Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
33/15.2JAPRT-A.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: HELENA MONIZ
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
VIOLAÇÃO
PROVA TESTEMUNHAL
PROVA DOCUMENTAL
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 06/23/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :
I - O arguido requer a prestação de novas declarações para negar os factos, o que só por si, e sem a junção de outros elementos, não é o bastante para que se possa concluir pela sua indispensabilidade para a descoberta da verdade e, por isso, nos termos do art. 453.º, n.º 1, do CPP, não foram as diligências realizadas.
II - As testemunhas que o requerente pretende que sejam inquiridas, como expressamente refere no requerimento apresentado, apenas seriam testemunhas abonatórias da sua personalidade, o que por si só não determina a sua indispensabilidade em ordem a atingir a verdade material e processualmente válida para que se obtenham novos elementos que ponham em causa a justiça da condenação.
III - O recorrente apresentou declaração onde o seu subscritor afirma que nada lhe foi referido pela ofendida quanto aos factos, mas esta simples afirmação não põe em causa o depoimento da vítima quer aquando das declarações para memória futura, quer em audiência de discussão e julgamento; cumpre referir que esta testemunha nada acrescenta ao conhecido pelo tribunal; não conhecendo os factos, apenas consegue referir que a vítima nada lhe referiu quanto a eventuais contactos sexuais com o arguido; assim sendo, e porque não são apresentados factos novos que ponham em causa, de forma séria e grave, a justiça da condenação, necessariamente deve ser negada a revisão.
IV - O requerente veio, em resposta ao parecer do MP (cujo exercício se suscitou em atenção ao princípio do contraditório) veio ainda alegar, em “aditamento” ao pedido anterior, a nulidade das provas obtidas com fundamento no acórdão do TC n.º 268/2022 - porém, o pedido de revisão tem o âmbito decorrente da petição inicial apresentada, não podendo ser alterado o seu âmbito em momento posterior.
Decisão Texto Integral:



Proc. n. º 33/15.2JAPRT-A.S1
5.ª Secção




Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

I
Relatório

1.1. AA foi condenado, por decisão de 04.11.2019 e transitada em julgado a 22.04.2021, pela prática de
- um crime de violação, em que é ofendida BB, p. e p. pelo art.164º, nº 1, alínea a), do Código Penal (CP), a pena de 3 anos e 6 meses de prisão,
- um crime de pornografia de menores, em que é ofendida CC, p. e p. pelo art.176º, nº 1, alínea b), e art.177º, nº 5, do CP, a pena de 1 ano e 6 meses de prisão,
- um crime de pornografia de menores, em que é ofendida DD, p e p. pelos arts. 176º, nº 1, alínea b) e 177º, nº 5, do CP, a pena de 1 ano e 9 meses de prisão,
- um crime de pornografia de menores, em que é ofendida DD, p e p. pelos arts. 176º, nº 1, alínea b) e 177º, nº 5, do CP, a pena de 2 anos de prisão,
- um crime de coação, em que é ofendida DD, p. e p. pelos arts. 154º e 155º, nºs 1, als. a) e b), do CP, a pena de 1 ano e 9 meses de prisão,
- dois crimes de pornografia de menores, em que é ofendida EE, p. e p. pelos arts. 176º, nº 1, alínea b) e 177º, nº 6, ambos do CP, na pena de 2 anos de prisão, por cada um desses crimes,
- um crime de coação, na forma tentada, em que é ofendida EE, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, 154º, nºs 1 e 2, 155º, nº 1, als. a) e b), por referência ao art.176º, nº 1, al. c), do CP, na redação em vigor à data da prática dos factos, na pena de 9 meses de prisão,
- dois crimes de pornografia de menores, em que é ofendida FF, p. e p. pelos arts. 176º, nº 1, al. b) e 177º, nº 6, do CP, na redação em vigor à data da prática dos factos, nas penas de 2 anos e 3 meses de prisão por cada um deles,
- um crime de pornografia de menores, em que é ofendia GG, p. e p. pelos arts. 176º, nº 1, al. b) e 177º, nº 5, ambos do CP, na redação em vigor à data dos factos, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão,
- um crime de pornografia de menores, em que é ofendia GG, p. e p. pelos arts. 176º, nº 1, al. b) e 177º, nº 5, ambos do CP, na redação em vigor à data dos factos, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão
- dois crimes de pornografia de menores, em que é ofendida HH, p. e p. pelos arts. 176º, nº 1, al. b) e 177º, nº 5, ambos do CP, na redacção em vigor à data da prática dos factos, na pena, por cada um deles, de 1 ano e 9 meses de prisão.
- um crime de coacção, na forma tentada, p. e p. pelo arts. 154º, nºs 1 e 2, 155º, nº 1, als. a) e b), todos do CP, na redacção em vigor à data dos factos, na pena de 9 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico o arguido foi condenado na pena única de 9 (nove) anos de prisão.
2.1. O arguido veio agora interpor recurso extraordinário de revisão, ao abrigo do disposto no art. 449º, nº 1, al. d), do CPP, restrito ao crime de violação praticado contra a ofendida BB, pelo qual foi condenado na pena de prisão de prisão de 3 anos e 6 meses, nos termos do art. 164º, nº 1, al. a), do CP[1],  tendo apresentado as seguintes conclusões:
«1.O condenado não cometeu qualquer crime de violação na pessoa da menor BB.
2.O condenado está em tempo e detém legitimidade para a interposição do presente recurso de revisão.
3. O condenado requer a sua própria inquirição, bem como a das indicadas testemunhas em ordem a comprovar a sua maior inocência na prática do apontado crime de violação.»
2.2. Juntou um documento escrito (de 07.03.2022) onde consta uma declaração de II, “pai de uma grande amiga da ofendida BB, com o seguinte conteúdo:
«Eu, abaixo assinado, II, residente em Rua ..., ..., venho declarar que nunca tive conhecimento que a BB tivesse sido importunada sexualmente por algum homem, uma vez que a mesma nunca me referiu nada nesse sentido.»
2.3. Requereu a sua inquirição, bem como a das seguintes testemunhas:
- JJ, mãe da ofendida BB, e
- KK, pai da ofendida BB,
- LL, amiga da ofendida BB.
Estas testemunhas não foram arroladas pelo arguido na audiência de discussão e julgamento porque
desconhecedor que então era [o arguido] de que estas pessoas não se opunham em abonar a sua personalidade.
Só agora, depois da prisão do recorrente – e da estupefacção de muitas dezenas de pessoas, amigos e conhecidos do arguido, sobretudo na região de ... – é que estas tendo indagado junto dos familiares do AA do que realmente acontecera e porque razão este se encontrava a cumprir pena de prisão no estabelecimento prisional ..., as mesmas se prontificaram a depor perante o Tribunal, relatando o que sabiam da personalidade do recorrente.
O que desde já se alega face à exigência contida no supracitado artº 449º nº 2 do CPP uma vez que comprovadamente o arguido ignorava o conhecimento que estas pessoas teriam tido do ocorrido, o mesmo é dizer, ignorava a sua existência relevante para o caso dos autos (só nesse sentido devendo ser interpretada a expressão “ignorava a existência” contida no apontado preceito legal). (...)
Disponibilizando agora o seu nome, o que não foi feito antes como se disse, em virtude de o arguido desconhecer que essas pessoas, tendo esse conhecimento, se encontravam dispostas a comprovar a sua razão e ciência junto do douto Tribunal.”.
2.4. Requereu ainda, em atenção ao disposto no art. 457º, nº 2, do CPP, a suspensão da execução da pena de prisão:
«a suspensão imediata da execução (cumprimento) da pena de prisão aplicada ao recorrente AA e a possibilidade de este aguardar o decurso do presente recurso em liberdade, eventualmente sujeito a regime de liberdade provisória se necessário agravada com apresentações periódicas e TIR (artº 193º e 196º do CPP), uma vez que o arguido se encontra inserido socio e profissionalmente (tal como já o haviam considerado os acórdãos condenatórios de primeira, segunda e terceira instâncias, Tribunal de Aveiro-Instância Central, Tribunal da Relação e Supremo Tribunal de Justiça) tem companheira e filho a seu cargo, inexistindo qualquer perigo de fuga – o arguido nunca se eximiu à acção da justiça - e, muito menos, de continuação da actividade criminosa.»
3. Foram os autos remetidos à Senhora Procuradora da República no Tribunal da Comarca de Aveiro, que se pronunciou no sentido de ser negada a revisão com os seguintes fundamentos:
«Não é o caso do presente recurso.
Desde logo, têm que estar em causa novos factos ou novos meios de prova – os quais devem ter uma relação relevante com o objecto processual.
Ora, os alegados novos factos e/ou meios de prova ora indicados não têm relação relevante com o objecto processual e nem sequer se configuram como meios de prova face aos factos que o recorrente pretende pôr em crise.
O recorrente pretende – conforme resulta da motivação do recurso – demonstrar que nunca existiu qualquer coacção, violência ou constrangimento na ‘abordagem’ (sic) que fez à ofendida BB.
Entre os novos meios de prova ora invocados pelo recorrente como relevantes para colocar em crise os factos que fundamentaram a sua condenação indica o mesmo, em primeiro lugar, as suas próprias declarações.
Indica, depois, quatro testemunhas:
II, que afirma ser pai de uma grande amiga da ofendida BB;
JJ, mãe da ofendida BB; KK, pai da ofendida BB;
LL, que afirma ser amiga da ofendida BB.
Quanto à primeira testemunha, II, junta ainda uma declaração por este supostamente subscrita, em que o mesmo afirma nunca ter tido conhecimento de que a BB tivesse sido importunada sexualmente por algum homem, uma vez que a mesma nunca lhe referiu nada nesse sentido.
Vem a mesma indicada, portanto, por não ter tido conhecimento dos factos.
Quanto às demais (JJ, KK e LL), decorre da motivação que a sua relevância para o ora pretendido resulta de poderem “abonar a sua personalidade”.
Ora, a pretendida repetição das declarações do arguido não se configura como novo facto ou elemento de prova.
O arguido esteve presente na audiência de julgamento e prestou declarações, nomeadamente quanto aos factos ora postos em crise – no sentido e com a amplitude que bem entendeu, aliás, negando-os.
As testemunhas indicadas, como resulta do que vem alegado, nenhumas relações relevantes têm com o objecto processual, nomeadamente com os factos que o recorrente pretende pôr em crise.
A testemunha II porque, como resulta da motivação, não em qualquer conhecimento dos factos.
As testemunhas JJ, KK e LL porque, como também resulta da motivação, serviriam apenas para abonar a personalidade do arguido.
Os factos que, neste âmbito, fundamentaram a condenação do arguido pelo aludido crime de violação de que foi ofendida BB são os descritos nos pontos 15. a 23. e 32. da matéria de facto provada.
Conforme se alcança do acórdão de 1ª instância e do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, ficou demonstrado que o arguido constrangeu a ofendida BB a manter com ele relações sexuais de coito oral e a ser filmada, ciente de que aquela tinha idade não superior a quinze anos de idade, para poder satisfazer os seus instintos sexuais, o que fez contra a sua vontade e sob ameaça de divulgação na internet das conversações de natureza sexual que haviam mantido e das fotografias que ela lhe tinha enviado e onde aparecia em soutien, com o propósito de lhe provocar medo e inquietação, fazendo-a crer que seria capaz de difundir tais ficheiros, bem sabendo que dessa forma a afetava a na sua liberdade de ação, determinação e paz individual.
Mais resulta que o arguido, em julgamento, admitiu os contactos com a mesma mantidos e ter com ela mantido os actos sexuais ali descritos – tendo apenas negado que a tenha ameaçado com a divulgação das fotografias previamente enviadas.
Por seu turno, a ofendida BB depôs no sentido dos factos que vieram a ser dados como provados – tendo o seu depoimento sido considerado pelo Tribunal como sério, coerente e digno de credibilidade.
Confrontando os elementos de prova (testemunhas) ora oferecidos pelo recorrente, não se alcança em que medida poderiam os mesmos pôr em crise a prova que foi feita dos factos visados pelo recorrente.
A testemunha II nenhum conhecimento tem da factualidade em causa – sendo certo que tal desconhecimento não se configura como relevante para suscitar uma qualquer dúvida sobre a prova dos factos e, assim, sobre a justeza da condenação do arguido pelo aludido crime de violação.
As testemunhas JJ, KK e LL são oferecidas para abonar a personalidade do arguido (de acordo com a motivação, para demonstrar que o mesmo é boa pessoa e não tem por hábito rejeitar ajudar conhecidos nem mesmo desconhecidos) – o que igualmente não leva a suscitar qualquer dúvida sobre a prova dos factos e sobre a justeza da condenação pelo crime de violação.
Conclui-se, pois, que os elementos ora apresentados pelo recorrente como novos factos e/ou novos meios de prova não se opõem a qualquer dos factos dados como provados, nomeadamente àqueles factos essenciais para fundamentação da condenação.
Dos mesmos nada se retira que contrarie a factualidade dada como provada ou que, conjugadamente com esta ou com os meios de prova anteriormente produzidos, leve sequer a supor que, de um novo julgamento, pode resultar uma alteração da matéria de facto dada como provada.
Em suma:
Dos meios de prova ora indicados como novos, as declarações do arguido, que o mesmo pretende sejam de novo produzidas, já tiveram lugar no momento próprio, versaram os factos ora postos em crime e foram valoradas pelo Tribunal;
As testemunhas apresentadas e o possível âmbito e sentido dos respectivos depoimentos, não se opõem a qualquer dos factos dados como provados, nomeadamente aos factos essenciais para fundamentação da condenação pelo crime de violação em causa – sendo que, desses novos factos e/ou novos meios de prova, ainda que se tenham por bons, nada se retira que contrarie a factualidade dada como provada ou que, conjugadamente com esta ou com os meios de prova anteriormente produzidos, leve sequer a supor que, de um novo julgamento, pode resultar uma alteração da matéria de facto dada como provada;
Do que vem alegado não resulta, ademais, factualidade nova que, não tendo sido apreciada na decisão condenatória, levasse agora a conclusões diversas das que fundamentaram a condenação;
Assim sendo, dos meios de prova ora invocados pelo recorrente nada resulta que suscite a mínima dúvida acerca da justiça da condenação.
Pelo exposto, inexiste fundamento para a revisão pretendida pelo recorrente.
O que o recorrente pretende é, uma vez mais, debater matéria de facto que foi amplamente debatida e apreciada no julgamento que levou à sua condenação.
Ou seja, o recorrente almeja, pela via da revisão, obter efeitos que apenas poderia alcançar pela via do recurso ordinário – mecanismo a que oportunamente recorreu, embora sem sucesso.
Sendo o instituto da revisão de sentença um meio de recurso absolutamente
extraordinário, tem como pressupostos de admissibilidade os estreitos requisitos que resultam do artigo 449º, nº 1, do Código de Processo Penal, nomeadamente os que acima se enunciaram e apreciaram.
Que, no caso dos autos, manifestamente não estão verificados.»
4.1. A Meritíssima Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro (Juízo Central Criminal de Aveiro, Juiz 6), na informação a que alude o art. 454º, do CPP, deliberou:
«Vejamos então:
No artigo 449°, n° do Código de Processo Penal, consagra-se e regula-se o recurso extraordinário de revisão, estabelecendo no artigo 449° (fundamentos e admissibilidade da revisão) n° 1 do CPP:
(...) [seguiu-se a transcrição do dispositivo referido]
Por seu turno no n° 2 do art. 451° do Código de Processo Penal, prevê a necessidade do requerimento constar a exposição circunstanciada dos fundamentos da revisão e a indicação dos meios de prova em que se possa amparar.
Exige-se, ainda, que o requerimento venha instruído com cópia autenticada da decisão revidenda e a certificação do seu trânsito em julgado (nº 3), não se admitindo testemunhas que não tenham sido inquiridas no processo, a não ser justificando que se ignorava a sua existência à data da condenação ou que estiveram impossibilitadas de depor (nº 2).
O recurso extraordinário de revisão não tem por objeto a reapreciação da decisão judicial transitada. Não é uma fase normal de impugnação da sentença penal. É um procedimento autónomo especialmente dirigido a obter novo julgamento e, por essa via, rescindir uma sentença condenatória firme.
Como se refere no AC STJ de 07/04/2021, disponível in www.dgsi.pt, “somente se admite a revisão quando o Supremo Tribunal se depara com um caso de condenação notoriamente equivocada, enquadrável em algumas das situações que o legislador taxativamente erigiu como podendo justificar a revogação da sentença condenatória transitada em julgado.
O recurso ordinário da sentença eleva a tramitação a outra etapa do processo penal, a fase destinada ao reexame da decisão.
O recurso extraordinário de revisão não tem por objeto a reapreciação da decisão judicial transitada. Não é uma fase normal de impugnação da sentença penal. É um procedimento autónomo especialmente dirigido a obter novo julgamento e, por essa via, rescindir una sentença condenatória firme.
No entendimento seguido no Ac. nº 376/2000 do Tribunal Constitucional, “no novo processo não se procura a correção de erros eventualmente cometidos no anterior e que culminou com a decisão revidenda, porque para a correção desses vícios terão bastado e servido as instâncias de recurso ordinário”, “os factos novos do ponto de vista processual e as novas provas, aquelas que não puderam ser apresentadas e apreciadas antes, na decisão que transitou em julgado, são indício indispensável à admissibilidade de um erro judiciário carecido de correção. Por isso, se for autorizada a revisão com base em novos factos ou meios de prova, haverá lugar a novo julgamento”.
A al. d) do n° 1 do art. 449° do Código de Processo Penal, demanda a descoberta de “novos factos ou meios de prova” e que estes, por si sós ou combinados com os que foram apreciados no processo, “suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.
Serão factos ou meios de prova novos aqueles que não foram apreciados pelo tribunal, que eram por este desconhecido aquando da condenação. Mas nem todos os factos desconhecidos do tribunal devem ser considerados “novos” para os efeitos de revisão. Se os factos, ou meios de prova, eram já conhecidos do recorrente ao tempo do julgamento, podendo ele apresentá-los em juízo, mas tendo sido escamoteados ao tribunal por decisão sua, então não poderá invocá-los posteriormente como novos para efeitos de revisão da sentença condenatória.
Ora, nos autos, requer o arguido que lhe sejam novamente tomadas declarações. Não se trata, assim, de um novo meio de prova pois o arguido prestou declarações em audiência de julgamento, fazendo-o com liberdade e referindo o que entendeu por pertinente. Muito concretamente reconheceu parte dos factos e muito concretamente os contactos por meios de comunicação e presencial com a jovem BB, e negou outros como fosse saber a sua idade ou de que perante a sua recusa em encontrar-se consigo lhe ter referido que iria publicar as fotografias que havia logrado que esta lhe enviasse previamente (como consta da motivação do acórdão condenatório proferido nos autos).
Para além destas declarações do arguido, efetivamente, foram valoradas as declarações da vítima BB, mas também o depoimento de outras testemunhas nomeadamente a da testemunha MM e das esclarecedoras mensagens obtidas junto do “Facebook” e Skype” entre outras mencionadas na motivação.
Noutra perspetiva cumpre referir que a declaração junta aos autos pelo arguido alegadamente subscrita pela testemunha II, trata-se de prova documental que, com o devido respeito, se nos afigura irrelevante sob a perspetiva de sustentar o alegado pelo arguido, na medida em que, mesmo admitindo-se que foi efetuada por quem se diz que a fez, dela resulta que o seu subscritor não possuía conhecimento dos factos que se pretendem através deste recurso infirmar. Na verdade, esta concreta declaração não é incompatível com os factos dados como provados e que permitiram a condenação do arguido por este concreto crime.
Por outro lado, as testemunhas cuja inquirição ora se pretende, como resulta do que vem alegado, nenhumas relações relevantes têm com o objeto processual, nomeadamente com os factos que o recorrente pretende pôr em crise, máxime com os factos que constituem os elementos integrativos do tipo de crime de violação de que foi condenado.
A testemunha II - como resulta da motivação - não tem qualquer conhecimento dos factos. As testemunhas JJ, KK e LL porque - como também resulta da motivação - serviriam apenas para abonar a personalidade do arguido.
A abonação da personalidade do arguido, por melhor que seja, não é capaz de por em causa ou de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação do arguido por este crime de violação. Admite-se que a abonação pudesse ter algum relevo na medida da pena, mas com tal fundamento não é admissível a revisão (art. 449°, n° 1 al. d) e n° 3 do Código de Processo Penal).
Neste conspecto, em nossa modesta opinião, o presente recurso extraordinário de revisão não merece ser provido.
No entanto, os Excelentíssimos Senhores Conselheiros melhor decidirão.».
4.2. Decidiu ainda a Meritíssima Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, quanto ao requerimento para que fossem juntos os autos principais (processo físico) a estes autos de recurso extraordinário, o seguinte:
«Requereu o arguido que a motivação recursiva seja acompanhada do processo físico existente neste Tribunal de Aveiro ou seja, que os autos em causa subam por apenso com esta mesma Motivação, - mas sem a necessidade de o requerente juntar aos autos uma Certidão do acórdão condenatório já proferido nestes autos.
Refere que, pese embora o disposto no artº 452º do CPP que se reputa ferido de inconstitucionalidade material, porquanto, proibindo a lei a prática de atos inúteis (artº 130º do CPC aplicável ao Processo Penal por força do art.º 4º do CPP), tal preceito mostra-se ferido de inconstitucionalidade material, se interpretado no sentido de tornar exigível a junção da mesma Certidão, por violação dos direitos de defesa do arguido, plasmados no artº 32º nº 1 da Constituição da República, (na vertente restritiva do amplo direito ao recurso), não podendo, ou não devendo, os Tribunais aplicar normas feridas de inconstitucionalidade material “apud” o disposto no artº 204º da CRP.
No art. 452° do Código de Processo Penal, estabelece-se que “a revisão é processada por apenso aos autos onde se proferiu a decisão a rever”.
Não se compreende a alegação da inconstitucionalidade relativamente a este artigo 452° do Código de Processo Penal, porquanto não se prevê neste artigo a junção de qualquer certidão, mas apenas a tramitação do presente recurso por apenso, o que, salvo melhor opinião não colide com quaisquer garantias de defesa do arguido designadamente na vertente do amplo direito ao recurso.
Mesmo admitindo que a menção a 452° do Código de Processo Penal, e trata de mero lapso e que, na verdade, se pretendia referir ao art. 451°, n° 3do Código de Processo Penal, impõe-se dizer que a opção do legislador da junção da certidão da decisão de que a pede a revisão não está ferida de qualquer inconstitucionalidade e muito concretamente não é violadora violação dos direitos de defesa do arguido, plasmados no artº 32º nº 1 da Constituição da República, (na vertente restritiva do amplo direito ao recurso), na medida em que mesmo que se colocassem questões relativas ao respetivo custo, estas sempre seriam ultrapassadas pelos mecanismos de proteção jurídica e muito concretamente do apoio judiciário.
No processo principal foi concedido ao ora requerente o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos do processo (cf. artº 16º, da Lei nº 34/2004, de 29.07).
Nos termos do disposto no art. 16° do Regulamento das Custas Processuais as custas compreendem, para além de outros que na situação não assumem relevo, os seguintes encargos:
Alínea d) Os pagamentos devidos ou pagos a quaisquer entidades pela produção ou entrega de documentos, prestação de serviços ou atos análogos, requisitados pelo juiz a requerimento ou oficiosamente, salvo quando se trate de certidões extraídas oficiosamente pelo tribunal;(...);
f) Os pagamentos devidos a quaisquer entidades pela passagem de certidões exigidas pela lei processual, quando a parte responsável beneficie de apoio judiciário.
Ora, sendo a certidão da decisão de que se pretende a revisão uma exigência da lei e muito concretamente do art. 451°, n° 3 do Código de Processo Penal, o requerente não terá que que suportar qualquer custo relativamente a esta emissão e, como tal, comprovadamente não há qualquer limitação dos seus direitos de defesa constitucionalmente consagrados.
A forma de subida do recurso, por apenso e instruída com os respetivos documentos foi uma opção do legislador e estando salvaguardados, por via dos mecanismos de acesso ao direito e muito concretamente da proteção judiciária, os direitos de defesa do arguido designadamente na vertente do amplo direito ao recurso.
Em face do exposto indefere-se o requerido, tramitando-se e subindo os autos nos termos definidos pela lei processual penal e muito concretamente os arts. 451°e 452° do Código de Processo Penal.
Dado o requerente beneficiar de apoio judiciário e o estabelecido no art. 16° al. f) da Lei nº 34/2004, de 29.07, determino que se extraia certidão do acórdão condenatório proferido nestes autos e do acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, e que seja a mesma junta ao apenso a criar contendo o requerimento de interposição de recurso, a resposta apresentada pelo M° Público e o presente despacho.»
5. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Senhor Procurador-Geral Adjunto, ao abrigo do disposto no art. 455º, nº 1, do CPP, manifestou-se, igualmente, no sentido de não ser autorizada a revisão porquanto:
«(...) 6 – O recurso de revisão é um meio extraordinário de reacção contra sentenças e/ou despachos a elas equiparados, transitados em julgado, nos casos em que «o caso julgado se formou em circunstâncias patológicas, susceptíveis de produzir injustiça clamorosa. Visa eliminar o escândalo dessa injustiça».
O caso julgado concede estabilidade à decisão, servindo por isso o valor da segurança na afirmação do direito que é um dos fins do processo penal.
Mas o fim do processo é também a realização da justiça. Por isso, não se confere valor absoluto ao caso julgado, que deve ceder em situações de gravíssima e comprovada injustiça, garantindo o artigo 29º, nº 6, da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.) a revisão da sentença «nas condições que a lei prescrever».
 “No conflito frontal entre o valor da certeza e da segurança jurídicas, assegurado pelo caso julgado, valor esse que é condição fundamental da paz jurídica comunitária que todo o sistema judiciário prossegue, e as exigências da verdade material e da justiça, que são também pressuposto e condição de aceitação e legitimidade das decisões jurisdicionais, o recurso de revisão pretende encontrar um ponto de equilíbrio, uma solução de concordância prática que concilie até onde é possível esses valores essencialmente contraditórios, esse equilíbrio é conseguido a partir do reconhecimento de que o caso julgado terá de ceder, em casos excepcionais e taxativamente enumerados, perante os interesses da verdade e da justiça.”
Densificando o comando normativo ínsito no artigo 29º, nº 6 da C.R.P., a lei processual penal vigente, nos seus artigos 449º e seguintes, elenca, de forma taxativa, os fundamentos da revisão.
Preceitua o artigo 449º, nº 1, do C.P.P.: (...) [segue-se transcrição do dispositivo]
Na situação em apreço, o recorrente indica como fundamento do recurso de revisão, o constante da alínea d), do nº 1 deste normativo, ou seja (quando) se descobrirem novos factos ou meios de prova que de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem dúvidas sobre a justiça da condenação.
São factos novos ou novos meios de prova os que eram ignorados pelo tribunal e pelo requerente ao tempo do julgamento e, por isso, não puderam, então, ser apresentados e produzidos, de modo a serem apreciados e valorados na decisão, sendo esta «a única interpretação que se harmoniza com o carácter excepcional do recurso de revisão.
Concede, todavia, alguma jurisprudência, que também são novos factos ou meios de prova, para efeitos do disposto no artigo 449º, nº 1, alínea d), do C.P.P., os que eram conhecidos ao tempo do julgamento, pelo requerente, desde que este justifique porque é que não pôde, na altura, apresentá-los ao tribunal.
Na verdade, e como decorre do disposto no nº 2 do artigo 453º do C.P.P., o requerente da revisão “não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor”.
Quanto ao momento do conhecimento dos factos novos, considere-se o acórdão de 27.01.2010 deste Supremo Tribunal de Justiça (S.T.J), proferido no processo nº 543/08.8GBSSB-A.S1 - 3.ª Secção, Relator: Conselheiro Santos Cabral, in www.dgsi.pt/, em que se sumariou:
«I - Para efeitos de revisão, os factos ou provas devem ser novos e novos são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderam ser apresentados antes do julgamento e apreciados neste. A “novidade” dos factos deve existir para o julgador (novos são os factos ou elementos de prova que não foram apreciados no processo) e, ainda, para o próprio recorrente.
II - Se o recorrente tem conhecimento, no momento do julgamento, da relevância de um facto ou meio de prova, que poderiam coadjuvar na descoberta da verdade e se entende que o mesmo é favorável deve informar o Tribunal. Se o não fizer, jogando com o resultado do julgamento, não pode responsabilizar outrem, que não a sua própria conduta processual. Se, no momento do julgamento, o recorrente conhecia aqueles factos ou meios de defesa e não os invocou, não se pode considerar que os mesmos assumem o conceito de novidade que o recurso de revisão exige encontrando-se precludida a mesma invocação.»
Igualmente se refere no acórdão de 17.02.2011, também do S.T.J. (processo nº 66/06.0PJAMD-A.S1, 5ª Secção, Relator: Conselheiro Souto Moura, in www.dgsi.pt/) que: “A al. d) supra referida exige que se descubram novos factos ou meios de prova. Essa descoberta pressupõe obviamente um desconhecimento anterior de certos factos ou meios de prova, agora apresentados. Ora, a questão que desde o início se vem por regra colocando, quanto à interpretação do preceito, é a de se saber se o desconhecimento relevante é do tribunal, porque se trata de factos ou meios de prova não revelados aquando do julgamento, ou se o desconhecimento a ter em conta é o do próprio requerente, e daí a circunstância de este não ter levado ao conhecimento do tribunal os factos, ou não ter providenciado pela realização da prova, à custa dos elementos que se vieram a apresentar como novos. Na doutrina, acolheram-se ambas as posições, não interessando à economia do presente recurso expor a respectiva fundamentação. Diremos simplesmente que a posição que se tem mostrado largamente maioritária neste Supremo Tribunal é a primeira. Também temos defendido, porém, dentro dessa linha, não bastar que pura e simplesmente o tribunal tenha desconhecido os novos factos ou elementos de prova para ter lugar o recurso de revisão.
E a limitação é a seguinte: os factos ou meios de prova novos, conhecidos de quem cabia apresentá-los, serão invocáveis em sede de recurso de revisão, desde que seja dada uma explicação suficiente, para a omissão, antes, da sua apresentação. Por outras palavras, o recorrente terá que justificar essa omissão, explicando porque é que não pôde, e, eventualmente até, porque é que entendeu, na altura, que não devia apresentar os factos ou meios de prova, agora novos para o tribunal. Na verdade, existe um elemento sistemático de interpretação que não pode ser ignorado a este propósito, e que resulta da redacção do artº 453º nº 2 do C. P. P.: “O requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor”. Isto é, o legislador revela com este preceito que não terá querido abrir a porta, com o recurso de revisão, a meras estratégias de defesa, ou dar cobertura a inépcias ou desleixos dos sujeitos processuais. O que teria por consequência a transformação do recurso de revisão, que é um recurso extraordinário, num expediente que se poderia banalizar. E assim se prejudicaria, para além do aceitável, o interesse na estabilidade do caso julgado, e também se facilitariam faltas à lealdade processual (cf. v. g. P.P. Albuquerque in “Comentário do Código de Processo Penal”, pag. 1198, ou os Ac. deste S. T. J. de 25/10/2007 (Pº 3875/07, 5ª Secção), de 24/9/2009 (Pº 15189/02.6. DLSB.S1, 3ª Secção), ou de 28/10/2009 (Pº 109/94.8 TBEPS-A.S1, 3ª Secção, entre vários outros).
O artigo 449º, nº 1, alínea d), do C.P.P., exige ainda que os novos factos e/ou os novos meios de prova, por si só, ou conjugados com os que foram apreciados no processo, suscitem dúvidas sobre a justiça da condenação.
Dúvidas efectivamente graves ou sérias, já que «a dúvida relevante para a revisão de sentença tem, pois, de ser qualificada; há de subir o patamar da mera existência, para atingir a vertente da "gravidade" que baste», não sendo «uma indiferenciada "nova prova" ou um inconsequente "novo facto" que, por si só, terão virtualidade para abalar a estabilidade razoavelmente reclamada por uma decisão judicial transitada».
Havendo, ainda, esse facto e/ ou meio de prova novo de «fazer sentido no contexto e de ser portador de verosimilhança que o credite para evidenciar a alta probabilidade de um erro judiciário e desse modo potenciar a alteração do que antes ficou provado».
Sendo que é «sobre o condenado/recorrente que impende o ónus de demonstrar que o conhecimento dos novos factos e/ou a apresentação de novos elementos de prova têm a peculiaridade de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, sob pena de a revisão não poder ser autorizada».
In casu, analisado o requerimento de interposição do recurso de revisão, afigura-se que os elementos e a argumentação que o recorrente apresenta não consubstanciam qualquer fundamento dos legalmente previstos para este recurso extraordinário.
Não obstante virem alegados novos factos ou meios de prova, é manifesto não se verificarem nem uns, nem outros, de modo algum se podendo ter como tal os apresentados pelo recorrente, o qual não visa senão que lhe sejam tomadas novas declarações, e a inquirição de quatro testemunhas, relativamente a quem, como também é manifesto, não se verificam os respectivos pressupostos legais.
Como pertinentemente refere o Ministério Público na 1ª instância na resposta ao recurso, (…) os alegados novos factos e/ou meios de prova ora indicados não têm relação relevante com o objecto processual e nem sequer se configuram como meios de prova face aos factos que o recorrente pretende pôr em crise, para além de que (…) não se opõem a qualquer dos factos dados como provados, nomeadamente àqueles factos essenciais para fundamentação da condenação dos quais nada se retira que contrarie a factualidade dada como provada ou que, conjugadamente com esta ou com os meios de prova anteriormente produzidos, leve sequer a supor que, de um novo julgamento, pode resultar uma alteração da matéria de facto dada como provada.
Não será, pois, temerário dizer que, ainda que os factos indicados pelo recorrente constituíssem novos meios de prova, o que não sucede, reafirme-se, os mesmos não seriam aptos para, por si só, ou conjugados com os que foram apreciados no processo, suscitarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
A condenação do ora recorrente assentou num juízo valorativo da prova produzida em julgamento, do qual foi afastada toda a dúvida razoável sobre a existência dos pressupostos de responsabilização criminal.
Pelo que os pretensos novos factos/meios de prova não encerrariam a virtualidade de pôr em causa o sedimento fáctico em que assentou a condenação do recorrente ou de afectar relevantemente os fundamentos em que se estribou a convicção do Tribunal.
7 – Pelo exposto, secundando as tomadas de posição do Ministério Público na 1.ª Instância e da Mm.ª Juiz titular do processo, entende-se ser manifestamente improcedente a pretensão do recorrente, não se verificando os requisitos a que se refere a norma do artigo 449º, nº 1, alínea d), do C.P.P., ou de qualquer dos demais segmentos do mesmo preceito legal, o que deverá determinar a negação da pretendida revisão de sentença, sendo, neste sentido, que se emite parecer.»
6. Notificado o recorrente deste parecer, em atenção ao princípio do contraditório, veio responder nos seguintes termos:
«Aditamento
(Efeito do Acórdão 268/2002 do Tribunal Constitucional)
AA, arguido já identificado nos presentes autos, recluso no estabelecimento prisional ..., com o número ..., tendo tido conhecimento da recente publicação do Acórdão número 268/2022 tirado pelo Tribunal Constitucional por entender estar em tempo e deter legitimidade, -não se conformando com o teor do douto acórdão condenatório transitado em julgado, vem, em aditamento ao seu pedido de revisão extraordinária de sentença, dizer como segue:
Com os seguintes Fundamentos:
1. O douto acórdão do Tribunal Constitucional 268/2022 de 19 de Abril, estatui que se devem considerar inconstitucionais os artºs 4º 6º e 9º da Lei 32/2008 de 17 de julho, por os mesmos     violarem o principio da proporcionalidade na restrição dos direitos à reserva da intimidade da vida privada e familiar (nº 1 do artº 26º da Constituição), ao sigilo das comunicações (nº 1 do artº 34º da Constituição da República) e a uma tutela jurisdicional efectiva (nº 1 do artº 20º da Constituição).
2. Nos presentes autos, como dos mesmos decorre com meridiana evidência, deve considerar-se assente que:
a) Os dados relativos encontrados no computador utilizado pelo arguido só foram acedidos pelo OPC mediante mera suspeita desse mesmo OPC.
b) O OPC enviou o pedido de localização à Microsoft como os autos enunciam.
c) O OPC solicitou o endereço (IP) da operadora.
d) Só a partir dessa informação concreta é que o OPC fica ciente do conhecimento do IP (sua localização) e posteriormente do conhecimento do seu eventual utilizador.
e) Deste modo o OPC passa a conhecer que naquela data e hora o arguido manteve – através do SKYPE – concretamente em relação à ofendida DD, determinada conversação.
f) E acedendo à mesma informação só desse modo pôde gravá-la e fazê-la juntar aos autos como prova do respectivo APENSO.
g) Identicamente no tocante à descoberta da identidade da ofendida BB, verifica-se que vasculhando o endereço desta – melhor dizendo, o seu IP, consegue o OPC aceder posteriormente – e utilizando o método referido “supra” ao IP do IDSTUDIES, situado na residência do arguido e dos seus pais.
Tem assim de concluir-se que não fora a informação fornecida pela Microsoft ou pelas operadoras em causa, nunca o OPC poderia encontrar o autor das referidas conversações através da plataforma informática SKIPE – Messenger - ou de outra plataforma constante dos Apensos insertos nos autos.
Ou seja, no caso “subjuditio” toda a informação relativa aos dados encontrados relativos a conversações tidas ou mantidas com e pelo arguido, e fornecidos, nos termos da Lei 32/2008 de 17 de julho, foram efectuados ao abrigo do disposto na mencionada Lei, mormente quanto às disposições cominadas dos artºs 1- a), b), c), d) e) f) e mais especificamente no nº 2 alínea b) da mencionada Lei no que diz respeito ao acesso á Internet, ao correio electrónico através da Internet e às comunicações telefónicas através da Internet.
Do mesmo modo, só através da possibilidade de acesso indiscriminado conferido no artigo 4º número 2 (já citadas alíneas),nº 3 alínea ii) e b) i) e ii) , bem como pelo mesmo número 4 alínea b) (no que diz respeito ao acesso à Internet, ao correio electrónico através da Internet) e ainda com o cumprimento da faculdade conferida pelo nº 5 do mesmo artigo 4º (especificamente suas alíneas c) (no que diz respeito ao cesso à Internet) e à linha de assinante digital (digital subscriber line ou DSL) ou qualquer outro identificador terminal do autor da comunicação”
Vem isto por dizer que toda a prova resultante da apurada matéria de facto em sede de audiência e por referência a eventuais conversações tidas ou mantidas pelo arguido com a ofendida, só conheceu a luz do dia através das interceções apuradas pelo OPC no cumprimento e com respaldo na apontada Lei.
Tendo ainda     sido dado cumprimento, pelo OPC encarregue da investigação, o disposto no agora também revogado artº 6º da apontada Lei, que permitia ao OPC “conservar os dados previstos no mesmo artigo pelo período de um ano a contar da data da conclusão da comunicação” (SIC).
Aplicando-se ainda “tout court” ao caso “sub juditio” o disposto no artº 9º da mesma Lei, não podendo por isso os Tribunais julgar validamente prestada a Transferência dos dados no Âmbito do presente processo-crime.
Nesta conformidade, se formula o presente Aditamento, dada a superveniência da questão e com o efeito já declarado pelo Venerando Tribunal Constitucional de Declaração de Inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, dos apontados preceitos da mencionada Lei, passando por isso a ser nulas – e não podendo ser consideradas nem validadas pelo Tribunal – todas as provas obtidas com recurso aos apontados artº 4º, 6º e 9º da Lei 32/2008 de 17 De Julho por os mesmos padecerem de inconstitucionalidade material ,por violação, entre outros, do nº 1 a 4 do artº 35º e do nº 1 do artº 20º e nº 1 do artº 26º em conjugação com o nº 2 do artº 18º da Constituição.»
7. Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II
Fundamentação

1. Factos provados relevantes para este recurso de revisão[2]:

«(...) Da vítima BB (nascida a .../.../1999):

10.A BB foi utilizadora e titular do perfil NN, associada à conta do Facebook com o endereço www.facebook.com/OO.9, e ao serviço SKYPE, com a conta facebook: ....

11. Em data não concretamente apurada, mas por volta de 6 de outubro de 2013, o arguido enviou um pedido de amizade à referida BB, através da rede social Facebook, utilizando para o efeito um dos perfis mencionados em 6o, pedido esse que a BB aceitou, contactos que se foram mantendo, com interregnos até setembro de 2015.

12. Após iniciarem conversação, o arguido começou por se apresentar como sendo de nacionalidade espanhola e explicando que tinha herdado um negócio do pai, tendo a ofendida informado que vivia em ..., que era estudante.

13. Em dado momento, o arguido sugeriu à BB que fizesse uma videochamada, começando por lhe pedir que lhe exibisse os seios e a barriga, passando depois para o corpo integralmente nu, a troco de uma quantia elevada em dinheiro, enviando-lhe fotografias de alegados comprovativos de pagamento.

14.Como não tinha câmara no computador, a BB acedeu apenas a enviar-lhe fotografias da zona do peito, em soutien, que tirou na casa de banho da escola, sem que fosse visível a sua face, o que aconteceu pelo menos no ano de 2015.

15. Entretanto o arguido deixou de contactar a BB, reiniciando os contactos em data não concretamente apurada do Verão de 2015, utilizando o perfil OO, associado ao endereço de correio eletrónico ....

16.Nesses contactos, o arguido propôs à BB que mantivesse relações sexuais com um amigo dele e que as filmasse, enviando-lhe depois o vídeo a troco de uma quantia em dinheiro, em montante não concretamente apurado e que cifrou em milhões de euros.

17. Para a convencer, o arguido contactou a ofendida, por mensagem, através do Facebook, utilizando o perfil PP, dizendo ser amiga de QQ e que também tinha enviado fotografias do seu corpo nu ao arguido, bem como se tinha exibido nua através da webcam, a troco de dinheiro, chegando a remeter à ofendida uma imagem com vários maços de notas de euros, que afirmou ter obtido daquela forma.

18. Como a BB se mostrou renitente relativamente a tal proposta, o arguido disse-lhe que, se não aceitasse fazer o filme, publicaria no Facebook as conversas que tinham mantido anteriormente, bem como as fotografias que ela lhe tinha enviado e onde designadamente aparecia em soutien.

19.Atemorizada e na expectativa que aquele não divulgasse as suas fotografias na internet e as apagasse como havia prometido, a BB aceitou a proposta do arguido, passando a falar diretamente com o perfil de Facebook AA, que julgava ser do amigo do arguido, o qual facultou também à ofendida o seu número de telemóvel.

20. No dia 29 de agosto de 2015, cerca das 15.00h, o arguido deslocou-se, como combinado, a um local perto do lugar..., em ..., onde se encontrou com a ofendida, levando-a para um pinhal situado nas proximidades.

21.Aí chegados, o arguido mandou a ofendida despir-se, o que esta fez, ficando em soutien e cuecas, e começou a apalpar-lhe o corpo todo, ao mesmo tempo que filmava com o seu telemóvel, desconhecendo a ofendida que QQ e AA eram a mesma pessoa.

22. Em seguida, o arguido despiu-se da cintura para baixo e disse à ofendida para tirar o soutien e que metesse o pénis na sua boca e o chupasse, o que esta fez, por duas vezes, tendo aquele ejaculado pelo menos uma vez e sem que tenha usado preservativo em qualquer das duas ocasiões.»

2. O recurso extraordinário de revisão de sentença transitada em julgado, com consagração constitucional no artigo 29º, nº 6, da Lei Fundamental, constitui um meio processual vocacionado para reagir contra clamorosos e intoleráveis erros judiciários ou casos de flagrante injustiça, fazendo prevalecer o princípio da justiça material sobre a segurança do direito e a força do caso julgado. Estes princípios essenciais do Estado de Direito cedem perante novos factos ou a verificação da existência de erros fundamentais de julgamento adequados a porem em causa a justiça da decisão.

Atendendo ao carácter excecional que qualquer alteração do caso julgado pressupõe, o Código de Processo Penal prevê, de forma taxativa, nas alíneas a) a g) do artigo 449º, as situações que podem, justificadamente, permitir a revisão da sentença penal transitada em julgado.

São elas:

- falsidade dos meios de prova, verificada por sentença transitada em julgado;

- sentença injusta decorrente de crime cometido por juiz ou por jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;

- inconciliabilidade entre os factos que servirem de fundamento à condenação e os dados como provados noutra sentença, suscitando-se graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

- descoberta de novos factos ou meios de prova que, em si mesmos ou conjugados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

- condenação com fundamento em provas proibidas;

- declaração pelo Tribunal Constitucional, com força obrigatória geral, de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que haja servido de fundamento à condenação; ou

- sentença de instância internacional, vinculativa para o Estado Português, inconciliável com a condenação ou que suscite graves dúvidas sobre a sua justiça.

2.1. Comecemos por referir que o processo de revisão segue por apenso aos autos principais, nos termos do art. 452º, do CPP; e dado que o arguido beneficia de apoio judiciário, foram juntas as necessárias certidões, tal como refere a Meritíssima Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro (Juízo Central Criminal de Aveiro, Juiz 6); acresce referir que este Supremo Tribunal tem acesso ao processo principal sempre que solicita esse acesso através do sistema Citius.

2.2. O recurso agora interposto restringe-se, segundo o requerimento apresentado pelo arguido, ao crime de violação, pelo qual foi condenado numa pena de 3 anos e 6 meses (nos termos do art. 164º, nº 1, al. a), do CP).

E o requerente juntou prova documental — declaração de II — e requereu a realização de prova testemunhal, bem como a prestação de novas declarações pelo condenado. 

Quanto ao condenado, começa-se por salientar que prestou declarações em sede de audiência de discussão e julgamento:

«O arguido prestou declarações reconhecendo a prática de grande parte dos factos que lhe são imputados. Negou, porém, saber a idade de algumas das ofendidas bem como alguns factos a elas concernentes.

Reconheceu a utilização das páginas do Facebook, bem como a generalidade dos endereços, contas e nomes utilizados, bem como apresentar-se perante as vítimas como conforme referidos nos pontos 3 e a 8 da factualidade assente.

No tocante à vítima BB afirmou que apenas manteve contactos com esta a partir de 2015 reconhecendo parte dos comportamentos que se lhe imputam. Negou, porém, que esta jovem lhe tivesse dito que tinha 15 anos, antes afirmando que lhe disse ter 19 anos e assim se ter convencido, por as fotografias darem a ideia de estar perante uma jovem dessa idade e não com 15 anos.

Reconheceu a existência de contactos durante um certo período de tempo, ter a vítima bloqueado os acessos ao seu perfil e o recomeçar desses contactos “por alturas do verão”.

Afirmou não se recordar de ter tido contactos com esta jovem através de perfis com identidade feminina e designadamente o perfil de “PP”.

Negou a factualidade constante do ponto 19, designadamente que, perante a recusa da BB em se encontrar consigo, lhe tenha referido que publicaria, na internet, as fotografias que esta lhe havia enviado previamente.

Admitiu o contacto pessoal e sexual com esta jovem e as instruções a esse propósito dadas.» (cf. motivação de facto no acórdão de 1.ª instância, p. 24-25)

Ora, o arguido requer a prestação de novas declarações, mas sem que diga de forma clara o que quer vir dizer de novo, sendo certo que de forma expressa refere “o arguido restringe desde já a motivação recursiva da presente revisão à condenação sofrida pelo alegado crime de violação que na realidade nunca por nunca cometeu — nem o mesmo resultará da prova oportunamente produzida”. Ou seja, o arguido pretende negar os factos, o que só por si, e sem a junção de outros elementos, não é o bastante para que se possa concluir pela sua indispensabilidade para a descoberta da verdade e, por isso, nos termos do art. 453º, nº 1, do CPP, não foram as diligências realizadas.

Além disto, as testemunhas que o requerente pretende que sejam inquiridas, como expressamente refere no requerimento apresentado, apenas seriam testemunhas abonatórias da sua personalidade, o que por si só não determina a sua indispensabilidade em ordem a atingir a verdade material e processualmente válida para que se obtenham novos elementos que ponham em causa a justiça da condenação. Assim, não oferece qualquer reparo a decisão da Meritíssima Juiz quando refere que “as testemunhas cuja inquirição ora se pretende, como resulta do que vem alegado, nenhumas relações relevantes têm com o objeto processual, nomeadamente com os factos que o recorrente pretende pôr em crise, máxime com os factos que constituem os elementos integrativos do tipo de crime de violação de que foi condenado.

A testemunha II - como resulta da motivação - não tem qualquer conhecimento dos factos. As testemunhas JJ, KK e LL porque - como também resulta da motivação - serviriam apenas para abonar a personalidade do arguido.

A abonação da personalidade do arguido, por melhor que seja, não é capaz de pôr em causa ou de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação do arguido por este crime de violação. Admite-se que a abonação pudesse ter algum relevo na medida da pena, mas com tal fundamento não é admissível a revisão (art. 449°, n° 1 al. d) e n° 3 do Código de Processo Penal).”

2.3. Como vimos, o requerente invoca, como fundamento do recurso, a alínea d) do nº 1 do citado art. 449. °, do CPP que, como já referido, estabelece que a revisão da sentença transitada em julgado é admissível se se descobrirem novos factos ou novos meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Ora, como considerou o Tribunal Constitucional, no seu acórdão nº 376/2000, de 13.07.2000, “no novo processo, não se procura a correcção de erros eventualmente cometidos no anterior e que culminou na decisão revidenda, porque para a correcção desses vícios terão bastado e servido as instâncias de recurso ordinário, se acaso tiverem sido necessárias[3]. E isto sob pena de, como refere Paulo Pinto de Albuquerque[4], o recurso de revisão, de natureza excecional, transformar-se numa «apelação disfarçada», o que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem vindo a censurar, enquanto violador da garantia do caso julgado.

Exige ainda a lei que os novos factos ou meios de prova descobertos sejam de molde, por si ou em conjugação com os que foram apreciados no processo, a suscitar “graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.

Ponto é saber o que serão novos factos ou novos meios de prova.

A generalidade da doutrina tem entendido que são novos os factos ou os meios de prova que não tenham sido apreciados no processo que levou a condenação do agente, por não serem do conhecimento da jurisdição na ocasião em que ocorreu o julgamento, pese embora pudessem ser do conhecimento do condenado no momento em que foi julgado.

Entendimento que o Supremo Tribunal de Justiça partilhou durante largo período de tempo, de jeito que podia considerar-se pacífico[5].

Porém, nos últimos tempos, tal jurisprudência sofreu uma limitação, de modo que, pelo menos maioritariamente, passou a entender-se que, por mais conforme à natureza extraordinária do recurso de revisão e mais adequada a busca da verdade material e ao respetivo dever de lealdade processual que recai sobre todos os sujeitos processuais, só são novos os factos e/ou os meios de prova que eram desconhecidos do recorrente aquando do julgamento e que, por não terem aí sido apresentados, não puderam ser ponderados pelo tribunal [6]. Algo de semelhante ocorre, quando o Código de Processo Penal, no art. 453º, nº 2, determina que nos casos em que o recorrente queira indicar testemunhas, “não possa indicar testemunhas que não tenham sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estavam impossibilitadas de depor” — ou seja, só são admissíveis novos documentos quando o recorrente desconhecia a sua existência ao tempo da decisão ou, não os desconhecendo, justificar a razão por que os não apresentou.

Assim sendo, o recorrente não pode “guardar” factos ou meios de prova do seu conhecimento ao tempo da decisão para mais tarde, em sede de recurso de revisão, os apresentar como sendo “novos”, e assim fundamentando uma possível alteração de uma decisão, com prejuízo para o caso julgado, entretanto formado. Na verdade, poderemos considerar que, nestas circunstâncias, não estamos a assistir a um exercício de um direito fundamental, mas a um abuso daquele direito.

Todavia, caso esteja em causa a inocência de um condenado, talvez devamos retomar as velhas palavras do Supremo Tribunal de Justiça “em verdade seria iníquo que, demonstrada a inocência de um condenado, embora baseada em factos que por êle não eram ignorados no momento da condenação, mas que não tivesse alegado em defesa por  os não reputar eficazes, ou por qualquer outro motivo, continuasse sofrendo o pêso da condenação, beneficiando-se assim o verdadeiro culpado, ao qual ficaria assegurada a impunidade, e a possibilidade de continuar a pôr em risco a tranquilidade social[7].

2.4. O novo elemento que o recorrente agora apresenta é a declaração junta, subscrita por II, e que refere: “Eu, abaixo assinado, II, residente em Rua ..., ..., venho declarar que nunca tive conhecimento que a BB tivesse sido importunada sexualmente por algum homem, uma vez que a mesma nunca me referiu nada nesse sentido.

Ora, esta declaração por si só não põe em causa a justiça da condenação. Em primeiro lugar, o facto de nada ter sido referido a esta testemunha pela ofendida não significa que não tenha acontecido; quantas vezes as ofendidas deste tipo de crimes têm receio e vergonha de verbalizar e descrever os factos de que foram vítimas? Em segundo lugar, esta simples afirmação não põe em causa o depoimento da vítima quer aquando das declarações para memória futura, quer em audiência de discussão e julgamento, dado que todos os depoimentos das vítimas se mostraram “sérios, coerentes e dignos de credibilidade” (cf. acórdão de 1.ª instância, p. 28). Em terceiro lugar, cumpre referir que esta testemunha nada acrescenta ao conhecido pelo Tribunal; não conhecendo os factos, apenas consegue referir que a vítima nada lhe referiu quanto a eventuais contactos sexuais com o arguido. Assim sendo, e porque não são apresentados factos novos que ponham em causa, de forma séria e grave, a justiça da condenação, necessariamente deve ser negada a revisão.

3. O requerente veio, em resposta ao parecer do Ministério Público (cujo exercício se suscitou em atenção ao princípio do contraditório) veio ainda alegar, em “aditamento” ao pedido anterior, a nulidade das provas obtidas com fundamento no acórdão do Tribunal Constitucional nº 268/2022  decidiu: “a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4º da Lei nº 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6º da mesma lei, por violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35º e do nº 1 do artigo 26º, em conjugação com o nº 2 do artigo nº 18º, todos da Constituição;

b) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 9º da Lei nº 32/2008, de 17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros, por violação do disposto no nº 1 do artigo 35º e do nº 1 do artigo 20º, em conjugação com o nº 2 do artigo 18º, todos da Constituição.”  

Ora, o pedido de revisão tem o âmbito decorrente da petição inicial apresentada, não podendo ser alterado o seu âmbito em momento posterior. Na verdade, procedeu-se à notificação do parecer do Ministério Público (tal como aparece previsto no art. 417º, nº 2, do CPP) para os recursos ordinários apenas porque se pretendeu dar a possibilidade ao requerente de exercer o contraditório relativamente ao ali apresentado. Porém, o âmbito do recurso é delimitado pelo requerimento inicial, não podendo ser alterado. Até porque, se assim fosse, ter-se-ia que remeter novamente os autos à 1.ª instância para que agora viesse a ser prolatada nova informação (ao abrigo do disposto no art. 454º, do CPP) sobre este outro ponto. Além disso, o pedido de revisão foi apresentado como o fundamento previsto no art. 449º, nº 1, al. d), do CPP; ora a invocação de acórdão do Tribunal Constitucional que tenha declarado a inconstitucionalidade de uma norma com força obrigatória geral não constitui fundamento a integrar naquele dispositivo. Por fim, cumpre referir que, em novo pedido de revisão, não se pode invocar o mesmo fundamento (nos termos do art. 465º, do CPP), pelo que se impõe que apenas sejam conhecidos os fundamentos invocados em cada pedido realizado — no presente caso corresponde ao requerimento inicialmente apresentado e com os fundamentos ali invocados.

III

Conclusão

Nos termos expostos, acordam, na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em conferência, em negar o pedido de revisão formulado pelo condenado AA.
Custas pelo requerente, com 3 UC de taxa de justiça.

Supremo Tribunal de Justiça, 23 de junho de 2022


Os juízes conselheiros,

Helena Moniz (Relator)

Orlando Gonçalves

Eduardo Loureiro

_______________________________________________


[1] De acordo com o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14.10.2020.
[2] Apenas se transcrevem os referentes ao crime de violação.
[3] Consultável  in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20000376.html
[4] Cf. Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª ed., Lisboa: UCP, 2011, p. 1212 e ss.
[5] Assim, neste sentido, cf., entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11.03.93, Processo n.º 43.772; de 03.07.97, Processo n.º 485/97; de 10.04.2002, Processo n.º 616/02, todos da 3.ª Secção ou de 01.07.2009, Processo n.º 319/04.1 GBTMR-B.S1.
[6] Veja-se, por todos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20.06.2013, Processo nº 198/l0.0TAGRD-A.S1 e de 02.12.2013, Processo n.º 478/12.0PAAMD-A.Sl, ambos da 5.ª Secção ou de 25.06.2013, Processo n.º 51/09.0PABMAI-B.Sl, da 3.ª Secção
[7] Ac. de 08.03.1940, Revista dos Tribunais, ano 58, n.º 1378, p. 152 e ss (também citado em Conde Correia, O «mito do caso julgado e a revisão propter nova, Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 551). Todavia, já nesta altura a opinião não era unânime — na Revista da Justiça (ano 25, n.º 572, p. 116-7) em nota ao mesmo acórdão afirma-se que “não se deveria admitir que, conhecendo-os [o réu os novos factos], os não levasse ao conhecimento do Tribunal que o condenou e venha depois invocá-los para a revisão. (...) A doutrina agora adoptada pelo Supremo tem apenas o inconveniente de poder dar lugar a abusos.”).