Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07S4747
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR
JUSTA CAUSA
RECONVENÇÃO
ADMISSIBILIDADE
ABUSO DE DIREITO
JUROS DE MORA
Nº do Documento: SJ200804170047474
Data do Acordão: 04/17/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
NEGADA A REVISTA
Sumário :
1. Tendo o trabalhador alicerçado as suas pretensões na verificação de justa causa de resolução do contrato de trabalho, não é admissível a reconvenção deduzida pelo empregador, cuja causa de pedir assenta na existência de prejuízos causados por alegada conduta ilícita e culposa do trabalhador, consubstanciada na divulgação a um jornalista de factos atinentes à cessação do contrato de trabalho.
2. Não integra justa causa de resolução do contrato de trabalho o facto do empregador, após o regresso do trabalhador de um período de baixa por doença e licença de maternidade de cerca de oito meses, e na sequência de lhe ter proposto a cessação do contrato de trabalho por acordo, o ter colocado, a título provisório e durante dois dias, a «separar e organizar Diários da República, por ordem crescente, desde 1998 até ao mais recente», em gabinete próprio, logo tendo o trabalhador apresentado baixa médica, que se prolongou até à resolução do contrato.
3. Neste contexto, não se considera que tal conduta do empregador seja susceptível de poder afectar a dignidade do trabalhador e o respeito que lhe era devido, nem que viole o disposto nos artigos 120.º, alínea a), e 122.º, alínea e), do Código do Trabalho ou torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, pelo que a resolução do contrato de trabalho operada pelo trabalhador carece de justa causa, não se lhe podendo reconhecer o direito indemnizatório previsto no artigo 443.º do Código do Trabalho.
4. Atenta a factualidade provada, deve concluir-se que a conduta do empregador, ao pedir, na reconvenção, a indemnização prevista no artigo 448.º do Código do Trabalho, no valor correspondente ao período de aviso prévio em falta, consubstancia um caso de abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium.
5. Em regra, a condenação relativa ao pagamento de juros de mora reporta-se às quantias ilíquidas devidas, assim como é sobre elas que incidem os descontos legais.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Em 15 de Julho de 2005, no Tribunal do Trabalho de Aveiro, AA instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra V...A...A... S. A., pedindo que fosse declarada a licitude da resolução do seu contrato de trabalho, por se verificar a justa causa invocada, e a condenação da ré a pagar-lhe € 4.225,24, a título de retribuições vencidas, € 11.770,20, a título de indemnização pela resolução do contrato, e € 50.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, o que perfaz a quantia de € 65.995,44, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.

A ré contestou, alegando que não se verifica justa causa para resolução do contrato de trabalho, e deduziu reconvenção, pedindo que a autora fosse condenada a pagar-lhe indemnização no valor de € 2.414,14, correspondente ao incumprimento do prazo de aviso prévio para a resolução do seu contrato de trabalho, bem como € 50.000,00, «por indemnização decorrente da violação do direito ao bom-nome, crédito e imagem da Ré», e ainda a condenação da autora como litigante de má fé.

A autora respondeu à contestação, suscitando, designadamente, a questão da inadmissibilidade parcial da reconvenção, no tocante à indemnização decorrente da violação do direito ao bom-nome, crédito e imagem da ré, e pediu, por sua vez, que a ré fosse condenada como litigante de má fé.

No despacho saneador, não foi admitida a reconvenção quanto ao pedido de condenação da autora no pagamento da indemnização de € 50.000 à ré por alegada violação do seu direito ao bom-nome, crédito e imagem, «porque tal pedido não emerge do facto jurídico que serve de fundamento da acção, antes emerge de uma invocada conduta da Autora susceptível, na perspectiva da Ré, de integrar os pressupostos da responsabilidade civil contratual», e, em conformidade, absolveu-se a autora da instância relativamente ao indicado pedido de condenação.

Não se conformando com esta decisão, a ré interpôs recurso de agravo.

Realizado julgamento, proferiu-se sentença que julgou a acção parcialmente procedente e (i) declarou que o contrato de trabalho celebrado entre a autora e a ré cessou em 20 de Junho de 2005 por rescisão operada, com justa causa, pela autora, (ii) condenou a ré a pagar à autora € 7.796,62, a título de indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, (iii) bem como € 4.577,32, a título de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal referentes a trabalho prestado em 2004 e 2005, (iv) acrescendo aos montantes a que a autora tem direito «juros à taxa legal de 4%, desde a citação (27 de Setembro de 2005) e até efectivo e integral pagamento».

Note-se que, embora as partes tivessem requerido a recíproca condenação como litigantes de má fé, aquela sentença não se pronunciou sobre tal matéria.

2. Inconformados, a ré e a autora interpuseram recurso de apelação, sendo o primeiro independente e o outro subordinado, tendo a Relação de Coimbra decidido «confirmar as decisões impugnadas, negando provimento aos recursos de agravo, de apelação e subordinado».

É contra esta decisão da Relação que, primeiro a ré e, em seguida, a autora, agora se insurgem, mediante recursos de revista, sendo o primeiro independente e o segundo subordinado, ao abrigo das seguintes conclusões:
RECURSO DA RÉ:

«Questão prévia – da nulidade do acórdão:
1. A Recorrente invoca, desde já, a nulidade do douto Acórdão, nos termos conjugados dos artigos 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho e 668.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, porquanto:
2. Nos presentes autos, [a] ora Recorrente, por diversas vezes, insurgiu-se contra a conduta processual da ora Recorrida, invocando, para o efeito, a litigância de má fé desta.
3. Desde logo, na contestação que apresentou, e atenta a falsidade — como se veio a demonstrar — de muitos dos factos alegados pela Autora, os quais eram do seu conhecimento pessoal, a Ré invocou a litigância de má fé, com as legais consequências.
4. Depois, aquando da resposta da Autora aos documentos juntos pela Ré (requerimento de fls. que deu entrada no Tribunal do Trabalho de Aveiro, em 9 de Novembro de 2005) e em que esta impugnou, nos termos do artigo 544.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e com fundamento em não saber se a letra e assinatura dos mesmos era verdadeira, entre outros, os Docs. 3 e 5 da contestação, nos quais constava a própria assinatura da Autora, assim como ao impugnar a veracidade de um documento que fora ela própria que juntara aos autos com a petição inicial, e por considerar que com esta conduta a Autora faltava à verdade, deduzindo oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, praticando dolosamente violação grave do dever de cooperação e fazendo dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, a Ré reiterou o pedido de condenação da Autora como litigante de má fé.
5. Ainda, após ter sido notificada da resposta apresentada pela Autora à junção aos autos, pela V... Portugal, Comunicações Pessoais, S. A., do doc. de fls., e em que aquela imputou à Ré, sob a forma de suspeita, a prática de actos ilícitos, maxime, que em conluio com outrem tivesse “forjado” um documento, e considerando que mais uma vez a conduta da Autora se traduzia num uso reprovável do processo, a RÉ reiterou o pedido de condenação da AUTORA como litigante de má fé.
6. Não obstante os diversos requerimentos da Ré pedindo a condenação da Autora como litigante de má fé, com os diversos fundamentos oportunamente invocados, os quais como novamente se demonstrará infra foram plenamente justificados e se encontram abundantemente documentados nos autos, o tribunal a quo não se pronunciou sobre os mesmos.
7. Na verdade, compulsada a douta sentença, bem como o douto Acórdão sob recurso, verifica-se que, não obstante os pedidos formulados pela Ré ora Recorrente nesse sentido, quer no âmbito da pendência do processo na primeira instância quer no âmbito do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Coimbra, nem a douta sentença, nem o douto Acórdão ora recorrido, condenaram nem absolveram a Autora, não tendo sido sequer apreciadas as condutas processuais da Autora, tendo aliás o douto Acórdão recorrido decidido que nem sequer tinha que apreciar tal questão.
8. Nestes termos, o tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre questões que devia ter apreciado no douto Acórdão, pelo que o mesmo é nulo — cfr. artigo 668.°, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, nulidade essa que se invoca.
Da inadmissibilidade de reconvenção:
9. A reconvenção, em processo laboral, está sujeita a requisitos mais rigorosos do que em processo civil, concretamente, está limitada aos casos previstos no artigo 30.º do Código do Processo do Trabalho e no artigo 85.º, alíneas o) e p), da Lei n.º [3]/99, de 13 de Janeiro.
10. De acordo com o artigo 30.º do Código de Processo do Trabalho, a reconvenção só é admitida quando o pedido da Ré seja emergente do facto jurídico que serve de fundamento à acção.
11. Por sua vez, dispõe a alínea p) do artigo 85.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, que compete aos Tribunais do Trabalho conhecer, em matéria cível, das questões reconvencionais que com a acção tenham as relações de conexão referidas na alínea anterior, ou seja, “questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente”, salvo no caso de compensação, em que é dispensada a conexão.
12. A admissibilidade da reconvenção está, assim, dependente da verificação de requisitos de natureza substantiva, que se traduzem na exigência de uma certa relação de conexão entre o pedido principal e o pedido reconvencional.
13. Relativamente aos requisitos de natureza substantiva, o citado artigo 30.º prevê três situações de admissibilidade da reconvenção:
Quando o pedido do Réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção;
Quando o pedido reconvencional está relacionado com o pedido do autor por acessoriedade, complementaridade ou dependência;
Quando o Réu invoca a compensação de créditos.
14. No caso sub judice, o facto jurídico que serve de fundamento à acção principal (causa de pedir) é a verificação dos pressupostos da alegada justa causa, que levaram à resolução do contrato, por parte da trabalhadora.
15. Alega a Autora, na sua petição inicial, que:
Quando se apresentou ao serviço após o gozo de licença por maternidade, o posto de trabalho que anteriormente ocupava havia sido ocupado por outra pessoa (artigo 35.º da petição inicial);
A Ré havia desactivado a password que lhe dava acesso ao computador da empresa (artigo 36.º da petição inicial);
A R. havia mandado desligar o telemóvel com o n.º 91..., que no seu entendimento lhe havia sido atribuído para uso profissional e pessoal, sem plafond (artigos 37.º e 64.º da petição inicial);
Foi transferida para um local de trabalho, que qualifica de “sítio esconso” (artigos 43.º e 58.º da petição inicial);
A R. esvaziou as suas funções, passando a organizar Diários da República (artigos 43.º, 44.º, 55.º, 58.º e 62.º da petição inicial);
Foi obrigada a picar o ponto e proibida de circular pela fábrica (artigos 41.º e 66.º da petição inicial).
16. De forma a justificar a justa causa de cessação contratual, a Autora entende que estas condutas consubstanciam uma conduta ilegítima, ilícita e culposa por parte da Ré.
17. Estando assim em apreciação, na presente acção, o preenchimento dos pressupostos da justa causa de cessação contratual, entende a Ré, que a sua conduta, ao contrário da Autora, se pautou sempre por comportamentos legítimos e lícitos.
18. Ao contrário da Autora que, apesar de se considerar uma “filha da casa”, à primeira adversidade, sem conceder, não se inibiu de relatar factos diversos dos ocorridos a terceiros (a um jornalista), de forma a denegrir a imagem conquistada pela Ré a nível nacional e internacional, a Ré, sempre pautou a relação com todos os seus trabalhadores pelos princípios da urbanidade, probidade e lealdade, sendo o seu único objectivo o de desacreditar uma marca reconhecida internacionalmente.
19. Fundamentando o pedido reconvencional na compensação pelos danos causados pela conduta supra descrita, que a Ré entende como sendo ilícita e culposa por parte da Autora.
20. Conclui-se que o pedido reconvencional da Ré emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção.
21. Com o pedido reconvencional, a Ré pretende obter o pagamento da quantia de € 50.000, a título de indemnização pelos prejuízos originados pelo comportamento ilícito e culposo da Autora.
22. Os factos ilícitos e culposos que terão dado causa aos prejuízos cuja indemnização se pede são conexos aos que integram a alegada justa causa de cessação contratual, levada a cabo pela Ré, fundando-se esse pedido indemnizatório na violação grave e culposa dos deveres decorrentes do contrato de trabalho (deveres de lealdade, honestidade, respeito, zelo e diligência previstos nas alíneas a), c) e e) do número 1 do artigo 121.º do Código do Trabalho).
23. Salvo o devido respeito, por entendimento diverso, resulta claro do supra exposto que os requisitos legais da reconvenção em processo laboral estão preenchidos, devendo a mesma ser admitida.
24. O douto Acórdão recorrido decidiu que não existe “conexão entre os pedidos”, todavia tal conexão existe, conforme acima se alegou, sendo que o fundamento pelo qual a Recorrente formula — nesta parte — o pedido reconvencional é justamente o facto de, as situações que a autora invoca como consubstanciando justa causa de despedimento, não se traduzirem em justa causa, e portanto a informação que a autora teria prestado ao jornalista (terceiro) ofende o direito ao bom-nome, crédito e imagem da Recorrente, sendo certo que é a própria sentença, como também o douto Acórdão recorrido, que entendem serem irrelevantes os factos descritos na sentença (invocados pela Autora) referentes (fls. 9 e 10, 14 da douta sentença e fls. 26 do douto Acórdão): à questão do telemóvel; à questão da desactivação da password do acesso ao computador; à questão de no regresso ao trabalho, em 1 de Junho de 2005, após licença de parto, no seu local e trabalho estava outra pessoa usurpando as suas funções sentada na sua secretária.
25. Tais questões foram consideradas lícitas, quer pela douta sentença quer pelo douto Acórdão.
26. Assim, deverá o pedido reconvencional, nesta parte, ser admitido, com todas as consequências legais e processuais.
Da impugnação da matéria de facto (artigo 690.º-A, n.º 1, alíneas a) e b) do CPC):
27. Vem o douto acórdão considerar que “não há motivos para alterar a decisão de facto, como pretende a Ré, improcedendo as conclusões de recurso, nesta parte”.
28. Entende a Ré, ora Recorrente, que os concretos pontos de facto que foram incorrectamente julgados são os pontos 15.°, 16.° e 17.° da matéria de facto dada como provada pela douta sentença, que a seguir se transcrevem:
“A Ré nunca manifestara anteriormente qualquer falta de confiança ou desapontamento com o desempenho profissional da Autora” (15.º);
“Trabalhava há mais de seis anos para a RÉ sem nunca ter sofrido qualquer reparo (...)” (16.º);
“Sempre foi trabalhadora zelosa e dedicada (…)” (17.º).
29. A matéria de facto acima transcrita contraria os meios de prova que o M.mo Juiz do Tribunal de Trabalho de Aveiro se serviu para dar como provado a matéria dos pontos 23.º a 32.º da Sentença, concretamente, para dar como provado que a Autora havia já solicitado a uma sua colaboradora que a mesma obtivesse um backup do disco rígido do computador, e o facto de a Autora ter utilizado o telemóvel (que a Ré lhe havia atribuído para uso exclusivamente profissional) para fins não profissionais durante os períodos em que se encontrou de baixa médica e no gozo de licença por maternidade, tendo a Autora gasto nos meses de Novembro e Dezembro de 2004 e Janeiro a Maio de 2005, as quantias mencionadas no artigo 27.º da matéria de facto dada como provada, quando a Ré nunca autorizou a Autora a efectuar chamadas pessoais com o referido telemóvel nos termos em que esta o fez (artigo 28.º da matéria provada).
30. Assim, tendo em consideração os meios probatórios existentes no processo, designadamente, o Doc. de fls. 129/130 (donde resulta que os telemóveis fornecidos pela Ré eram para uso profissional e com limite de utilização), o Doc. de fls. 313 que é um documento escrito pela Autora em que a mesma solicita expressamente a uma funcionária, Maria de Fátima, um backup do disco rígido, facto este que aquela funcionária confirmou, deve a matéria de facto dada como provada nos pontos 15.º, 16.º [e] 17.º, nas partes acima transcritas, ser dada como não provada.
31. A matéria de facto constante dos pontos 15.º, 16.° e 17.° dos factos tidos como provados na Sentença do Tribunal de 1.ª Instância, encontra-se em manifesta contradição com os factos dados como provados nos pontos 23.° a 32.°, igualmente da matéria de facto dada como provada.
32. Os documentos de fls. 313, 129/130, que foram considerados pelo M.mo Juiz do Tribunal de Trabalho de Aveiro para dar como provados os factos constantes dos pontos 23.º a 32.º conduzem a que a matéria de facto dada como provada nos pontos 15.º, 16.º (“sem nunca ter sofrido qualquer reparo”) e 17.º (“sempre foi trabalhadora zelosa e dedicada”) deva ser dada como não provada, para mais, atenta a contradição dos mesmos com os factos dados como provados nos pontos 23.º a 32.º, que demonstram inequivocamente que a trabalhadora havia anteriormente assumido comportamentos que provocaram desapontamento e falta de confiança por parte da sua entidade patronal e que, como o M.mo Juiz do Tribunal de Trabalho de Aveiro reconhece, motivaram que a RÉ legitimamente desactivasse a password do computador da Autora (uma vez que a mesma tinha tentado anteriormente recolher informação do computador da RÉ que é propriedade desta) e motivaram também que a RÉ desse ordem à V... para mandar desligar o telemóvel 919211967 (ponto 8.º da matéria de facto provada).
Da inexistência de justa causa:
33. Como é referido no douto acórdão sob recurso, a Autora, na carta em que rescindiu o contrato de trabalho com invocação de justa causa, apresentou os seguintes fundamentos:
No regresso ao trabalho, em 1 de Junho de 2005, após licença de parto, no seu local de trabalho estava outra pessoa usurpando as suas funções e sentada na sua secretária;
A RÉ desactivou a password de acesso ao computador da AUTORA;
A RÉ mandou desligar o telemóvel da AUTORA com fundamento em “furto” e apresentou-lhe para pagar uma conta de telefone por alegada utilização abusiva;
A RÉ colocou a AUTORA a trabalhar num sítio esconso, a separar e organizar Diários da República por ordem crescente, desde 1998 até ao mais recente;
A RÉ obrigou a AUTORA a picar o ponto, com expressa proibição de circular pela fábrica, ou de se ausentar do seu posto de trabalho, [excepto] para ir à casa de banho ou para entrar ou sair da empresa;
A AUTORA é licenciada e quadro da empresa, sendo chefe de departamento, e era responsável não só pelo Museu, mas sobretudo pelo Centro de Visitas da V...A..., que criou de raiz e desenvolveu;
Antes de 1 de Junho de 2005, o seu local de trabalho era limpo e arejado e dispunha de secretária com computador ligado à rede, apoio de uma técnica administrativa, telemóvel para uso pessoal e profissional sem plafond e dispensa de picar o ponto.
34. Relativamente às questões da desactivação da password do computador de trabalho de Autora e do telemóvel, a actuação da Ré foi absolutamente justificada, face ao comportamento da Autora.
35. Quanto aos três aspectos que o Tribunal da Relação, ao confirmar a sentença do Tribunal da 1.ª Instância, considerou consubstanciar uma conduta ilícita e culposa da Ré que justificava a justa causa de rescisão do contrato de trabalho (“o picar o ponto”, “a proibição de se ausentar do local de trabalho” e “o afastamento definitivo da Autora das funções que desempenhava”).
36. Sobre estas questões, considerou o Tribunal a quo que “o último dos pontos indicados, o essencial para se relevar da actuação ilícita e culposa da Ré. Os demais, configurados na falta de respeito culposa pela dignidade da Autora são em relação àquele instrumentais, e só com ele podem ser compreendidos”.
37. Assim, desde logo se dirá que aquele facto — consubstanciado na separação dos Diários da Republica ordenados por ordem crescente desde 1998 — durou apenas um dia! Que foi justamente o dia 2 de Junho de 2005 (sendo que, no dia 1, a Autora foi dispensada de permanecer na empresa e, no dia 3, a Autora abandonou a empresa após a visita inspectiva da IGT, nunca mais tendo comparecido ao serviço até ao fim do contrato).
[…] – “O picar do ponto”
38. Salvo o devido respeito, que escusado será dizer, é muito, não tem qualquer razão o tribunal a quo ao considerar tal conduta da Ré uma “'falta de respeito culposa pela dignidade da Autora”, ainda que a mesma seja conjugada com qualquer outra tomada pela RÉ e dada como provada nos presentes autos.
39. Não vislumbra a RÉ em que medida é que a obrigatoriedade de picar o ponto, de alguma forma, possa violar qualquer direito da trabalhadora, ou que, de alguma forma, tal constitua uma “falta de respeito culposa pela dignidade da Autora”.
40. Tal fixação traduz-se no cumprimento de um imperativo legal (cfr. artigo 170.º, n.º 1, do Código do Trabalho).
41. E de resto lícita, face ao conteúdo da cláusula 4.ª do Contrato de Trabalho que a AUTORA celebrou com a então Fábrica de Porcelana da V...A..., S. A. (cfr. Doc. 5 junto com a contestação).
42. A obrigatoriedade de marcação do ponto, para controlo das presenças e cumprimento do horário de trabalho decorre simplesmente do poder directivo da entidade patronal.
43. Aliás, tal resulta de imperativo legal, porquanto o legislador exige, desde Dezembro de 2004 (altura em que a Autora se encontrava de baixa médica) às entidades patronais, que possuam um registo que permita apurar o número de horas de trabalho prestadas pelo trabalhador, por dia e por semana, com indicação da hora de início e de termo do trabalho (cfr. artigo 162.º do Código do Trabalho).
44. Registo esse que se pode traduzir, precisamente, no registo das marcações do cartão de ponto.
45. O poder de fiscalização, uma das vertentes do poder de direcção (neste sentido, vide Pedro Romano Martinez, “Direito do Trabalho”, 2.ª Edição, Almedina, pág. 599), permite que o empregador, ainda que o não fizesse antes, passe a exigir que o trabalhador “pique o ponto”.
46. Igualmente neste sentido decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa, em Acórdão de 1 de Outubro de 1997, publicado na C.J., XXII, T. IV, p. 164, onde se lê: “A exigência de picar o ponto, considerando-se que o Autor estava sujeito a um horário de trabalho, seria sempre legítima, por a ordem a esse respeito estar compreendida dentro do poder directivo da administração da empresa Ré”.
47. Ainda que a trabalhadora prestasse a sua actividade sob o regime de isenção de horário de trabalho — que não era sequer o caso — a ordem da Ré seria lícita.
48. Neste sentido, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão datado de 2 de Novembro de 2005, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj […], onde se lê: “[…]”.
49. Nestes termos, reafirma-se, a obrigatoriedade de picar o ponto por parte da Autora não constitui qualquer conduta ilícita por parte da Ré, que permitisse àquela rescindir com justa causa o seu contrato de trabalho.
50. A afirmação de que a Ré obrigara a Autora a picar o ponto quando, “na empresa, outros trabalhadores mantiveram ‘o privilégio’ de não o fazer”, inculcando a ideia de que sobre a Autora estaria a recair um tratamento discriminatório, carece de qualquer sustentação à luz da factualidade dada como provada no douto [acórdão] sob recurso.
[…] – A proibição de se ausentar do local de trabalho, excepto para ir à casa de banho ou para entrar ou sair da empresa
51. Também no que respeita a esta questão, a Ré discorda frontalmente com o decidido pelo tribunal a quo, que considerou este aspecto como uma “falta de respeito culposa pela dignidade da Autora”.
52. As considerações tecidas pelo tribunal de 1.ª Instância, e corroboradas pelo Tribunal a quo a respeito desta questão, no sentido de que a Ré nunca tivera qualquer motivo para chamar a atenção da Autora para o cumprimento das suas obrigações e de que tal ordem constitui uma forma de humilhação absolutamente desnecessária, são claramente contrariadas pelos factos constantes dos pontos 23.º a 32.º do rol dos factos dados como provados pelo tribunal a quo.
53. Não se poderá ignorar o facto de a Autora ter assumido comportamentos que justificavam plenamente um maior controlo da sua actividade no interior da empresa por parte da sua entidade patronal.
54. Como se considerou provado na sentença proferida em 1.ª Instância, a Autora havia solicitado a outra trabalhadora da Ré um backup do disco rígido do computador, contendo toda a informação aí armazenada, o qual era propriedade da Ré.
55. As informações contidas naquel[e] computador são de uso exclusivo para o trabalho e de acesso reservado.
56. O injustificado pedido da Autora a uma outra trabalhadora para efectuar uma cópia, para lhe ser entregue, de toda essa informação, constitui facto justificativo de alguma desconfiança por parte da sua entidade patronal em relação ao desempenho profissional da Autora.
57. O mesmo sucedendo em relação à utilização abusiva do telemóvel que havia sido fornecido pela RÉ à AUTORA para uso exclusivamente profissional.
58. Por outro lado, e embora este facto não se encontre entre o elenco dos factos provados na sentença de 1.ª Instância, referiu o Ex.mo Senhor Juiz do Tribunal do Trabalho de Aveiro, na motivação da decisão sobre a matéria de facto dada como provada que, a fls. 334 dos autos [sic]: “Diga-se, em abono da verdade, que o Tribunal ficou convencido que a Autora se fez acompanhar de duas pessoas no seu regresso à empresa — 1/6/2005 — precisamente para ter testemunhas que comprovassem a sua substituição (atitude, aliás, perfeitamente legítima)”.
59. Verifica-se, assim, que corresponde à verdade o alegado pela RÉ no artigo 87.º da contestação, ou seja, a referida ordem foi transmitida à trabalhadora devido ao facto de a mesma ter entrado nas instalações da RÉ acompanhada de dois estranhos ao serviço.
60. Face ao exposto, a ordem transmitida pela RÉ afigura-se perfeitamente legítima, porquanto verificavam-se situações objectivas que justificavam um maior controlo da actividade profissional da AUTORA, cabendo aquela ordem plenamente no âmbito do poder directivo da entidade patronal.
[…] – Das funções desempenhadas pela AUTORA após o gozo da licença por maternidade
61. No dia 1 de Junho de 2005, que correspondeu ao primeiro dia de trabalho da AUTORA após o gozo da licença de maternidade, foi-lhe solicitado que se deslocasse ao gabinete do Director de Recursos Humanos da RÉ, Dr. J...P....
62. Foi então que o Dr. J...P... transmitiu à AUTORA que, devido à profunda reestruturação nos serviços da RÉ, que a AUTORA bem sabia estar a decorrer, decorrente da fusão entr[e] a V...A... e a Atlantis e concentração das actividades industriais da ex-Quinta Nova nas actuais instalações da sede da V...A...A... S. A., e devido à grave situação económica e financeira em que se encontrava a RÉ, existia uma necessidade de redução de efectivos, tendo abordado a AUTORA, da mesma forma que infelizmente teve que fazer com centenas de trabalhadores, sobre a possibilidade de chegar a um acordo que satisfizesse ambas as partes.
63. Informando ainda a AUTORA que, devido às reestruturações entretanto ocorridas no Centro de Visitas, assim como em quase todos os outros serviços da RÉ, durante o período de ausência da AUTORA, e consequente redução de trabalhadores afectos a tal serviço, a mesma teria que deixar de aí exercer as suas funções.
64. Informada de tal circunstancialismo, a AUTORA respondeu que iria pensar nisso.
65. Foi então dispensada do serviço nesse dia, para que pudesse ponderar serenamente, tal como, de resto, a RÉ sempre fez, durante o processo de reorganização interna, aquando da apresentação de propostas de revogação do contrato de trabalho por mútuo acordo, a todos os trabalhadores envolvidos.
66. É absolutamente falso, ao contrário do que se afirma no artigo 38.º da p.i. que o Sr. Director de Recursos Humanos da RÉ, tenha seca e friamente informado a AUTORA que já não chefiava departamento algum, ou que lhe tenha sido dado um prazo até às 17.00 horas desse dia para rescindir amigavelmente o contrato de trabalho, bem como que tenha sido proferido alguma ameaça no sentido de em caso de recusa de tal proposta a “situação ficar negra” para o lado da AUTORA.
67. No dia seguinte, 2 de Junho de 2005, a AUTORA apresentou-se ao serviço, facto que, ao contrário do alegado pela AUTORA, não provocou “a fúria do seu superior hierárquico, Dr. P...”.
68. O qual não se encontrava sequer nas mesmas instalações da Ré, porquanto nesse dia se encontrou, por motivos profissionais, nas instalações da ex-Atlantis, sitas em Alcobaça.
69. O que sucedeu foi que, face à insistência da AUTORA, manifestada perante a trabalhadora I...A..., em receber ordens por escrito, o Director de Recursos Humanos que, como se referiu, se encontrava em Alcobaça, remeteu o e-mail que a AUTORA junta como Doc. 3 da [petição inicial].
70. No referido e-mail, foi transmitido à AUTORA que ficaria provisoriamente instalada no gabinete que lhe seria indicado pela D. I...A..., assim como que iria passar a depender directamente do Director de Recursos Humanos, exercendo as funções que por este lhe fossem indicadas.
71. Referindo-se expressamente que tal solução seria provisória.
72. Relativamente à questão das funções que foram atribuídas à AUTORA cumpre referir o seguinte:
73. No primeiro dia em que a AUTORA se apresentou ao serviço (1 de Junho de 2005), a mesma, como se referiu supra, não prestou qualquer trabalho, tendo mantido uma reunião com o Sr. Director de Recursos Humanos da RÉ, após a qual foi dispensada do serviço pelo resto desse dia.
74. No dia 2 de Junho de 2005, a AUTORA, após ter chegado ao serviço, foi informada pela trabalhadora I...A... acerca do local de trabalho onde passaria provisoriamente a desempenhar as funções que lhe fossem transmitidas pelo Director de Recursos Humanos.
75. O qual, nesse dia, e como já se referiu, não se encontrava nesse local, não lhe tendo sido possível, por isso, falar sequer com a trabalhadora, acerca da solução que se iria encontrar para o seu contrato de trabalho.
76. Face à insistência por parte da AUTORA para que essas ordens lhe fossem transmitidas por escrito, o Sr. Director de Recursos Humanos enviou-lhe o e-mail a que se fez referência no ponto 10.º da matéria de facto dada como provada pelo tribunal de 1.ª Instância.
77. Uma vez que naquele dia o Sr. Director de Recursos Humanos não se iria encontrar nas instalações da RÉ, não lhe sendo por isso possível atribuir qualquer tarefa à RÉ nesse dia, foi-lhe sugerido que, se quisesse, poderia organizar os Diários da República.
78. Tal indicação foi considerada pelo tribunal de 1.ª instância como sendo uma ordem emitida pela sua entidade patronal, e pelo Tribunal a quo como sendo reveladora “da actuação ilícita e culposa da ré”.
79. Ainda que assim se entenda, tal facto não constitui justa causa para despedimento pela AUTORA.
80. Aliás, e como se reconhece na sentença de 1.ª Instância, não corresponde à verdade, ao invés do que a AUTORA, na senda do quadro que apresentou ao Tribunal, pretendeu fazer crer, que essas fossem as funções que daí em diante passaria a desempenhar.
81. À RÉ não foi sequer possível atribuir quaisquer tarefas à AUTORA, porquanto esta se manteve efectivamente ao serviço desta durante apenas um dia, findo o período de gozo da licença de maternidade.
82. No dia 3 de Junho de 2005, a AUTORA recebeu a visita de um Sr. Inspector da Inspecção-Geral do Trabalho, com quem esteve reunida.
83. O qual não ouviu a entidade patronal nem qualquer seu representante, tendo saído das instalações da RÉ após terminar a reunião com a AUTORA.
84. A qual, do mesmo modo, após terminar a referida reunião, se ausentou do posto de trabalho, sem nada justificar, e nunca mais se tendo apresentado ao serviço.
85. Tendo no dia seguinte entrado de baixa médica.
86. Assim, de nenhuma forma se poderá falar nalguma situação de violação do direito à ocupação efectiva, quan[t]o à trabalhadora, que após se ter encontrado ausente do serviço por situações de baixa médica e gozo de licença por maternidade por um período de cerca de seis meses, se encontrou, apenas, durante um dia, ou, no máximo, um dia e meio, sem que lhe tivessem sido atribuídas quaisquer tarefas.
87. Voltando à questão das funções que seriam desempenhadas pela AUTORA.
88. A RÉ, como se referiu supra, encontrava-se, à data, em profunda reestruturação dos seus serviços, para além de se encontrar numa péssima situação económica e financeira, o que conduziu à necessidade premente de alterar muitos dos postos de trabalho que vinham sendo a ser ocupados pelos trabalhadores.
89. Bem como a procurar rescindir por mútuo acordo o contrato de trabalho que a vinculava a diversos trabalhadores, de forma a reduzir os seus efectivos e acautelando sempre os interesses de ambas as partes, o que fez, sempre com o maior respeito pessoal e profissional por todas as pessoas que fizeram ou ainda fazem parte da sua organização.
90. Do mesmo modo actuando em relação à ora AUTORA.
91. A RÉ, sempre procurou, em relação a todos os trabalhadores que se viu forçada a transferir de posto de trabalho, e caso os trabalhadores não concordassem com a revogação dos contratos de trabalho por mútuo acordo, garantir que aos mesmos fossem atribuídas tarefas correspondentes às suas categorias profissionais e estatuto na empresa.
92. O que sempre conseguiu fazer, encontrando soluções para todos os trabalhadores que se encontravam ao seu serviço.
93. E sempre na salvaguarda dos direitos e garantias decorrentes dos contratos de trabalho.
94. Do mesmo modo actuando em relação à AUTORA.
95. Tendo-se visto forçada, em consequência da referida reestruturação, a alterar o seu posto de trabalho.
96. A RÉ iria tentar procurar encontrar uma solução que assegurasse à AUTORA o desempenho de funções correspondentes à sua categoria profissional.
97. O que não conseguiu sequer fazer, porquanto a AUTORA nem sequer lhe deu oportunidade para tal.
98. Deste modo, verifica-se que a RÉ actuou de boa fé.
99. Nunca tendo tido para com a AUTORA qualquer comportamento culposo, que permitisse àquela proceder à rescisão do contrato de trabalho com invocação de justa causa.
100. A RÉ nunca alterou a categoria profissional da AUTORA.
101. Não é pelo simples facto de, durante um dia, após a trabalhadora ter-se encontrado ausente do trabalho durante um período de mais de seis meses, e em que, após o seu regresso e encontrando-se a sua entidade patronal em profundo processo de reorganização de serviços, que afectaram a secção onde a trabalhadora vinha desenvolvendo as suas funções, não lhe foi possível [sic] atribuir quaisquer funções (acrescido do facto de nesse dia o superior hierárquico da trabalhadora não se encontrar no local de trabalho), que se poderá falar em alteração substancial da posição do trabalhador, ou em qualquer violação dos seus direitos.
102. E, por maioria de razão, muito menos se poderá falar em comportamento grave e reiterado (a trabalhadora esteve ao serviço efectivo durante um dia!!!!) do empregador.
103. Atento o facto de o despedimento se tratar sempre da última ratio, a mais grave das sanções, como a AUTORA reconhece no artigo 20.º da p.i., é manifesto, face ao supra exposto, que a existir algum comportamento ilícito e culposo da RÉ, sem conceder, o mesmo nunca assumiria a gravidade necessária para que à AUTORA assistisse justa causa para resolução do contrato.
104. E muito menos que conduzisse à impossibilidade prática da manutenção do vínculo laboral.
105. Neste sentido, vide o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 11 de Junho de 1991, onde se lê: “A atribuição a um trabalhador, na sequência de uma reestruturação dos serviços da empresa, de competências diferentes, mas equivalentes, num outro sector de actividade, com a mesma categoria profissional e remuneração, não constitui violação culposa por parte da entidade patronal dos direitos e garantias do trabalhador“ (Ac. RE, de 11.6.91, BTE, 2.ª série, n.os 10-11-12/32, pág. 1827, citado por Abílio Neto in “Contrato de Trabalho – Notas Práticas”, 16.ª Edição, pág. 1050).
106. No caso dos autos, a AUTORA não deu sequer à RÉ a possibilidade de tentar encontrar uma solução que lhe permitisse assegurar o exercício de funções correspondentes à sua categoria profissional.
107. Há ainda que atender ao princípio da boa fé que deverá sempre pautar as relações contratuais.
108. O qual sempre imporia à AUTORA que colaborasse com a RÉ na procura de uma solução que permitisse garantir os seus direitos.
109. O que esta manifestamente não fez.
110. Estranhando, deste modo, a RÉ que a AUTORA cite, no artigo 69.º da p.i., em abono da sua posição, um douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, onde se lê: “Antes de rescindir o contrato de trabalho com invocação de justa causa, o trabalhador deve avisar a entidade patronal de que está a cumprir mal as prestações a que se obrigou, podendo admitir-se a sua boa fé, concedendo-lhe a possibilidade de corrigir um comportamento menos esclarecido”.
111. Porquanto foi precisamente o que a AUTORA, reafirma-se, não fez.
112. Pelo contrário, a RÉ agiu de boa fé, procurando salvaguardar os direitos da AUTORA.
113. Não sendo despiciendo relembrar que, à data do regresso da AUTORA ao serviço da RÉ, esta se encontrava em processo de profunda reestruturação de serviços.
114. A propósito da boa fé na execução do contrato de trabalho, vide Monteiro Fernandes, “Reflexões acerca da Boa Fé na Execução do Contrato de trabalho”, in V Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Memórias, Coordenação do Prof. Doutor António Moreira, Almedina, pág. 125, onde se lê: “[…].
115. Neste mesmo sentido, vide ainda o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Outubro de 2004, disponível em www.dgsi.pt. em cujo sumário se lê, a propósito de uma situação de alegada violação do dever de ocupação efectiva, que: “[…]; II – Não se demonstrando que a entidade empregadora actuou com má fé, ao manter o trabalhador desocupado durante um dado período de tempo, e subsistindo certas circunstâncias concretas que poderão explicar um tal comportamento (a desocupação ocorreu quando o trabalhador regressou ao serviço da empresa, após cerca de seis anos em que se encontrou destacado numa outra empresa; a entidade patronal procurou colocar, sem êxito, o trabalhador num posto de trabalho correspondente à sua categoria profissional noutros departamentos e fez ainda diversas tentativas para resolver situação gerada pelo regresso do trabalhador através da revogação do contrato por mútuo acordo ou da sua passagem à situação de pré-reforma), não poderá considerar-se como verificada a violação do dever de ocupação efectiva, mormente para efeito da rescisão unilateral do contrato de trabalho por parte do trabalhador; III – A ausência de um dos requisitos da responsabilidade contratual (o incumprimento culposo do dever de dar uma ocupação efectiva ao seu trabalhador) igualmente impede a condenação da entidade empregadora por danos não patrimoniais”.
116. Do mesmo modo se terá forçosamente de concluir quando a RÉ não atribuiu funções correspondentes à categoria profissional da AUTORA durante um dia.
117. Devendo ainda ter-se em consideração que a AUTORA havia estado ausente do serviço durante cerca de oito meses e que, aquando do regresso ao trabalho a sua entidade patronal se encontrava a atravessar um profundo processo de reestruturação dos seus serviços, tendo sido apresentada à AUTORA uma proposta de rescisão por mútuo acordo do contrato de trabalho. A AUTORA, no dia 1 de Junho de 200[5], foi dispensada do serviço para ponderar na proposta que lhe havia sido apresentada e, no dia seguinte, em que se apresentou ao serviço, não se encontrava presente o Director de Recursos Humanos, não lhe tendo sido possível, por conseguinte, atribuir à AUTORA tarefas correspondentes à sua categoria profissional. À RÉ foi completamente impossível apresentar uma solução para a situação profissional da AUTORA, uma vez que esta nunca lhe deu essa oportunidade, porque, como se referiu, no dia seguinte, após manter uma reunião com um S[r]. Inspector da Inspecção Geral do Trabalho se ausentou do seu posto de trabalho, tendo de seguida apresentado baixa médica a qual se prolongou até à data em que dirigiu à RÉ uma carta em que rescindiu o seu contrato de trabalho, com invocação de justa causa.
118. Não se verificando, ao contrário do afirmado no douto acórdão sob recurso, um comportamento culposo da RÉ, não tinha a AUTORA direito a rescindir o contrato de trabalho com justa causa [e], muito menos, direito a ser indemnizada.
119. Aliás o raciocínio aplicável à “justa causa” referente a uma conduta da entidade empregadora é semelhante ao raciocínio aplicável à “justa causa” referente a uma conduta do trabalhador, e não nos parece que no caso dos presentes autos, a existir alguma “gravidade” da conduta em causa, ela seja de modo a provocar a ruptura da confiança entre as partes, ou por outras palavras, parece inequívoco que a ser tomada em consideração o grau de “gravidade” do comportamento da entidade patronal, o mesmo grau de gravidade de uma conduta de um trabalhador, fosse entendido pelo Tribunal, como sendo “justa causa de despedimento” numa acção de impugnação de despedimento, e que o Tribunal — nessa situação — julgasse ilícito o despedimento.
120. Considerou -se no douto acórdão sob recurso que ao contrato de trabalho que vigorava entre as partes era aplicável o CCT para a actividade cerâmica publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª Série, n.º 8, de 29/2/2000.
121. Com base neste pressuposto, considerou o tribunal a quo que a conduta da RÉ era violadora do disposto na Cláusula 16.ª do referido CCT, pelo que, verificando-se uma violação culposa das garantias convencionais da AUTORA, assistia-lhe o direito de rescindir o contrato de trabalho com justa causa.
122. Salvo o devido respeito por diverso entendimento, não se poderá manter o decidido quanto a esta matéria.
123. A AUTORA não alegou, nem provou, estar inscrita em qualquer dos sindicatos celebrantes da convenção colectiva de trabalho que invocou no artigo 5.º da p.i., pelo que tal instrumento de convenção colectiva não lhe é aplicável, tendo igualmente em conta que não ficou provado que a AUTORA estivesse abrangida por qualquer Portaria de Extensão.
124. Considerou-se provado (cfr. artigo 1.º da matéria de facto dada como provada, na sentença do Tribunal de Trabalho de Aveiro) que a AUTORA encontrava-se ao serviço subordinado da RÉ, desde 04/01/99, trabalhando sob suas ordens, direcção e conhecimento, com a categoria de Gestor de Produto.
125. Na sentença do Tribunal de 1.ª Instância, não se procedeu a qualquer requalificação da categoria da AUTORA.
126. Conforme facilmente se pode verificar pela consulta do CCT entre a APICER e a Federação dos Sindicatos da Indústria de Cerâmica, Cimento Vidro de Portugal, publicado no BTE, I Série, n.º 8, de 29 de Fevereiro de 2000, nele não consta a categoria profissional de “Gestor de Produto”.
127. O citado CCT foi objecto de Portaria de Extensão, publicada no BTE, I Série, n.º 21, de 8 de Junho de 2000, e na qual se faz expressa referência a que a aplicação do referido CCT se limitou às relações de trabalho entre entidades patronais filiadas na associação patronal outorgante e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais previstas nas convenções.
128. Ora, não constando a Categoria de “Gestor de Produto” prevista naquela CCT, à AUTORA não era aplicável a mesma, ainda que por força da citada Portaria de Extensão.
129. Neste sentido, vide o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de Fevereiro de 1995, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj [...],onde se decidiu: “[...]. É certo que o âmbito de aplicação definido nas convenções colectivas pode ser estendido, após a sua publicação, nomeadamente por portarias de extensão, tendo em vista a cobertura de trabalhadores não sindicalizados ou membros de sindicatos minoritários que as não subscreveram (cfr. artigos 27.º e 29.º do citado Decreto-Lei 519-C1/79). Todavia, as portarias de extensão publicadas para o sector de actividade em causa são i[na]plicáveis no caso vertente, uma vez que, através delas, as disposições constantes das respectivas convenções colectivas apenas foram tornadas extensivas em relação aos trabalhadores nelas previstas, ao serviço de entidades patronais que exerçam a actividade seguradora (...). Ora, a profissão do recorrente – advogado – não se encontra prevista nas aludidas convenções colectivas de trabalho, o mesmo acontecendo com a categoria profissional por ele reivindicada – director do contencioso. Daí resulta a inaplicabilidade dessas convenções colectivas à relação de trabalho estabelecida entre o autor e a Ré.” – […].
130. O entendimento expresso no citado Acórdão permanece actual à luz do ora vigente Código do Trabalho – cfr. artigo 552.º
131. Pelo que, reafirma-se, não era aplicável às relações contratuais entre as partes o disposto no CCT entre a APICER e a Federação dos Sindicatos da Indústria de Cerâmica, Cimento Vidro de Portugal, publicado no BTE, I Série, n.º 8, de 29 de Fevereiro de 2000.
132. Considerou no entanto o Tribunal da Relação que tal CCT se aplica à autora, porquanto nas cláusulas 3.ª e 4.ª resulta que as entidade patronais têm obrigação de integrar todos os trabalhadores ao serviço numa da[s] categoria[s] previstas no Anexo ao CCT, de acordo com as funções efectivamente desempenhadas, acrescentando o douto Acórdão recorrido (fls. 28), que se a Ré não integrou a Autora numa dessas categorias profissionais, deveria tê-lo feito — contudo tal orientação perfilhada pelo douto Acórdão recorrido é contrariada desde logo, pelo texto da Portaria de Extensão que “estende” a aplicação do referido CCT, não a todos os trabalhadores ao serviço da Ré, mas tão somente aos trabalhadores com “profissões e categorias profissionais previstas na convenção”, o que desde logo implica que não se aplicasse à autora, porquanto esta não tinha “profissão ou categoria prevista na convenção”.
133. Não se verificando, assim, ao contrário do sustentado no douto acórdão sob recurso, qualquer violação das garantias convencionais da AUTORA, não lhe assistindo, portanto, o direito a rescindir o seu contrato de trabalho com invocação de justa causa.
134. Não tendo ocorrido justa causa, a resolução do contrato de trabalho pela Autora traduz--se numa denúncia do contrato sem aviso prévio, a qual confere ao empregador o direito a ser indemnizado, nos termos do artigo 448.º do Código do Trabalho.
135. Tendo em conta que a Autora foi admitida ao serviço da RÉ, ora Recorrente, em 4 de Janeiro de 1999, tinha, à data da denúncia do contrato (20 de Junho de 2005), uma antiguidade superior a dois anos.
136. Nestes termos, tem a Recorrente, conforme reconvenção oportunamente deduzida, direito a ser indemnizada, no valor correspondente ao período de aviso prévio em falta.
137. Ou seja, o correspondente a 60 dias, nos termos do artigo 447.º, n.º 1, do Código do Trabalho.
138. Tendo em conta que a AUTORA auferia, à data da denúncia sem justa causa e sem aviso prévio, a retribuição base de € 1.207,22 (cfr. Doc. 1 junto com a p.i.), tem a RÉ direito a ser indemnizada no valor de € 2.414,44.
Do valor da indemnização e quantias em que a Ré foi condenada:
139. Ainda que se entendesse que à AUTORA assistia o direito a rescindir o contrato de trabalho com justa causa — sem conceder — o valor da indemnização em que a RÉ foi condenado apresenta-se desajustado em relação à matéria de facto que ficou provada nos presentes autos.
140. Estatui o artigo 443.°, n.º 1, do Código do Trabalho, que a indemnização deve ser fixada entre quinze e quarenta e cinco dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade.
141. No entender da RÉ, ora Recorrente, ainda que se entendesse que os factos que ficaram provados nos presentes autos consubstanciariam justa causa de despedimento, deverá ter-se em conta que a AUTORA nunca permitiu à RÉ que apresentasse qualquer solução para o seu contrato de trabalho.
142. Assim, o valor da indemnização deveria ter sido, salvo o devido respeito por diverso entendimento, fi[x]ado num valor abaixo do máximo que a lei prevê.
143. A AUTORA, no período compreendido entre 14 de Outubro de 2004 até 31 de Janeiro de 2005, a mesma encontrou-se de baixa médica, devido à gravidez de risco.
144. Nos termos do artigo 333.°, n.º 1, do Código do Trabalho, determina a suspensão do contrato de trabalho o impedimento temporário por facto não imputável ao trabalhador que se prolongue por mais de um mês, nomeadamente o serviço militar obrigatório ou serviço cívico substitutivo, doença ou acidente.
145. Nestes termos, verifica-se que o contrato de trabalho da AUTORA se encontrou suspenso, no período anterior ao gozo da licença de maternidade posterior ao parto, que se verificou em 31 de Janeiro de 2005 (cfr. artigo 33.º da p.i.).
146. Vejamos, então, as repercussões de tal suspensão do contrato no que concerne ao direito ao subsídio de férias e de Natal da AUTORA.
147. Em 1 de Janeiro de 2005, o contrato de trabalho da AUTORA encontrava-se suspenso, em virtude do período em que se encontrou de baixa médica devido à gravidez de risco se ter já prolongado por mais de um mês (iniciou-se em 14 de Outubro de 2004), suspensão essa que apenas terminou, com o início do gozo da licença por maternidade, ou seja, em 31 de Janeiro de 2005.
148. Sobre esta matéria, regula o artigo 220.º do Código do Trabalho.
149. Em anotação ao referido artigo, refere o Mestre Luís Miguel Monteiro, in “Código do Trabalho Anotado”, por Pedro Romano Martinez, Luís Miguel Monteiro, Joana Vasconcelos, Pedro Madeira de Brito, Guilherme Dray, Luís Gonçalves da Silva, Almedina, 2003, pág. 362, onde se lê: “[…]”.
150. E agora na parte que nos interessa:
“Se algum trabalho tiver sido prestado no ano da cessação do contrato, logo após o termo da suspensão, já não haverá lugar à aplicação desta norma, estar-se-á, então, perante a hipótese normativa a que se refere o n.º 2, ou, se o contrato de trabalho tiver cessado antes de decorridos seis meses após o termo da suspensão, num caso de vencimento antecipado do direito de férias regulado pelo n.º 1 do artigo seguinte” […].
151. Assim, no caso sub judice, a AUTORA, no dia 1 de Janeiro de 2005, não se encontrava ao serviço, por impedimento prolongado que conduziu à suspensão do contrato de trabalho (cfr. o já referido artigo 331.º, n.º 1, do Código do Trabalho).
152. Suspensão essa que terminou, nos termos do artigo 50.º Código do Trabalho, no dia 31 de Janeiro de 2005, data em que se iniciou o gozo da licença por maternidade.
153. Assim, a AUTORA apenas tem direito a receber o valor da retribuição correspondente às férias, e respectivo subsídio, correspondente ao período compreendido entre 31 de Janeiro de 2005 e 20 de Junho de 2005 (data da cessação do contrato de trabalho).
154. Ou seja, de € 503,00.
155. Nada lhe sendo devido, relativamente a proporcionais de férias e subsídio de férias no ano de 2005, porquanto, tendo o contrato cessado antes de decorridos seis meses sobre o início da prestação laboral após a suspensão do contrato de trabalho, não se ter vencido o direito a férias, nos termos conjugados dos artigos 220.º, n.º 2, e 212.º, n.º 2, ambos do Código do Trabalho.
156. Relativamente ao subsídio de Natal, apenas terá direito ao proporcional correspondente ao período compreendido entre 31 de Janeiro de 2005 e 20 de Junho de 2005, ou seja, € 503,00, nos termos do artigo 254.°, n.º 2, c), do Código do Trabalho.
157. Quanto à condenação no pagamento de juros, os mesmos só poderiam incidir sobre as importâncias líquidas que a AUTORA tivesse direito a receber — e não tem — e não sobre os valores ilíquidos das mesmas remunerações, como a AUTORA pretende, sob pena de enriquecimento sem causa, como decidiu o Ac. do Sup. Trib. Just. de 17.01.2001, rec. n.º 2957/00, in Acórdãos Doutrinais, n.º 478, pág. 1376.
Da condenação da autora como litigante de má fé:
158. A AUTORA, ao longo do processo, assumiu comportamentos que merecem a censura do Tribunal.
159. Aquando da resposta da AUTORA aos documentos juntos pela RÉ (requerimento de fls. […] que deu entrada no Tribunal do Trabalho de Aveiro, em 9 de Novembro de 2005), a AUTORA veio impugnar, nos termos do artigo 544.°, n.º 1, do Código de Processo Civil e com fundamento em não saber se a letra e assinatura dos mesmos era verdadeira, entre outros, os Docs. 3 e 5 da contestação, nos quais constava a própria assinatura da AUTORA!
160. Impugnou ainda a veracidade de um documento — Doc. 3 junto pela RÉ — que fora ela própria que juntara aos autos com a petição inicial (Doc. n.º 4 da p.i).
161. A RÉ considera que com esta conduta a AUTORA faltou à verdade, deduzindo oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, praticando dolosamente violação grave do dever de cooperação e fazendo dos meios processuais um uso manifestamente reprovável.
162. Ainda, após ter sido notificada da resposta apresentada pela AUTORA à junção aos autos, pela V... Portugal, Comunicações Pessoais, S. A, do Doc. de fls., aquela imputou à RÉ, sob a forma de suspeita, a prática de actos ilícitos, maxime, que em conluio com outrem tivesse “forjado” um documento.
163. Tal articulado da AUTORA consubstancia por si só um grave atentado à honra e bom--nome da RÉ.
164. Traduzindo-se num uso manifestamente reprovável do processo.
165. Tais condutas da AUTORA encontram-se abundantemente documentadas nos autos.
166. Nestes termos, deverá a RÉ [deve ler-se AUTORA] ser condenada como litigante de má fé, nos termos do artigo 456.º do Código de Processo Civil.
167. Ao decidir como decidiu o douto Acórdão recorrido violou, designadamente, as alíneas a), c) e e) do artigo 121.º, o artigo 170.º, o artigo 552.º, o artigo 448.º, o número 1 do artigo 447.º, o número 1 do artigo 443.º, o artigo 333.º, número 1, o artigo 331.º, número 1, o artigo 220.º, o número 2 do artigo 212.º e a alínea c) do número 2 do artigo 254.º, todos do Código do Trabalho, bem como violou, designadamente, o artigo 30.º e o número 1 do artigo 77.º, ambos do Código do Processo do Trabalho, as alíneas p) e o) do artigo 85.º da Lei 3/99, de 13 de Janeiro, bem como o número 1 do artigo 661.º, as alíneas c) e d) do número 1 do artigo 467.º, os números 1 e 2 do artigo 264.º, o número 1 do artigo 659.º, a alínea d) do número 1 do artigo 668.º e o artigo 456.º do Código do Processo Civil, bem como o número 1 do artigo 570.º do Código Civil. Violou também, nos termos conjugados os artigos 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho e 668.°, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil.»

Termina pedindo que, dando-se provimento ao recurso, seja revogado o acórdão recorrido, «substituindo-se por decisão judicial que julgue inexistir justa causa de despedimento, julgando improcedente a acção e procedente o pedido reconvencional peticionado como é de inteira JUSTIÇA».

A autora contra-alegou, defendendo a confirmação do acórdão recorrido quanto às pretensões enunciadas no recurso de revista da ré.

RECURSO DA AUTORA:

«1. Nada nos autos permite concluir que a A. pretendia aceder ao disco rígido do computador, a fim de obter um backup.
2. Pelo contrário, da prova documental existente no processo, designadamente o bilhete manuscrito de fls. 313, apenas se extrai que a A. pretendia aceder ao computador para gravar 6 pastas zipadas de “os meus documentos”, nada mais.
3. Por conseguinte, a interpretação que a Recorrida deu ao bilhete é incompatível com o seu teor, pelo que a testemunha Fátima ou se enganou, ou foi levada ao engano.
4. Em conformidade, e de acordo com as regras gerais do ónus da prova, considera a A. que o ponto 23 da matéria de facto foi incorrectamente julgado, impondo o doc. de fls. 313 decisão contrária, pelo que tal matéria deve ser dada como não provada,
5. E substituída por outra do seguinte teor (ou equivalente): “A password da Autora foi desactivada por iniciativa da Ré”.
6. O contrário seria atingir a honra e bom-nome da A., que esta não merece.
7. Mostra-se violado o art.° 342.° do Código Civil.
8. Deve o art.° 443.°, n.º 1, do Código do Trabalho sofrer uma interpretação restritiva, de modo a permitir que os danos não patrimoniais possam ser autonomizados, desde que se justifiquem.
9. Se assim não for, haverá um tratamento desigual para uma situação idêntica, que é a determinação da indemnização por justa causa ao trabalhador.
10. De facto, se o que se pretende é que a indemnização obedeça ao mesmo critério, quer se trate da resolução pelo trabalhador, quer se trate do despedimento ilícito por parte do empregador, então, a interpretação restritiva do art.° 443.º, n.º 1, do Código do Trabalho, é a única que é conforme à Constituição, sob pena de violação do princípio da justa indemnização.
11. Assim, além da indemnização por antiguidade, tem a A. direito, porque logrou fazer prova do alegado, a uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos,
12. Graves, elevados e relevantes.
13. Indemnização, essa, que terá que ser suficientemente alta que sirva de elemento dissuasor para prevenir idênticos comportamentos futuros da Ré, e suficientemente baixa que não permita à A. locupletar-se à sua custa.
14. Por isso julgamos parcimoniosa a quantia reclamada de € 50.000,00, a título de dano não patrimonial indemnizável, que inteiramente se confirma.
15. Violou, pois, a douta sentença [deve ler-se, acórdão], por erro de interpretação, o disposto no art.° 443.°, n.º 1, do Código do Trabalho, e os princípios de igualdade e da justa indemnização previstos nos art.°s 2.º, 13.º e 53.º, da CRP.»

Termina pedindo a revogação parcial do acórdão recorrido nos ditos termos, dando-se como não provado o ponto 23.º da matéria de facto, «substituindo-se por outro à consideração», e atribuindo-se «à A., além da indemnização por antiguidade, a quantia de € 50.000,00, a título de dano não patrimonial indemnizável».

A ré contra-alegou, defendendo a confirmação do acórdão recorrido quanto às pretensões enunciadas no recurso de revista da autora.

Entretanto, para os efeitos do disposto na parte final do n.º 3 do artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho, aplicável à arguição de nulidade do acórdão da Relação, por força das disposições conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, alínea a), desse Código e 716.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a Relação de Coimbra decidiu «não ter sido cometida a invocada nulidade [do acórdão recorrido], pelo que não há lugar ao seu suprimento por esta instância».
Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido de que «ambas as revistas devem ser negadas», parecer que, notificado às partes, suscitou resposta da ré para reafirmar «tudo o alegado no recurso».

3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar, segundo a ordem lógica que entre as mesmas intercede:

Nulidade do acórdão recorrido, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil [conclusões 1) a 8) e 167), na parte atinente, da alegação do recurso de revista da ré];
Admissibilidade da reconvenção no tocante ao pedido de condenação da autora no pagamento da indemnização de € 50.000,00, por alegada violação do direito ao bom-nome, crédito e imagem da ré [conclusões 9) a 26) e 167), na parte atinente, da alegação do recurso de revista da ré];
– Alteração da decisão sobre a matéria de facto [conclusões 27) a 32) da alegação do recurso de revista da ré e conclusões 1) a 7) da alegação do recurso de revista da autora];
Se a autora operou a resolução do contrato de trabalho com fundamento em justa causa [conclusões 33) a 133) e 167), na parte atinente, da alegação do recurso de revista da ré];
Não ocorrendo justa causa de resolução do contrato pela trabalhadora, se tal resolução confere à ré o direito a ser indemnizada pelo incumprimento do prazo de aviso prévio, nos termos da reconvenção [conclusões 134) a 138) e 167), na parte atinente, da alegação do recurso de revista da ré];
Ocorrendo justa causa de resolução do contrato pela trabalhadora, se a indemnização deve ser fixada «num valor abaixo do máximo que a lei prevê» [conclusões 139) a 142) e 167), na parte atinente, da alegação do recurso de revista da ré] e, ainda, se o n.º 1 do artigo 443.º do Código do Trabalho deve ser interpretado restritivamente, de modo a permitir que os danos não patrimoniais sejam autonomizados, desde que se justifiquem, e se, nesse caso, para além da indemnização por antiguidade, a autora tem direito à indemnização de € 50.000,00, a título de dano não patrimonial [conclusões 8) a 15) da alegação do recurso de revista da autora];
Valores devidos à autora a título de retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal referentes ao trabalho prestado em 2004 e 2005 [conclusões 143) a 156) e 167), na parte atinente, da alegação do recurso de revista da ré];
Se os juros de mora incidem sobre os valores líquidos que a autora tenha direito a receber [conclusão 157) da alegação do recurso de revista da ré];
– Se a autora deve ser condenada como litigante de má fé [conclusões 158) a 166) e 167), na parte atinente, da alegação do recurso de revista da ré].

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II

1. Em primeira linha, a ré alega que o acórdão recorrido padece de nulidade por omissão de pronúncia, prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, porquanto, confirmando a sentença proferida em primeira instância, não conheceu do pedido de condenação da autora como litigante de má fé.

E acrescenta, «não obstante os pedidos formulados pela Ré, ora Recorrente, nesse sentido, quer no âmbito da pendência do processo na primeira instância, quer no âmbito do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Coimbra, nem a douta sentença, nem o douto Acórdão ora recorrido, condenaram nem absolveram a Autora, não tendo sido sequer apreciadas as condutas processuais da Autora, tendo aliás o douto Acórdão recorrido decidido que nem sequer tinha que apreciar tal questão».

De harmonia com o n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, é nula a sentença, «quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento» [alínea d)].

Esta norma aplica-se aos acórdãos proferidos pela Relação e pelo Supremo Tribunal de Justiça, por força do preceituado nos artigos 716.º e 732.º do mesmo Código, sendo que o aludido complexo normativo se projecta, subsidiariamente, nos processos de natureza laboral, em conformidade com o disposto no artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho.

Relativamente ao sobredito pedido de condenação da autora como litigante de má fé, o acórdão recorrido teceu as considerações que se passam a transcrever:

«Comecemos pela questão de saber se ocorreu nulidade da sentença recorrida, ao nela se não conhecer da questão da litigância de má fé, apresentada pela ré, nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
A ré, logo na contestação, requereu a condenação da autora como litigante má fé (o mesmo, desta feita em relação à ré, requereu a autora na resposta à contestação).
A nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do art.° 668.º do CPC (omissão de pronúncia) liga-se à imposição que recai sobre o juiz de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, conforme obriga o art.º 660.º, n.º 2, daquele diploma.
A litigância de má fé configura, essencialmente, a violação pela parte, com dolo ou negligência grave, do dever de agir de boa fé e de cooperar na condução e intervenção no processo, para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.
Assim, o que está em causa, na litigância de má fé, é a ofensa aos valores públicos da celeridade e eficácia da administração da Justiça e só indirectamente o interesse da parte lesada.
Daí que, ao não apreciar o comportamento da autora quanto à litigância de má fé, se possa considerar que o tribunal recorrido não se encontrava perante matéria de pronúncia obrigatória. Assim concluiu o Ac. do STJ de 12-6-1986, in BMJ 358-333, quando refere que tendo tal matéria como ponto de partida um poder de iniciativa do tribunal, o não uso do poder de condenação (e apreciação) faz presumir que ele não verificou as circunstâncias da má fé.
De facto, tal pedido de condenação não constitui o objecto próprio da acção e está fora do âmbito da controvérsia, emergindo, unicamente, como consequência da dedução de pedido ou de oposição cuja falta de fundamento se conhece, da alteração consciente da verdade dos factos ou da omissão de factos relevantes para a decisão da causa e do uso reprovável, do processo ou dos meios processuais, para alcançar um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar o trânsito em julgado da decisão (artigo 456.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
A nulidade da sentença por omissão de pronúncia resulta, sobretudo, da falta de conhecimento de questões essenciais, ou seja, daquelas que integram o objecto do litígio, o que não é o caso, como se disse da questão da condenação em litigância de má fé requerida por uma das partes.
Neste sentido se compreend[e] a posição dos acórdãos da Relação de Lisboa de 11-3--1999, processo n.º 0065376 (in www.dgsi.pt.) – “a jurisprudência tem vindo a decidir de forma uniforme que, requerida a condenação de uma das partes como litigante de má fé, o silêncio do julgador sobre tal matéria implica, só por si, que decidiu sobre a ausência de má fé, não se verificando, portanto, a nulidade da omissão de pronúncia” — e desta Relação de 9-2-99, processo n.º 1164/98 (www.dgsi.pt.), citados pelo Exmo. Procurador- -Geral-Adjunto, no seu parecer.
Daí que, pelos fundamentos expostos, se não verifique a nulidade arguida pela ré.
Mas a ré, independentemente da questão da nulidade, insurge-se, igualmente, quanto à não condenação da autora como litigante de má fé, nos termos do artigo 456.º do Código de Processo Civil.
Alega, para tanto, que quando da resposta […] aos documentos juntos pela ré, a fls. 123 e segs., a autora veio impugnar os mesmos com fundamento em não saber se a letra e assinatura dos mesmos era verdadeira, entre outros, os docs. 3 e 5, no último dos quais constava a própria assinatura da autora e o primeiro que fora ela própria que juntara aos autos com a petição inicial.
A verdade é que a autora impugnou de forma genérica tais documentos, referindo-se ao conjunto dos documentos juntos pela ré (não especificamente àqueles), do seguinte modo sucinto [:] “a A. impugna-os expressamente, por contrários à verdade material constante da p.i; além disso, não sabe se a letra e a assinatura dos mesmos é verdadeira”.
Quanto ao chamado documento n.º 3 (uma vez que a própria autora o juntara), a impugnação apenas tem o sentido de impugnar a sua interpretação, como refere (“por contrários à verdade material constante da p.i”). Quanto ao segundo, a verdade, para além do mais, é que se não provou que a assinatura nele constante fosse da autora…
Daí que seja excessivo considerar que com essa conduta a autora “faltou à verdade, deduzindo oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, praticando dolosamente violação grave do dever de cooperação e fazendo dos meios processuais um uso manifestamente reprovável”, tal como a ré sustenta.
Por isso, não se vislumbra ter, por isso, a autora litigado de má fé, não se justificando a sua condenação como a ré pretende.

Tal como se extrai do trecho transcrito, o acórdão recorrido conheceu da invocada nulidade da sentença com fundamento na falta de pronúncia sobre a questão da litigância de má fé da autora, concluindo que não se verificava a arguida nulidade, e, em seguida, pronunciou-se sobre a questão de saber se havia fundamento para condenar a autora como litigante de má fé, nos termos do artigo 456.º do Código de Processo Civil, tendo decidido não se justificar essa condenação.

Não se configura, pois, o vício de nulidade por omissão de pronúncia que a ré imputa ao acórdão recorrido, pelo que improcedem as conclusões 1) a 8) e 167), na parte atinente, da alegação do recurso de revista da ré.

2. A ré defende a admissibilidade do pedido reconvencional de condenação da autora no pagamento da quantia de € 50.000, a título de indemnização da alegada ofensa do seu bom-nome, crédito e imagem, aduzindo que «o pedido reconvencional da Ré emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção» e que «[o]s factos ilícitos e culposos que terão dado causa aos prejuízos cuja indemnização se pede são, conexos aos que integram a alegada justa causa de cessação contratual, levada a cabo pela Ré, fundando-se esse pedido indemnizatório na violação grave e culposa dos deveres decorrentes do contrato de trabalho (deveres de lealdade, honestidade, respeito, zelo e diligência previstos nas alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 121.º do Código do Trabalho)», pelo que «os requisitos legais da reconvenção em processo laboral estão preenchidos, devendo a mesma ser admitida».

Importa conhecer as normas que regem a reconvenção em processo laboral.
2.1. O artigo 30.º do Código de Processo do Trabalho estipula:
«Artigo 30.º
(Reconvenção)
1 – A reconvenção é admissível quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção e no caso referido na alínea p) do artigo 85.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, desde que, em qualquer dos casos, o valor da causa exceda a alçada do tribunal.
2 – Não é admissível reconvenção quando ao pedido do réu corresponda espécie de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor.»

Por seu turno, dispõe a alínea p) do artigo 85.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), que cabe aos tribunais do trabalho conhecer, em matéria cível, «[d]as questões reconvencionais que com a acção tenham as relações de conexão referidas na alínea anterior, salvo no caso de compensação, em que é dispensada a conexão»; enfim, «a alínea anterior», ou seja, a alínea o) do mesmo artigo 85.º, confere aos tribunais do trabalho competência para conhecer, em matéria cível, «[d]as questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente».

A admissibilidade da reconvenção está, assim, dependente da verificação de requisitos de natureza substantiva, que se traduzem na exigência de uma certa relação de conexão entre o pedido principal e o pedido reconvencional, a par de outros, agora de carácter processual ou adjectivo, referentes à forma do processo e competência do tribunal.

O acórdão recorrido não põe em causa a falta de qualquer requisito de cariz processual, pelo que deles não há que conhecer.

Note-se que, enquanto a alínea a) do n.º 2 do artigo 274.º do Código de Processo Civil, admite a reconvenção «[q]uando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa», o n.º 1 do artigo 30.º do Código de Processo do Trabalho, restringe essa admissibilidade à situação em que o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção, pelo que, no domínio do processo laboral, não é admissível reconvenção com base no facto jurídico que serve de fundamento à defesa.

Segundo LEITE FERREIRA (Código de Processo do Trabalho Anotado, 4.ª edição, p. 167, in fine), esta restrição da admissibilidade da reconvenção no domínio do processo laboral visa claramente «evitar que o réu, normalmente a entidade patronal, se servisse da acção contra si proposta, em regra, por um trabalhador, para, fora do campo da defesa directa ou propriamente dita, passar a atacar este com uma contra-acção […]».

Decorre do exposto que a solução do problema submetido à apreciação deste Supremo Tribunal passa, necessária e fundamentalmente, pela interpretação das normas conjugadas dos artigos 30.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, e 85.º, alíneas o) e p), da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro.

2.2. O n.º 1 do artigo 30.º do Código de Processo do Trabalho estabelece a admissibilidade da reconvenção «quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção e no caso referido na alínea p) do artigo 85.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro».

Ora, o sentido da expressão «facto jurídico que serve de fundamento à acção» empregue no primeiro segmento do preceito em exame, pelo seu exacto teor literal e pela sua inserção sistemática em capítulo intitulado «Instância», em que é regulada a cumulação sucessiva de pedidos e de causas de pedir (artigo 28.º), só pode ser entendido como referindo-se, precisamente, à causa de pedir, isto é, «ao facto jurídico concreto e específico invocado pelo autor como fundamento da sua pretensão» (cf. VAZ SERRA, Revista de Legislação e Jurisprudência, 109.º, p. 313), no caso sujeito, a verificação de justa causa de resolução do contrato de trabalho pela trabalhadora, fundada em comportamento culposo e grave por parte da empregadora que determinou a impossibilidade prática da subsistência da relação laboral.

O segundo segmento da norma em exame remete para o caso referido na alínea p) do artigo 85.º da Lei n.º 3/99.

A remissão supõe uma regulação per relationem a outra regulação: a norma de remissão refere-se a outra ou outras disposições de forma tal que o conteúdo destas deve considerar-se parte integrante da normação que inclui a norma remissiva; o conteúdo do objecto da remissão incorpora-se ou estende a sua aplicabilidade ao âmbito de vigência da norma remissiva.

Como já se referiu, a alínea p) do citado artigo 85.º reporta-se às «questões reconvencionais que com a acção tenham as relações de conexão referidas na alínea anterior, salvo no caso de compensação, em que é dispensada a conexão».

Por sua vez, a sobredita alínea anterior, ou seja, a alínea o) do mesmo artigo 85.º, alude às «questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente».

Deste modo, por remissão para a alínea p) do citado artigo 85.º, o antedito artigo 30.º prevê a admissibilidade da reconvenção, quando intercedam as relações de conexão aludidas na alínea o) do mesmo artigo 85.º entre o pedido reconvencional e a acção, e quando o réu invoca a compensação de créditos.

Que relações de conexão estão previstas nas referidas alíneas do artigo 85.º?

Em primeiro lugar, essas relações de conexão, pelo próprio teor literal da alínea p) do antedito artigo 85.º, devem estabelecer-se entre as enunciadas questões reconvencionais e a acção.

E o que se extrai das alíneas o) e p) do antedito artigo 85.º é que as relações de conexão aí em causa são as que emergem entre as questões reconvencionais e a acção, por acessoriedade, por complementaridade ou por dependência.

Tudo para concluir que o n.º 1 do artigo 30.º do Código de Processo do Trabalho, com a remissão para a alínea p) do citado artigo 85.º, prevê três situações de admissibilidade da reconvenção: (i) quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção; (ii) quando o pedido reconvencional está relacionado com o pedido do autor por acessoriedade, por complementaridade ou por dependência; (iii) quando o réu invoca a compensação de créditos.

2.3. No caso em apreço, a autora pede que se declare a licitude da resolução do seu contrato de trabalho, por se verificar a justa causa invocada, e a condenação da ré a pagar-lhe € 4.225,24, a título de retribuições vencidas, € 11.770,20, a título de indemnização pela resolução do contrato e € 50.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, o que perfaz a quantia de € 65.995,44, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento, tendo alicerçado essas suas pretensões na sobredita justa causa de resolução do contrato de trabalho.

Já quanto ao pedido reconvencional, a ré pretende obter da autora o pagamento da quantia de € 50.000,00, a título de indemnização pelos alegados danos causados à sua imagem, crédito e bom-nome, originados, ilícita e culposamente pela autora, que «divulgou, pelo menos ao jornalista Rui Cunha, factos relativos ao modo como foi “tratada” pela V...A...A... S. A., que colocam em causa o modo como a R. respeita os direitos dos seus trabalhadores».

Ora, o pedido reconvencional formulado pela ré nada tem a ver com o fundamento da acção — justa causa de resolução do contrato de trabalho —, antes se alicerça em prejuízos causados à ré por alegada conduta ilícita e culposa da autora, consubstanciada na divulgação de factos atinentes à cessação do contrato de trabalho.

Portanto, o pedido reconvencional não emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção, como se exige na primeira parte do n.º 1 do artigo 30.º do Código de Processo do Trabalho.

E, por outro lado, entre o pedido reconvencional e a acção não se verifica qualquer interligação por acessoriedade, por complementaridade ou por dependência.

Tal como se decidiu no acórdão recorrido:

«[…], no momento em que a [autora] pratica os factos alegados pela ré, já tinha cessado o contrato de trabalho. Não há, então, qualquer violação de dever acessório de conduta que emergisse de um contrato que chegou ao seu termo. A eventual responsabilidade da autora não teria, assim, origem contratual, mas antes extracontratual.
Por isso a causa subordinada — a da reconvenção — não era objectivamente conexa e dependente do pedido da causa principal (acessoriedade). Nem se pode afirmar que, sendo ambas relações autónomas pelo seu objecto, uma delas teria sido convertida, por vontade das partes, em complemento da outra (complementaridade). Nem que o nexo entre ambas é de tal ordem que a relação dependente não pode viver desligada da relação principal (dependência); ambas são rigorosamente independentes e um pedido não depende do outro.
Deste modo, não existindo conexão entre os pedidos (única conexão relevante para efeitos da extensão da competência), tendo o da ré fonte em factos autónomos ocorridos após o termo da relação laboral, importaria concluir pela incompetência do tribunal do trabalho para conhecer do pedido reconvencional e daí, naturalmente, da inadmissibilidade da reconvenção, nos termos do disposto no artigo 30.º do C. P. Trabalho.»

Não se verificando, no caso, uma conexão directa por os danos invocados não estarem numa situação de acessoriedade relativamente ao pedido do autor, ou mesmo de complementaridade e/ou dependência, e não tendo a ré manifestado intenção de compensação de créditos, não ocorre qualquer das situações previstas na alínea p) do artigo 85.º da Lei n.º 3/99 citada.

Assim, a reconvenção, tal como vem formulada pela ré, não é admissível face ao previsto nos conjugados artigos 30.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho e 85.º, alíneas o) e p), da Lei n.º 3/99 citada, pelo que improcedem as conclusões 9) a 26) e 167), na parte atinente, da alegação do recurso de revista da ré.

3. O tribunal recorrido deu como provada a seguinte matéria de facto:

1) A Autora encontrava-se ao serviço subordinado da R. desde 04/01/99, trabalhando sob as suas ordens, direcção e conhecimento, com a categoria profissional de Gestor de Produto, e mediante o salário base mensal de € 1.207,22, conforme contrato de trabalho oportunamente celebrado, à época com a então entidade patronal, Fábrica de Porcelanas da V...A..., S. A., de onde, transitou para a Ré, sem qualquer solução de descontinuidade do respectivo contrato de trabalho, ou perda de direitos e regalias entretanto adquiridos;
2) A Autora, no desempenho do seu trabalho, exercia no Centro de Visitas da V...A... funções de direcção, orientação e fiscalização do pessoal e planeamento das actividades do Centro de Visitas, competindo-lhe:
coordenar as áreas de visitas à fábrica, museu e bairro social;
realizar contratos pontuais na área do catering;
definir preços para as entradas no museu, fábrica e para os serviços de catering;
apresentar, para aprovação pela Direcção, plano de marketing do Centro de Visitas;
coordenar a divulgação da festa em Honra da Padroeira da V...A...;
angariar clientes para a área de visitas e serviços de catering;
coordenou a participação da VA nas Rotas de Cerâmica;
organizar as visitas ao museu, bem como os serviços de limpeza;
organizar os serviços do museu da Atlantis, em Alcobaça;
supervisionar a formação dos guias de visita;
estabelecer percursos de visita à fábrica e por toda a parte administrativa [do] Centro de Visita;
organizar eventos no Campus da V...A...;
organizar o Show-Room da V...A..., em parceria com outros responsáveis;
3) A relação laboral entre A. e R. terminou em 20/06/05, altura em que aquela rescindiu o contrato de trabalho com invocação de justa causa;
4) A Autora engravidou do seu 3.º filho, em Maio de 2004, gravidez essa considerada de risco, cujo período (de gravidez de risco) decorreu de 14/10/04 até à data do parto, isto é, até 31/01/05;
5) Após o parto, a Autora gozou o período normal de licença de maternidade, que decorreu de 31/01/05 a 31/05/05 (4 meses, portanto);
6) Anteriormente, a Autora havia-se encontrado de baixa médica no período compreendido entre 14 de Outubro de 2004 a 31 de Janeiro de 2005;
7) Quando a Autora se apresentou ao serviço no dia 1/6/05, após a licença de maternidade, no seu lugar estava já outra pessoa, ocupando o seu gabinete e sentada na sua secretária e constatou ainda que não tinha acesso ao seu computador, pois a Ré havia desactivado a password;
8) A Autora tinha um telemóvel de serviço e constatou que o seu telemóvel 919211967, fornecido pela Ré, havia sido mandado desligar pela Ré à V...;
9) A Autora foi chamada ao gabinete do Dr. P..., o qual lhe disse que a Ré estava em profunda reestruturação financeira e lhe propôs a rescisão amigável do contrato de trabalho, dispensando-a pelo resto do dia para que a Autora ponderasse a proposta;
10) No dia seguinte, 2 de Junho de 2005, a Autora apresentou-se ao serviço e solicitou que lhe fossem dadas ordens por escrito acerca das suas novas funções, o que o Dr. P... fez mediante envio do mail que constitui o documento 3 junto com a petição inicial a fls. 27, documento cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
11) O trabalho que foi atribuído à Autora consistiu em separar e organizar Diários da República, os quais se encontravam guardados em caixotes, tendo a Autora, para o efeito, sido colocada no gabinete descrito infra na resposta aos artigos 91 e 93 da Contestação [corresponde ao facto provado 36)];
12) Tal situação repetiu-se ainda no outro dia, 3 de Junho, dia em que a Ré entregou à A. a «conta do telemóvel» — por uso abusivo — e em que recebeu a visita da IGT, que tomou conta da ocorrência e levantou Auto de Notícia;
13) A Autora ficou de baixa médica até 17 de Junho de 2005;
14) A Autora não picava ponto;
15) A Ré nunca manifestara anteriormente qualquer falta de confiança ou desapontamento com o desempenho profissional da Autora;
16) Trabalhava há mais de 6 anos para a R. sem nunca ter sofrido qualquer reparo, tampouco qualquer sanção disciplinar;
17) Sempre foi trabalhadora zelosa e dedicada, e não via razões para mudar de emprego, até pelo facto de precisar naturalmente do salário para prover ao sustento da família, tendo 3 filhos menores a seu cargo, o mais novo bebé de colo;
18) A Autora gostava do seu trabalho;
19) O facto de a Ré a ter substituído nas suas funções e a ter colocado a separar e organizar Diários da República deixou a Autora triste e nervosa e a fez sentir vexame, humilhação e embaraço;
20) No início do ano de 2005, e atento o facto de, devido ao tempo em que a Autora iria estar ausente do serviço em virtude da licença por maternidade e anterior baixa médica, a R., através da Direcção de Recursos Humanos, contactou telefonicamente a Autora, dando-lhe conhecimento de que, em virtude da sua ausência, e por necessidade de manutenção da execução de tarefas diárias do Centro de Visitas, a Dr.ª F...C... iria passar a chefiar o Centro de Visitas da V...A...;
21) Após ter sido informada de tal facto, a Autora contactou o Administrador da V...A...A... S. A., que tutelava o Centro de Visitas, Dr. J...B..., o qual reafirmou o que já lhe havido sido transmitido pela Direcção de Recursos Humanos;
22) Tendo ainda a Autora conversado sobre o assunto com a Dr.ª F...C...;
23) A «password» da Autora foi desactivada por iniciativa da Ré para evitar que a Autora obtivesse um backup do disco rígido do computador, o que a Autora já havia solicitado a uma sua colaboradora;
24) A R. havia atribuído o aludido telemóvel à A. para uso exclusivamente profissional;
25) A Ré enviou aos seus colaboradores o mail cuja cópia se encontra junta a fls. 129/130 [regras de utilização do telemóvel da empresa], datado de 26 de Março de 2004, do qual a Autora tomou conhecimento — documento cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
26) A Autora utilizou o referido telemóvel para fins não profissionais, durante os períodos em que se encontrou de baixa médica e no gozo da licença por maternidade;
27) De facto, como se pode verificar pelo Mapa de Controlo de Valores de utilização do telemóvel que havia sido atribuído [à] A., a mesma gastou nos meses de Novembro [e Dezembro de 2004], Janeiro, Fevereiro, Março, Abril e Maio de 2005, respectivamente, € 135,13, € 149,93, € 118,30, € 129,15, € 153,65, € 129,05 e € 114,10;
28) Nunca tendo a R. autorizado a Autora a efectuar chamadas pessoais com o referido telemóvel nos termos em que o fez;
29) A Ré entregou à Autora, em 3 de Junho de 2005, o documento cuja cópia se encontra junta a fls. 131 [custos da utilização do telemóvel atribuído à autora durante o período de baixa médica e licença de maternidade] e que constitui o documento 3 junto com a contestação;
30) A R. solicitou, devido à já referida utilização para fins pessoais pela A. do telemóvel que lhe havia sido atribuído para utilização exclusivamente profissional, a desactivação temporária do referido telemóvel à empresa V...;
31) Pedido esse efectuado através de um e-mail remetido à referida entidade;
32) E no qual a R. se limitou a solicitar a desactivação temporária do referido telemóvel com o n.º 919211967, nada acrescentando quanto ao motivo do referido pedido;
33) O Dr. P..., no dia 2 de Junho de 2005, [o] qual não se encontrava sequer nas mesmas instalações da R., porquanto nesse dia se encontrou, por motivos profissionais, nas instalações da ex-Atlantis, sitas em Alcobaça;
34) O que sucedeu foi que, face à insistência da A., manifestada perante a trabalhadora I...A..., em receber ordens por escrito, o Director de Recursos Humanos que, como se referiu, se encontrava em Alcobaça, remeteu o e-mail que a Autora junta como Doc. 3 da p.i.;
35) No referido e-mail, foi transmitido à A., que ficaria provisoriamente instalada no gabinete que lhe seria indicado pela D.ª I...A..., assim como que iria passar a depender directamente do Director de Recursos Humanos, exercendo as funções que por este lhe fossem indicadas;
36) Na verdade, o referido gabinete é nada mais nada menos do que a sala onde costumavam ser instalados grande parte dos estagiários finalistas universitários que fazem estágio na V...A...A... S. A., e foi o anterior gabinete do responsável de Higiene, Segurança no Trabalho e Ambiente;
37) No dia 3/6/2005, a Autora recebeu a visita de um inspector da IGT, com quem esteve reunida;
38) A qual, do mesmo modo, após terminar a referida reunião, se ausentou do posto de trabalho, sem nada justificar, e nunca mais se tendo apresentado ao serviço, tendo no dia seguinte entrado de baixa médica.
3.1. A ré defende, porém, que, «tendo em consideração os meios probatórios existentes no processo, designadamente, o Doc. de fls. 129/130 (donde resulta que os telemóveis fornecidos pela Ré eram para uso profissional e com limite de utilização), o Doc. de fls. 313 que é um documento escrito pela Autora em que a mesma solicita expressamente a uma funcionária, Maria de Fátima, um backup do disco rígido, facto este que aquela funcionária confirmou, deve a matéria de facto dada como provada nos pontos 15.°, 16.°, 17.°, nas partes acima transcritas, ser dada como não provada», e, por outro lado, que a matéria de facto constante dos pontos 15.º, 16.° e 17.° dos factos tidos como provados «encontra-se em manifesta contradição com os factos dados como provados nos pontos 23.° a 32.°».

Tais questões prendem-se com a fixação dos factos materiais da causa.

Como é sabido, a Relação pode modificar a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto sempre que se verifique qualquer das situações previstas no n.º 1 do artigo 712.º do Código de Processo Civil, e poderá também anular a decisão sobre a matéria de facto, mesmo oficiosamente, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a sua ampliação (artigo 712.º, n.º 4, do Código de Processo Civil) ou ainda ordenar a fundamentação da decisão proferida pela primeira instância relativamente a algum ponto de facto que não estiver devidamente fundamentado (artigo 712.º, n.º 5, do Código de Processo Civil).

Todavia, em sede de revista, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do apuramento da matéria de facto relevante é residual e destina-se exclusivamente a apreciar a observância das regras de direito material probatório, previstas nos conjugados artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, ou a mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do n.º 3 do artigo 729.º do mesmo diploma legal.

Especificamente, o n.º 2 do artigo 722.º citado estabelece que «[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força de determinado meio de prova». E o n.º 2 do indicado artigo 729.º dispõe que «[a] decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 2 do artigo 722.º».

Tal como se pondera, sobre a apontada temática, no acórdão deste Supremo Tribunal de 22 de Novembro de 2006 (Processo n.º 2568/06 da 4.ª Secção):

«Na anterior redacção do artigo 712.º do Código de Processo Civil (resultante da reforma processual de 1995/1996), entendia-se que o Supremo não podia controlar o não uso pela Relação dos poderes conferidos por esse preceito, mas já poderia efectuar esse controlo quando a Relação tivesse feito uso desses poderes, caso em que se considerava que o que estava em causa não eram os estritos aspectos da apreciação das provas ou da fixação dos factos materiais da causa, mas a eventual ocorrência de um erro de direito quanto à existência da deficiência, obscuridade ou contradição da decisão de facto, ou a necessidade da sua ampliação, que justificasse a repetição do julgamento (cfr. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, p. 447, e acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Dezembro de 1984, Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 122, p. 233, e de 15 de Março de 1994, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 435, p. 750).
No entanto, qualquer destas possibilidades parece ter sido posta em causa, em via de recurso, por força do agora estatuído no n.º 6 do artigo 712.º do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 375-A/99, de 20 de Setembro, onde se prescreve: “Das decisões da Relação previstas nos números anteriores não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”.
Não havendo lugar, nos sobreditos termos, a um recurso autónomo das decisões que a Relação adopte no âmbito dos seus poderes de modificabilidade da decisão de facto, a intervenção do Supremo reconduz-se à verificação da conformidade da decisão de facto com o direito probatório material, nos estritos termos dos artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º [2], [citados], quando essa questão venha suscitada como fundamento do recurso de revista, e apenas nos casos em que este seja admissível por se considerar igualmente verificada uma violação da lei substantiva.»
Portanto, o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, citados, só pode alterar a decisão proferida pelo tribunal recorrido no respeitante à matéria de facto quando, nessa fixação, tenha havido ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova, ou seja, quando tiver sido dado como provado determinado facto sem que tenha sido produzido o meio de prova de que determinada disposição legal faz depender a sua existência, quando determinado facto tenha sido dado como provado por ter sido atribuído a determinado meio de prova uma força probatória que a lei não lhe reconhece ou quando um facto tenha sido dado como não provado por não ter sido atribuído a determinado meio de prova a força probatória que a lei lhe confere.

No caso, a ré funda a sua pretensão de alteração da decisão sobre a matéria de facto no conteúdo dos documentos particulares de fls. 129/130 e 313.

O documento de fls. 129/130 trata-se de um e-mail dirigido pelo Director dos Recursos Humanos da ré aos trabalhadores desta, relativo à «utilização telemóvel da empresa», no qual se refere que «[u]m telemóvel posto à disposição de qualquer colaborador é um instrumento de trabalho necessário ao cumprimento dos objectivos que estão cometidos a cada um individualmente», assim sendo, «deve o mesmo ser utilizado de forma a que os objectivos a que serve sejam atingidos ao mais baixo custo», devendo os colaboradores utilizar, prioritariamente, os telefones ligados à rede fixa e só utilizar os telemóveis quando tal não for possível, informando que, «[m]esmo tendo em conta os princípios de boa utilização», foi decidida a fixação de «plafonds de utilização indicativos», lembrando «que os mesmos são o extremo possível e que o desejável é o princípio da utilização ao mais baixo custo possível».

Por seu turno, o documento de fls. 313 trata-se de uma nota escrita dirigida pela autora a uma colega de trabalho («Fátima»), na qual solicita que esta contacte outro colega de trabalho («Carlos Vaz») para que «ele grave em CD» seis pastas zipadas localizadas na pasta «Os meus documentos» do computador pessoal que lhe tinha sido atribuído pela ré.

Dispõe o n.º 1 do artigo 374.º do Código Civil que «[a] letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas, pela parte contra quem o documento é apresentado […]», sendo certo que, nos termos do artigo 376.º do Código Civil, «[o] documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento» (n.º 1) e «[o]s factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; […]» (n.º 2).

Todavia, como tem sido entendimento corrente na doutrina e jurisprudência, apenas o declaratário pode invocar o documento particular, como prova plena, contra o declarante que emitiu uma declaração contrária aos seus interesses.

Nas relações com terceiros, essa declaração vale apenas como elemento de prova a apreciar livremente pelo tribunal, tal como sucede relativamente à confissão extrajudicial (artigo 358.º, n.os 2 e 4, do Código Civil).

A razão de ser desta distinção tem por fundamento as maiores garantias de seriedade e de ponderação que a confissão oferece no caso do destinatário ser a parte contrária, o que não se verifica quando é um terceiro (cf. PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, 1967, p. 234).

Ora, o documento de fls. 129/130 é dirigido pelos serviços da ré a todos os colaboradores com telemóvel da empresa e o documento de fls. 313 é dirigido pela autora a uma colega de trabalho, pelo que, não se tratando de declarações dirigidas à parte contrária ou a quem a represente, nem se podendo considerar que tenham sido a autora e a ré os destinatários das atinentes declarações, as mesmas não têm força probatória plena, valendo apenas como elemento de prova a apreciar livremente pelo tribunal, logo, este Supremo Tribunal não pode sindicar a valoração que as instâncias fizeram das declarações vertidas nos sobreditos documentos.

Quanto à invocada contradição dos factos dados como provados, o acórdão sob recurso teceu as considerações que se passam a transcrever:

«Os pontos 15.º, 16.º e 17.º da matéria de facto têm que ser ligados cronologicamente com a data de 3 de Junho referida no ponto 12.º. E referem os seguintes factos: a Ré nunca manifestara anteriormente (sublinhado nosso) qualquer falta de confiança ou desapontamento com o desempenho profissional da Autora (15.º); trabalhava há mais de 6 anos para a R. sem nunca ter sofrido qualquer reparo, tampouco qualquer sanção disciplinar (16.º); sempre foi trabalhadora zelosa e dedicada, e não via razões para mudar de emprego, até pelo facto de precisar naturalmente do salário para prover ao sustento da família, tendo 3 filhos menores a seu cargo, o mais novo bebé de colo (17.º).
O que significa que os factos em causa têm a sua validade circunscrita a data anterior àquele dia 3 de Junho, pelo que os pontos 15 e 16 não sofrem de contradição com outros (segundo a fundamentação de facto foram provados com base em prova testemunhal). E o mesmo sucede com o ponto 17, mesmo no segmento “sempre foi trabalhadora zelosa e dedicada”, pois se refere a comportamento laboral anterior à fase conflitual que resultou na cessação do contrato, nada havendo de contraditório com outros factos provados que consubstanciem comportamentos tão graves que inquinem aquela apreciação de facto (provados com base em prova testemunhal não gravada, repete-se).

Sufraga-se o entendimento transcrito, termos em que se conclui pela não verificação da pretendida contradição entre os factos constantes daqueles pontos 15.º, 16.º e 17.º e os factos dados como provados sob os pontos 23.º a 32.º do mesmo acervo factual.

Nesta conformidade, improcedem as conclusões 27) a 32) da alegação do recurso de revista da ré.

3.2. Por seu lado, a autora alega que «[n]ada nos autos permite concluir que a A. pretendia aceder ao disco rígido do computador, a fim de obter um backup», pelo contrário, «da prova documental existente no processo, designadamente o bilhete manuscrito de fls. 313, apenas se extrai que a A. pretendia aceder ao computador para gravar 6 pastas zipadas de “os meus documentos”, nada mais», por conseguinte, «a interpretação que a Recorrida deu ao bilhete é incompatível com o seu teor, pelo que a testemunha Fátima ou se enganou, ou foi levada ao engano».

Em conformidade, a autora considera «que o ponto 23 da matéria de facto foi incorrectamente julgado, impondo o doc. de fls. 313 decisão contrária, pelo que tal matéria deve ser dada como não provada, e substituída por outra do seguinte teor (ou equivalente): ‘A password da Autora foi desactivada por iniciativa da Ré’» — «[o] contrário seria atingir a honra e bom-nome da A., que esta não merece».

Aduz, enfim, que foi violado o artigo 342.º do Código Civil.

Neste particular, o acórdão recorrido decidiu o seguinte:

«A primeira [das questões colocadas no recurso subordinado] é a de saber se o ponto 23 da matéria de facto foi (in)correctamente julgado.
Repete-se, o que acima já se disse, que os depoimentos prestados em julgamento não foram gravados, pelo que esta Relação não dispõe de todos os elementos de prova que serviram a decisão de facto, de forma a poder alterá-la (712.º, n.º 1, do CPC).
A autora pretende que aquela matéria seja considerada não provada, afirmando que nada nos autos permite concluir que pretendia aceder ao disco rígido do computador, a fim de obter um backup. E que do bilhete manuscrito de fls. 313, apenas se extrai que a autora pretendia aceder ao computador para gravar 6 pastas zipadas de “os meus documentos”, pelo que o depoimento da testemunha Maria de Fátima Rodrigues Peixoto ou se enganou, ou foi levada ao engano.
O ponto 23 da matéria de facto (que corresponde ao artigo 41.º da contestação) diz o seguinte: “a ‘password’ da autora foi desactivada por iniciativa da ré para evitar que a autora obtivesse um backup do disco rígido do computador, o que a autora já havia solicitado a uma sua colaboradora.”
Ora, a fundamentação da decisão de facto refere expressamente que tal facto (o último segmento) foi estabelecido não só pelo referido bilhete manuscrito, como também pelo depoimento da testemunha Maria de Fátima que o confirmou. Assim sendo, não tendo o depoimento desta sido gravado, não dispomos de todos os elementos de prova que serviram a decisão.
Por isso, não havendo documento – como não há - que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou, não é possível criticar a convicção formada pelo julgador e alterar a matéria de facto nesta parte (712.º, n.º 1, do CPC).
Improcede, por conseguinte e nesta parte, o recurso.»

A transcrita decisão do Tribunal da Relação sobre o ponto da matéria de facto concretamente impugnado foi proferida no quadro dos poderes conferidos pelo artigo 712.º do Código de Processo Civil.

E não tendo sido alegado que, nessa reapreciação, a Relação tenha ofendido qualquer disposição expressa de lei que exigisse certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixasse a força de determinado meio de prova, é de todo evidente que não cabe nos poderes cognitivos deste Supremo Tribunal pronunciar-se sobre o invocado erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa (artigos 712.º, n.º 6, 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

Além disso, a decisão recorrida, não teve por base, nem explícita, nem implicitamente, a aplicação das normas do artigo 342.º do Código Civil, sendo certo que, no caso vertente, não se descortina a violação daquelas normas, termos em que improcedem as conclusões 1) a 7) da alegação do recurso de revista da autora.

Será, pois, com base no acervo factual anteriormente enunciado que hão-de ser resolvidas as questões suscitadas no presente recurso.

4. A ré propugna que, ao invés do decidido no acórdão recorrido, não assiste à autora o direito de resolver o contrato de trabalho com invocação de justa causa.

Apreciando a questão, o acórdão recorrido entendeu que se verificava justa causa de resolução do contrato de trabalho pela autora, uma vez que a ré, ao atribuir--lhe funções que não tinham qualquer relação com o seu anterior estatuto funcional, procedeu a uma modificação substancial da sua posição contratual, em violação do artigo 122.º, alínea e), do Código do Trabalho e, por outro lado, as ordens dadas pela ré à autora para passar a comprovar a sua presença através da marcação de cartão de ponto e para não se ausentar do seu local de trabalho, excepto para ir à casa de banho ou para entrar e sair da empresa, no contexto em que foram emitidas, configuram uma falta de respeito culposa pela dignidade da autora, violando a ré o dever previsto no artigo 120.º, alínea a), do Código do Trabalho.

A ré discorda deste entendimento, aduzindo que a ordem de marcação de ponto para controlo das presenças e cumprimento do horário de trabalho decorre do poder directivo do empregador, pelo que a ordem dada pela ré à autora, nesse sentido, foi lícita, sendo que o artigo 162.º do Código do Trabalho veio impor ao empregador a obrigatoriedade de um registo que permita apurar o número de horas de trabalho prestadas pelo trabalhador, por dia e por semana, com indicação da hora do início e de termo do trabalho; a ré considera também que a proibição de a autora se ausentar do local de trabalho, excepto para ir à casa de banho ou para entrar ou sair da empresa, não consubstancia uma falta de respeito culposa pela dignidade da autora, antes visou um maior controlo da actividade desta no interior da empresa por parte da empregadora, controlo esse que se mostra plenamente justificado pelos comportamentos assumidos pela autora, tais como ter solicitado a outra trabalhadora da ré um backup do disco rígido do computador que é propriedade da ré e contém toda a informação aí armazenada, ter utilizado abusivamente o telemóvel que lhe havia sido entregue pela ré para uso exclusivamente profissional e ter entrado nas instalações da ré acompanhada de dois estranhos ao serviço, sendo a ordem em causa perfeitamente legítima, pois existiam situações objectivas que justificavam um maior controlo da actividade profissional da autora, inserindo-se essa ordem no âmbito dos poderes directivos da empregadora.
A ré sustenta, ainda, que não deu qualquer ordem à autora para desempenhar a tarefa de organizar os Diários da República, antes lhe foi sugerido que, se quisesse, poderia executar essa tarefa, não tendo sequer sido possível à ré atribuir quaisquer tarefas à autora, porquanto esta se manteve efectivamente ao serviço durante apenas um dia, «ou, no máximo, um dia e meio», findo o gozo da licença de maternidade e, por outro lado, foi devido à reestruturação dos seus serviços que a ré lhe propôs a revogação do contrato de trabalho por mútuo acordo, o que, aliás, foi proposto a outros trabalhadores, tendo sido forçada, em consequência da referida reestruturação, a alterar o posto de trabalho da autora, sendo que iria procurar encontrar uma solução que assegurasse à autora o exercício de funções correspondentes à sua categoria profissional, o que não conseguiu fazer por esta não lhe ter dado essa oportunidade, verificando-se, assim, que a ré actuou de boa fé, não tendo adoptado qualquer comportamento culposo que justificasse a resolução do contrato pela trabalhadora.

Estando em causa a resolução de um contrato de trabalho por iniciativa da trabalhadora, operada em 20 de Junho de 2005, portanto, em data posterior à entrada em vigor do Código do Trabalho (dia 1 de Dezembro de 2003 — n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto), aplica-se o regime jurídico estabelecido neste Código, conforme o preceituado no n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 99/2003.

4.1. O contrato de trabalho pode cessar, entre outras causas, por resolução do trabalhador, nos termos dos conjugados artigos 384.º, alínea c), e 441.º do Código do Trabalho, diploma a que pertencem os demais preceitos a citar neste ponto, sem menção da origem.

Segundo o n.º 1 do artigo 441.º, quando ocorra justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.

A declaração de resolução deve ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos trinta dias subsequentes ao conhecimento desses factos (artigo 442.º, n.º 1), havendo lugar a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, se a mesma se fundar nos factos previstos no n.º 2 do artigo 441.º, indemnização essa a fixar entre quinze e quarenta e cinco dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade ou fracção, neste último caso calculada proporcionalmente (artigo 443.º, n.os 1 e 2).

Consoante o disposto no n.º 2 do artigo 441.º, «[c]onstituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador: (a) falta culposa de pagamento pontual da retribuição; (b) violação culposa das garantias legais ou convencionais do trabalhador; (c) aplicação de sanção abusiva; (d) falta culposa de condições de segurança, higiene e saúde no trabalho; (e) lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador; (f) ofensas à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, puníveis por lei, praticadas pelo empregador ou seu representante legítimo.»

Trata-se da chamada justa causa subjectiva (culposa).

Constituem justa causa objectiva (não culposa) de resolução do contrato pelo trabalhador, conforme estipula o n.º 3 do artigo 441.º, as circunstâncias que se seguem: «(a) necessidade de cumprimento de obrigações legais incompatíveis com a continuação ao serviço; (b) alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício legítimo de poderes do empregador; (c) falta não culposa de pagamento pontual da retribuição.»

Em qualquer das apontadas situações está subjacente o conceito de justa causa, que o artigo 441.º não define, mas que corresponde à ideia de impossibilidade para o trabalhador de manutenção do vínculo laboral, nos termos de similar locução constante no n.º 1 do artigo 396.º, até porque, consoante o previsto no n.º 4 do artigo 441.º, a justa causa é apreciada de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 396.º, com as necessárias adaptações, ou seja, atendendo-se ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.

Deste modo, o trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho com justa causa subjectiva se o comportamento do empregador for ilícito, culposo e tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em razão da sua gravidade e consequências, ou seja, é necessária a existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e a insubsistência da relação laboral.

Refira-se, ainda, que a mobilidade funcional a que alude o artigo 314.º se traduz na faculdade conferida ao empregador, quando o interesse da empresa o exija, de poder encarregar temporariamente o trabalhador de funções não compreendidas na actividade contratada, desde que tal não implique «modificação substancial da posição do trabalhador» (n.º 1), não haja estipulação que restrinja essa faculdade (n.º 2) e diminuição da retribuição, «tendo o trabalhador o direito a auferir das vantagens inerentes à actividade temporariamente desempenhada» (n.º 3), e devendo a ordem de alteração de funções ser justificada, com indicação do tempo previsível (n.º 4).

4.2. No caso, a autora fundou a resolução do seu contrato de trabalho em carta, datada de 20 de Junho de 2005, cujo conteúdo se passa a transcrever:

«Ex.mos Senhores:
Os meus cumprimentos. Como sabem, a minha situação de baixa médica terminou no dia 17 do corrente, pelo que me deveria apresentar ao serviço no primeiro dia útil seguinte, ou seja, hoje, 20 de Junho.
Porém, em virtude de V.Ex.as terem violado os meus direitos e garantias, quer legais, quer convencionais, e ofendido a minha honra e dignidade, venho, pela presente, rescindir o meu contrato de trabalho com invocação de justa causa.
Sendo licenciada e quadro da empresa, como chefe de departamento, era responsável não só pelo Museu, mas sobretudo pelo Centro de Visitas da V...A..., que criei de raiz e desenvolvi (com a ajuda dos meus subordinados, claro está), até atingir o êxito por todos reconhecido, não só financeiro, mas também de imagem.
O meu local de trabalho era limpo e arejado, e dispunha de todas as condições de trabalho, nomeadamente secretária com computador ligado à rede, apoio de uma técnica administrativa, telemóvel para uso profissional e pessoal e sem “plafond”, dispensa de picar o ponto, etc., etc.
Surpreendentemente, tudo mudou, como da noite para o dia, quando me apresentei ao serviço após a minha licença de parto (31 de Janeiro a 31 de Maio de 2005).
Assim, logo no meu primeiro dia de trabalho (1 de Junho), qual não foi o meu espanto ao constatar que, no meu local de trabalho estava outra pessoa usurpando as minhas funções e, pasme-se, sentada na minha secretária, situação que me deixou em estado de choque, como é fácil imaginar.
Não satisfeitos, V.Ex.as desactivaram a password do meu computador e mandaram desligar o telemóvel (com fundamento em “furto”, o que é inaceitável), apresentando-me a conta por “utilização abusiva”; além disso, colocaram-me num sítio esconso, a separar e organizar “Diários da República”, por ordem crescente, desde 1998 até ao mais recente; finalmente, obrigaram-me a picar o ponto, com expressa proibição de circular pela fábrica, ou de me ausentar do meu “posto” de trabalho, excepto para ir à casa de banho ou para entrar ou sair da empresa, obviamente.
Tal durou até ao dia 3 de Junho, altura em que recebi a visita da Inspecção-Geral do Trabalho, que tomou conta da ocorrência e levantou auto.
Esta situação, vexatória e surrealista, provocou-me, como causa directa e necessária, colapso nervoso, tendo ficado de baixa médica até hoje.
A gravidade e consequências do vosso comportamento culposo, torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral, pelo que não tenho condições para regressar ao trabalho, antes rescindo o contrato de trabalho com invocação de justa causa, com efeitos imediatos a partir de hoje.
Agradeço que m[e] informem se essa empresa aceita a invocada rescisão com justa causa, pagando voluntariamente os meus direitos laborais, ou se o assunto terá se ser dirimido em Tribunal.»

Assim, a autora invocou seis fundamentos para resolver o contrato, a saber:

No regresso ao trabalho, em 1 de Junho de 2005, após licença de parto, estava outra pessoa no seu local de trabalho, usurpando as suas funções e sentada na sua secretária;
A ré desactivou a password de acesso ao seu computador;
– A ré mandou desligar o telemóvel que lhe estava afecto com fundamento em furto e apresentou-lhe para pagar uma conta por alegada utilização abusiva daquele equipamento;
A ré colocou-a a trabalhar num sítio esconso, a separar e organizar Diários da República, por ordem crescente, desde 1998;
A ré obrigou-a à marcação de cartão de ponto;
A ré proibiu-a de circular pela fábrica, ou de se ausentar do seu posto de trabalho, excepto para ir à casa de banho ou para entrar ou sair da empresa.

Ora, resultou provado que a autora foi admitida ao serviço da ré a partir de Janeiro de 1999, com a categoria profissional de Gestor de Produto [facto provado 1)] e exercia funções de direcção, orientação e fiscalização do pessoal e planeamento das actividades do Centro de Visitas da V...A... [facto provado 2)], sendo que esteve de baixa médica entre 14 de Outubro de 2004 a 31 de Janeiro de 2005, período de gravidez considerada de risco que decorreu até à data do parto, isto é, até 31 de Janeiro de 2005 e, após o parto, «gozou o período normal de licença de maternidade, que decorreu de 31/01/05 a 31/05/05» [factos provados 4) a 6)].

Portanto, a autora não esteve ao serviço durante 7 meses e 17 dias.

Quando a autora se apresentou ao serviço, no dia 1 de Junho de 2005, após a licença de maternidade, no seu lugar estava já outra pessoa, «ocupando o seu gabinete e sentada na sua secretária» e constatou ainda que não tinha acesso ao seu computador, pois a Ré havia desactivado a password, e que o telemóvel atribuído pela ré, havia sido mandado desligar [factos provados 7) e 8)].

Nesse mesmo dia, a autora «foi chamada ao gabinete do Dr. P..., o qual lhe disse que a Ré estava em profunda reestruturação financeira e lhe propôs a rescisão amigável do contrato de trabalho, dispensando-a pelo resto do dia para que a Autora ponderasse a proposta» [facto provado 9)], sendo que, «[n]o dia seguinte, 2 de Junho de 2005, a Autora apresentou-se ao serviço e solicitou que lhe fossem dadas ordens por escrito acerca das suas novas funções, o que o Dr. P... fez mediante envio do mail», cujo teor se passa a reproduzir [facto provado 10)]:

«Dr.ª Liliana[:]
Como é do seu conhecimento, a VAA está a desenvolver uma profunda reestruturação, em todos os sectores da organização. Esta reorganização tem igualmente consequências no funcionamento do Centro de Visitas. As modificações no Centro de [V]isitas, quando foram iniciadas, foram-lhe de imediato comunicadas pelo Director de Recursos Humanos e mais tarde por insistência sua, confirmadas por um Administrador.
Assim e na sequ[ê]ncia dessa[s] mudanças, passará por decisão da Exma. Administração, provisoriamente, a depender directamente do Director de Recursos Humanos cessando toda a actividade, ligada ao centro de visitas.
Ficará provisoriamente instalada no gabinete que lhe foi indicado pela Sr.ª Dª I...A..., devendo cumprir o horário normal em vigor no estabelecimento da VAA na V...A... (A saber, entrada 8 h saída 17 h e intervalo de almoço das 12,30 às 13,30 horas).
Deverá comprovar a sua presença, através da marcação de cartão de ponto, que se encontra no porta cartões que lhe foi indicado pela Dª I...A....
Com intuito de não perturbar a organização dos outros serviços, deverá limitar a sua circulação aos percursos de entrada e saída, às áreas sociais e sanitários. Qualquer outra deslocação ou ausência do seu posto de trabalho deverá ser precedida da devida autorização por pessoa que lhe seja hierarquicamente superior. A prestação de trabalho suplementar ou a permanência na empresa após a prestação de trabalho só será possível através de decisão expressa do DRH.
Até indicações em contrário, deverá executar as tarefas que lhe foram indicadas, sob minhas ordens directas, pela Dª I...A....
Qualquer incumprimento destas decisões será considerado ilícito disciplinar, com as legais consequências.
O Director de Recursos Humanos
J...P...».

Na verdade, o Dr. P..., no dia 2 de Junho de 2005, não se encontrava nas instalações da V...A..., mas sim nas instalações da ex-Atlantis, em Alcobaça, e só «face à insistência da A., manifestada perante a trabalhadora I...A..., em receber ordens por escrito», enviou o referido e-mail [factos provados 33) e 34)].

No dia 2 de Junho de 2005, o trabalho que foi atribuído à autora consistiu em separar e organizar Diários da República, os quais se encontravam guardados em caixotes, tendo a autora, para o efeito, sido colocada no gabinete onde costumavam ser instalados grande parte dos estagiários finalistas universitários que fazem estágio na V...A...A... S. A., e que foi o anterior gabinete do responsável de Higiene, Segurança no Trabalho e Ambiente, sendo que tal situação se repetiu ainda no outro dia, 3 de Junho, dia em que a Ré entregou à A. a conta do telemóvel e em que recebeu a visita de um inspector da IGT, com quem esteve reunida, que tomou conta da ocorrência e levantou Auto de Notícia [factos provados 11), 12), 36) e 37)].

Refira-se que, após terminar a visita do inspector da IGT, a autora ausentou--se do posto de trabalho, «sem nada justificar, nunca mais se tendo apresentado ao serviço, tendo no dia seguinte entrado de baixa médica», que decorreu até 17 de Junho de 2005 [factos provados 13) e 38)].

Também ficou demonstrado que:

A autora não «picava ponto» [facto provado 14)];
A ré nunca manifestara, anteriormente a 3 de Junho de 2005, qualquer falta de confiança ou desapontamento com o desempenho profissional da autora, a qual trabalhava há mais de 6 anos para a ré sem nunca ter sofrido qualquer reparo, tampouco qualquer sanção disciplinar, e que sempre foi trabalhadora zelosa e dedicada [factos provados 15) a 17)];
– No início do ano de 2005, e atento o facto de, devido ao tempo em que a autora iria estar ausente do serviço em virtude da licença por maternidade e anterior baixa médica, a ré, através da Direcção de Recursos Humanos, contactou telefonicamente a autora, dando-lhe conhecimento de que, em virtude da sua ausência, e por necessidade de manutenção da execução de tarefas diárias do Centro de Visitas, a Dr.ª F...C... iria passar a chefiar o Centro de Visitas da V...A... [facto provado 20)];
Após ter sido informada de tal facto, a autora contactou o Administrador da V...A...A... S. A., que tutelava o Centro de Visitas, Dr. J...B..., que reafirmou o que já lhe havido sido transmitido pela Direcção de Recursos Humanos, tendo ainda a autora conversado sobre o assunto com a Dr.ª F...C... [factos provados 21) e 22)];
A «password» da autora foi desactivada por iniciativa da ré para evitar que a autora obtivesse um backup do disco rígido do computador, o que a autora já havia solicitado a uma sua colaboradora [facto provado 23)];
A ré havia atribuído um telemóvel à autora para uso exclusivamente profissional, sendo que a autora «utilizou o referido telemóvel, para fins não profissionais, durante os períodos em que se encontrou de baixa médica e no gozo da licença por maternidade», pelo que a ré solicitou a desactivação temporária do referido telemóvel à empresa V..., nada acrescentando quanto ao motivo de tal pedido, tendo entregue à autora, em 3 de Junho de 2005, o documento cuja cópia se encontra junta a fls. 131 [custos da utilização do telemóvel atribuído à autora durante o período de baixa médica e licença de maternidade], para a autora indicar «a data e a forma como [iria] ressarcir a VAA dos custos por esta suportados durante aquele período» [factos provados 24) a 32)].

4.3. Relativamente ao primeiro motivo aduzido para a resolução do contrato, «no regresso ao trabalho, em 1 de Junho de 2005, após licença de parto, estava outra pessoa no seu local de trabalho, usurpando as suas funções e sentada na sua secretária», o mesmo não constitui justa causa para a resolução contratual operada.

Com efeito, tendo a autora estado ausente do serviço entre 14 de Outubro de 2004 e 31 de Maio de 2005, era natural que a ré providenciasse pela sua substituição.
Por outro lado, tal substituição foi dada a conhecer à autora.

Na verdade, provou-se que, no início do ano de 2005, e atento o facto de, devido ao tempo em que a autora iria estar ausente do serviço em virtude da licença por maternidade e anterior baixa médica, a ré, através da Direcção de Recursos Humanos, contactou telefonicamente a autora, dando-lhe conhecimento de que, em virtude da sua ausência, e por necessidade de manutenção da execução de tarefas diárias do Centro de Visitas, a Dr.ª F...C... iria passar a chefiar o Centro de Visitas da V...A... [facto provado 20)], e que, após ter sido informada de tal facto, a autora contactou o Administrador da V...A...A... S. A., que tutelava o Centro de Visitas, Dr. J...B..., que reafirmou o que já lhe havido sido transmitido pela Direcção de Recursos Humanos, tendo ainda a autora conversado sobre o assunto com a Dr.ª F...C... [factos provados 21) e 22)].

Quanto ao segundo motivo aduzido para a resolução do contrato, «a ré ter desactivado a password de acesso ao seu computador», também não se verifica justa causa para a resolução contratual a que a autora procedeu.

É que ficou provado que tal «password» foi desactivada por iniciativa da ré para evitar que a autora obtivesse um backup do disco rígido do computador, o que a autora já havia solicitado a uma sua colaboradora [facto provado 23)].

O terceiro motivo invocado para a resolução do contrato prende-se com o facto da ré ter mandado «desligar o telemóvel que lhe estava afecto com fundamento em furto» e apresentar-lhe, para pagamento, a conta por alegada utilização abusiva daquele equipamento.

Ora, a ré atribuiu um telemóvel à autora, mas para uso exclusivamente profissional, tendo-se provado que a autora «utilizou o referido telemóvel, para fins não profissionais, durante os períodos em que se encontrou de baixa médica e no gozo da licença por maternidade», pelo que a ré solicitou a desactivação temporária do referido telemóvel, nada referindo quanto ao motivo de tal pedido, tendo entregue à autora, em 3 de Junho de 2005, o documento cuja cópia se encontra junta a fls. 131 [custos da utilização do telemóvel durante o período de baixa médica e licença de maternidade], para a autora indicar «a data e a forma como [iria] ressarcir a VAA dos custos por esta suportados durante aquele período» [factos provados 24) a 32)].

Face aos termos em que a autora usou o telemóvel que lhe estava atribuído, revela-se lícita a conduta da ré no sentido de providenciar pela sua «desactivação temporária» e de solicitar à autora o pagamento da utilização não autorizada.

Tal conduta da ré não integra, pois, justa causa de resolução do contrato.

O quarto motivo apresentado para a resolução do contrato é o de que a ré colocou a autora «a trabalhar num sítio esconso, a separar e organizar Diários da República, por ordem crescente, desde 1998 até ao mais recente».

Desde logo, é de referir que, como bem se colhe do e-mail, de 2 de Junho de 2005, enviado pelo director de recursos humanos da ré à autora, as instalações que lhe foram atribuídas eram provisórias e, por outro lado, nesse gabinete «costumavam ser instalados grande parte dos estagiários finalistas universitários que fazem estágio na V...A...A... S. A., e […] foi o anterior gabinete do responsável de Higiene, Segurança no Trabalho e Ambiente» [facto provado 36)].

Assim, a instalação da autora naquele gabinete, no contexto em que ocorreu, não constitui justa causa de resolução do contrato pela trabalhadora.

E o mesmo se deve afirmar em relação à natureza do trabalho atribuído.

Recorde-se que a autora havia estado ausente do serviço durante 7 meses e 17 dias e que, quando regressou ao trabalho, em 1 de Junho de 2005, a ré lhe dirigiu uma proposta de cessação do contrato de trabalho por acordo, sendo logo dispensada do serviço pelo resto desse dia, para ponderar sobre a proposta apresentada.

No dia seguinte, 2 de Junho de 2005, quando a autora se apresentou ao serviço, o director de recursos humanos da ré não se encontrava nas instalações, sendo que só perante a solicitação expressa por parte da autora no sentido de que «lhe fossem dadas ordens por escrito acerca das suas novas funções», é que o Dr. P... lhe enviou o e-mail acima transcrito [facto provado 10)], no qual se refere, quanto ao ponto em avaliação, que «[a]té indicações em contrário, deverá executar as tarefas que lhe foram indicadas, sob minhas ordens directas, pela Dª I...A...».

É certo que o trabalho atribuído à autora, nesse dia, «consistiu em separar e organizar Diários da República, os quais se encontravam guardados em caixotes» e que tal situação se repetiu no dia 3 de Junho de 2005 [factos provados 11) e 12)].

No entanto, a indicada tarefa assumiu nítido carácter transitório, como bem se extrai da expressão «[a]té indicações em contrário», empregue no correspondente trecho do e-mail emanado do director de recursos humanos da ré, e melhor resulta da própria natureza da tarefa cometida — «separar e organizar Diários da República, por ordem crescente, desde 1998 até ao mais recente».

Por outro lado, a atribuição da tarefa em causa não se alicerçou em qualquer particular interesse da empresa ré na variação (não havendo, pois, lugar à convocação do instituto da mobilidade funcional previsto no artigo 314.º do Código do Trabalho), mas antes na necessidade premente de corresponder à expressa reclamação por parte da autora quanto à definição das suas novas funções, sendo certo que, à data dessa reclamação, o director de recursos humanos da ré não se encontrava nas instalações.

Acresce que, tal como resulta da factualidade provada, no dia seguinte, 3 de Junho de 2005, a autora recebeu a visita de um inspector da IGT, com quem esteve reunida, e após terminar a referida reunião, «ausentou-se do posto de trabalho, sem nada justificar, e nunca mais se [apresentou] ao serviço, tendo no dia seguinte entrado de baixa médica» [factos provados 37) e 38)].

Em suma, quando retomou a actividade, a autora não deu oportunidade à empregadora de lhe atribuir tarefas correspondentes à sua categoria profissional.

Neste contexto, afigura-se que a atribuição daquela específica tarefa à autora — «separar e organizar Diários da República, por ordem crescente, desde 1998 até ao mais recente» —, a executar em gabinete próprio, não consubstancia a hipótese prevenida na alínea b) do n.º 2 do artigo 441.º do Código do Trabalho.

O quinto motivo invocado para a resolução do contrato, «a ré obrigou-a à marcação de cartão de ponto», não justifica, igualmente, aquela resolução contratual.

Provou-se, é certo, que o director de recursos humanos da ré determinou à autora que deveria «comprovar a sua presença, através da marcação de cartão de ponto, que se encontra no porta cartões que lhe foi indicado pela Dª I...A...» e que, anteriormente ao período de baixa médica e licença de maternidade, a autora não «picava ponto» [facto provado 14)].

Todavia, como bem pondera a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta, «[f]ace à matéria de facto provada […], consideramos que a ordem dada pela Ré à Autora para proceder à marcação de ponto, insere-se no âmbito dos poderes de direcção da Ré. Só assim não sucederia, caso tivesse ficado demonstrado que esse poder foi utilizado pela Ré com o intuito de discriminar e vexar a Autora. Sucede, porém, que a factualidade provada não permite extrair essa conclusão. Com efeito, neste aspecto particular apenas ficou provado que a Ré ordenou à Autora que esta deveria comprovar a sua presença através da marcação de cartão de ponto (doc. de fls. 27) e que a Autora não picava o ponto (facto 14).»

Aliás, prossegue aquela ilustre magistrada, «[…] desconhecendo-se também se outros trabalhadores da Ré estavam dispensados de proceder à marcação de cartão de ponto, não se pode concluir, como se concluiu no douto acórdão recorrido, que aquela ordem, conjugada com a modificação substancial da posição da Autora na empresa, consubstancia uma conduta lateral da Ré que afectou a dignidade da Autora e o respeito que lhe era devido.»

Tudo para concluir que a ordem dada pela ré à autora para esta proceder à marcação do cartão de ponto foi legítima e, consequentemente, não é susceptível de integrar justa causa para a resolução do contrato do trabalho.

Por último, a autora aduz, como motivo para a resolução do contrato, que a ré a proibiu de circular pela fábrica, ou de se ausentar do seu posto de trabalho, excepto para ir à casa de banho ou para entrar ou sair da empresa.

Tal proibição emerge do sobredito e-mail do director de recursos humanos da ré, nos termos do qual a autora, «[c]om intuito de não perturbar a organização dos outros serviços, deverá limitar a sua circulação aos percursos de entrada e saída, às áreas sociais e sanitários. Qualquer outra deslocação ou ausência do seu posto de trabalho deverá ser precedida da devida autorização por pessoa que lhe seja hierarquicamente superior.»

Portanto, a sobredita determinação assenta no particular circunstancialismo em que a autora retomou a actividade na ré — cessação da sua actividade no Centro de Visitas, sua substituição na chefia daquele Centro, solicitação a uma colega de um backup do disco rígido do computador e indefinição das novas tarefas a cumprir.

Ora, não se considera que tal conduta da ré, no contexto acima descrito, seja susceptível de poder afectar a dignidade da autora e o respeito que lhe era devido.

Conclui-se, pois, que a conduta da ré não violou o disposto nos artigos 120.º, alínea a), e 122.º, alínea e), do Código do Trabalho, nem foi de molde a tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, pelo que a resolução do contrato de trabalho operada carece de justa causa, não se lhe podendo reconhecer o direito indemnizatório previsto no artigo 443.º do Código do Trabalho.

Nesta conformidade, procedem as conclusões 33) a 133) e 167), na parte atinente, da alegação do recurso de revista da ré.

5. A ré sustenta, ainda, que, ocorrendo justa causa de resolução do contrato pela trabalhadora, a indemnização deve ser fixada «num valor abaixo do máximo que a lei prevê», e a autora, por sua vez, defende que o n.º 1 do artigo 443.º do Código do Trabalho deve ser interpretado restritivamente, de modo a permitir que os danos não patrimoniais sejam autonomizados, desde que se justifiquem, pelo que, para além da indemnização por antiguidade, tem direito à indemnização de € 50.000,00, a título de dano não patrimonial.

O n.º 2 do artigo 660.º do Código de Processo Civil, aplicável aos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto nos conjugados artigos 713.º, n.º 2, e 726.º do mesmo Código, estabelece que o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Ora, tendo-se concluído que a resolução do contrato de trabalho operada carece de justa causa, fica prejudicada a apreciação das questões suscitadas nas conclusões 139) a 142) e 167), na parte atinente, da alegação do recurso de revista da ré e nas conclusões 8) a 15) da alegação do recurso de revista da autora.
6. A ré alega que não ocorrendo justa causa, «a resolução do contrato de trabalho pela Autora, traduz-se numa denúncia do contrato sem aviso prévio, a qual, confere ao empregador o direito a ser indemnizado, nos termos do artigo 448.º do Código do Trabalho», pelo que tem direito, nos termos da reconvenção deduzida, a ser indemnizada, no valor correspondente ao período de aviso prévio em falta.

Todavia, a invocação desse direito, no contexto já referido, configura um abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

6.1. O abuso do direito, como flui da norma do artigo 334.º do Código Civil, traduz-se no exercício ilegítimo de um direito, resultando essa ilegitimidade do facto de o seu titular, ao exercê-lo, exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

Não basta, pois, que o titular do direito exceda os limites referidos naquele preceito, é necessário que esse excesso seja manifesto e gravemente atentatório da boa fé, dos bons costumes ou do fim social ou económico do direito que é exercido.

Por outro lado, não se exige que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo, ou seja, não é necessário que tenha a consciência de que, ao exercer o direito, está a exceder os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito, basta que na realidade (objectivamente) esses limites tenham sido excedidos de forma nítida e intolerável, pois, como é sabido, o nosso ordenamento jurídico acolheu a concepção objectiva do abuso do direito (cf., por todos, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, 1967, p. 217).

Relativamente às invocadas regras da boa fé, o ordenamento jurídico utiliza essa expressão umas vezes com um sentido objectivo ou ético (boa fé objectiva) e outras vezes com um sentido subjectivo ou psicológico (boa fé subjectiva), embora, no dizer de ALMEIDA COSTA, se trate de dois ângulos diferentes de encarar ou exprimir a mesma realidade (Direito das Obrigações, 9.ª edição, Almedina, p.102).

O artigo 334.º do Código Civil acolhe a expressão boa fé com um sentido vincadamente ético, o qual se reconduz às exigências fundamentais da ética jurídica, «que se exprimem na virtude de manter a palavra dada e a confiança, de cada uma das partes proceder honesta e lealmente, segundo uma consciência razoável, para com a outra parte, interessando as valorações do círculo social considerado, que determinam expectativas dos sujeitos jurídicos» (ALMEIDA COSTA, ob. cit., pp.104-105).

Trata-se, em substância, de adoptar a conduta de um bom pai de família.

6.2. No caso em apreço, está provado que a ré, quando a autora retomou a actividade, em 1 de Junho de 2005, propôs-lhe a cessação do contrato de trabalho por acordo, «dispensando-a pelo resto do dia para que a Autora ponderasse a proposta» [facto provado 9)] e, no dia seguinte, quando a autora se apresentou ao serviço, solicitando que lhe fossem dadas ordens por escrito acerca das suas novas funções, o trabalho, a título provisório, que lhe foi atribuído consistiu em separar e organizar Diários da República [factos provados 10) a 12)], o que evidencia que a ré, na altura, não dispunha de ocupação atinente à categoria profissional da autora.

Assim, tendo presente a factualidade dada como provada, deve concluir-se que a conduta da ré, ao pedir, na presente reconvenção, a indemnização prevista no artigo 448.º do Código do Trabalho, no valor correspondente ao período de aviso prévio em falta, é contraditória com a sua anterior proposta de cessação do contrato de trabalho por acordo, e representa uma clamorosa violação do princípio da boa-fé a que estava obrigada no exercício daquele direito (artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil), o que torna ilegítimo, por abusivo, o exercício do direito que a ré pretendia fazer valer por via daquele preciso segmento do pedido reconvencional.
Trata-se, efectivamente, de uma conduta que consubstancia um caso de abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

6.3. Na verdade, conforme se afirma no acórdão deste Supremo Tribunal, de 30 de Março de 2006 (Processo n.º 3921/05 da 4.ª Secção), o abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, «caracteriza-se pelo exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente. Como refere Baptista Machado(-), o ponto de partida do venire é “uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objectivamente considerada, é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará, coerentemente, de determinada maneira”, podendo “tratar-se de uma mera conduta de facto ou de uma declaração jurídico-negocial que, por qualquer razão, seja ineficaz e, como tal, não vincule no plano do negócio jurídico”. Todavia, para que o venire se verifique não basta a existência de condutas contraditórias. É necessário que a conduta anterior tenha criado na contraparte uma situação de confiança, que essa situação de confiança seja justificada e que com base nessa situação de confiança a contraparte tenha tomado disposições ou organizado planos de vida de que lhe surgirão danos irreversíveis, isto é, que tenha investido nessa situação de confiança e que esse investimento não possa ser desfeito sem prejuízos inadmissíveis(-)».

Ora, a mencionada conduta da ré, ao propor à autora a extinção do contrato de trabalho por acordo e ao evidenciar dificuldades em atribuir-lhe novas funções correspondentes à sua categoria profissional, criou na autora a convicção de que não teria possibilidade de continuar a exercer a mesma categoria profissional na estrutura empresarial da ré.

Verificam-se, pois, os pressupostos do abuso do direito naquela modalidade, pelo que resta determinar as consequências desse exercício ilegítimo do direito.

No caso, a ré pretende exercer o direito a ser indemnizada, nos termos do artigo 448.º do Código do Trabalho, pedindo, conforme a reconvenção deduzida, a condenação da autora no valor correspondente ao período de aviso prévio em falta.

Neste contexto, a consequência que se mostra adequada é a da supressão desse direito, tudo se passando como se a ré não fosse titular do mesmo, o que determina a improcedência da reconvenção e a absolvição da autora do pedido, termos em que improcedem as conclusões 134) a 138) e 167), na parte atinente, da alegação do recurso de revista da ré.

7. A ré alega, também, a incorrecção dos cálculos da retribuição atinente às férias, e respectivo subsídio, e ao subsídio de Natal, considerados na sentença da primeira instância, e que o acórdão recorrido, expressamente, confirmou.

Neste particular, o acórdão recorrido decidiu:

« [A ré] defendeu que em virtude do contrato de trabalho ter estado suspenso por impedimento temporário por facto não imputável à autora, prolongado por mais de um mês, a autora apenas teria direito a receber o valor da retribuição correspondente às férias, e respectivo subsídio, correspondente ao período compreendido entre 31 de Janeiro de 2005 e 20 de Junho de 2005, nada lhe sendo devido, relativamente a proporcionais de férias e subsídio de férias no ano de 2005, e, quanto ao subsídio de Natal, apenas terá direito ao proporcional correspondente ao período compreendido entre 31 de Janeiro de 2005 e 20 de Junho de 2005.
Salvo devido respeito, nesta parte a ré não tem qualquer suporte técnico para o recurso, parecendo-nos haver alguma confusão, mesmo tendo em conta os pressupostos contidos nas suas alegações. É que, quando se refere ao valor da retribuição correspondente às férias, e respectivo subsídio, correspondente ao período compreendido entre 31 de Janeiro de 2005 e 20 de Junho de 2005, fala necessariamente nos proporcionais de férias e subsídio de férias no ano de 2005, não tendo qualquer sentido, a nosso ver, dizer que tem direito àqueles e não a estes — uma e outra das situações são a mesma situação.
A decisão da 1ª instância está nesta parte correcta e exemplarmente fundamentada. Refere o seguinte, que transcrevemos:
“Além da indemnização pela rescisão do contrato de trabalho, peticiona a Autora a condenação da Ré no pagamento da retribuições em falta, a saber, férias e subsídio de férias vencidas em 1/1/2005 e proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal referentes ao trabalho prestado em 2005.
Com interesse para esta questão resultou provado que a Autora engravidou do seu 3.º filho em Maio de 2004, gravidez essa considerada de risco, cujo período (de gravidez de risco) decorreu de 14/10/04 até à data do parto, isto é, até 31/01/05. Após o parto, a Autora gozou o período normal de licença de maternidade, que decorreu de 31/01/05 a 31/05/05 (4 meses, portanto). Anteriormente a Autora havia-se encontrado de baixa médica no período compreendido entre 14 de Outubro de 2004 a 31 de Janeiro de 2005. A Autora regressou ao trabalho em 1 de Junho de 2005 — pontos 4 a 7 dos factos assentes.
Uma vez que a Autora esteve em situação de baixa médica de 14 de Outubro de 2004 a 31 de Janeiro de 2005, este impedimento temporário da Autora, que não lhe era imputável, determinou a suspensão do contrato de trabalho a partir de 14 de Novembro — e não antes porque a baixa, embora relacionada com a gravidez, não tem necessariamente de durar até ao termo da mesma, pelo que, antes de decorrido o prazo de um mês, não é possível concluir ser previsível que a baixa vai durar mais de um mês — cfr. art.º 333.º, n.º 1 e 2, a contrario, do Código do Trabalho.
Assim, por referência ao trabalho prestado em 2004, a Autora tinha direito a dois dias de férias e respectivo subsídio por cada mês de duração do contrato, no montante global de € 2.112,63 (dois mil cento e doze euros e sessenta e três cêntimos) — artigos 220º, n.º2 e 212º, n.º 2 do Código do Trabalho.
Quanto ao subsídio de Natal de 2004, no ano da suspensão do contrato a Autora tem direito ao subsídio proporcional ao tempo de serviço prestado, o que no caso em apreço corresponde a € 1.056,31 (mil e cinquenta e seis euros e trinta e um cêntimos).
Quanto ao ano de 2005, a Autora tem direito a um montante a título de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal proporcional ao tempo de serviço prestado desde o fim da suspensão do contrato até à data da cessação — artigos 221.º, n.º 1, e 254.º, n.º 2, al. b), do Código do Trabalho. A suspensão do contrato de trabalho cessou no dia do parto, em 31 de Janeiro de 2005, iniciando-se a partir dessa data o período de licença de maternidade. A licença de maternidade não constitui fundamento para a suspensão do contrato de trabalho. Por seu turno, a baixa médica a que a Autora esteve sujeita desde 4 a 17 de Junho de 2005 não determinou a suspensão do contrato de trabalho por ter tido duração inferior a um mês.
Assim, o período de trabalho a ter em atenção em 2005 é de 4 meses e 20 dias.
A título de proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2005 a Autora tem direito ao montante global de € 1.408,38 (mil quatrocentos e oito euros e trinta e oito cêntimos).”
A apreciação do direito à retribuição de férias, subsídio de férias de Natal, ponderando a suspensão do contrato e a sua cessação está correcta e a ela aderimos inteiramente.»

Tudo ponderado, considera-se que o entendimento acabado de transcrever respeita as normas legais ao caso aplicáveis, concretamente, o preceituado nos artigos 212.º, n.º 2, 220.º, 221.º, n.º 1, 254.º, n.º 2, alínea b), 331.º, n.º 1, 333.º, n.os 1 e 2, todos do Código do Trabalho.

Improcedem, pois, as conclusões 143) a 156) e 167), na parte atinente, da alegação do recurso de revista da ré.

8. Quanto à condenação no pagamento de juros, a ré alega que os mesmos só poderiam incidir sobre as importâncias líquidas que a autora tivesse direito a receber e não sobre os valores ilíquidos das mesmas remunerações, como a autora pretende, sob pena de enriquecimento sem causa, como se decidiu no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 17 de Janeiro de 2001, Revista n.º 2957/00, da 4.ª Secção.

Mas não tem razão.

A condenação relativa ao pagamento de juros de mora reporta-se às quantias ilíquidas devidas, assim como é sobre elas que devem incidir os descontos legais.

Tal como decidiu o aresto recorrido, «[a] sentença da 1.ª instância condenou a ré no pagamento de quantias determinadas. Dessas quantias é a autora que é a credora, como é evidente, independentemente de sobre as mesmas incidirem taxas ou impostos. E se, assim é, estando as obrigações pecuniárias vencidas, sobre as correspondentes quantias incidem juros de mora emergentes de distinta (embora dependente) obrigação de indemnização, tabelarmente fixada no artigo 806.º do Código Civil. Ou seja, essa obrigação de indemnização, que se concretiza, por força de lei, na obrigação de pagar juros de mora, tem um credor. O qual é apenas a autora. Tem causa bem definida, pelo que a invocação de que ocorreria “enriquecimento sem causa” não pode, salvo melhor opinião, ter acolhimento.»

É certo que o citado acórdão deste Supremo Tribunal, em sede de liquidação enxertada no processo executivo, se pronunciou no sentido de que, «[d]estinando-se os juros moratórios à reconstituição da situação actual hipotética se não tivesse ocorrido o facto ilícito, é óbvio que a sua incidência sobre verbas que não teriam sido recebidas pelo devedor não têm razão de existir, por não constituírem compensação por qualquer pagamento tardio. O que, a ocorrer, constituiria um claro enriquecimento sem causa, por procedimento da previsão do n.º 1 do artigo 473.º do Código Civil: [a]quele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem…».

Todavia, o caso aí ajuizado é diferente do apreciado na presente revista, já que, naqueloutro processo, «desde a contestação est[ava] comprovada […] a entrega, pela Executada recorrente, das verbas devidas à Segurança Social e ao Fisco», daí a invocação do locupletamento injustificado à custa da aí executada.

Improcede, pois, a conclusão 157) da alegação do recurso de revista da ré.

9. Em derradeiro termo, a ré propugna pela condenação da autora como litigante de má fé, nos termos do artigo 456.º do Código de Processo Civil.

Nos termos do n.º 2 do artigo 456.º do Código de Processo Civil, «[d]iz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.»

A ré alega que a autora, ao longo do processo, assumiu comportamentos que merecem a censura do Tribunal: aquando da resposta aos documentos juntos pela ré, a fls. 123 e seguintes, a autora veio impugnar os mesmos com fundamento em não saber se a letra e assinatura dos mesmos era verdadeira, entre outros, os documentos n.os 3 e 5, no último dos quais constava a própria assinatura da autora e o primeiro que fora ela própria que juntara aos autos com a petição inicial; também, «após ter sido notificada da resposta apresentada pela autora à junção aos autos, pela V... Portugal, Comunicações Pessoais, S. A., do Doc. de fls., aquela imputou à ré, sob a forma de suspeita, a prática de actos ilícitos, maxime, que em conluio com outrem tivesse “forjado” um documento», constituindo tal articulado um grave atentado à honra e bom-nome da ré e um uso manifestamente reprovável do processo.

Porém, na linha do entendimento acolhido no aresto recorrido, cujo atinente trecho foi acima transcrito (ponto II, 1.), é excessivo concluir que com essa conduta a autora «faltou à verdade, deduzindo oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, praticando dolosamente violação grave do dever de cooperação e fazendo dos meios processuais um uso manifestamente reprovável», tal como a ré sustenta.

Assim, pelas razões aduzidas naquele aresto, carece de fundamento legal a condenação da autora como litigante de má fé, pelo que improcedem as conclusões 158) a 166) e 167), na parte atinente, da alegação do recurso de revista da ré.

III

Pelos fundamentos expostos, decide-se:

a) Conceder parcialmente a revista trazida pela ré e revogar o acórdão recorrido, na parte em que declarou que o contrato de trabalho celebrado entre a autora e a ré cessou, em 20/6/2005, por resolução operada, com justa causa, pela autora, e que condenou a ré a pagar à autora o montante de € 7.796,62, a título de indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, confirmando-se, no mais, o acórdão recorrido;
b) Julgar improcedente a reconvenção e absolver a autora do pedido nela formulado pela ré;
c) Negar a revista interposta pela autora.

Custas do recurso de revista da ré, a cargo da autora e da ré, na proporção do respectivo decaimento.

Custas do recurso de revista da autora, a cargo desta última.

Na 1.ª instância, custas a cargo da autora e da ré, na proporção do respectivo decaimento.

Na 2.ª instância, custas do recurso de agravo a cargo da ré, custas do recurso de apelação da ré, a cargo da autora e da ré, na proporção do respectivo decaimento, e custas do recurso de apelação da autora, a cargo desta recorrente

Lisboa, 17 de Abril de 2008

Pinto Hespanhol (relator)
Vasques Dinis
Bravo Serra