedor, pai do Réu, faleceu em 31/1/93; (G))

- O A. remeteu à mãe do R. cheques para pagamento dos valores referidos no contrato promessa tendo a mesma recusado a recepção ou procedido à sua devolução; (H))

- No dia 19 de Novembro de 1993, a mãe do R. mandou proceder ao arrombamento da porta da casa prometida vender ao A. para mudar a fechadura, propósito que a presença do A. no imóvel contrariou; (I))

- A vistoria final e definitiva do imóvel prometido vender ao A. teve lugar em Outubro de 1993; (J))

- O A. despendeu cerca de 50.000 contos na execução de obras de demolição e reconstrução da moradia a que se refere o acordo; (L))

- Entre Abril de 1991 e 25 de Janeiro de 1993 o A. com o consentimento e autorização do pai do Réu havia demolido e reconstruído o imóvel objecto do contratos promessa; (M))

- Foi o A. quem pagou todas as facturas das obras e acabamentos na casa no 2 e 3 do Largo…, em Lisboa, tanto no que diz respeito ao empreiteiro como a quaisquer outras pessoas que prestaram serviços ou forneceram materiais ou equipamentos para esse imóvel prometido vender pelo pai do A .... (N))

-.... as quais eram emitidas em nome do A. ou de uma sociedade de que este, com seu cunhado, M, são os únicos sócios, a “S, Lda.”; (O))

- Todas as facturas foram pagas directamente pelo A., com cheques seus, sacados sobre contas de que é titular; (P))

- O A. gastou mais de 50.000 contos com as obras que levou a efeito no imóvel que prometeu comprar; (Q))

- Após a morte do pai do R. as obras prosseguiram; (R))

- As chaves do imóvel após reconstrução apenas estavam na posse do A., entrando no imóvel quem o A. queria, à vista de todos e sem que houvesse oposição de quem quer que seja o que acontecia desde Abril de 1991; (S))

- Após as obras o A. solicitou à EDP, EPAL e TLP a ligação da luz, água e telefone no imóvel, em seu nome e por sua conta, encontrando-se as ligações feitas; (T))

- A casa está equipada com electrodomésticos do A. e com várias mobílias, totalmente concluída e pronta a habitar; (U))

- O contrato promessa não tem as assinaturas reconhecidas; (V))

- O falecido pai do R. era proprietário de um imóvel sito no Largo …, n° 57, em Lisboa, no qual residia; (X))

- A mãe do R. recusou-se a cumprir o acordo referido; (Z ))

- Por sentença de 6 de Outubro de 2004, proferida no âmbito do processo no que correu termos pela 3ª secção da 4ª Vara Cível de Lisboa, foi julgada procedente acção de execução específica do contrato promessa de compra e venda tendo sido considerado transmitido a favor do A., o direito de propriedade sobre o prédio sito no Largo …nºs 2 e 3, descrito na  Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n°…; (AA))

- A sentença referida veio a ser confirmada por Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/9/2005; (BB))

- Do acórdão referido foi interposta revista que foi negada por Ac. do Supremo Tribunal Justiça de 6 de Julho de 2006, transitada em julgado em 20 de Julho de 2006; (CC))

- Em 1995, o imóvel valia entre esc. 85.000.000$00 e esc. 90.000.000$00; (4.)

- Valendo no mercado de arrendamento cerca de esc. 300.000$00/mês; (6.)

- Foi entregue à mãe do R., fls. 234 a 236. (7.)

- No Verão de 1994, o A. decidiu destinar o imóvel referido ao arrendamento. (8.)

Insurge-se o Autor/Recorrente contra o Acórdão Impugnado uma vez que na sua tese face à recusa da outorga da escritura de compra e venda por parte da mãe do Recorrido, ficou impedido de usar o imóvel objecto do contrato promessa e ficou, em particular, impedido de o arrendar, como era sua intenção no caso desde 31 de Outubro de l994, data em que o mesmo teria ingressado no seu património se a mãe do Recorrido tivesse comparecido no Notário para celebrar o contrato prometido e uma vez que só obteve o cumprimento do contrato promessa, por via da execução específica do mesmo, em 20 de Julho de 2006, data em que transitou em julgado o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, declarando-o proprietário do imóvel objecto do contrato promessa em questão e substituindo-se ao mesmo na emissão da respectiva declaração negocial, deve ser compensado pelo dano da privação do uso com recurso, em última análise, às regras da equidade.

Vejamos.

A questão solvenda neste recurso prende-se com a mora no cumprimento do contrato promessa havido entre o Autor e o pai do Réu, em 25 de Janeiro de 1993 e cujo objecto era o prédio urbano, sito em Lisboa, no Largo …, n°2 e 3, então descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n°… e hoje descrito naquela mesma Conservatória sob o n°…, sendo que tal acordo substituiu um outro idêntico havido entre ambos em Abril de 1991.

Como deflui do normativo inserto no artigo 410º, nº1 do CCivil, o contrato promessa consiste na «convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato», dizendo-se contrato prometido ou definitivo aquele cuja realização se pretende.

O contrato promessa, em princípio produz meros efeitos obrigacionais, assistindo contudo às partes a possibilidade de lhe atribuir eficácia real, desde que se verifiquem os requisitos a que alude o artigo 413º, nº1 e 2 do CCivil, na redacção do DL 379/86, de 11 de Novembro aplicável in casu, isto é: que haja declaração expressa das partes no sentido de tal atribuição ser efectuada; que a promessa conste de escritura pública ou de documento particular com mero reconhecimento notarial, por semelhança, da assinatura dos promitentes e que a promessa seja devidamente inscrita no registo, cfr Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6ª edição, 342.

Todavia, esta eficácia real, apenas nos conduz à sua oponibilidade erga omnes, determinando a ineficácia dos actos realizados em sua violação. Vai-nos surgir um direito de crédito assistido de eficácia absoluta ou, numa outra asserção, um direito real de aquisição: o beneficiário da promessa fica titular de um direito dirigido a exigir do promitente a realização do contrato definitivo e que pode fazer valer perante terceiros, prevalecendo sobre todos os direitos pessoais ou reais referentes à coisa, desde que não se encontrem registados antes do registo do contrato promessa.

No caso sujeito verificamos que, entre o Autor/Recorrente e o pai do Réu/Recorrido, existiu apenas um contrato promessa destituído daquela eficácia e, por isso, de cariz pura e simplesmente obrigacional.

Sem embargo de as chaves do imóvel se encontrarem na posse do Autor desde a reconstrução do prédio, entrando no mesmo quem este quisesse, à vista de todos e sem que houvesse oposição de quem quer que seja o que já acontecia desde Abril de 1991, não resulta dos autos que as partes tenham estipulado a traditio do imóvel, o que poderiam ter acordado, mas de todo o modo, mesmo que tal tivesse acontecido, a tradição da coisa por força do contrato promessa, apenas nos conduz à situação jurídica da detenção que lhe não permitiria, sem mais, dar de arrendamento o imóvel, aliás como o próprio Recorrente assume na sua conclusão 8ª quando nos diz que (sic) «O contrato promessa não prevê a traditio, mas mesmo que assim acontecesse, o Recorrente sempre seria um mero detentor precário do imóvel, sem qualquer poder ou legitimidade para o arrendar, como era o uso que lhe pretendia dar…».

Ora, mesmo aceitando que o Recorrente venha sustentar que a mora na efectivação da escritura - a qual deveria ter sido concluída em 31 de Outubro de 1994 e só foi possível através da sentença de execução específica obtida judicialmente, em 20 de Julho de 2006 -, o impossibilitou de proceder ao arrendamento do imóvel que lhe foi prometido vender e entre as aludidas datas, necessário se tornaria que aquele mesmo Recorrente tivesse provado que, pelo menos nesse ínterim, a casa não tivesse podido ter sido arrendada, podendo sê-lo, já que, o Recorrente sempre a pode fruir como se provou e se deixou expresso supra.

Contudo, veja-se que não obstante o Tribunal da Relação de Lisboa numa primeira abordagem da questão haja anulado o julgamento para ampliação da base instrutória (cfr Acórdão de fls 361 a 371, base instrutória a fls 379) da resposta à questão formulada a fls 399 apenas decorre que «no Verão de 1994, o A. decidiu destinar o imóvel referido ao arrendamento» e não que o Autor tivesse, quiçá, deixado de poder arrendar o imóvel, tendo interessados nesse eventual contrato de arrendamento.

Mas, mesmo seguindo este raciocínio expendido pelo Recorrente, ficamos com algumas perplexidades para resolver.

Se não.

Não vamos sequer discutir que a privação do gozo de uma coisa pelo titular do respectivo direito constitui um ilícito que a nossa ordem jurídica prevê como fonte da obrigação de indemnizar, pois que impede o respectivo proprietário de dela dispor e fruir as utilidades próprias da sua natureza, artigos 483º, nº1 e 1305º do CCivil.

E, é aqui na questão do titular do respectivo direito que começam as perplexidades, porque o Recorrente desde a celebração do contrato promessa em 1993 e até à efectiva declaração de que a propriedade lhe foi transmitida por força da sentença de execução específica produzida a seu favor, não era titular de coisa nenhuma, tendo apenas em relação ao objecto do contrato promessa um mero direito obrigacional que lhe não permitiria a se efectuar qualquer contrato de arrendamento com terceiros.

Por outra banda, durante esse tempo, o Recorrente esteve a discutir a bondade da sua tese no que tange ao incumprimento do contrato promessa por banda da mãe do aqui Recorrido, naquela qualidade de promitente comprador com um mero direito obrigacional, embora detendo o imóvel, sendo certo que a sentença produzida a seu favor não fez retroagir o seu direito de propriedade sobre o referido imóvel à data prevista como termo ad quem para a efectivação da escritura naquele contrato.

E, mesmo aceitando que o Recorrente ao ter obtido ganho de causa naqueloutro processo significa que afinal das contas poderia ser dono do imóvel desde Outubro 1994, aquele não logrou provar, tal como lhe competia nos termos do artigo 342º, nº1 do CCivil, que tinha algum interessado para lhe arrendar o imóvel, pois esta questão da ressarcibilidade do dano de privação do uso não pode ser favoravelmente decidida apenas com a constatação de que a parte se encontrava numa situação de impossibilidade de utilizar a coisa, mas antes com a aferição de a parte, no caso concreto, estar efectivamente privada do uso dessa coisa, privação essa que lhe cause prejuízos especificamente enunciados, que no caso não se apuraram, cfr neste sentido os Ac deste STJ de 2 de Junho de 2009 (Relator Alves Velho), 15 de Novembro de 2011 (Relator Moreira Alves) e de 10 de Janeiro de 2012 (Relator Nuno Cameira), in www.dgsi.pt.  

As conclusões estão, assim, condenadas ao insucesso.

III Destarte, nega-se a Revista, confirmando-se a decisão plasmada no Acórdão sob recurso.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 13 de Setembro de 2012

(Ana Paula Boularot)

(Pires da Rosa)

(Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, voto a decisão, mas discordo das considerações finais relativas à eventual indemnização por privação de uso de uma coisa por parte do seu proprietário. Suponho aliás, que o presente recurso apenas deve ser apreciado no âmbito da responsabilidade por danos causados pela mora no cumprimento do contrato-promessa, em nada relevando saber se o mesmo tinha ou não eficácia real)