Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | SOARES RAMOS | ||
Descritores: | APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL NO TEMPO ADMISSIBILIDADE DE RECURSO DIREITOS DE DEFESA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA HOMICÍDIO TENTATIVA MEDIDA DA PENA PREVENÇÃO GERAL PREVENÇÃO ESPECIAL SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA JUÍZO DE PROGNOSE | ||
Nº do Documento: | SJ200901270038545 | ||
Data do Acordão: | 01/27/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
Sumário : | I - O STJ vem defendendo, a uma só voz, que a lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1.ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido; com efeito, esta é a posição que melhor se coaduna com a regra de que a lei processual é de aplicação imediata, salvo quando da sua aplicabilidade possa resultar agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa (art. 5º, n.ºs 1 e 2, al. a), do CPP). II - No caso, a decisão de 1.ª instância foi proferida ainda no domínio da versão anterior do CPP, segundo a qual eram recorríveis os acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, por crime a que fosse aplicável pena de prisão superior a 8 anos [art. 400.º, n.º 1, al. f)], independentemente da pena efectivamente aplicada. Por isso, por aplicação das regras processuais vigentes ao tempo da condenação na 1.ª instância, na consideração, também, de que à infracção em causa correspondia (já então, como no regime actual substantivo) uma moldura penal cujo limite máximo se situava nos 10 anos e 8 meses de prisão, tem-se por recorrível a decisão recorrida. III -“…A pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto (...) alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada...” – Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra Editora, 1995, pág. 570. IV -“É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma «moldura» de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas – até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica” (mesma obra, pág. seguinte). V - A prevenção especial, por seu lado, é encarada como a necessidade de socialização do agente, embora no sentido, modesto mas realista, de o preparar para no futuro não cometer outros crimes. VI -“Resta acrescentar que, também aqui, é chamada a intervir a culpa a desempenhar o papel de limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas...” (mesma obra, pág. 575). VII - Deve, pois, a pena, em tese geral, respeitar o limite da culpa e, dessa forma, preservar a dignidade humana; trata-se de orientações doutrinais que estão espelhadas na lei (art. 40.º do CP). VIII - O art. 50.º do CP consagra um poder-dever, ou seja um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos. IX -Esta é, como observa Maia Gonçalves (Código Penal Português, 18.ª Edição, pág. 215), “…uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico…”, cujo pressuposto material consiste, no dizer de Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código Penal, Univ. Católica Editora, 2008, pág. 195) na “… adequação da mera censura do facto e da ameaça da prisão às necessidades preventivas do caso, sejam elas de prevenção geral, sejam de prevenção especial (…)”, pelo que, prossegue, “…não pode o tribunal afastar a suspensão da execução da pena de prisão com base em considerações assentes na culpa grave do arguido”. X - Para esse efeito, é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição; este juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido pode assentar numa expectativa razoável de que a simples ameaça da pena de prisão será suficiente para realizar as finalidades da punição e, consequentemente, a ressocialização (em liberdade) do arguido. XI -O tribunal deverá correr um “risco prudente”, uma vez que, como sugestivamente já há muito anotaram Leal-Henriques e Simas Santos, em anotação ao art. 50.º do CP, “…esperança não é seguramente certeza…”, mas, subsistindo dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, então, deverá a prognose ser negativa. XII - Quanto ao crime de homicídio voluntário há exigências de prevenção geral que, de um modo geral, desaconselham a aplicação de uma pena de substituição, pois a mesma não irá realizar, em princípio, de forma adequada e suficiente esta finalidade primordial da punição. Efectivamente, a comunidade terá dificuldade em aceitar que o agente de um homicídio voluntário, ainda que de crime tentado, venha a sofrer uma pena não privativa de liberdade. XIII - Daí que só em casos absolutamente excepcionais se deva fazer uso desse tipo de clemência para crime de homicídio, ainda que a pena a aplicar se deva quedar abaixo dos 5 anos de prisão, nomeadamente, por a morte não ter ocorrido. | ||
Decisão Texto Integral: | 1 AA, nascido em 03/01/1941, foi julgado, no âmbito do processo comum colectivo n.º 154/05.OTAMBR do T.J. de Moimenta da Beira e veio a ser condenado, por acórdão de 16/03/2007, na pena de 4 anos de prisão, pela prática, em 21/09/2001, de um crime de homicídio tentado, p. e p. nos artigos 22° n°s 1 e 2 al. b), 23° n° 1 e 2, 73° n° 1 al. a) e b) e 131°, todos do Código Penal. Foi ainda condenado a pagar ao assistente (BB) a quantia global de € 29.341,84 (vinte e nove mil trezentos e quarenta e um euros e oitenta e quatro cêntimos), a título de indemnização por danos de natureza patrimonial e não patrimonial, acrescida de juros de mora à taxa legal, calculados sobre a quantia de € 4.341,84 desde a notificação para contestar o pedido até integral pagamento (cfr. art°s. 804°, 805° n° 3 e 806° do Cód. Civil e 78° do Código de Processo Penal), e à mesma taxa, contados sobre a quantia de € 25.000,00 desde a decisão e até efectivo e integral pagamento e, bem assim, o que vier a apurar-se em liquidação posterior, a título de gastos com a necessidade de continuar o assistente a ter um acompanhamento mé-dico-psiquiátrico (por causa das lesões provocadas pelo arguido) e ainda por força do que despenderá no pagamento das respectivas consultas e dos medicamentos que lhe forem prescritos. * Tanto assim, face à ponderação do seguinte enunciado factual: «1. O arguido e o assistente, BB, são cunhados e há vários anos que mantêm entre si um relacionamento conturbado e, pelo menos há 9 anos que não se falam. 2. No dia 21.09.2000, a hora não concretamente apurada, mas situada na parte da manhã do referido dia, BB, fazendo-se transportar ao volante da sua carrinha, dirigiu-se ao seu prédio denominado “Martimouro"' sito em Vila da Ponte, utilizando, para tal, um caminho ali existente e que é comum ao acesso dum prédio pertencente ao arguido. 3. Uma vez aí e inadvertidamente, BB pisou a ponta de uma arriosta (arame de ferro de amarração) de um cordão de videira do arguido, a qual ficou danificada. 4. Nesse mesmo dia 21 de Setembro de 2000, quando eram cerca de 15h30m, e ainda junto do referido prédio em Vila da Ponte, nesta Comarca, o arguido abeirou-se do ofendido BB e instou-o àcerca de ter pisado a arriosta, na sequência do que se desentenderam por causa da passagem no referido caminho comum de acesso aos seus terrenos agrícolas, tendo ambos trocado uma série de palavras, cujo conteúdo não foi possível apurar em concreto. 5. Na sequência dessa troca de palavras e porque se sentiu indignado com as mesmas, o assistente dirigiu-se ao arguido e agarrou-o junto ao pescoço ao mesmo tempo em que o instou a repetir algumas das palavras que acabara de proferir, ao que o arguido nada disse. 6. Imediatamente a seguir, o arguido, nas circunstâncias de tempo e de lugar supra referidas e por causa dos factos supra descritos, dirigiu-se a BB, o qual se encontrava acompanhado da mulher, da filha, da sogra e de BB, que ali se encontravam na apanha da maçã, e proferiu-lhe as seguintes palavras: "espera aí que eu vou a casa e já venho". 7. Acto contínuo, o arguido abandonou aquele local e deslocou-se à sua residência onde se muniu de uma pistola semi-automática de marca "F. N. BABY", com o n°. ........., calibre 6,35mm, com carregador para seis munições e que se encontrava municiada com, pelo menos, 4 projécteis. 8. Levando consigo a referida arma, o arguido abandonou a sua casa, entrou no seu veículo automóvel e conduziu-o de regresso para próximo do local onde havia deixado o assistente, tendo mediado entre tais eventos cerca de 15 minutos. 9. Entretanto, o assistente retirou umas caixas da sua carrinha destinadas às maçãs e, por questões relacionadas com a ida dum tio para o hospital na manhã desse mesmo dia (21.09.2000), telefonou para a mulher do arguido, sua cunhada e, após uma breve troca de palavras, aquela disse-lhe que o arguido tinha saído de casa com a arma na mão e ia aí para cima (referindo-se ao prédio rústico onde se encontrava o assistente). 10. Uma vez chegado ao local onde minutos antes se havia encontrado com o cunhado, o arguido estacionou o seu veículo a cerca de 200 metros do seu terreno, a fim de impedir que a sua presença fosse notada. 11. Seguidamente, o arguido dirigiu-se ao local onde se encontrava o BB, que nesse momento estava em cima de um escadote a colher maçãs e quando se encontrava a cerca de 4 metros do mesmo, com a arma direccionada para a zona do tórax daquele, em condições de premir o gatilho e deflagrara mesma, foi visto pelo assistente. 12. O assistente, ao ver o arguido com a arma apontada em direcção ao seu peito e temendo ser atingido de forma letal, moveu-se, altura em que o arguido premiu o gatilho e deflagrou uma primeira munição visando atingir aquele no tórax o que não logrou conseguir em face daquele movimento, vindo a atingi-lo no braço direito. 13. O arguido deflagrou de novo a arma na direcção do ofendido que, entretanto, saltou do escadote, não o tendo atingido. 14. Neste momento, o assistente aproximou-se do arguido na tentativa de lhe retirar da mão a arma que empunhava e no momento em que lhe tocou no braço direito, quando a distância que os separava era de apenas cerca de 1 a 2 metros, o arguido premiu de novo o gatilho e deflagrando novo tiro atingiu BB na virilha esquerda. l5. Acto contínuo, o arguido começou-se a afastar do local, e ainda de frente para o assistente, o qual se encontrava de pé, disparou de novo, não tendo, contudo, logrado atingi-lo. 16. Ao mesmo tempo em que se afastava do local nas condições descritas no número antecedente o arguido continuava insistentemente a premir o gatilho da sua arma, mas nenhuma outra munição foi deflagrada para além das quatro já referidas. 17. Ao aperceberem-se da falta de outras munições, o assistente e as pessoas que o acompanhavam no pomar, identificadas em 6, aproximaram-se do arguido, o qual se desequilibrou e caiu para trás de costas, altura em a sogra do arguido lhe retirou a arma que empunhava e a entregou ao assistente. 18. Em consequência da descrita actuação do arguido, resultaram para o ofendido diversas lesões, designadamente ferida perfurante do terço médio da face anterior do antebraço direito e ferida perfurante da região inguinal esquerda, as quais lhe determinaram directa e necessariamente um período de 148 (cento e quarenta e oito) dias de doença, com incapacidade para o trabalho. 19. Tais lesões determinaram-lhe directa e adequadamente sequelas, relevando-se sintomatologia ango-depressiva que não consubstancia doença mental grave ou incurável, bem como sintomatologia dolorosa que afecta, embora de maneira não grave, a possibilidade de utilizar o corpo e a capacidade de trabalho. 20. Ao efectuar os disparos visando o corpo do BB, nomeadamente a região do tórax aquando do primeiro disparo que efectuou, o arguido previu e quis atingi-lo em zona do corpo onde se alojam órgãos vitais 21. Com efeito, a região do corpo visada e atingida, o instrumento utilizado e a distância a que foram efectuados os disparos, eram meios idóneos a provocar a morte, o que o arguido não ignorava. 22. Aliás, com tal objectivo o arguido visou, pelo menos aquando do primeiro disparo, o tórax do ofendido, propondo-se a atingi-lo, matando-o, propósito que manteve, pois além daquele efectuou mais três disparos com a arma que empunhava. 23. Arma esta que decidiu, após troca de palavras com o ofendido, ir buscar à sua residência, para realização do seu propósito de retirar a vida daquele. 24. Propósito que não logrou conseguir, porque o assistente, no momento do primeiro disparo instintivamente movimentou-se, obstando assim, à entrada de tal projéctil no seu tórax. 25. O arguido tinha perfeito conhecimento que o meio utilizado e a região do corpo visada e a curta distância a que foi efectuado, eram meios idóneos a causar a morte do assistente, pelo que agiu com a intenção de provocar a mesma, resultado que previu e quis obter. 26. O arguido não logrou atingir aquele resultado por razões alheias à sua vontade, designadamente porque o ofendido se movimentou repentinamente, pelo que o primeiro projéctil o veio a atingir no braço direito. 27. Não obstante, permaneceu ainda em tal intenção, tendo premido o gatilho da arma que empunhava e disparado duas novas munições, sendo que uma delas veio a atingir o ofendido que entretanto tinha saltado do escadote onde se encontrava e se havia dirigido ao mesmo em ordem a lhe retirar da mão a pistola que empunhava, na virilha esquerda. 28. Não obstante, e já quando se afastava do local, premiu de novo o gatilho e deflagrou um quarto projéctil, de cuja trajectória o assistente se desviou. 29. O arguido agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, querendo e prevendo tal resultado, bem sabendo que a sua conduta era criminalmente punível. 30. Em consequência da descrita conduta do arguido, o assistente sofreu internamento nos Serviços de Cirurgia do Hospital de São Teotónio em Viseu, onde, passados dois dias após a data referida em 4, lhe foi feita extracção do projéctil do membro superior direito, vindo a ter alta hospitalar no dia 29.09.2000, continuando o assistente a ter alojado no seu corpo um projéctil com cerca de 1 cm na região inguinal esquerda. Do pedido Cível 31. Com a actuação assumida pelo demandado/arguido, o assistente realizou como possível que, no instante em que eram efectuados os disparos, iria perder a sua vida. 32. O que lhe causou pânico, aflição e sério temor da concretização dos desígnios do demandado. 33. O assistente ficou profundamente abalado e apavorado. 34. O assistente passou a sofrer de cefaleias e insónias. 35. As lesões sofridas pelo demandante determinaram-lhe cicatriz de características operatórias no braço direito, bem como vestígios cicatriciais no antebraço direito, abdómen (arcada inguinal esquerda) e membro inferior esquerdo (perna) de pequenas dimensões e pouco aparentes. 36. O assistente durante os primeiros 2 meses após o dia 21 de Setembro de 2000 teve que permanecer acamado. 37. E necessitou de colocar gelo, nomeadamente na região do joelho, de 2 em 2 horas, inclusive durante a noite. 38. O que também causou ao demandante várias noites sem poder dormir. 39. O assistente sofreu dores, mal-estar e incómodos. 40. Das lesões resultaram ainda para o demandante as sequelas já supra referidas em 19. 41. Efectuado exame neurológico ao demandante a 27.01.2003, na Delegação de Coimbra do INML, conclui-se que ao nível da marcha, aquele esboça claudicação do membro inferior esquerdo e que apesar de não evidenciar sinais deficitários, é possível admitir disfunção nervosa a nível do membro superior direito e membro inferior esquerdo dada a proximidade dos rotos vasculonervosos poderem ter sido atingidos pela onda de choque do impacto do projéctil. 42. Efectuado exame ortopédico ao demandante a 27.01.2003, na Delegação de Coimbra do INML, aquele revela dor à palpação da região dos adutores. 43. Do exame neurológico, e ao nível do sistema motor e força muscular resulta: sem défice segmentar aparente (limitação dolorosa da flexão da coxa) e a nível do sistema sensorial apresenta respostas incongruentes, embora não valorizáveis. 44. O demandante teve necessidade de se submeter a um programa regular de fisioterapia até 23 de Fevereiro de 2001, por dor e edema no joelho, efectuando um total de 20 sessões, na Policlínica São Bento em Moimenta da Beira, no que gastou o montante de € 200,00 (duzentos euros). 45. Pelo menos no período de doença referido em 18, o assistente viu-se impossibilitado de realizar determinadas tarefas, como andar de bicicleta, de motorizada e jogar futebol. 46. Efectuado exame electroneurimiográfico ao demandante a 29.02.2002, no Laboratório de Neurobiologia FF, em Coimbra, aí se conclui que o estudo de condução nervosa motora e sensitiva e o exame muscular com eléctrodos-agulha realizados são normais, não revelando sinais de lesão traumática ou de outra natureza dos nervos mediano e cubital direitos, sensitiva ou motora. 47. Por sentir dor na região onde está alojado o projéctil referido em 30, o assistente sente algumas dificuldades na sua actividade sexual. 48. Efectuado exame psiquiátrico ao demandante a 20.03.2003, no INML - Delegação de Coimbra, aí se conclui que o assistente evidencia sintomatologia ango-depressiva, humor depressivo, inquietude, ansiedade e angústia, revivescências da experiência traumática, sob a forma de memórias intrusas, sentimentos de revolta marcados perante o seu infortúnio, dificuldades de concentração, sensação de prejuízos mnésicos e alterações do padrão normal do sono, o que justifica a recomendação de um regular e adequado acompanhamento médicopsiquiátrico (psicofarmacológico e psicoterapêutico), o que o mesmo tem vindo a fazer. 49. Em face das dificuldades referidas em 47, o assistente sente-se um homem diminuído, humilhado e envergonhado. 50. Em consequência da descrita conduta do arguido, o assistente teve despesas com o tratamento, nomeadamente com o pagamento de taxas moderadoras devidas pela assistência hospitalar, consultas e exames médicos que necessitou fazer, as quais ascenderam ao montante de € 276,05 (duzentos e setenta e seis euros e cinco cêntimos). 51. E gastou a quantia de € 3.313,14 (três mil e trezentos e treze euros e catorze cêntimos) em medicamentos, nomeadamente de natureza psicofarmacológia e psicoterapêutiea, antidepressiva e ansiolitica. 52. Em consequência da descrita actuação do arguido, o assistente teve também despesas com transportes ao Hospital, ao Centro de Saúde, ao médico, ao Instituto de Medicina Legal de Coimbra e a este Tribunal, as quais ascenderam ao montante de € 717,58 (setecentos e quinze euros e cinquenta e oito cêntimos). 53. E durante os dias em que se deslocou a Coimbra, nomeadamente ao Instituto de Medicina Legal e a Viseu, o assistente teve que tomar refeições fora da sua residência, com o que gastou a quantia de € 37,07 (trinta e sete euros e sete cêntimos). 54. O assistente adquiriu um motopulverizador TK 140/GH 170 com o que gastou a quantia de € 1.072,41 (mil e setenta e dois cures e quarenta e um cêntimos). 55. Durante o período de incapacidade para o trabalho referido em 18, o assistente não pôde realizar os trabalhos agrícolas que executava. 56. Em termos médico-legais não é recomendável, pelo menos até há cerca de dois anos, que o projéctil alojado na região inguinal esquerda seja extraído atenta a proximidade do mesmo da artéria femural. 57. Caso o mesmo projéctil se desloque donde se encontra alojado, poderá vir a ser considerada a possibilidade do mesmo ser extraído mediante intervenção cirúrgica para o efeito, o que a suceder sempre implicará para o assistente o pagamento das despesas daí resultantes. 58. O assistente tem necessidade de continuar a ter um acompanhamento médico-psiquiátrico, como referido em 48, pelo que terá que despender o pagamento das respectivas consultas e dos medicamentos que lhe forem prescritos. Das contestações do arguido: 59. Ao ver a "arriosta" estragada o arguido avisou o ofendido para não circular com a carrinha fora do leito do caminho de modo a não estragar as "arriostas das suas videiras". 60. O arguido foi assistido no Centro de Saúde de Sernancelhe no dia 21.09.2000, onde apresentou escoriações na região dorsal, na região das omoplatas e na orelha direita e dor à palpação das referidas regiões e aí recebeu tratamento de desinfecção e penso, tendo tido alta para o domicilio no mesmo dia. 61. O arguido é soldado da G.N.R. aposentado e continua a dedicar-se, como sempre fez, ao exercício da caça. 62. O arguido maneja armas, nomeadamente a pistola que utilizou no exercício da sua actividade profissional de soldado da G.N.R. quer da espingarda caçadeira que sempre usou no exercício da caça. 63. O arguido é uma pessoa doente e com vários problemas de saúde, tendo sofrido três intervenções cirúrgicas, nomeadamente ao estômago, extracção da vesícula e foi operado ao olho direito. 64. O arguido continua em regime de consulta externa no Hospital de São Teotónio em Viseu, onde é submetido periodicamente a consultas e tratamentos relacionados com o aparelho digestivo. 65, Mediante escritura pública de Justificação e Permuta lavrada no Cartório Notarial de Sernancelhe em 22/03/2001, o arguido cedeu ao ofendido a metade do prédio composto pelo aludido pomar, vinha e construções anexas inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Vila da Ponte sob os artigos 600, 601 e 602 e recebeu do ofendido, em troca, a metade de um prédio constituído por cabeço com mato, rochas e pinhal, inscrito na matriz rústica daquela freguesia sob o art. 508. 66. Efectuada uma peritagem aos prédios referidos no número antecedente, na mesma foi atribuído ao prédio adjudicado ao ofendido o valor total de € 20.050 (vinte mil e cinquenta euros), enquanto ao prédio adjudicado ao arguido foi atribuído o valor de € 5.284,75 (cinco mil duzentos e oitenta e quatro euros e setenta e cinco cêntimos). 67. O arguido pagou ao Hospital de São Teotónio, em Viseu, a importância de ESC. 211.300$00 (€ 1.053,96), referente às despesas de internamento e tratamento do ofendido na sequência das lesões provocadas pelos aludidos disparos. 68. O arguido é uma pessoa bem comportada, respeitada e conceituada no seu meio social. 69. O assistente escorregou numas escadas em França e, em consequência das lesões sofridas e das sequelas resultantes com afectação da capacidade para o trabalho, foi-lhe atribuída uma pensão no montante mensal de cerca de € 371,00 que recebe há mais de 20 anos. Das condições pessoais do arguido: 70. O arguido foi soldado da GNR e encontra-se reformado há cerca de 14 anos. 71. O arguido é casado e tem três filhos maiores, nascidos em Dezembro de 1971, Dezembro de 1972 e Janeiro de 1974. 72. Vive em casa própria com a mulher que é doméstica. 73. O arguido tem como habilitações literárias a 4a classe de escolaridade. 74. O arguido aufere uma pensão de reforma no montante mensal de € 1.200,00 (mil e duzentos euros). 75. O arguido não tem antecedentes criminais.» * Daquela decisão recorreram quer o arguido, quer o assistente para o Tribunal da Relação do Porto, aquele impugnando a matéria de facto, a pena e a sua não suspensão, ambos discordando do valor da indemnização fixada. Todavia, o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 14/07/2008, negou provimento aos recursos. Inconformado agora novamente (apenas) o arguido com este último acórdão, dele recorre para o S.T.J., procedendo ao enunciado da sua fundamentação, concluindo pela seguinte forma: «1ª - Dada a curta distância a que se encontravam um do outro o arguido e o ofendido, não era fisicamente possível que no momento do primeiro disparo o ofendido se tivesse movimentado obstando à entrada do respectivo projéctil no seu tórax, sendo atingido por aquele no braço direito. Contudo, o STJ vem defendendo, a uma só voz, que a lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido. Com efeito, esta é a posição que melhor se coaduna com a regra de que a lei processual é de aplicação imediata, salvo quando da sua aplicabilidade possa resultar agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa (art.º 5º, n.ºs 1 e 2-a, do CPP). Ora, no caso, a decisão de 1ª instância foi proferida ainda no domínio da versão anterior do CPP, segundo a qual eram recorríveis os acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, por crime a que fosse aplicável pena de prisão superior a 8 anos (art.º 400.º, n.º 1, al. f), independentemente da pena efectivamente aplicada. Por isso, por aplicação das regras processuais vigentes ao tempo da condenação na 1ª instância, na consideração, também, de que à infracção em causa correspondia (já então, como no regime actual substantivo) uma moldura penal cujo limite máximo se situava nos 10 anos e 8 meses de prisão, tem-se por recorrível a decisão recorrida, assim se indeferindo a dita reserva. Relativamente à segunda, bem se atenta que se reporta o recorrente, no primeiro trecho das suas conclusões, da 1.ª à 12.ª, desde logo, à configurabilidade de uma resenha factual não inteiramente coincidente com a que foi havida por adquirida, a qual já aqui reproduzimos. Verifica-se, então, que persiste, ele, em querer discutir a matéria de facto, invocando, nomeadamente, o vício de erro notório na apreciação da prova, sendo certo que já o fez perante o tribunal competente – o Tribunal da Relação –, não tendo merecido acolhimento as suas pretensões. |