Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2909/10.4TBVCD.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SUB-ROGAÇÃO
PRESSUPOSTOS
REEMBOLSO
LEI ESTRANGEIRA
INTERPRETAÇÃO DA LEI
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
NULIDADE DO CONTRATO
CLÁUSULA CONTRATUAL
Data do Acordão: 06/14/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – LEIS, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO / DIREITOS DOS ESTRANGEIROS E CONFLITOS DE LEIS.
Doutrina:
- Alexandre Dias Pereira, A Construção Jurídica do Mercado Único dos Seguros – Estudos dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio Almeida Costa, Universidade Católica Editora, p. 84;
- Anxo Tato Plaza, La subrogación del assegurador en la Ley de contrato de seguro, Tirant lo Blanch, p. 52 a 55, 68, 91, 260 e 266;
- Fernando Bondía Román, La subrogación en el crédito – Estudos de Derecho Civil en Homenage ao Professor Dr. José Luis Lacruz Berdejo, J.M. Bosch Editor, S.A., p. 999, 1000 e 1001;
- Fernando Sanchez Calero, Ley de Contrato de Seguro – Comentarios a la Ley 50/1980, de 8 de octubre y sus modificaciones, 3.ª Edição, Thomson-Aranzadi, p. 763, 764, 768 a 774;
- Francisco Barros Ferreira Rodrigues Rocha, em relatório de mestrado científico, in http://www.asf.com.pt/NR/rdonlyres/E0A868B6-B492-413A-AC0C-BA5AE04CBFA2/0/FDULFranciscoRodriguesRochaDaSubroga%C3%A7%C3%A3onoContratodeSeguro.pdf;
- Júlio Gomes, Da sub-rogação, Estudos em Memória do Prof. Dr. Saldanha Sanches, p. 466;
- Moitinho de Almeida, O Contrato de Seguro no Direito Português e no Direito Comparado, Sá da Costa Editora, p. 224;
- Nuno Andrade Pissarra, Breves Considerações Sobre A Lei Aplicável Ao Contrato de Seguro, págs. 11 e 12, in https://e-revistas.uc3m.es/index.php/CDT/article/viewFile/1323/546.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 23.º, N.º 1.
Legislação Comunitária:
REGULAMENTO (CE) N.º 864/2007 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, DE 11 DE JULHO DE 2007: - ARTIGO 19.º.
REGULAMENTO CONHECIDO COMO «ROMA II», IN JOUE, L 199, DE 31 DE JULHO DE 2007, P. 40 SS..
Legislação Estrangeira:
LEY 50/1980, DE 8 DE OUTUBRO (LEY DE CONTRATO DE SEGURO): - ARTIGO 43.º.

LEY DE ORDENACIÓN Y SUPERVISIÓN DE LOS SEGUROS PRIVADOS: - ARTIGO 4.º, PONTO 2.

CÓDIGO CIVIL ESPANHOL: - ARTIGOS 1209.º E 1281.º.
Referências Internacionais:
DIRECTIVA 88/357/CEE, DE 22 DE JUNHO DE 1988, IN JOCE, L 172, DE 4 DE JULHO DE 1988, P. 1 E SS.: - ARTIGO 7.º, ALÍNEA F).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 01-03-2012, PROCESSO N.º 186/10.6TBCBT.S1;
- DE 06-11-2003, PROCESSO N.º 03B2835;
- DE 26-02-2015, PROCESSO N.º 693/10.0TVPRT.C1.P1.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Jurisprudência Internacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA (TJUE):


- DE 17-11-2011, PROCESSO C-412/10, IN HTTP://CURIA.EUROPA.EU/JURIS/DOCUMENT/DOCUMENT.JSF?TEXT=&DOCID=114585&PAGEINDEX=0&DOCLANG=PT&MODE=LST&DIR=&OCC=FIRST&PART=1&CID=695353.

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL ESPANHOL:


- DE 28-05-1999, RECURSO N.º 2875/1994, STS 3738/1999, IN HTTP://WWW.PODERJUDICIAL.ES/SEARCH/CONTENIDOS.ACTION?ACTION=CONTENTPDF&DATABASEMATCH=TS&REFERENCE=2943953&LINKS=NULIDAD%20Y%20SUBROGACION&OPTIMIZE=20031203&PUBLICINTERFACE=TRUE;
- DE 19-11-2013, RECURSO N.º 1418/2011 (STS 6633/2013), IN HTTP://WWW.PODERJUDICIAL.ES/SEARCH/CONTENIDOS.ACTION?ACTION=CONTENTPDF&DATABASEMATCH=TS&REFERENCE=6969650&LINKS=SUBROGACION%20Y%20SEGURO%20Y%20NULIDAD&OPTIMIZE=20140224&PUBLICINTERFACE=TRUE;
- DE 03-12-2014, RECURSO N.º 2523/2012, STS 5214/2014, IN HTTP://WWW.PODERJUDICIAL.ES/SEARCH/CONTENIDOS.ACTION?ACTION=CONTENTPDF&DATABASEMATCH=TS&REFERENCE=7242880&LINKS=SUBROGACION%20Y%20SEGURO%20Y%20NULO&OPTIMIZE=20150107&PUBLICINTERFACE=TRUE;
- DE 03-03-2016, RECURSO N.º 2789/2013 (STS 963/2016), IN HTTP://WWW.PODERJUDICIAL.ES/SEARCH/CONTENIDOS.ACTION?ACTION=CONTENTPDF&DATABASEMATCH=TS&REFERENCE=7620073&LINKS=SUBROGACI%C3%B3N%20ARTICULO%2043&OPTIMIZE=20160315&PUBLICINTERFACE=TRUE;
Sumário :
I – Uma vez que o contrato de seguro se rege pela lei espanhola, é esta a lei aplicável ao exercício da sub-rogação pelo segurador que realizou pagamentos ao abrigo daquele contrato;

II – De harmonia com o disposto no nº1, do art. 23.º do Código Civil, a lei estrangeira deve ser interpretada no contexto do sistema a que pertence e de acordo com as regras interpretativas nele estabelecidas;

III – No direito espanhol, o primeiro parágrafo do art. 43.º da Ley 50/1980, de 8 de Outubro (Ley de Contrato de Seguro) estabelece os pressupostos do exercício da sub-rogação legal, reconhecendo ao segurador o direito de reembolso relativamente ao que haja pago ao segurado/lesado, para ressarcimento de danos por ele sofridos e cuja ocorrência seja imputável a terceiro;

IV – O exercício da sub-rogação (legal) a que alude o 1.º parágrafo do art. 43º da Ley 50/1980, de 8 de Outubro (LCS) tem como pressuposto a existência de um contrato de seguro válido e eficaz;

V- Não obstante, como decorre da terceira parte do ponto 2 do art. 4º da Ley de Ordenación y Supervisión de los Seguros Privados, o segurador que celebrou um contrato de seguro nulo está adstrito, em caso de ocorrência de sinistro por ele abrangido, a satisfazer uma prestação indemnizatória que será fixada de acordo com as regras inscritas nesse contrato;

VI - A não ser assim, ficaria o terceiro responsável pela obrigação de indemnizar o lesado desonerado do cumprimento dessa obrigação, a expensas do segurador (pelo menos, na medida dos pagamentos efetuados), o que redundaria num injusto enriquecimento daquele e num correlativo e injustificado empobrecimento deste;

 

VII - A par da sub-rogação legal, a sub-rogação convencional é reconhecida pelo direito espanhol (cf. o 2.º parágrafo do art. 1209º do Código Civil Espanhol);

VIII – Da cláusula contratual reproduzida no ponto n.º 17 da fundamentação de facto, interpretada à luz das regras aplicáveis (cf. arts. 1281º e ss. do Código Civil Espanhol), resulta a intenção de a seguradora e a sua segurada estabelecerem, a favor da primeira, e mediante a realização do pagamento da indemnização, os termos em que aquela fica sub-rogada nos direitos e ações do segurado;

IX – A mesma cláusula satisfaz as exigências enunciadas no 2.º parágrafo do art. 1209º do Código Civil Espanhol, já que identifica claramente a sub-rogante e, como é típico da sub-rogação convencional, estabelece a desnecessidade de qualquer ato de disposição do crédito emergente da responsabilidade civil extracontratual imputada àquelas rés.

X – Aquela cláusula contratual, consagrando um quadro típico de “sub-rogação convencional”, com evidente autonomia em relação ao demais clausulado, não se mostra afetada pela nulidade do contrato;

XI - O efeito sancionatório previsto na primeira parte do art. 4º da Ley de Ordenación y Supervisión de los Seguros Privados produz-se unicamente entre os outorgantes do contrato de seguro, reconduzindo-se à cessação do mesmo e à devolução dos prémios pagos, sem, contudo, determinar qualquer penalização adicional, v.g., a irrecuperabilidade do montante pago à lesada/segurada.


XII – Por outro lado, da declaração constante do ponto n.º 18 da fundamentação de facto extrai-se, com suficiente clareza, um acordo de vontades que habilita a seguradora a demandar os responsáveis pelo sinistro, tendo em vista a restituição do que pagou em cumprimento da imposição vertida na Ley de Ordenación y Supervisión de los Seguros Privados, constituindo-se assim como fonte autónoma da sub-rogação convencional.

XIII - Esse acordo de vontades satisfaz igualmente as exigências do art. 1209º, Código Civil Espanhol, sendo possível identificar a sub-rogante e a causa do ingresso na posição credíticia da segurada perante as suas lesantes: o pagamento de uma indemnização em consequência de um sinistro.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I – Relatório

1. “AA, S.A..[1] instaurou contra BB, S.A.. (doravante 1ª ré) , CC - Seguros, S.A.. (doravante 2ª ré), DD - Companhia de Seguros, S.A.. (doravante 3ª ré), EE PLC (doravante 4ª ré), FF - Produtos Alimentares, S.A. (doravante 5ª ré), GG - Construção e Manutenção, S.A. (doravante 6ª ré), e HH, S.A.. (doravante 7ª ré) a presente ação declarativa de condenação, pedindo a condenação solidária das rés a pagar-lhe a quantia de EUR 818.360,53 acrescida de juros de mora vencidos desde 23/11/2010 e vincendos até integral pagamento, sobre o montante de EUR 749.743,59.

Para tanto, alegou, em síntese, que:

A autora é uma sociedade de seguros, com sede em Espanha, tendo contratado com a sociedade II, S.A. um seguro multirriscos da atividade da segurada em Portugal, o que fizeram ao abrigo da apólice nº BG…3, emitida em 29.12.2006.

A II, S.A. dedica-se ao comércio por grosso de bens de consumo e utilizava, para o efeito, dois armazéns sitos nos pavilhões 7 e 8, da Zona Industrial de V….

No pavilhão 6 do mesmo loteamento industrial da V… exerce a ré BB, SA a atividade de serviços de limpeza de componentes mecânicos e de pintura, recolha e reutilização de resíduos.

No dia 8 de outubro de 2009, um veículo automóvel pertencente à 1ª ré, transportando produtos perigosos, ao efetuar uma manobra de marcha atrás para entrar no pavilhão 6, explodiu e pegou fogo ao dito armazém, que se propagou aos pavilhões 7 e 8 da segurada da autora, provocando a sua destruição.

À data do acidente, a 1ª ré tinha em vigor os seguintes seguros:

a) Seguro de responsabilidade civil automóvel, abrangendo o veículo que explodiu, contratado com a ré CC - Seguros, SA;

b) Seguro de responsabilidade civil geral contratado com a ré Lusitânia SA;

c) Seguro titulado pela apólice denominada “Master Liability Policy” contratado com a ré EE PLC.

O veículo transportava mercadoria pertencente às rés FF, GG e HH, as quais tinham incumbido a 1ª ré de recolher nas suas instalações.

O acidente ocorreu por culpa da 1ª ré (e do seu motorista) que não observaram as regras de segurança, nem adotaram as medidas necessárias a evitar a explosão.

Por sua vez, as 2ª, 3ª e 4ª rés assumiram, nos termos dos contratos celebrados com a 1ª ré, a responsabilidade pelos riscos da atividade desta.

As 5ª, 6ª e 7ª rés, enquanto proprietárias e produtoras dos resíduos transportados, devem também responder solidariamente pelos danos causados.

Em consequência do sinistro, a autora indemnizou a sua segurada, pelo montante de EUR 749.743,59, cujo reembolso, ao abrigo da declaração de «sub-rogação» constante do documento de fls. 77, do apenso C, veio agora, por esta via, peticionar.

2. Regularmente citadas, as rés, com exceção da ré DD, contestaram.

A 1ª ré alegou, em síntese, que[2]:

Por contrato de seguro celebrado com a CC, SA, a contestante transferiu para aquela seguradora a responsabilidade que pudesse emergir de todo e qualquer evento danoso quanto a sinistros ocorridos com o veículo seguro.

Ainda que assim não fosse, o evento estaria coberto pelo contrato de seguro celebrado com a 3ª ré, nos termos do qual se encontra garantida a responsabilidade civil geral emergente da atividade desenvolvida pela 1ª ré.

Mesmo que se entenda que os danos não poderiam ser ressarcidos ao abrigo do contrato celebrado com a 3ª ré, recairia sobre a 4ª ré a responsabilidade pelo ressarcimento de eventuais danos, atendendo aos termos da apólice contratada entre a 1ª ré e a 3ª ré.

Mais alegou que:

O evento pode ter sido causado por vários fatores e atos de terceiro, quebrando o nexo de causalidade entre os riscos próprios do veículo e os danos alegadamente sofridos pela segurada da autora.

Em todo o caso, nem a ré, nem o seu motorista agiram com culpa, pois foram cumpridos todos os procedimentos e exigências legais necessárias ao transporte de mercadorias perigosas.

Concluiu, pedindo a sua absolvição do pedido.

A 2ª ré alegou, em síntese, que:[3]

O sinistro se ficou a dever única e exclusivamente à explosão da carga transportada, concretamente de peróxido orgânico, o qual foi transportado, em violação de regras de segurança que a 1ª ré não podia desconhecer.

Por outro lado, o veículo, no momento do sinistro, não se encontrava em circulação, pelo que o sinistro se encontra excluído da garantia do contrato de seguro, celebrado com a 1ª ré.

Conclui pela sua absolvição do pedido.

A 3ª ré não contestou.

A 4ª ré sustenta, fundamentalmente, que[4]:

Estando em causa um sinistro automóvel, a responsabilidade civil pelos respectivos danos deve ser assumida pela seguradora que celebrou com a 1ª ré seguro de responsabilidade civil automóvel, ou, caso o evento seja imputado a conduta infratora de clientes da 1ª ré, pelas seguradoras para quem estes transferiram a responsabilidade pela ocorrência de tais danos.

Atenta a natureza do sinistro, a ora contestante não pode ser responsabilizada pelo ressarcimento dos danos aqui em causa, por estar excluída da cobertura da apólice contratada, podendo, quando muito, a responsabilidade ser atribuída à ré DD.

Conclui pela sua absolvição do pedido.

A 5ª ré alega, em síntese, que[5]:

A explosão invocada não foi causada pelo transporte em si mas pela indevida e incorreta disposição e mistura no camião dos diversos materiais perigosos transportados pela 1ª ré e ainda pelos efeitos da circulação rodoviária e da descrita manobra de estacionamento junto às instalações e, portanto, quando ocorreu a explosão, o camião já tinha concluído o transporte e chegado a destino e que a autora não invoca factos consubstanciadores do valor que diz ter pago.

Conclui pela absolvição da instância, se assim se não entender, do pedido já no despacho saneador.

Na sua contestação[6], a 6ª ré sustenta, em suma, que celebrou com a 1ª ré um contrato de prestação e serviços, pelo qual esta se comprometeu a recolher determinados resíduos, dando-lhes o destino adequado.

No âmbito desse contrato, a 6ª ré entregou à 1ª ré determinada mercadoria, a qual foi devidamente acondicionada, sem fugas ou derrames, estando os resíduos líquidos e pastosos depositados em embalagens estanques e os sólidos nas respectivas embalagens, convenientemente cobertas e cintadas.

A ré agiu em conformidade com todas as regras, pelo que nenhuma conduta da sua parte originou o sinistro.

Além disso, a ré entregou os resíduos a um operador licenciado, o que acarreta a extinção de eventual responsabilidade do produtor dos resíduos.

Conclui pela absolvição do pedido.

A ré HH SA[7] alegou, fundamentalmente, que entregou à 1ª ré uma caixa de cartão com lâmpadas fluorescentes ao abrigo de um contrato de recolha de resíduos e que o malogrado motorista da 1ª ré rececionou as lâmpadas em recipiente pré-definido contratualmente, da escolha e propriedade da 1ª ré e que o mesmo acondicionou na viatura como entendeu.

Uma vez que as lâmpadas não são inflamáveis, o incêndio e a explosão foram provocados por outros produtos transportados no camião, a ré em nada contribuiu para a produção do sinistro.

Acresce que, nos termos da lei, a responsabilidade do produtor de resíduos se extingue pela sua transmissão a operador licenciado, como era o caso da 1ª ré.

Conclui pela improcedência da ação.

3. Houve réplica.[8]

4. O presente processo, instaurado em 24.11.2011 com o nº 3278/11.0TBVCD, bem como outros em que estava em causa o mesmo acidente e o apuramento das suas consequências, foi, entretanto, apensado ao processo nº 2909/10.4.TBVCD passando a constituir o seu Apenso C.

5. Foi realizada transação sobre o objeto da lide, envolvendo a ação principal e todas as demais que lhe estão apensas, com exceção do suprarreferido apenso C, transação que foi homologada por sentença, transitada em julgado.[9]

6. Suscitada nos autos a questão da nulidade do contrato de seguro ao abrigo do qual a autora alegou ter ressarcido os danos sofridos pela sua segurada II, S.A. e da ineficácia do direito de sub-rogação,[10] foi proferida decisão[11] que “julgou verificada a exceção perentória de nulidade externa do contrato de seguro e ineficácia da sub-rogação nos termos da qual a autora assenta o exercício do direito que peticiona às rés, impondo-se, em sequência e por via disso, a improcedência da ação intentada, absolvendo-se as rés do pedido”.

7. Inconformada com esta decisão, dela apelou a autora, tendo o Tribunal da Relação do Porto, proferido acórdão em que, julgando parcialmente procedente a apelação, revogou a sentença na parte em que declarou a ineficácia da sub-rogação, confirmando quanto ao mais a decisão da 1ª instância.

8. Inconformadas com o assim decidido, as rés interpuseram recurso para este Supremo Tribunal.

8.1. A ré FF, SA, nas suas alegações, em conclusão, disse:

1. É um facto incontornável - porque resulta dos autos - que a A. conformou a causa de pedir e o pedido, exclusivamente, em função do contrato de seguro e da sub-rogação com base nesse mesmo contrato.

2. A declaração a que se refere o "Facto 18" decorre lógica, necessária e incindivelmente do invocado contrato de seguro e da respectiva cláusula transcrita no "Facto 17", tendo portanto de entender-se como declaração de sub-rogação nos termos e com fonte no próprio contrato e não como convenção autónoma de sub-rogação.

3. O douto acórdão ora recorrido decidiu bem ao confirmar a nulidade do contrato de seguro, mas erradamente ao julgar a sub-rogação como um efeito desse contrato de seguro por ela anteriormente declarado nulo.

3-A. A sub-rogação consiste na substituição do credor [neste caso a A.) na titularidade do direito a uma prestação fungível [nestes caso a exigir dos RR), pelo terceiro (neste caso a A.) que cumpre em lugar do devedor (neste caso, supostamente, os RR.].

4. Por força do art. 289º, 1 do CCivil, a nulidade do contrato de seguro tem efeito retroativo, no sentido de que a produção dos seus efeitos tem-se por excluída ab initio, desde a origem do mesmo, ou seja, reporta-se à data da sua formação, em 29-12-2006, e faz com que o regresso à situação inicial - a inexistência do contrato - funcione tanto em relação às partes no negócio como relativamente a terceiros [in rem e não somente in personam).

5. A alínea c) da Base XVIII da Lei nº 2/1971 impunha a nulidade do contrato de seguro, nos termos anteriormente referidos e sem impor qualquer obrigação sancionatória à seguradora, pelo que, à luz dessa norma, e justamente por força daquela nulidade, nunca poderia falar-se em sub-rogação da A. pela segurada enganada no direito de indemnização que persegue através da presente ação.

6. Admitindo que possa considerar-se aplicável ao caso, quer o disposto no art. 4º, nº 2 do Real Decreto Legislativo 6/2004, invocado no acórdão recorrido, quer o nº 2 do art.16º do DL nº 72/2008, de 16/4, e que o pagamento feito pela A. à "segurada enganada" o foi com base em qualquer dessas duas normas, ou em ambas, então a A., ao fazê-lo, terá cumprido uma obrigação sancionatória que lhe era imposta por lei, por ter celebrado um contrato de seguro no nosso País sem para tal estar autorizada - e como tal nulo - e, portanto uma obrigação legal, porque decorrente da lei, e não uma obrigação contratual, decorrente do contrato de seguro nulo e de nenhum efeito, e, logo, uma obrigação própria dela e não uma obrigação do credor ou de terceiro.

7. Quer pelo referido na conclusão 4. quer pelo referido na conclusão 6. ou por ambas, o acórdão recorrido errou ao considerar que a obrigação de pagamento da A. era uma obrigação ex contractu.

8. 0 suposto direito de crédito da A. em relação aos RR, se existisse, por ter na sua origem o cumprimento de uma obrigação sancionatória decorrente da lei, seria distinto do direito de crédito da segurada em relação aos RR enquanto supostos responsáveis dos danos por ela alegados, e, não se tratando, em relação à seguradora, do mesmo direito de crédito de que era titular o anterior credor [a segurada), isso torna legalmente inviável a sub-rogação.

9. Não tendo a A. garantido o cumprimento da obrigação da sua segurada "enganada", justamente porque o contrato que visava essa garantia afinal é nulo, não pode ela, também por isso, ficar sub-rogada no direito de indemnização daquela.

10. A segurada cumpriu a obrigação de indemnização e pagamento à sua "segurada" não por ter interesse direto e contratual nisso mas porque a lei lhe impôs esse cumprimento.

11. Também pela sua fonte, o reclamado crédito da A. sobre os RR era e é diferente do crédito da "segurada", pois enquanto aquele primeiro emergia do cumprimento de uma obrigação que lhe foi imposta por lei, com o que os RR nada tiveram a ver, aquele último emergia dos prejuízos causados nos bens pelo sinistro cuja responsabilidade é atribuída aos RR.

12. Na sub-rogação, seja voluntária ou legal, exige-se que o crédito do terceiro (neste caso a A.) coincida, ou seja, o mesmo crédito de que era titular o anterior credor (neste caso a Vidal Europa, enquanto "falsa segurada" ou "segurada enganada" por quem não podia ter com ela celebrado o contrato de seguro ora declarado nulo), coincidência essa que não ocorre no caso presente.

13. Não ocorrem, no caso presente, os requisitos estruturais e legalmente exigidos para que possa falar-se em sub-rogação.

14. 0 douto acórdão da Relação do Porto, ao considerar a sub-rogação como um benefício concedido ex contractu, violou e ou fez errada interpretação e aplicação do disposto na Base XVIII, nº1, al. c) da Lei nº 2/1971, nos artigos 289º e 589º a 593º do C.Civil, e, mesmo, nos artigos 4º, nº 2 do Real Decreto Legislativo 6/2004 e no artigo 16º do nosso DL nº 72/2008, de 16/4.

Termos em que, e no demais de direito do douto suprimento, deve o presente recurso ser julgado procedente e, concedendo-se a revista, revogar-se a decisão final do douto acórdão da Relação do Porto, confirmando-se a sentença de 1ª instância.

8.2. A ré GG, SA, nas suas alegações, em conclusão, disse: 

a) O Tribunal da Relação, embora reiterando a nulidade externa do contrato, acabou por alterar a sentença de 1a instância, sem especificar como e de que forma, ou que fundamentos relevantes lhe teriam permitido concluir pela eficácia da sub-rogação, estabelecendo apenas que esta assentaria no benefício concedido "ex contractus"

b) Tratando com a mesma dignidade, um interesse válido e susceptível de tutela e protecção legal, com outro decorrente de um contrato nulo e no qual se pretende sub-rogar o segurador inadimplente que o originou.

c) Parecendo esquecer que a lei, seja ela do ordenamento português ou espanhol, de forma imperativa e contundente, penaliza o exercício não autorizado da atividade seguradora em determinado país com a nulidade externa do contrato, como forma de reprimir os infratores, que assim ficam impedidos de colher qualquer efeito dele resultante (o artigo 16° do n° 2, do Dec. Lei 72/2008, de 16 de Abril (Lei do Contrato de Seguro) e, anteriormente, a Lei n.° 2/71, de 12 de Abril (vigente à data dos factos) e artigo 4°, n° 2, do texto refundido de la Ley de Ordenación y Supervision de los Seguros Privados, aprovado pelo Real Decreto Legislativo 6/2004, de 29 de outubro, respectivamente).

d) Importa deixar claro, que a Lei n.° 2/71, de 12 de Abril, já previa que os contratos de seguro não autorizados sofriam de nulidade, acrescentado o DL n.° 72/2008, de 16 de Abril, para além daquela, uma sanção com a qual penalizava o segurador inadimplente, forçando-o a cumprir, em caso de sinistro, como se o contrato fosse válido.

e) Não se pode, no entanto, pretender que este agravamento de penalização pudesse afinal permitir ao segurador obter, por via da sub-rogação, uma forma de se ver ressarcido das prestações que foi forçado a efetuar, pois tal deixaria de representar um agravamento convertendo-se numa vantagem, resultante do contorno da lei.

f) Materializando a inoponibilidade do vício ao segurado como de um benefício "ex contratos" se tratasse, que permitiria a sub-rogação e desconsideraria a nulidade externa do contrato imposta por lei.

g) No entanto, resulta deste imperativo legal que a protecção concedida ao segurado tem o reverso na nulidade externa que se aplica ao segurador, mediante a qual a lei pretende reprimir o exercício não autorizado da atividade de seguradora, cujo efeito penalizador se traduz na invalidade do contrato e consequente ineficácia de sub-rogação.

h) A não ser assim, o segurador, em relação a quem o contrato de seguro é nulo por falta de autorização válida, conseguiria, por via da sub-rogação aquilo que a lei lhe veda.

i) Por outro lado, salvo o devido respeito, não pode o Tribunal da Relação, numa errada interpretação que faz do artigo 441.° do Código Comercial, conceder ao segurador - que incumpriu e que originou a nulidade - os mesmos direitos que este obteria numa sub-rogação decorrente de um contrato válido.

j) Neste caso, sendo o contrato nulo, por culpa exclusiva do segurador inadimplente, o direito de sub-rogação deixa de ser uma decorrência natural do cumprimento pelo segurador, sob pena de desrespeitar as normas de interesse e ordem pública, as mesmas que estabelecem uma sanção para reprimir o exercício não autorizado de uma seguradora.

k) Isso mesmo concluiu, a Meritíssima Juíza de 1ª Instância, quando refere que sendo nulo o contrato quanto ao segurador por falta de autorização para assegurar o risco, a sub-rogação permitiria que este obtivesse aquilo que a lei lhe veda, contornando o direito.

l) Na verdade, perante a nulidade externa do contrato de seguro, não se pode confundir o cumprimento voluntário de uma obrigação de pagamento decorrente de um contrato válido com a sanção imposta por lei ao segurador inadimplente.

m) Pelo que, admitir a sub-rogação no contrato nulo estaríamos a gerar uma insegurança que a lei pretendeu evitar, abrindo uma porta para todas as atuações ilícitas mediante as quais o infrator obteria os mesmos direitos e prerrogativas que teria como se tivesse atuado no estrito cumprimento das imposições legais.

n) Significando isto que através da figura da sub-rogação, a seguradora cuja atividade não estava autorizada, nunca seria penalizada, podendo recuperar sempre a indemnização paga.

o) Nestes termos, no nosso modesto entendimento, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto fez uma errada interpretação dos efeitos da nulidade no contrato de seguro (artigo 289.° do Código Civil), que considerou inexistentes, permitindo que o infrator, único responsável pela referida nulidade, pudesse contornar a lei e ir contra a ordem pública, mediante uma sub-rogação obtida através de um bbenefícioconcedido "ex contratus" (artigo 592.° do Código Civil).

p) Sustentando o acórdão uma errada interpretação do artigo 441.° do Código Comercial, porquanto, como se vem dizendo, a sua aplicação pressupõe a existência de uma obrigação válida, valorada pela lei e susceptível de tutela legal.

q) Ademais, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, ao permitir a sub-rogação com base num benefício concedido "ex-contractus" violou o preceituado na Lei n.° 2/71, de 12 de Abril, na sua alínea c), do n.° 1 da Base XVIII bem como o artigo 16° do n° 2, do Dec. Lei 72/2008, de 16 de Abril (atual Lei do Contrato de Seguro) e artigo 4º, n° 2, do texto refundido de la Ley de Ordenación y Supervisión de los Seguros Privados, aprovado pelo Real Decreto Legislativo 6/2004, de 29 de outubro.

r) Deve pois ser julgado procedente este pedido de revista do douto acórdão recorrido, mantendo-se a decisão da 1ª instância.

8.3. A ré BB Portugal SA, nas suas alegações, em conclusão, disse:

A) O objeto do presente recurso cinge-se à decisão do Tribunal da Relação do Porto, na parte em que considerou eficaz a sub-rogação da Autora, enquanto seguradora, nos alegados direitos da II, S.A., entidade segurada, contra as Rés.

B) Tal como já havia feito o Tribunal de 1ª instância, também o Tribunal da Relação do Porto julgou - e bem - nulo o contrato de seguro celebrado entre a Autora e II, S.A., não tendo o Tribunal da Relação do Porto, no entanto, extraído dessa nulidade as devidas consequências, nomeadamente no que respeita à sub-rogação invocada pela Autora nestes autos.

C) O acórdão recorrido julgou o referido contrato nulo nos termos do artigo 4º n.° 2 do Real Decreto Legislativo 6/2004, tendo ainda referido que como esta solução não colide com os interesses fundamentais da ordem pública portuguesa, sendo aliás coincidente com a solução oferecida pelo ordenamento português, tornava-se dispensável questionar a aplicação das regras do direito interno português.

D) A nulidade do contrato de seguro, prevista quer na legislação espanhola, quer na legislação portuguesa, tem fundamento na defesa de interesses de ordem pública, visando garantir o bom funcionamento do sector e a confiança dos consumidores no mesmo.

E) A nulidade determina a não produção de quaisquer efeitos pelo contrato afetado e, pela sua conexão com valores e interesses de ordem pública, é invocável a todo o tempo por qualquer interessado — incluindo terceiros estranhos ao contrato, como seja a Recorrente BB - podendo ser declarada oficiosamente pelo tribunal.

F) O regime da nulidade do contrato de seguro tem a particularidade, estabelecida por via legal quer no direito espanhol quer no direito português, de impor que, não obstante a nulidade do contrato, o segurador se encontre ainda assim obrigado ao cumprimento das obrigações que para si decorreriam do contrato caso este fosse válido.

G) De acordo com a decisão do Tribunal da Relação do Porto, não obstante o que se deixa dito supra: o seu caráter gravoso, os seus fundamentos de interesse público, e a sua suscetibilidade de ser invocada por terceiros nomeadamente o alegado lesante, a legalmente imposta nulidade do contrato de seguro deve ser absolutamente ultrapassada, devendo o contrato de seguro nulo produzir os seus efeitos essenciais e caracterizadores, quer internos, quer externos. É descabido!

H) No que respeita à determinação da lei aplicável ao tema da sub-rogação, uma vez que não existiam disposições comunitárias diretamente aplicáveis, torna-se necessário recorrer às normas de conflito do foro, em concreto os artigos 189.°, n.° 2, 191° e 192º do Decreto-Lei n.° 94-B/98, de 17 de abril, dos quais resulta que, sem prejuízo de disposições imperativas do ordenamento do foro que se imponham, a lei aplicável à sub-rogação é a lei que os contraentes tiverem designado para regular o contrato.

I) Conforme resulta do facto provado 4, a lei designada pelas partes é a lei espanhola, sendo que, em razão das normas de conflitos aplicáveis (cf. artigos 189.°, n.° 2, e 191.°, ambos do Decreto-Lei n.° 94-B/98, de 17 de abril), e uma vez que, de todo o modo, a solução legal resultante da aplicação da lei espanhola é idêntica à que resulta da aplicação da lei portuguesa, não se contesta esta designação - donde resulta que a lei aplicável à sub-rogação deverá ser também a lei espanhola.

J) A legislação espanhola regula nos artigos 1203.° e seguintes do CCes a figura genérica da sub-rogação de direito civil. Estas normas encontram paralelo nos artigos 589.° e seguintes do CC que, do mesmo modo, consagram no direito interno português o instituto da sub-rogação.

K) Já no âmbito do direito dos seguros, dispõe o n.° 1, do artigo 43.° da Ley del Contrato de Seguro que uma vez paga a indemnização ao segurado, o segurador poderá exercer os direitos e ações de que, por efeito do sinistro, o segurado seria titular perante o lesante, até ao limite da indemnização paga. No mesmo sentido, e sob a mesma denominação de sub-rogação, dispõe o n.° 1 do artigo 136.° da Lei do Contrato de Seguro.

L) Da mera leitura das referidas normas ressalta desde logo que a figura da sub-rogação geral de direito civil se aplica a situações estruturalmente diferentes da sub-rogação prevista na disciplina dos seguros: enquanto no direito civil geral a sub-rogação pressupõe o cumprimento, por terceiro, de obrigação alheia; a sub-rogação no direito dos seguros pressupõe o cumprimento, pela seguradora, de obrigação própria decorrente do contrato de seguro.

M) Assim, a figura da sub-rogação prevista na disciplina dos seguros tem uma natureza sui generis, não parecendo subsumível nos quadros da sub-rogação, ainda que com ela apresente grandes afinidades.

N) No que respeita aos fundamentos da sub-rogação, tema relativamente ao qual a doutrina diverge, veja-se que o Supremo Tribunal de Justiça decidiu, em Acórdão de 11 de abril de 2004 (proferido no processo n.° 04B3062, disponível em www.dgsi.pt), que a sub-rogação do segurador se funda numa base contratual que toma em conta, para a estimativa dos prémios a pagar pelo segurado, a eventual cobrança da indemnização devida por qualquer dos responsáveis para com o mesmo segurado.

O) Para concluir pela eficácia da sub-rogação invocada pela Autora, o Tribunal da Relação do Porto começa por invocar o já mencionado artigo 4,°, n.° 2, do Real Decreto Legislativo 6/2004, invocação que simplesmente não tem o menor cabimento, uma vez que este artigo não encerra qualquer estatuição de sub-rogação do segurador nos direitos do segurado, estando assim a sua relevância, para esta concreta questão, inequivocamente afastada.

P) Após (descabidamente) referir a mencionada norma, o Tribunal da Relação de Porto, para ancorar a sua decisão no sentido da eficácia da sub-rogação, limita-se a invocar o artigo 441.° do Código Comercial Português bem como o artigo 43.° da Ley del Contrato de Seguro, que, similarmente, estabelecem o direito da seguradora que indemnize o segurado a sub-rogar-se nos direitos deste último contra o lesante.

Q) No entanto, é por demais evidente que qualquer um dos referidos artigos assenta, para que possa aplicar-se, no pressuposto de o pagamento ter sido efetuado pelo segurador no âmbito de uma relação contratual validamente constituída, o que, como em cima se viu, não é de todo o caso, já que o contrato de seguro celebrado se revelou nulo.

R) Seria impensável que o legislador (quer espanhol, quer português) que, com os fundamentos de ordem pública acima referidos, decidiu cominar com a nulidade o contrato de seguro celebrado sem a devida autorização, deixasse a porta do sistema aberta para que, não obstante, o segurador prevaricador pudesse ainda assim usufruir da sub-rogação nos direitos do segurado legalmente estabelecida.

S) E para contornar a evidência da inaplicabilidade das referidas normas que estabelecem a sub-rogação da seguradora, não se invoque a sub-rogação inserta no clausulado do contrato de seguro celebrado (facto provado 17), nem a declaração sub-rogatória posteriormente subscrita pela II, S.A. (facto provado 18).

T) Estas declarações têm como pressuposto a eficácia daquele contrato de seguro, na medida em que só em razão do pagamento efetuado pela Autora em cumprimento do contrato, enquanto seguradora, é que estas declarações adquiririam eficácia.

U) As declarações sub-rogatórias em causa estão "umbilicalmente ligadas” ao contrato de seguro, não tendo autonomia face ao mesmo, antes estando estruturalmente dependentes daquele.

V) Sendo nulo o contrato de seguro "fonte", as declarações de sub-rogação emitidas ao seu abrigo são inevitavelmente afetadas por essa nulidade, concluindo-se, consequente e necessariamente, que nunca poderiam produzir quaisquer efeitos.

W) Esta tese é reforçada pelo entendimento exposto pelo Supremo Tribunal de Justiça[12], no sentido de que a sub-rogação do segurador se funda numa base contratual que toma em conta, para a estimativa dos prémios a pagar pelo segurado, a eventual cobrança da indemnização devida por qualquer dos responsáveis para com o mesmo segurado: sendo o contrato de seguro nulo, essa base contratual que justificaria a sub-rogação deixa de produzir efeitos, perdendo assim, a sub-rogação, o seu fundamento.

X) Nem de outra maneira poderia ser uma vez que admitir a eficácia da sub-rogação do segurador, quer com fonte legal, quer com fonte convencional, nestas circunstâncias, equivaleria a contornar e esvaziar absolutamente de conteúdo a cominação de nulidade do contrato de seguro celebrado sem a autorização devida.

Y) O entendimento defendido pelo Tribunal da Relação do Porto equivale a considerar que o contrato de seguro nulo deve produzir basicamente todos os seus efeitos mais relevantes: o seu efeito interno caracterizador - a obrigação de pagamento do segurador - que, como referimos supra, é imposto por lei, e o seu principal efeito externo - a sub-rogação do segurador.

Z) O que redundaria numa fraude à lei e às disposições legais, e na admissão do exercício não autorizado da atividade seguradora em Portugal, em violação direta das normas supracitadas.

AA) Por tudo o exposto, dando a devida relevância às normas, quer do ordenamento jurídico português (artigo 16.° da LCS), quer do ordenamento jurídico espanhol (artigo 4.°, n.° 2 do Real Decreto Legislativo 6/2004), que determinam a nulidade do contrato de seguro celebrado sem a devida autorização, deve este Supremo Tribunal considerar não aplicáveis quer o artigo 441.° do Código Comercial Português, quer o artigo 43.° da Ley dei Contrato de Seguro, bem como julgar ineficazes as declarações sub-rogatórias emitidas pela II, S.A., assim determinando, a final, a ineficácia da invocada sub-rogação da Autora nos alegados direitos da II, S.A. contra as Rés.

8.4. As rés EE Plc e DD Seguros, nas suas alegações, em conclusão, disseram: 

I. O presente recurso - parcial - tem por objeto o douto acórdão da veneranda Relação do Porto (o acórdão " a quo") que bem confirmou a parte da douta sentença da primeira instância que declarou nulo o contrato de seguro em causa, mas que também decidiu que "não existe qualquer razão para se concluir pela ineficácia da sub-rogação como mencionado na douta decisão recorrida pelo que a mesma não pode manter-se".

II. É apenas o segmento do douto acórdão que veio dizer não haver razão para concluir pela ineficácia da sub-rogação, que é objeto do presente recurso.

III. Justifica-se ter presente que o Tribunal de primeira instância decidiu suspender o julgamento e pronunciar-se sobre a questão de direito da "alegada nulidade externa do contrato de seguro e suas consequências jurídicas".

IV. A autora deu-se por sub-rogada pelo pagamento que fizera à tomadora de um seguro de multirriscos ("cash & carry" em …) - celebrado relativamente a um risco situado em Portugal, por seguradora que se não encontrava autorizada para subscrever contratos de seguro em Portugal - "pelos danos por esta sofridos decorrentes de um incêndio que deflagrou nas suas instalações, causado por uma explosão em veículo que transportava resíduos perigosos", e que a mesma indemnizou.

V. Bem decidira a douta sentença de primeira instância ao dar por "verificada a exceção perentória da nulidade externa do contrato de seguro e [a] ineficácia da sub-rogação nos termos da qual assenta o exercício do direito [que a autora peticiona às Rés] impondo-se, em sequência e por via disso, a improcedência da ação intentada, absolvendo-se as RR do seu pedido".

VI. O presente recurso versa apenas sobre matérias de direito. O douto acórdão "a quo" viola pelo menos, por não as interpretar adequadamente e por não as aplicar no seu conjunto e na sua interdependência, as normas de direito espanhol ou português que cita a propósito da sub-rogação e ainda normas que não cita.

VII. Com o devido respeito, ocorrerá também que o douto acórdão "a quo" terá invocado mal a própria jurisprudência citada e que, sobretudo, não citou as partes pertinentes e conclusivas da tese de mestrado a que recorreu ("da sub-rogação no contrato de seguro", de Francisco Rodrigues da Rocha, 2011).

VIII. O douto acórdão "a quo" ignora e viola o entendimento dirimente de que a sub-rogação do segurador, qualquer que seja o ordenamento jurídico aplicável ao caso, e qualquer que seja o entendimento doutrinário sobre a natureza da sub-rogação do segurador nos contratos de "seguros de coisas", não pode ter-se por verificada com base em contrato de seguro que seja de ter como nulo de pleno direito, mesmo que o segurador esteja por lei adstrito à sanção de realizar, em benefício do tomador ou segurado, as prestações nele previstas.

IX. O douto acórdão "a quo" confirmou por unanimidade, e nos mesmos termos, a declaração de nulidade do contrato de seguro, de pleno direito, antes já proferida pela douta sentença do Tribunal de primeira instância.

X. Mas veio o douto acórdão "a quo" entender, só aí contrariando a decisão de primeira instância que "não existe qualquer razão para se concluir pela ineficácia da sub-rogação", parecendo que vai buscar tal fundamento ao antes vigente artigo 441o do Código Comercial português e ao artigo 43o da "Ley dei contrato de seguro de 08 de outubro de 1980".

XI. O douto acórdão "a quo" não teve em conta que, como nele disse, "a sub-rogação assenta no benefício concedido ex-contractu", nem procurou conciliar tal conclusão com a nulidade do contrato seguro que entretanto confirmara. No entanto, será impossível extrair de um contrato de seguro nulo, um qualquer efeito sub-rogatório sem, contra lei, perverter a própria natureza sancionatória da nulidade em causa e o seu efeito de pleno direito.

XII. A transação efetuada nos autos e as três decisões homologatórias que a aprovaram afasta qualquer impossível pré compreensão sobre qualquer pretenso benefício de qualquer das Rés que esteja subjacente a este recurso ou à parte sob recurso do douto acórdão "a quo".

XIII. A questão da impossibilidade ou ineficácia da sub-rogação é uma consequência óbvia e necessária da nulidade de pleno direito do contrato de seguro. A putativa sub-rogação da seguradora pressupõe a convergência de dois direitos autónomos: o putativo direito do lesado que seja tomador ou segurado, e o putativo direito do segurador sub-rogado a ver-se pagar do que tenha pago a título do contrato de seguro, no limite e na natureza do que o próprio segurado e lesado teria direito a receber do lesante como indemnização "qua tale".

XIV. Sendo nulo de pleno direito o contrato de seguro, com efeito retroativo próprio e inexorável, o que a seguradora autora tenha pago a título de tal contrato - e que, por sanção legal específica, nunca poderia ver restituído apesar da nulidade e do seu efeito retroativo sobre o negócio - não poderá também ser fundamento da pretendida sub-rogação, antes a impedindo.

XV. O que a seguradora autora pagou sob o contrato de seguro, depois declarado nulo, continuou a ser devido ao segurado, sem poder ser restituído, como sanção cominatória específica decorrente das disposições legais que em Espanha e em Portugal determinam imperativamente a nulidade de contratos de seguro celebrados por seguradoras não autorizadas.

XVI. Qualquer outro entendimento "excederia os limites impostos pela boa-fé e pelo fim económico do direito", em insustentável violação da regra estruturante da ordem jurídica que resulta do artigo 334o do CC, e violaria o comando imperativo e de ordem pública resultante da base XVIII da Lei 2/71, que era lei formal, lei especial e lei posterior à norma (meramente habilitante) do artigo 441º do Código Comercial. E violaria também, no mesmo sentido e com o mesmo efeito, o comando do artigo 4º do real decreto legislativo do reino de Espanha a que o douto acórdão "a quo" também arrimou a confirmação da nulidade do contrato de seguro em causa.

XVII. 0 artigo 441º do Código Comercial sucumbia necessariamente à sanção de nulidade de pleno direito do contrato de seguro, cominada na base XVIII da lei 2/71. Tal entendimento é confirmado pelo necessário "convívio legal", no regime do atual Decreto-Lei 72/2008, entre os artigos 136º e o artigo 16º: aquele prevê a sub-rogação, em termos próximos do que estava antes no artigo 441º do Código Comercial, e este comina (como sanção específica) a nulidade do contrato emitido por segurador não autorizado, mais cominando (ainda como sanção cível específica) que o mesmo segurador se não pode "eximir ao cumprimento das obrigações que para ele decorreriam do contrato ou da lei caso o negócio fosse válido". Idêntico "destino fatal" dava o artigo 4º do real decreto legislativo 6/2004 do reino da Espanha ao artigo 43 da Ley do Contrato de Seguro de 1980, do Reino da Espanha, também convocada pelo douto acórdão "a quo".

XVIII. O direito relativo ao que seja pago pelo segurador é distinto e autónomo do direito do lesado e segurado. O direito de sub-rogação do segurador, a que o direito do lesado seu segurado possa dar medida e limite, só existirá e só poderá ter qualquer eficácia se o direito resultar de contrato de seguro válido. Sendo nulo o contrato de seguro, desaparece tudo o que nele tivesse possível fundamento, a menos que outra coisa resulte expressamente da lei, o que não foi nem é aqui o caso.

XIX. O regime espanhol de exercício da atividade seguradora, manteve disposições relativas a contratos de seguro porque continua pendente em Espanha a revisão da "ley do contrato de seguro", de 1980. Ao contrário, o regime jurídico dos contratos de seguro em Portugal foi consolidado, no seu essencial, no regime aprovado pelo Decreto-Lei 72/2008 (como bem decorre da norma revogatória contida no seu artigo 6º).

XX. A disposição do artigo 44º do Código Comercial (referida no douto acórdão agora "a quo"), que, aliás, apenas autoriza ou legitima genérica e supletivamente a sub-rogação, confirma também a sua origem voluntária e contratual específica e, portanto, a sua necessária dependência da validade do contrato que a legitime.

XXI. Também em Espanha, as disposições imperativas e também de ordem pública (ou de aplicação necessária) do mencionado artigo 40 do real decreto legislativo 6/2004 aplicavam-se aos contratos de seguro, prevalecendo obviamente - nos mesmos termos - sobre as disposições do artigo 43o da "lei dei contrato de seguro" de 1980, relativas à sub-rogação do segurador.

XXII. Como é o contrato de seguro que dá título necessário à sub-rogação do segurador, a nulidade do contrato retira-lhe qualquer possível préstimo como título sub-rogatório e impede que a qualquer outro título o segurador se possa ter como sub-rogado: seria necessária a convergência de dois créditos autónomos, um crédito do lesado contra o lesante (ex delito) e um crédito do segurado e lesado contra o seu segurador (ex contracto).

XXIII. Esta é - e não qualquer outra -a posição tomada na tese que o douto acórdão várias vezes cita e que o seu próprio título inculca (páginas 136 e 137 de "da sub-rogação no contrato de seguro", Francisco Rodrigues Rocha, tese de mestrado, edição digital, 2011).

XXIV. Repete-se que na mesma tese de mestrado digital mencionada, vem também explicitamente dito o evidente: em sede específica de direito dos seguros tem-se por oponível à sub-rogação a inexistência ou nulidade do contrato de seguro (Da sub-rogação no contrato de Seguro, Frederico Rodrigues Rocha, 2011, edição digital, página 81).

XXV. O alegado direito de sub-rogação, qualquer que seja a ordem jurídica de referência, nasce do contrato de seguro e do que sob a sua disciplina e economia o segurador tenha pago, sendo por isso linear o entendimento de que, sendo nulo o contrato, este não pode dar base jurídica a qualquer pedido com base no que sob tal contrato tivesse sido antes pago ou prestado pelo segurador. A nulidade do contrato de seguro extingue todos os seus putativos efeitos salvo disposição legal específica diferente. E as disposições específicas diferentes são todas em óbvio desfavor do segurador que deu causa à nulidade.

XXVI. A perda pelo segurador do direito de se fazer restituir do que tenha pago sob contrato que, por erro seu, seja declarado nulo, decorre de disposição legal expressa (no caso, quer em direito espanhol quer em direito português), sendo essa a sanção mínima que a lei determina.

XXVII. Defraudaria gravemente a lei (no caso, quer a lei espanhola quer a lei portuguesa) o entendimento de que o segurador prevaricador, tendo perdido o direito a restituir-se (perante o segurado) do que tivesse pago sob contrato nulo (por causa sua), poderia, ainda assim, restituir-se sob um putativo direito sub-rogado com base em contrato nulo.

XXVIII. A dimensão complementar e preventiva da cominação da nulidade do contrato de seguro (nas condições do caso) tem exatamente por critério e por objetivo que o segurador inadimplente se veja privado de exercer, a seu favor e contra quaisquer terceiros, quaisquer direitos, incluindo qualquer direito sub-rogado, que, não fosse a nulidade do contrato, pudesse exercer. A impossibilidade de exercer um qualquer direito, sub-rogado ou outro, contra terceiros, por parte do segurador, não é apenas uma consequência da nulidade do contrato. É mais exatamente um efeito central visado portal cominação.

XXIX. Decorre da nulidade do contrato de seguro, decorre da natureza do instituto da sub-rogação, na especificidade do regime aplicável à sub-rogação dos seguradores, e decorre da óbvia oponibilidade da nulidade do contrato à putativa sub-rogação dos seguradores, que, no caso não pode prevalecer, nem pode sequer existir, qualquer direito sub-rogado ou sub-rogável, porque não há cumprimento de contratos de seguro nulos, porque não podem ser neutralizadas por via do instituto da sub-rogação as sanções específicas cominadas pelos preceitos legais especiais, imperativos e de ordem pública (ou de aplicação necessária) relativos à nulidade de contratos de seguro emitidos por segurador não autorizado.

8.5. A ré HH, SA, nas suas alegações, em conclusão, disse: 

1. O douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto ora recorrido fixou como única questão a decidir a de saber se o contrato de seguro em causa era nulo e concluindo pela nulidade, saber se a sub-rogação é ineficaz.

2. Em virtude da comunicação e da respectiva autorização para que a A. seguradora desse inicio à atividade no regime de livre prestação de serviços em França, Alemanha, Portugal, Itália e Reino Unido ter ocorrido já depois da celebração do contrato de seguro e do respectivo protocolo adicional, veio aquele a ser considerado nulo.

3. Assim, o Tribunal da Relação do Porto acabou por corroborar, neste aspeto, o anteriormente decidido em sede da 1ª Instância que também defendeu a nulidade do contrato de seguros em apreciação.

4. Contudo, a ora recorrente, não concordando com a decisão do Tribunal da Relação do Porto de que apesar do contrato ser nulo "não existe qualquer razão para se concluir pela ineficácia da sub-rogação", vem, nessa parte, interpor o presente recurso.

5. A A. interpôs a presente ação com base numa eventual sub-rogação sustentada num contrato de seguro que, como atrás se viu, foi já considerado nulo.

6. A alegada sub-rogação teria como fonte a via contratual, materializada no contrato de seguro aqui em apreciação.

7. O acórdão ora recorrido, a propósito dessa figura jurídica da sub-rogação, segundo os ensinamentos do Prof Antunes Varela, define-a como "a substituição do credor, na titularidade do direito a uma prestação fungível que cumpre em lugar do devedor ou que faculta a este os meios necessários ao cumprimento. Trata-se de um fenómeno de transferência de créditos (...) mas cujo fulcro reside no cumprimento (...), cujos direitos se medem sempre em função do cumprimento".

8. No entanto, essa definição não poderá ser aplicável ao caso já que pressupõe uma relação subjacente válida, uma vez que o contrato de seguro foi considerado nulo, como já se referiu.

9. Se a sanção prevista para a falta da autorização no contrato de seguro é a nulidade, não pode aquele produzir quaisquer efeitos, de acordo com o disposto no artigo 289° do Código Civil.

10. E muito menos o efeito sub-rogatório alegado pela A. como causa de pedir da presente ação.

11. O contrato de seguro aqui em apreciação é nulo por culpa exclusiva da A. seguradora como atrás se viu, portanto, não poderá a mesma ser contemplada com um direito de sub-rogação na exata medida de um contrato válido.

12. Neste sentido se pronunciou o STJ por via do acórdão de 30/10/97, passível de consulta no site.

13. Caso assim não se entendesse, na prática, as seguradoras estariam sempre dispensadas do cumprimento dos requisitos da autorização para o exercício da atividade seguradora, já que, por via da figura da sub-rogação, nunca seriam penalizadas, na medida em que lhes assistiria sempre a posição de credoras e a recuperação da indemnização paga.

14. Tal traduzir-se-ia num manifesto abuso de direito e numa forma de premiar o infrator.

15. Seria o desvirtuamento absoluto do espírito da lei quando prevê a nulidade como sanção para contratos de seguro sem autorização válida e a obrigação de indemnizar pela seguradora, como punição infligida a esta.

16. Pelo que, no humilde pensamento da recorrente, e também dentro de uma lógica de bom senso e até de justiça, não poderá aceitar-se uma interpretação extensiva que admita o funcionamento da figura de sub-rogação a favor da seguradora, pois isso não seria punir o infrator como legislador pretendeu, mas antes conceder-lhe uma vantagem por ter contornado a Lei.

17. E não se diga, tal como aponta o acórdão recorrido, que a sub-rogação existe por força do contrato, em virtude da aplicação do art. 4º, n°2 do Real Decreto Legislativo 6/2004 que determinar que, apesar da nulidade do contrato, o segurado tem de pagar uma indemnização ao segurado, tal como refere o autor Francisco Rodrigues Rocha, na obra "Da sub-rogação no contrato de seguro",

18.A disposição atrás mencionada, que tem equivalência no nosso ordenamento jurídico nacional, mais recentemente através do DL 72/2008, de 16 de Abril, e já anteriormente por via da Lei 2/71, de 12 de Abril, visou apenas, como se acredita tenha sido o espírito do legislador, que o segurado viesse a ser protegido e que o segurador prevaricador viesse a ser punido.

19. Aliás, na versão mais antiga, a da Lei 2/71 de 12 de Abril, apenas se previa, pela alínea c) do n°l da Base XVI, que os contratos de seguro não autorizados eram nulos.

20. Só com a entrada em vigor do DL de 72/2008, de 16 de Abril é que, para além do efeito da nulidade, se concebeu também um efeito punitivo para a seguradora prevaricadora, na medida em que teria que cumprir, perante o segurado, o contrato como se ele fosse efectivamente válido, conforme decorre da sua redação atual:

"Sem prejuízo de outras sanções aplicáveis, a violação do disposto no número anterior gera a nulidade do contrato, mas não exime aquele que aceitou cobrir o risco de outrem do cumprimento das obrigações que para ele decorreriam do contrato ou da lei caso o negócio fosse válido, salvo havendo má-fé da contraparte".

22. Este Diploma, contudo, só é aplicável aos contratos posteriores à sua entrada em vigor, o que não é o caso dos autos.

23. Mas, ainda que assim não o fosse, abordaremos o sentido de tal disposição que pretende por um lado garantir um protecionismo ao segurado e por outro aplicar uma sanção ao segurador infrator.

24. Quanto ao protecionismo dispensado, é compreensível que não seja exigível ao segurado o conhecimento do cumprimento de todos os requisitos legais a que o segurador está vinculado com o sentido de outorgar um contrato válido, pelo que é-lhe sempre garantida a possibilidade de recuperar o valor do prémio pago ou caso tivesse ocorrido um sinistro, que viesse a ser indemnizado.

25. Já quanto à obrigação do segurador ter que suportar a indemnização ao segurado, independentemente do contrato ser nulo por sua exclusiva culpa, não poderá ser visto de outra forma que não seja uma punição por ter atuado à margem da lei.

26. A punição pela conduta ilícita do segurador decorre de uma obrigação legal, um imperativo imposto ao infrator a titulo punitivo, que apenas tem eficácia inter partes, pelo que nunca poderia a eventual sub-rogação emanar do próprio contrato como defende o acórdão ora recorrido, já que aquele não produz qualquer efeito.

27. Assim, andou mal o Tribunal da Relação do Porto quando, na página 24 do douto acórdão, refere "aqui a sub-rogação assenta, pois, no beneficio concedido ex contractu".

28. Neste sentido se pronunciou o STJ através do seu acórdão de 12/09/2013, passível de consulta em www.dgsi.pt.

29. Acresce ainda que, se se entendesse que assistia o direito ao segurador de ser reembolsado da indemnização paga, na prática, estaria a admitir-se que essa sanção se transferia para terceiros.

30. E como vimos anteriormente, o contrato de seguro em causa ê nulo, pelo que nunca poderá produzir quaisquer efeitos, nomeadamente quanto a terceiros, entre os quais a ora recorrente.

31. O entendimento sufragado pelo acórdão ora recorrido estriba-se unicamente na tese defendida na obra citada pelo seu autor, sem que seja apontada qualquer razão legal válida para que o mesmo seja perfilhado.

32. Aliás, é o mesmo autor, quem na mesma obra, na sua página 134 e sgs refere "parece-nos, para o mal e para o bem, que tudo gira em torno da consideração de que o segurador não paga um débito alheio, mas um débito próprio por forca do contrato de seguro. Entramos aqui na consideração de que os dois créditos são autónomos e independentes entre si".

33. E adianta: "com efeito, o segurador quando realiza a sua prestação está sempre a pagar um débito seu e não o doutrem. Recentemente, o art. 17°, n" 4, LAT, veio demonstrar a autonomia dos dois créditos e que a "sub-rogação" do segurador pode ser configurada com um direito seu ao sub-ingresso, e, portanto, não automático ".

34. É, pois, claro que o Dr. Francisco Rodrigues Rocha, na sua tese sobre "a sub-rogação no contrato de seguro", perfilha a ideia de que afigura da sub-rogação tal como está legalmente prevista no Código Civil não se aplica às seguradoras já que o que lhes assiste é um "mecanismo sui generis de transmissão de créditos, específico do Direito de Seguros".

35. Considerando que os créditos do segurador e do segurado são distintos e autónomos entre si e que não existe uma relação de interdependência, o direito que eventualmente assistisse ao segurador teria que valer por si próprio.

36. Pelo que, quanto à génese da eventual sub-rogação que pudesse assistir ao segurador, esta não terá a sua origem no contrato, já que o mesmo é nulo e não produz esse efeito ou qualquer outro.

37. Nem tão pouco o produzirá relativamente a terceiros, nomeadamente quanto à ora recorrente que é estranha â relação contratual.

38. Ao não haver um direito constituído autonomamente que permita ao segurador garantir o reembolso, não poderá ser imputado a terceiro o dever do seu cumprimento.

39. Muito embora a Meritíssima Desembargadora relatora Dr° Maria de Jesus Pereira afirme que o artigo 441° do Código Comercial Português prevê que o segurador que pagou a indemnização ao segurado fica sub-rogado em todos os direitos deste contra o terceiro causador do sinistro, tal preceito só se aplicará quando os contratos de seguro são válidos, o que manifestamente não é o caso do dos presentes autos.

40. Parece, pois, que o douto acórdão da Relação do Porto violou ou interpretou mal os artigos 289° e 592°, ambos do Código Civil já que, quanto ao primeiro, ignorou a inexistência dos efeitos do contrato de seguro por via da nulidade, ao defender que "a sub-rogação assenta, pois, no beneficio concedido “ex contractu", e, quanto ao segundo, porque não é aplicável ao caso em concreto, como atrás se viu.

41. Na modesta opinião da ora recorrente, não foi igualmente feita a melhor leitura do artigo 441º do Código Comercial Português, uma vez que tal preceito pressupõe uma relação subjacente válida, i.e., um contrato de seguro de plenos efeitos, o que não sucedeu neste caso.


8.6. A ré CC Seguros Gerais, SA, nas suas alegações, em conclusão, disse: 

1 - Vem o presente Recurso interposto do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto que julgou eficaz a sub-rogação legal operada pelo contrato de seguro, apesar de considerar que o contrato de seguro subjacente aquela sub-rogação ser nulo.

2. Nenhum reparo pode ser feito ao Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, no que diz respeito ao facto de considerar o contrato nulo, não se podendo dizer o mesmo da atribuição de eficácia à sub-rogação decorrente desse mesmo contrato nulo.

3. Desde logo, deve dizer-se que, sendo o contrato de seguro nulo, ele não produz qualquer efeito. Este contrato, para todos os legais efeitos, não existe. Tal decorre do disposto na Base XVIII, n° 1, alínea c), da Lei 21/1971, bem como do artigo 4o, ponto 2 do Real Decreto Legislativo de 06/2004 de 29 de outubro.

4. Da leitura de estes dois artigos resulta claro que o referido contrato é nulo e não produz efeitos se celebrado por segurador não autorizado.

5. Entendeu, no entanto, o legislador que deve existir uma cominação para o segurador que assim atuou e, para o fazer estipulou a obrigatoriedade do segurador indemnizar o seu segurado, como se o contrato fosse válido.

6. Trata-se de uma nulidade total do contrato de seguro, uma vez que a penalidade da obrigatoriedade do pagamento ao seu segurado decorre da lei e não do contrato de seguro em si.

7. Esta ideia decorre igualmente do Dec. Lei 72/2008 de 16 de Abril, quando refere "sem prejuízo de outras sanções aplicáveis, a violação do disposto no número anterior gera a nulidade do contrato, mas não exime aquele que aceitou cobrir o risco de outrem do cumprimento das obrigações que para ele decorreriam do contrato ou da lei caso o negócio fosse válido, salvo havendo má-fé da contraparte".

8. Significa isto que o segurador está obrigado a indemnizar o segurado como se o contrato fosse válido, e não pelo facto de este ser válido entre as partes contraentes.

Ora, assim sendo, não vislumbramos em que medida é que nasce o direito de sub-rogação na esfera da recorrida.

9. Refere o Acórdão recorrida que a sub-rogação assenta no benefício concedido ex-contrato invocando o art.° 441° do Código Comercial Português. Ora este artigo refere "O segurador que pagou a deterioração ou perda dos objetos segurados fica sub-rogado em todos os direitos do segurado contra terceiro causador do sinistro".

10. Mas para se verificar esta sub-rogação legal terá de haver um contrato de seguro válido e que cubra os objetos seguros.

11. Neste sentido, o Acórdão da Relação de Lisboa 04-05-2006, proc. 3485/2006, invocado e usado como fundamento pelo Acórdão recorrido, refere: “Todavia, é apodítico que esse prejuízo sofrido tem de derivar do risco assumido no contrato de seguro, pois só assim se pode dizer que o pagamento pelo segurador da "deterioração ou perda dos objetos segurados" ocorreu no âmbito desse contrato, condição necessária à sub-rogação em benefício do segurador prevista no artigo 441° do Código Comercial. Daí que e revertendo para o concreto dos autos, estando o dano aqui em causa, na atenção do seu processo de produção ... excluído da cobertura do contrato de seguro ajuizado, como, e bem, se entendeu na sentença sindicada, temos que o pagamento da respectiva indemnização pela Autora à sua segurada não foi feito no âmbito desse contrato e, como tal, não pode fundamentar a sua sub-rogação com base no mesmo, condição essencial como se disse, à configuração da sub-rogação legai estabelecida no artigo 441° do Código Comercial.”.

12. Ora, da leitura deste Acórdão, bem como da interpretação do artigo 441° do Código Comercial, extrai-se a conclusão de que, para ocorrer a sub-rogação legal do segurado para o segurador é necessária a existência de um contrato de seguro válido.

13. O Acórdão da Relação de Lisboa refere ainda "De outra forma, no limite, permitir-se-ia a sub-rogação do segurador nos limites do segurado, desde que provasse a existência entre ambos de um qualquer contrato válido, ainda que totalmente estranho ao sinistro desencadeados dos danos ressarcidos".

14. A prerrogativa e condição para ocorrer a sub-rogação legal do segurador nos direitos do segurado é, sem dúvida alguma, a existência de um contrato de seguro válido.

15. Obviamente, a sub-rogação legal encontra-se afastada por força da nulidade, inexistência, do contrato de seguro celebrado entre a recorrida e o seu segurado, tanto mais que a própria recorrida invoca em todos os seus articulados precisamente que o seu direito advém do contrato de seguro e consequente sub-rogação legal.

16. Poderemos questionar se, no nosso caso concreto, estaremos em face de uma sub-rogação voluntária ou convencional, prevista nos artigos 589°, 590° e 591° do C.C.

17. Contudo, devemos ter em conta que, de todos os documentos juntos aos autos, o pagamento dos valores seguros resultou exclusivamente do cumprimento de um contrato inexistente.


18. Mesmo que se admitisse que, no presente caso teria ocorrido uma sub-rogação convencional ou voluntária, a mesma não produziria os seus efeitos.

19. E isto porque a sub-rogação estaria sujeita à notificação do devedor pelo cedente ou cessionário nos termos do disposto no artigo 583°, n° 1, ex vide artigo 594° do C.C., não produzindo os seus efeitos sem que ocorresse tal notificação.

20. Acontece que a causa de pedir da ação teria, neste caso, de integrar os factos demonstrativos dessa mesma notificação efetuada ao abrigo do disposto no artigo 583°, n°1 do C.C. (Ac. STJ de 9/11/2000).

21. No presente caso, pelo contrário, não foi invocada a sub-rogação voluntária nem os factos demonstrativos do cumprimento das exigências legais, invocando-se, isso sim, a sub-rogação legal por cumprimento do contrato de seguro que, afinal, é nulo.

22. No entanto, a recorrida invoca, como causa de pedir o pagamento com base na sub-rogação operada por efeito do contrato de seguro celebrado por si e o segurado, estando nós perante uma sub-rogação legal específica do direito dos seguros.

23. Não se pode concordar é que quem não cumpra as regras em termos de cumprimento das regras europeias no que aos seguros diz respeito, seja beneficiado pelo princípio plasmado no Acórdão recorrido do princípio indemnizatório. Aliás, o Acórdão recorrido invoca o Prof. Dr. Francisco Rodrigues Rocha para aplicar o princípio indemnizatório à eficácia da sub-rogação no caso em apreço.

24. Decorre da referida tese de mestrado o entendimento do Prof. Dr. Francisco Rodrigues Rocha que o direito da recorrida advém do facto de ter indemnizado a sua segurada ao abrigo de um direito autónomo este decorrente do contrato de seguro e que a sub-rogação opera por efeito deste.

25. Assim, sendo nulo o contrato de seguro celebrado entre a recorrida e a segurada, é também ineficaz a sub-rogação invocada.

26. O douto Acórdão de fls.... violou entre outros, o disposto nos artigos 589°, e seguintes e art.° 411° do Código Comercial.

9. A autora contra-alegou, pugnando pela improcedência dos recursos.

10. Como se sabe, o âmbito objetivo do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (arts. 608.º, n.º2, 635.º, nº4 e 639º, do CPC), importando, assim, decidir se a nulidade do contrato de seguro compromete o exercício da sub-rogação.


***



II - Fundamentação de facto                                 

11. Com relevância para a decisão este recurso, as instâncias deram como assente que:

1. AA, S.A. sociedade seguradora com sede em Espanha demandou BB PORTUGAL, S.A., com sede em Portugal; CC SEGUROS GERAIS, S.A., com sede em Portugal; DD – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com sede em Portugal; EE PLC, com sede em Inglaterra; FF – PRODUTOS ALIMENTARES, S.A., com sede em Portugal; GG – CONSTRUÇÃO E MANUTENÇÃO, S.A., com sede em Portugal; e HH, S.A., com sede em Portugal, pedindo que as RR fossem condenadas solidariamente a pagar a quantia de €818.360,53 acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde 23/11/2010, sobre o montante de €749.743,59 até integral pagamento.

2. A A. alegou que firmou em Espanha, um contrato de seguro multirriscos com II, SA., sociedade com sede igualmente em ESPANHA e com sucursal em Portugal.

3. E que, nessa sequência, foi emitida aos 29/12/2006 a Apólice sob o n.º BG…3, com efeitos a partir de 30/12/2006, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (artigo 5.º da PI que dá como reproduzida a Apólice).[13]

4. Nos termos do ponto II.1 das condições gerais da id. Apólice, consta declarado que ao presente contrato a lei aplicável é a lei espanhola.

5. Foi depois emitido o Protocolo 5 datado de 25/07/2008) que daquela Apólice faz parte integrante.[14]

6. O risco coberto, identificado como RISCO 3, respeita aos armazéns do Grupo II, SA., sitos na Zona Industrial da … – Rua … lote …, V..., PORTUGAL, incluindo recheio e demais objeto melhor discriminado nos documentos juntos a fls. 3439 verso e ss. e 3479 verso e ss. do vol. XV).

7. Invocou a A. que as partes declararam acordar subordinar qualquer diferendo proveniente do contrato de seguro ao foro Espanhol – cláusula 34 da Apólice.

8. A A. é uma sociedade de seguros, com sede em Espanha e que faz parte do Grupo AA.

9. AA, S.A., com o n.º fiscal [CIF] A-30014831, mudou a sua denominação social para JJ, S.A..

10. A sociedade II, SA. é uma sucursal em Portugal do Grupo II, SA., dedicando-se ao comércio por grosso de bens de consumo no sistema Cash & Carry.

11. A A. alega que II, SA., tinha arrendado os Pavilhões 7 e 8, os quais que se localizam na Zona Industrial da … – V...

12. …E que a estes pavilhões é contíguo o Pavilhão 6, onde a ré BB exerce serviços de limpeza de componentes mecânicos e de pintura, recolha, reciclagem e reutilização de resíduos – gestão global de resíduos.

13. A A. alega que as identificadas instalações – recheio, estrutura, tetos e paredes – foram destruídas, no dia 08/10/2009, por força de um incêndio.

14. A A. sustenta que a II, SA., reclamou o pagamento do conteúdo dos dois pavilhões, todo o mobiliário existente no local, a perda de todos os stocks em armazém e a perda de lucro na revenda desse stock…

15. …E que a indemnizou, enquanto sua segurada, em Espanha, através do pagamento da quantia de €749.743,59, conforme os dois recibos que junta:

-Recibo datado de 05/05/2010, no montante de €400.000,00;

-Recibo datado de 16/08/2010, no montante de €199.743,59.

16. Isto, diz, em resultado do valor real dos danos apurado pela empresa que contratou para o efeito, aplicadas que foram as regras contratuais de seguro ajustadas e previstas.

17. Nos termos da cláusula 31 da Apólice, referente à sub-rogação:[15]

«31.1. Uma vez paga a indemnização, e sem que haja necessidade de nenhuma outra cessão, transmissão, título ou mandato, a Seguradora fica sub-rogada em todos os direitos, recursos e ações do Segurado, contra todos os autores do sinistro ou seus responsáveis, até ao limite da indemnização, sendo o Segurado responsável pelos prejuízos que, com os seus atos ou omissões, possa causar à Seguradora no seu direito a ser sub-rogada. Não poderá a Seguradora, em contrapartida, exercer em prejuízo do Segurado os direitos em que tenha sido sub-rogada.

31.2. Salvo se a responsabilidade pelo sinistro provier de ato doloso, a Seguradora não terá direito a sub-rogação contra nenhuma das pessoas cujos atos ou omissões deem origem a responsabilidade do Segurado nem contra o causador do sinistro que seja, relativamente ao Segurado, cônjuge, parente em linha direta ou colateral dentro do terceiro grau civil de consanguinidade, pai adotante ou filho adotivo que convivam com o Segurado.

Se a responsabilidade a que se faz referência no parágrafo anterior estiver coberta por uma apólice de seguro, a sub-rogação limitar-se-á à cobertura garantida pela mesma.

31.3. Na eventualidade de concorrência da Seguradora e do Segurado perante o terceiro responsável, a recuperação ou cobrança obtida será repartida entre ambos, na proporção do interesse respetivo.»

18. Alegou a A. que a II, SA., conforme documento datado de 16/08/2010, declarou sub-rogar a demandante em todos os direitos de ação contra qualquer responsável em consequência do sinistro ocorrido, junto com a PI sob o n.º3, a fls. 77 do vol. I do processo 3278/11.0TBVCD, agora apenso C, o qual dispõe do seguinte modo:

«Com os valores indicados/expressos, dou por completamente liquidado o sinistro em referência, relativo às coberturas da apólice em epígrafe, e exonero de qualquer responsabilidade a AA Seguros de qualquer derivação do referido sinistro, sub-rogando esta em todos os direitos ou ações que me possa corresponder contra qualquer pessoa física e/ou jurídica em consequência do sinistro.».

19. A A. imputa o incêndio à explosão que ocorreu num veículo da R. BB, com a matrícula …-HH-…, quando este se encontrava a proceder à manobra de estacionamento no local.

20. É objeto social da 1.ª R. “alugar, prestar assistência técnica e de manutenção a maquinaria de limpeza, distribuir, recolher e proceder ao tratamento de solventes, proceder à gestão de resíduos e, ainda, exercer, sem qualquer limitação, atividades complementares ou associadas daquela.”(I) da matéria assente).

21. A R. BB tinha, à data de 08/10/2009, em vigor os seguintes seguros:

- Apólice de Seguros do ramo automóvel quanto ao veículo com a matrícula …-HH-…, com o n.º 41…8, com a R. CC – fls. 606 e ss. do vol. III do processo 3278/11.0TBVCD.[16]

- Apólice de Seguros do ramo de responsabilidade civil geral, com o n.º 13….3, com a R. DD - fls. 682 e ss. do vol. III do Apenso C.

- Apólice de Seguros denominada de “Master Liability Policy” com o n.º YM…6, com a R. EE - fls. 1429 e ss. do vol. V do Apenso C.

22. A 1.ª Ré celebrou com a ora 2.ª R. CC – Seguros Gerais, SA., um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, titulado pela Apólice n.° 41…8 – fs. 606 a 666, com entrada em vigor em 02.03.2009, com um capital seguro correspondente ao mínimo obrigatório, na data do sinistro, de € 600.000,00 para danos materiais e € 1.200.000,00 para danos corporais e, por ter sido contratada uma extensão de cobertura facultativa, com um capital seguro complementar de € 48.200.000,00 – cf. fls. 606 do Apenso C. 

23. Este contrato tinha, e tem, como veículo seguro o veículo com a matrícula …-HH-….

24. A Condição Particular n.° 6 do referido contrato estabelece que “A Seguradora garante os riscos e importâncias fixadas nas Condições Particulares, quanto a sinistros ocorridos com o veículo seguro, mesmo que este transporte mercadorias perigosas" – cf. fls. 655 do Apenso C. 

25. A 1.ª R. participou à CC a ocorrência do sinistro em causa, no dia 09.10.2009, nos termos do documento copiado a fs. 680/681 do Apenso C.

26. A BB celebrou com a R. DD um contrato de seguro de responsabilidade civil geral, com início em 1 de Agosto de 2009, titulado pela Apólice n.° 13…3, emitida em 16.09.2009 e junta por cópia de fls. 682 a 700 do Apenso C.

27. Nos termos das condições particulares a natureza do negócio da 1.ª R. consiste em "serviços e sistemas de limpeza de componentes mecânicos e equipamentos de pintura, recolha, reciclagem e reutilização de resíduos" – fls. 682 do Apenso C.

28. Mais consta das Condições Particulares: o presente contrato fica sujeito às “condições gerais” anexas e ainda às “condições particulares” indicadas nesta apólice que fazem parte integrante da mesma como se nela fossem transcritas, de conformidade com as instruções recebidas do Programa Internacional celebrado entre a KK (CAIMAN) LTD, do qual o Exmo. Segurado faz parte, e a EE. PLC, com sede em Londres, Inglaterra.

29. Nos termos do n.º 1 da primeira das Condições Especiais da Apólice 13…3 da DD – Em caso de sinistro resultante de um risco que não se enquadre no âmbito de cobertura desta Apólice mas que, no entanto, se encontre a coberto da “Master Policy” emitida de conformidade com o programa internacional celebrado entre a EE PLC, em Londres, Inglaterra, e a KK (CAIMAN) LTD, de que o tomador do seguro/segurado desta Apólice faz parte, então a “Master Policy” será ativada para a regularização do referido sinistro – cf. fls. 684 do Apenso C.

30. Nos termos do n.º 2 da primeira das Condições Especiais da Apólice 13…3 da DD "Igualmente se, em caso de sinistro, se verificar que as "Condições Gerais" da presente Apólice contrariam de algum modo os termos, coberturas e condições da “Master Policy”, o referido sinistro será sempre regularizado de acordo com o programa internacional celebrado entre as partes descritas em 1 – cf. fls. 684 do Apenso C.

31. A “Master Policy” aqui referida é a copiada de fls. 1474 a 1506 e traduzida de fls. 1430 a 1473 do Apenso C.

32. Nos termos do artigo 2.°, n.°.1, al. a), das Condições Gerais do contrato de seguro celebrado com a DD, até ao limite do valor segure fixado nas Condições Particulares, este contrato, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual, garante as indemnizações resultantes de danos involuntariamente causados a Terceiros, exclusivamente decorrentes de Lesões Corporais e/ou Materiais, que, ocorridos durante o período de seguro, e ao abrigo da lei civil, sejam exigíveis ao Segurado na qualidade e no exercício da sua Atividade" (responsabilidade civil exploração) – cf. fls. 688 do Apenso C.

33. A 1.ª Ré participou o acidente em apreço à Corretora Marsh, a qual, no dia 9 de Outubro de 2009, participou o sinistro à DD – cf. fls. 7, do Apenso C.

34. A A. alega que o veículo da BB tinha procedido à recolha de resíduos das instalações das RR FF, GG e HH, a quem atribui a qualidade de proprietários e produtoras dos mesmos.

35.A autora imputa à ré BB e ao condutor do veículo, seu funcionário, a responsabilidade na ocorrência da explosão, por não terem sido observadas as regras de segurança, nem as precauções necessárias para evitar a explosão.

36. A A. advoga a possibilidade de um incorreto preenchimento e classificação efetuada na declaração Modelo A da Guia de Acompanhamento, quanto à descrição e qualificação dos produtos entregues no veículo em causa.

37. O acidente foi investigado pela Polícia Judiciária, Guarda Nacional Republicana e pelos Serviços Regionais de Combate ao Banditismo que certificou a inexistência de engenhos explosivos dentro do camião, tendo as respetivas constatações e conclusões sido apensadas aos Autos de Inquérito n.º 1336/09.0GAVCD – cf. fls. 78 e ss. do Apenso C.

38. O processo-crime foi objeto de Despacho de Arquivamento - fls. 1682 e ss. do vol. VI do Apenso C.

39. No local estiveram também presentes os Bombeiros Voluntários de … que combateram o incêndio durante várias horas nos vários pavilhões atingidos pela explosão, tendo emitido o relatório junto por cópia de fls. 84/88 do Apenso C., aqui reproduzido.

40. Reproduz-se aqui o escrito no jornal Público, edição on line de 9.10.2009, a fls. 835/836 do Apenso C.

41. A Câmara Municipal de … não viu nenhum inconveniente na instalação da 1.ª Ré na Zona Industrial de … – fls. 868 do Apenso C.

42. (E) emitiu o Alvará de Licença de Utilização n.° 120/02, em 26.03.2002 – fls. 869 do Apenso C.

43. E o Alvará de Autorização de Utilização n.° 158/05 em 27.04.2005 – fs. 870 do Apenso C.

44.A A 1.ª Ré comunicou o ocorrido à Agência Portuguesa do Ambiente, à Administração da Região Hidrográfica, à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, à Direção Regional de Economia e à Inspeção Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território – fls. 1026 a 1040 do Apenso C.

45. A A. encontra-se inscrita no Ministério da Economia e Finanças desde 27/04/1972, encontrando-se autorizada a realizar operações de seguros privados com âmbito nacional nos seguintes ramos, de acordo com o artigo 6 do Texto Revisto da Lei de Supervisão dos Seguros Privados, aprovada pelo Decreto Real Legislativo n.º 6/2004, de 29 de outubro, Vida, 1 (acidentes), 2 (doenças), 3 (veículos terrestres não ferroviários), 4 (veículos ferroviários), 5 (veículos aéreos), 6 (veículos marítimos, lacustres e fluviais), 7 (mercadorias transportadas), 8 (incêndios e elementos naturais), 9 (outros danos proprietários), 10 (responsabilidade civil veículos terrestres automóveis), 11 (responsabilidade civil veículos aéreos), 12 (responsabilidade civil, veículos marítimos, lacustres e fluviais) 13 (responsabilidade civil geral), 15 (cauções), 16 (perdas pecuniárias diversas) e 17 (defesa jurídica) – cf. Declaração pelo Ministério da Economia aos 02/12/2015 a fls. 3527 v., do Vol. XIV do processo n.º2909/10.4TBVCD.

46. A A., através de comunicação datada de 05/05/2010, manifestou ao Ministério da Economia e Finanças, a sua intenção de iniciar a sua atividade seguradora em regime de livre prestação de serviços em França, Alemanha, Portugal, Itália, bem como de ampliar as atividades no Reino Unido.

47. Nessa sequência, o Ministério da Economia e Finanças comunicou à A., aos 24/05/2010, que “nesta data foi expedida a notificação a que se refere o Artigo 56º do Texto Refundido da lei de Regulação e Supervisão dos seguros Privados (“Ley de Ordenación y Supervisión de los Seguros Privados”) aprovado pelo Real Decreto Legislativo 6/2004, de 29 de outubro. Em consequência, poderá dar início à sua atividade no referido regime em França, Alemanha, Portugal, Itália e Reino Unido, assumindo os riscos incluídos nos ramos Não vida 6, 7, 8, 9, 12 e 13.»


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III - Fundamentação de Direito

12. Na presente ação, a autora veio pedir a condenação das rés a reembolsá-la do que pagou à sua segurada, para ressarcimento de danos por esta sofridos e cuja responsabilidade imputa àquelas.


As instâncias, considerando aplicável a lei espanhola, declararam a nulidade do contrato de seguro, apenas divergindo quanto à sua repercussão no direito de sub-rogação, pela seguradora.

Tal como foi estabelecido nas instâncias, as partes contratantes declararam expressamente que ao seguro era aplicável a lei espanhola (cfr. ponto n.º 4 da fundamentação de facto).


À data da celebração do contrato (29 de Dezembro de 2006), essa opção era consentida pelo n.º 3 do artigo 188.º do Decreto-Lei n.º 94-B/98, de 17 de Abril[17] [18] [19], desde que estivessem preenchidos os requisitos de validade material e substancial a que se refere o n.º 1 do artigo 191.º do mesmo diploma.

Não se vislumbra, pois, qualquer razão para afastar a aplicação do direito espanhol, sendo certo que essa decisão nem sequer é posta em crise nos recursos interpostos.

Também não é submetida à apreciação deste Supremo Tribunal a questão da nulidade do contrato de seguro.

Passemos, então, à apreciação da questão solvenda, qual seja a de saber se, no caso em apreço, a nulidade do contrato de seguro compromete o funcionamento da sub-rogação a favor da seguradora.

Ora bem.

Já se disse que o regime aplicável ao aludido contrato de seguro se rege pela lei espanhola, pelo que, tendo a autora realizado pagamentos nos termos e ao abrigo daquele contrato[20], será exclusivamente à luz do direito espanhol que se procurará solução para a questão em apreço.

É, aliás, esta a solução imposta pelo art. 19º, do Regulamento (CE) n.º 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Julho de 2007,[21] que entrou em vigor em 11 de Janeiro de 2009.[22] [23]

Deve, contudo, e antes de mais, ter-se presente o disposto no n.º 1 do artigo 23.º do Código Civil.

Como ali se estabelece, a interpretação da lei estrangeira deve ser efetuada no contexto do sistema a que pertence e de acordo com as regras interpretativas nele estabelecidas, seguindo a jurisprudência e a doutrina dominantes no país de origem[24]. Como se escreveu no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Fevereiro de 2015, o juiz do foro “deve, porém, ter, como ponto de partida, a correção da interpretação usual no Estado estrangeiro e atuar com sensatez e prudência, de modo a colmatar a inerente menor familiarização com a lei estrangeira, o que levará a que aquela interpretação só deva ser afastada quando a mesma se revelar inexata”.

Dito isto.

No direito espanhol, estabelece-se no primeiro parágrafo do art. 43.º da Ley 50/1980, de 8 de Outubro[25] (Ley de Contrato de Seguro, doravante, LCS), que “el asegurador, una vez pagada la indemnización, podrá ejercitar los derechos y las acciones que por razón del siniestro correspondieran al asegurado frente las personas responsables, del mismo, hasta el límite de la indemnización.

É entendimento maioritário da doutrina e jurisprudência espanhola que no mencionado normativo[26] se prevê a sub-rogação legal – i.e. assente na letra da lei, embora não de efeito automático[27] e independente de qualquer declaração de vontade para operar a transmissão do crédito sub-rogado – a isso se reconduzindo a natureza jurídica da sub-rogação do segurador.[28].  

Por sua vez, quanto ao seu fundamento, a tese dominante é a que considera que através da sub-rogação se tutela o princípio indemnizatório (cf. art. 26º da LCS), impedindo, por esta via, o duplo ressarcimento do lesado. Nessa medida, se o segurado tiver sido ressarcido pelo lesante, o segurador não terá que efetuar a prestação devida por efeito do contrato de seguro mas, se ao invés, este a tiver efetuado, é de reconhecer-lhe um direito de reembolso relativamente ao que haja pago, o qual deve ser exercido contra o lesante e, na eventualidade de este já ter satisfeito ao lesado a indemnização que lhe é devida, também contra o seu segurado.[29].

Para que a sub-rogação legal do segurador possa operar contra o terceiro responsável, a doutrina espanhola tem entendido que cabe ao segurador provar a existência do contrato de seguro e o pagamento da indemnização ao segurado, admitindo, por sua vez, que o terceiro possa opor ao segurador exceções que inviabilizem o seu exercício, designadamente a inexistência do contrato de seguro ou até a sua nulidade.[30] [31].

Foi o que aconteceu no caso dos autos: suscitada a questão da nulidade do contrato pelos terceiros (as rés, ora recorrentes), o mesmo foi declarado nulo pelas instâncias (segmento decisório que – repete-se – não é impugnado nos recursos).

Por sua vez, a 1ª instância considerou que a nulidade do contrato de seguro obstava a que a recorrida pudesse exercer a sub-rogação contra as recorrentes.

Outro foi, porém, o entendimento da Relação do Porto, contra o qual se insurgem as rés, ora recorrentes.

Pois bem.

Não cabe, neste recurso, discutir se o terceiro responsável pode, e em que termos, invocar contra o segurador excepções resultantes do contrato de seguro que, para ele, é res inter alius acta. Efetivamente, essa questão está definitivamente resolvida pelas instâncias.

Aceita-se, por outro lado, que o exercício da sub-rogação a que alude o 1.º parágrafo do art. 43º da Ley 50/1980, de 8 de Outubro (LCS) tem como pressuposto a existência de um contrato de seguro válido e eficaz.

Não obstante, como decorre da terceira parte do ponto 2 do art. 4º da Ley de Ordenación y Supervisión de los Seguros Privados[32], a seguradora que celebrou um contrato de seguro nulo está adstrita, em caso de ocorrência de sinistro por ele abrangido, a satisfazer uma prestação indemnizatória que será fixada de acordo com as regras inscritas nesse contrato.

Não se localizou doutrina nem jurisprudência espanhola que permitisse clarificar certos aspetos do seu alcance. Todavia, dado que se deve reconhecer ao juiz do foro a “mesma margem de apreciação e desenvolvimento que o ordenamento jurídico estrangeiro reconhece aos seus intérpretes[33], proceder-se-á à sua interpretação e aplicação de acordo com o preconizado no ponto 1, do art. 3º, do Código Civil Espanhol[34].

Ora, por razões que, a nosso ver, se prendem com a circunstância de a nulidade ali cominada não ser imputável ao segurado, entendeu o legislador dever tutelar a expectativa daquele no pontual cumprimento da prestação indemnizatória acordada para a eventualidade de ocorrência de um sinistro coberto pelo contrato de seguro. É, portanto, a própria lei, ao impor ao segurador a realização da prestação debitória, como se, afinal, o contrato tivesse sido validamente celebrado, a reconhecer que o contrato inválido não é juridicamente irrelevante.

Trata-se, afinal, de uma manifestação do princípio da boa fé que deve, como é sabido, nortear o cumprimento das obrigações emergentes dos contratos celebrados pelas partes (cf. art. 1258º do Código Civil Espanhol)[35].

De outro modo, ficariam as recorrentes, alegadamente responsáveis pela obrigação de indemnizar a lesada, desoneradas do cumprimento dessa obrigação, a expensas da recorrida (pelo menos, na medida dos pagamentos efetuados por esta), o que redundaria num injusto enriquecimento daquelas e num correlativo e injustificado empobrecimento da recorrida.

Note-se que, sendo a nulidade imputável, unicamente, à recorrida, uma vez que celebrou o contrato sem estar devidamente autorizada a exercer em Portugal a atividade seguradora, não se vislumbra que pudesse reaver aquilo que prestou em cumprimento desse contrato – cf. a 2.ª parte do artigo 1306º, do Código Civil Espanhol.

Por conseguinte, afigura-se-nos inexistir fundamento legal para vedar à recorrida o direito a sub-rogar-se na posição jurídica do segurado.

Acresce que – e decisivamente:


A par da sub-rogação legal, a sub-rogação convencional é reconhecida pelo direito espanhol (cf. o 2.º parágrafo do art. 1209º do Código Civil Espanhol)[36].

A sub-rogação convencional ex parte creditoris assenta num acordo de vontades entre o credor e aquele que irá ingressar na posição jurídica daquele com a realização do pagamento.

Tal convénio deve anteceder a realização do pagamento pelo terceiro (ou ser, pelo menos, dele contemporâneo), sendo esse, verdadeiramente (e a par do pagamento), o fator determinante da sub-rogação, já que irreleva o interesse que o sub-rogado tenha ou não tenha no cumprimento da obrigação do devedor.[37]

Ora, a cláusula contratual reproduzida no ponto n.º 17 da fundamentação de facto configura, precisamente, uma sub-rogação convencional.

Da sua interpretação, à luz das competentes regras sobre interpretação dos contratos (cf. arts. 1281º e ss. do Código Civil Espanhol), resulta, a nosso ver, a intenção de a recorrida e a sua segurada estabelecerem, a favor da primeira, e mediante a realização do pagamento da indemnização, os termos em que aquela fica sub-rogada nos direitos e ações do segurado (o que é, aliás, corroborado pelo teor da declaração transcrita no ponto n.º 18, dos factos assentes).

Por sua vez, a mesma cláusula satisfaz as exigências enunciadas no 2.º parágrafo do art. 1209º do Código Civil Espanhol, já que identifica claramente a sub-rogante e, como é típico da sub-rogação convencional[38], estabelece a desnecessidade de qualquer ato de disposição do crédito emergente da responsabilidade civil extracontratual imputada àquelas rés.


Dir-se-á, ainda, que, consagrando aquela cláusula contratual um quadro típico de “sub-rogação convencional”, com evidente autonomia em relação ao demais clausulado, não se vislumbra qualquer razão para lhe tornar extensíveis as consequências da apontada invalidade.

Na verdade, o efeito sancionatório previsto na primeira parte do art. 4º da Ley de Ordenación y Supervisión de los Seguros Privados produz-se unicamente entre as partes de um contrato de seguro inválido, reconduzindo-se à cessação do mesmo e à devolução dos prémios pagos, sem, contudo, determinar qualquer penalização adicional, v.g., a irrecuperabilidade do montante pago à lesada/segurada, ao abrigo da segunda parte daquele preceito.


Não pode, assim, repercutir-se a nulidade do contrato do seguro no acordo de vontades que possibilita à seguradora reaver de terceiros, a quem imputa a responsabilidade pelos danos provocados pelo sinistro, os montantes pagos em cumprimento de uma obrigação legal imposta pela terceira parte do ponto 2 do art. 4º da Ley de Ordenación y Supervisión de los Seguros Privados.

De todo o modo, ainda que, por hipótese, se pudesse considerar que a validade da referida cláusula se mostrava afetada pela invalidade do contrato de seguro em que está inserida, sempre seria de considerar o teor da declaração constante do ponto n.º 18 da fundamentação de facto, da qual se extrai, com suficiente clareza, um acordo de vontades que habilita a recorrida a demandar as recorrentes, tendo em vista a restituição do que pagou em cumprimento da imposição vertida na Ley de Ordenación y Supervisión de los Seguros Privados, constituindo-se assim como fonte autónoma da sub-rogação convencional.

Com efeito, esse acordo de vontades satisfaz igualmente as exigências do art. 1209º, Código Civil Espanhol, sendo possível identificar a sub-rogante e a causa do ingresso na posição credíticia da segurada perante as suas lesantes: o pagamento de uma indemnização em consequência de um sinistro.

Nem se diga que, agindo desta forma, a recorrida está a exceder os limites impostos pela boa-fé e pelo fim económico do direito, pois que, tendo presente o disposto no art. 7. do Código Civil Espanhol[39], é patente que, em momento algum, a recorrida, ao pretender reaver o que pagou à sua segurada, denota agir de má fé ou exceder (e, muito menos, de forma manifesta) os limites normais do exercício do direito de sub-rogação.

Diga-se, finalmente, que, ao contrário do alegado, à luz do disposto no artigo 1527.º do Código Civil Espanhol, é dispensável a notificação do devedor para que a sub-rogação produza os seus efeitos e que, atenta a alegação da recorrida, é patente que a mesma enunciou a referida declaração como um dos fundamentos em que assenta a respectiva causa de pedir, onde, aliás, não se contém qualquer menção à sub-rogação legal.

É, assim, de concluir no sentido da viabilidade do exercício, pela recorrida, da sub-rogação visando o reembolso da indemnização que pagou à sua segurada.


Improcedem, pois, os recursos.



***



IV – Decisão


14. Nestes termos, negando provimento aos recursos, acorda-se em confirmar o acórdão recorrido (ainda que com diferente fundamentação).


Custas pelas recorrentes.


Lisboa, 14 de Junho de 2018


Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado (Relatora)

José Sousa Lameira

Hélder Almeida

____________

[1] A autora alterou, posteriormente, a sua denominação para “JJ.
[2] Cf. fls. 561 e ss. do Vol III, do Apenso C.
[3] Cf. fls. 499 e ss. do Vol. II, do Apenso C.
[4] Cf. fls. 1095 e ss., do Vol. IV, do Apenso C.
[5] Cf. fls. 1050 e ss., do Vol. IV, do Apenso C.

[6] Cf. fls. 205 e ss. do Vol. II, do Apenso C.
[7] Cf. fls. 180 e ss, vol I, do apenso C.
[8] Cf. despacho de fls. 1523 e ss. do Vol. VI, do Apenso C, em que se decidiu considerar «não escrito» parte do que nesse articulado foi alegado. 
[9]  Cf. fls. 3674 e ss e 3698 do vol. xvi, do processo principal.
[10] Cf. fls. 3247 e ss., do Vol. XIV, do processo principal.
[11] Cf. fls. 3885, do Vol. XVII, do processo principal.
[12] Em acórdão de 11 de Abril de 2004, proferido no processo nº 04B3062, disponível em www.dgsi.pt
[13] Cuja tradução se encontra a fls. 3480 e ss. do vol. XV dos autos principais.
[14] Cuja tradução certificada se encontra a fls. 3425 e ss. do vol. XV dos autos principais.
[15] Cf. fls. 3491 do vol. XV do processo principal.
[16] Doravante, Apenso C.
[17] Ainda aplicável ao caso dos autos, atento o disposto no n.º 1 do artigo 3.º e no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 72/2008 de 16 de Abril.
[18] Na esteira, aliás, do que se preconizava na alínea f) do artigo 7.º da Directiva 88/357/CEE, de 22 de Junho de 1988 - publicada no JOCE, L 172, de 4 de Julho de 1988, pág. 1 e ss. e conhecida como Segunda Diretiva -, relativamente aos denominados grandes riscos (“large risks” – i.e. um único contrato segura uma multiplicidade de riscos sedeados em vários Estados Membros), entre os quais se contam os riscos relativos à propriedade – v., a este respeito, Alexandre Dias Pereira, A Construção Jurídica do Mercado Único dos Seguros – Estudos dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio Almeida Costa, Universidade Católica Editora, pág. 84.
[19] Sobre a aplicação deste diploma aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, v. Nuno Andrade Pissarra, Breves Considerações Sobre A Lei Aplicável Ao Contrato de Seguro, págs. 11 e 12, acessível em https://e-revistas.uc3m.es/index.php/CDT/article/viewFile/1323/546.
[20] Mais concretamente em 5 de Maio de 2010 e em 16 de Maio de 2010.
[21] Trata-se do Regulamento conhecido como «Roma II» que foi publicado no JOUE, L 199, de 31 de Julho de 2007, págs. 40 ss..
[22] A respeito da aplicação no tempo do mencionado Regulamento, v. o Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 17 de Novembro de 2011, proferido no processo C-412/10 e acessível em http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=114585&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=695353 e, bem assim, o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Março de 2012, proferido no processo n.º 186/10.6TBCBT.S1 e acessível em www.dgsi.pt. 

[23] Afasta-se, assim, o recurso às normas de conflito constantes do Regime da Atividade Seguradora e Resseguradora, sendo certo, de resto, que estas nada preveem acerca do exercício da sub-rogação.
[24] A este respeito, v. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Novembro de 2003 – proferido no processo n.º 03B2835 – e de 26 de Fevereiro de 2015 – proferido no processo n.º 693/10.0TVPRT.C1.P1.S1 –, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
[25] Acessível em https://www.boe.es/buscar/pdf/1980/BOE-A-1980-22501-consolidado.pdf.
[26] Cuja aplicabilidade é restrita aos seguros de danos (de que é exemplo o seguro em causa nos autos), pois, quanto aos seguros de pessoas, a sub-rogação é, em regra, vedada (cf. o artigo 82º da Ley 50/1980, de 8 de Outubro e, a este respeito, Fernando Sanchez Calero, Ley de Contrato de Seguro – Comentarios a la Ley 50/1980, de 8 de octubre y sus modificaciones, 3.ª Edição, Thomson-Aranzadi, pág. 763).
[27] Porque depende da verificação dos pressupostos a que alude o 1.º parágrafo do artigo 43. Como se lê na Sentencia do Tribunal Supremo de 3 de Março de 2016 - no recurso n.º 2789/2013 (STS 963/2016), acessível em http://www.poderjudicial.es/search/contenidos.action?action=contentpdf&databasematch=TS&reference=7620073&links=subrogaci%C3%B3n%20articulo%2043&optimize=20160315&publicinterface=true -. “Efectivamente para que se produzca la subrogación es necesaria la existencia de un crédito del asegurado contra un tercero, dirigido precisamente a la obtención de resarcimiento del daño que ha dado lugar a la indemnización que ha recibido del asegurador, de modo que cuando no existe deuda resarcitoria por parte de un tercero no opera la subrogación.”. Sobre esses pressupostos, v. Fernando Sanchez Calero, ob. cit., págs. 768 a 774.
[28] Por todos, seguem-se as lições de Anxo Tato Plaza, La subrogación del assegurador en la Ley de contrato de seguro, Tirant lo Blanch, pág. 68 – em que se cita (cf. notas 69 e 70 ex vi nota 94) aquela que se indica ser a posição dominante na doutrina e na jurisprudência – e de Fernando Sanchez Calero, ob. cit., págs. 768 e 769. Mais recentemente e naquele sentido, v. a Sentencia do Tribunal Supremo de 19 de Novembro de 2013, proferida no recurso n.º 1418/2011 (STS 6633/2013), acessível em http://www.poderjudicial.es/search/contenidos.action?action=contentpdf&databasematch=TS&reference=6969650&links=subrogacion%20y%20seguro%20y%20nulidad&optimize=20140224&publicinterface=true. Como dá nota Anxo Tato Plaza (ob. cit., pág. 69), alguma jurisprudência do país vizinho tem, não obstante, perfilhado o entendimento de que se trata de uma modalidade de sub-rogação assente no cumprimento de obrigação alheia (cf. artigo 1158., artigo 1209. e artigo 1210., todos do Código Civil Espanhol).
[29] Cf. Anxo Tato Plaza, ob. cit., págs. 52 a 55 e também Fernando Sanchez Calero, ob. cit., págs. 763 e 764. 
[30] No sentido de que o terceiro pode opor ao segurador a nulidade, mas não a anulabilidade, cf. Anxo Tato Plaza, ob. cit., págs. 91, 260 e 266, bem como as  citações ali feitas de outros autores espanhóis; na jurisprudência, podem ver-se a Sentencia do Tribunal Supremo Espanhol de 28 de Maio de 1999 – proferida no recurso n.º 2875/1994, STS 3738/1999 e acessível em http://www.poderjudicial.es/search/contenidos.action?action=contentpdf&databasematch=TS&reference=2943953&links=nulidad%20Y%20subrogacion&optimize=20031203&publicinterface=true -, a Sentencia do Tribunal Supremo Espanhol de 19 de Novembro de 2013 (acima citada) e, bem assim, a Sentencia do mesmo Tribunal de 3 de Dezembro de 2014, proferida no recurso n.º 2523/2012, STS 5214/2014, acessível em http://www.poderjudicial.es/search/contenidos.action?action=contentpdf&databasematch=TS&reference=7242880&links=subrogacion%20y%20seguro%20y%20nulo&optimize=20150107&publicinterface=true.
[31] Sobre esta problemática, v., entre nós, Júlio Gomes, Da sub-rogação, Estudos em Memória do Prof. Dr. Saldanha Sanches, pág. 466 e nota n.º 61; Moitinho de Almeida, O Contrato de Seguro no Direito Português e no Direito Comparado, Sá da Costa Editora, pág. 224 e Francisco Barros Ferreira Rodrigues Rocha, em relatório de mestrado científico - acessível em http://www.asf.com.pt/NR/rdonlyres/E0A868B6-B492-413A-AC0C-BA5AE04CBFA2/0/FDULFranciscoRodriguesRochaDaSubroga%C3%A7%C3%A3onoContratodeSeguro.pdf.
[32] Onde se lê que “Quien hubiera contratado con ella no estará obligado a cumplir su obligación de pago de la prima y tendrá derecho a la devolución de la prima pagada, salvo que, con anterioridad, haya tenido lugar un siniestro; si antes de tal devolución acaece un siniestro, amparado por el contrato si hubiera sido válido, nacerá la obligación de la entidad que lo hubiese celebrado de satisfacer una indemnización cuya cuantía se fijará con arreglo a las normas que rigen el pago de la prestación conforme al contrato de seguro, sin perjuicio del deber de indemnizar los restantes daños y perjuicios que hubiera podido ocasionar.”
[33] Como se afirma no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Fevereiro de 2015, supra referido.
[34] Segundo o qual “Las normas se interpretarán según el sentido propio de sus palabras, en relación con el contexto, los antecedentes históricos y legislativos, y la realidad social del tiempo en que han de ser aplicadas, atendiendo fundamentalmente al espíritu y finalidad de aquellas.”.
[35] No qual se prescreve que: ”Los contratos se perfeccionan por el mero consentimiento, y desde entonces obligan, no sólo al cumplimiento de lo expresamente pactado, sino también a todas las consecuencias que, según su naturaleza, sean conformes a la buena fe, al uso y a la ley.”
[36] Em que se estabelece que: “La subrogación de un tercero en los derechos del acreedor no puede presumirse fuera de los casos expresamente mencionados en este Código. (1). En los demás será preciso establecerla con claridad para que produzca efecto.(2).
[37] Cf. Fernando Bondía Román, La subrogación en el crédito – Estudos de Derecho Civil en Homenage ao Professor Dr. José Luis Lacruz Berdejo, J.M. Bosch Editor, S.A., págs. 999 e 1000.
[38] Assim, Fernando Bondía Román, ob. cit., pág. 1001.
[39] Onde se dispõe que:
1. Los derechos deberán ejercitarse conforme a las exigencias de la buena fe.
2. La Ley no ampara el abuso del derecho o el ejercicio antisocial del mismo. Todo acto u omisión
que por la intención de su autor, por su objeto o por las circunstancias en que se realice sobrepase
manifiestamente los límites normales del ejercicio de un derecho, con daño para tercero, dará lugar a la correspondiente indemnización y a la adopción de las medidas judiciales o administrativas que impidan la persistencia en el abuso.”