Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1538/11.0TBFIG.C1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO MENDES
Descritores: DECISÃO SURPRESA
CAUSA DE PEDIR
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
PODERES DO JUIZ
ABUSO DO DIREITO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
REQUISITOS
Data do Acordão: 04/05/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS - PROCESSO / ACTOS PROCESSUAIS ( ATOS PROCESSUAIS ) / NULIDADES.
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL.
Doutrina:
- António Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, Almedina, Coimbra, 1997, 650-651.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 334.º, 483.º E SS. .
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 5.º, N.ºS 1 E 3, 195.º, N.ºS 1 E 2.
Sumário :
I - Por forma a manifestar a inexistência de uma linha divisória estanque entre os factos e o direito, o legislador estabeleceu que é na conjugação do estatuído nos n.º s 1 e 3 do art. 5.º do CPC que a decisão deve ser tomada, no âmbito da causa de pedir invocada.

II - Nessa precisa dimensão, que tem em conta a substancial e profunda alteração introduzida no art. 5.º do CPC relativamente ao que anteriormente se consagrava no art. 264.º, não existe, obviamente, decisão surpresa quando, mantendo-se dentro da causa de pedir invocada, a aplicação de regras de direito fundamentadoras dessa mesma decisão seja efectuada num quadro que as partes prognosticaram ou tinham o dever de prognosticar.

III - Uma actuação em abuso do direito pode, em abstracto, ser fonte autónoma de obrigação de indemnizar, nos termos gerais dos arts. 483.º e segs. do CC, tornando-se, obviamente, necessário que o lesado faça prova dos seus requisitos gerais, nomeadamente que o lesante tenha agido naquele momento e naquele contexto com a antijuridicidade própria daquele que age com a consciência da natureza abusiva da sua conduta.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I – AA, BB e CC propuseram a presente acção com processo ordinário contra DD e mulher EE e contra “Caixa de FF, C.R.L.”, alegando em síntese que por si e em representação de outros aí identificados negociaram com os RR nos termos e condições que constam de duas escrituras públicas de compra e venda juntas aos autos.

Referem que pela primeira escritura, de 3 de Abril de 2000, os AA e seus representados declararam vender por Esc. 18.000.000$00 aos RR DD e mulher e também a GG e mulher, que compraram, um prédio urbano objecto de destaque de um prédio misto ali devidamente identificado; por sua vez o negócio retratado na segunda escritura celebrada em 2 de Agosto de 2000 e com o preço de Esc. 20.000.000$00 teve por objecto a restante área do prédio original em causa, tendo nela intervindo apenas e só os Réus DD e mulher como compradores.

Acrescentam que no período de tempo que mediou a primeira e a segunda escrituras acabadas de aludir os RR DD e mulher adquiriram a totalidade da propriedade da parcela destacada ocorrendo, porém, que nunca receberam dos RR DD e mulher (ou de quem quer que fosse) qualquer valor ou preço em tais escrituras referidos.

Alegam também que aquisição dos mencionados prédios por parte dos RR DD e mulher junto dos demandantes e seus representados tinha como objectivo a construção de um prédio em regime de propriedade horizontal composto de fracções autónomas destinadas a habitação e garagens, conforme projecto aprovado pela Câmara Municipal da Figueira da Foz, obrigando-se os demandados DD e mulher a entregar depois aos AA três fracções habitacionais e três fracções destinadas a garagens.

Ainda segundo referem a “Caixa de FF, C.R.L.” assumiu o financiamento da construção do prédio contratando com RR DD e mulher um financiamento no valor de Esc. 200.000.000$00 e oferecendo o dito prédio como garantia real imóvel através da constituição de hipoteca voluntária; ao mesmo tempo obrigou-se perante os demandantes a garantir o cumprimento da entrega das mencionadas fracções, mal se encontrassem reunidas as condições de natureza legal que permitissem essa transmissão de propriedade a favor dos AA.

Na mesma data da realização da primeira escritura pública de compra e venda – 3 de Abril de 2000 –, já os RR DD e mulher, na qualidade de promitentes-vendedores, haviam celebrado com o A, na qualidade de promitente-comprador, um contrato-promessa de compra e venda através do qual aqueles Réus prometeram vender e o demandante, por si e em representação das restantes AA., prometeu comprar três fracções autónomas com três garagens do mencionado projecto de construção, sendo atribuído o preço de venda na quantia global de Esc. 42.000.000$00, que os Réus DD e mulher disseram terem recebido nessa data.

Acresce, segundo os AA, que quando da segunda escritura pública de compra e venda acabada de aludir os RR DD e mulher emitiram uma procuração a favor do A, conferindo-lhe poderes especiais para poder negociar consigo mesmo ou junto de terceiros as três fracções prediais em questão.

Segundo mencionam como condição essencial à realização de todo o negócio descrito, entre os ora demandantes e os representantes da Ré “Caixa de FF, C.R.L.” foi acordado que as fracções em questão ficariam de fora de qualquer intervenção hipotecária dada como garantia a esse financiamento.

Para o efeito, dizem, a R “Caixa de FF, C.R.L.”, através dos seus legais representantes (devidamente identificados na petição), como forma de garantir e formalizar o dito acordo, na mesma data da celebração da segunda escritura pública (2 de Agosto de 2000), emitiu documento de distrate autorizando o cancelamento das hipotecas relativas às fracções prometidas-vender – através do contrato-promessa de 3 de Abril de 2000 – do prédio objecto da primeira das escrituras públicas celebradas.

Em suma, ao emitir o documento de distrate acabado de aludir, a R “Caixa de FF, C.R.L.” assumiu de forma expressa e inequívoca que renunciava a qualquer direito sobre as mencionadas fracções, em caso de incumprimento por parte dos Réus DD e mulher perante aquela Ré “Caixa de FF, C.R.L.” no tocante ao contrato de financiamento entre eles estabelecido, ou mesmo perante os AA., reconhecendo, pois, a propriedade das mesmas fracções a favor dos demandantes.

Os RR DD e mulher vieram a construir nos referidos terrenos cedidos pelos AA um prédio constituído em propriedade horizontal com base no projecto aprovado em termos camarários, encontrando-se tal prédio actualmente concluído e os AA foram sempre acompanhando e intervindo em relação às três fracções habitacionais prometidas, no decurso das suas mais variadas fases construtivas, maxime verificando os trabalhos e dando indicações acerca dos materiais a aplicar.

Contudo, acrescentam, quando a obra em questão se encontrava concluída mas ainda sem os requisitos de natureza legal que permitissem aos demandantes fazer uso dos dois instrumentos (procuração com poderes especiais e documento de cancelamento de hipoteca) acima referidos (e ambos em seu poder), para colocar no respectivo nome ou em nome de outrem as referidas fracções, vieram eles a tomar conhecimento de que, por causas e circunstâncias de si absolutamente desconhecidas, o prédio construído e constituído em propriedade horizontal – e, logo, também as fracções prometidas-vender aos AA. – foi(ram) transferido(as), na sua propriedade, a favor da Ré “Caixa de FF, C.R.L.”, e isto apesar de o empréstimo bancário retratado na escritura pública de 2 de Agosto de 2000 se encontrar liquidado e pago.

Depois de ter tomado conhecimento da circunstância acabada de referir (transmissão da propriedade a favor da mesma demandada) o A AA requereu junto da R “Caixa de FF, C.R.L.”, através de carta datada de 16 de Março de 2010, o cumprimento e formalização efectiva de todo o negócio em causa, ou seja, que esta Ré, na qualidade de proprietária das fracções, operasse a respectiva transferência a favor dos demandantes, “respondendo” a demandada através da sua venda à empresa “HH – …, Lda.”, com a celebração de mais um novo contrato de financiamento com esta última entidade.

No quadro factual descrito entendem os AA que entre os mesmos e os três RR, e apesar de tal não se encontrar reduzido a escrito, foi negociado um contrato de permuta através do qual os demandantes, pela entrega dos prédios destinados a construção acima aludidos, receberiam dos Réus DD e mulher, em troca, três fracções habitacionais e três fracções destinadas a garagens, ficando garantido e assegurado documentalmente junto dos AA que a propriedade das fracções em causa seria transmitida a favor dos demandantes mal se encontrassem reunidas as circunstâncias de cariz legal para o efeito.

No entanto, e apesar de se terem encontrado em situação e condição de poderem cumprir com o acordado junto dos demandantes, os RR – todos eles – acabaram por se furtar à obrigação assumida, causando sérios danos na esfera jurídico-patrimonial dos AA., danos esses consumados em Fevereiro de 2011, altura em que, por via do negócio celebrado entre a Ré “Caixa de FF, C.R.L.” e a atrás identificada “HH – …, Lda.”, ficaram os Réus definitivamente impossibilitados de procederem à entrega das fracções.

Concretizando, caso o negócio tivesse sido cumprido entre todos os intervenientes conforme o acordado, hoje os AA seriam os proprietários de três fracções habitacionais com garagem, em um prédio bem localizado na cidade da …, gerando o incumprimento dos demandados a necessidade de colocação dos AA na situação em que se achariam se o contrato tivesse sido cumprido.

Por todo o exposto, e tomando em conta o actual valor médio de mercado dos apartamentos de características similares aos destinados aos demandantes, formulam pedido de condenação solidária dos RR no pagamento de uma indemnização no valor de € 515.0000.

Citada, contestou a “Caixa de FF, C.R.L.”, por excepção e impugnação, invocando desde logo a ilegitimidade das demandantes BB e CC e da própria contestante para os termos da causa, pois que só o A AA e os Réus DD e mulher intervieram na relação negocial aqui em causa.

Por impugnação, disse, em síntese, a “Caixa de FF, C.R.L.” ter efectivamente financiado a construção a empreender pelos RR DD e mulher não se obrigando, todavia, em nada perante os AA com quem não negociou ou contratou, sendo rotundamente falso haver aceitado que as identificadas fracções “ficassem de fora” de qualquer intervenção hipotecária, o que, aliás, melhor se compreende, do ponto de vista jurídico e formal, atento o princípio da indivisibilidade da hipoteca.

Acrescenta que o documento de distrate invocado pelos AA – e que não sabe como foi parar às mãos daqueles – não poderá conceder quaisquer obrigações suplementares para além daquelas a que o próprio distrate dá cumprimento, ou seja, das que se ligam a uma autorização de cancelamento de um ónus, e nada mais do que isso, só se considerando um documento daquele jaez válido e eficaz quando entregue ao “onerado” e por ele usado.

Mas, para além do mais, acrescenta que nunca os RR DD e mulher estiveram em condições de transmitir as fracções aos demandantes, desde logo porque nunca conseguiram concluir a construção de modo a poder constituir a propriedade horizontal, conclusão que só ocorreu em 28 de Fevereiro de 2011 pela mão da contestante.

Acrescenta que as fracções não foram “transferidas” para a R “Caixa de FF, C.R.L.”, apenas sucedendo que no âmbito da execução n.º 2876/08.4TBFIG, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Figueira da Foz, o imóvel (sem a propriedade horizontal constituída) foi adjudicado a tal R enquanto credora exequente, na sequência do incumprimento das obrigações mutuais dos Réus DD e mulher relativamente à contestante.

Concluindo, pugnou pela procedência das suas excepções, com as legais consequências, e, quando assim não se entenda, pela total improcedência da acção.

Os RR DD e mulher apresentaram também contestação, deduzindo ainda reconvenção.

Excepcionando, disseram tratar-se as RR BB e CC de partes ilegítimas para a acção, já que nenhuma obrigação assumiram em relação a elas no negócio aqui em questão.

Ainda por excepção, referiram os que no contrato celebrado em 3 de Abril de 2000 não foi convencionado qualquer dia certo para o cumprimento da obrigação, dependente, por sua vez, de um evento futuro e incerto, a saber, a emissão de licença de utilização.

Segundo argumentam não tendo os AA dito se as fracções em questão já colheram ou não tal licença, para que o contrato pudesse ser considerado definitivamente incumprido deveriam os demandantes lançar mão de uma acção para fixação judicial de prazo e, esgotado o prazo assim fixado, conceder aos Réus uma derradeira oportunidade de cumprimento contratual, procedendo a uma interpelação suplementar admonitória pela qual anunciassem depois definitiva perda de interesse negocial, com a cominação da conversão da mora em incumprimento definitivo.

Foi ainda acrescentado não resultar dos autos uma impossibilidade de virem os contestantes a readquirir as fracções em causa, vendendo-as depois ao promitente-comprador (ora A.), ou de outro modo fazendo com que a actual proprietária as venda a quem aqueles haviam prometido vender.

Foi ainda invocada a excepção peremptória reconduzível à existência de uma cláusula penal para o inadimplemento contratual stricto sensu, pois que do contrato-promessa que os AA juntaram ao processo consta, de modo expresso, e em caso de incumprimento do contrato, a obrigação de pagamento de uma indemnização à parte contrária no montante de Esc. 85.000.000$00.

Assim, foi definida a liquidação da indemnização eventualmente devida (que não o é) aos AA nunca podendo ser atendido, pois, o quantum total de € 515.000 invocado pelos demandantes.

Já por impugnação, disseram os RR DD e mulher não terem nunca negociado com o A. AA ou demais demandantes qualquer contrato-promessa de permuta, antes, e apenas, com o primeiro, o contrato-promessa de compra e venda de 3 de Abril de 2000, sendo que os AA nunca fizeram entrega aos contestantes da quantia de Esc. 42.000.000$00 referida nesse contrato-promessa.

A menção do percebimento do aludido montante apenas se ficou a dever à indução dos demandados em erro, astuciosamente provocada pelo A. AA.

Já quanto à afirmação, constante da douta petição, de nada terem recebido os AA. pelos negócios formalizados nas escrituras públicas de 3 de Abril de 2000 e 2 de Agosto do mesmo ano, é a mesma falsa, pois os demandantes efectivamente embolsaram os valores pecuniários ali mencionados.

Em relação ao contrato-promessa celebrado na referida data de 3 de Abril de 2000 pretendeu o mesmo, e tão-somente, cristalizar a real vontade das partes, ou seja, a promessa de venda de fracções futuras aos AA., pelo preço global de Esc. 42.000.000$00.

Os contestantes vieram a levantar nos prédios por si adquiridos um empreendimento composto de 35 fracções com vocação habitacional, divididas por dois blocos a formarem uma unidade conjunta, com partilha de infra-estruturas e espaços comuns. E o projecto de construção fora feito aprovar pelo demandante AA, por si e em representação dos demais herdeiros de II. Ora, ao tempo da celebração das compras e vendas, arrogando-se conhecimento cabal do que haviam feito aprovar na Câmara Municipal da …, os demandantes asseguraram aos Réus DD e mulher que nenhum obstáculo, físico ou legal, existia para a concretização do fito construtivo dos últimos, o que não correspondeu à verdade. Com efeito, após a outorga das referidas escrituras públicas de compra e venda, e chegados ao futuro local de estaleiro da obra a empreender, os contestantes depararam-se com a presença de uma linha eléctrica de média e alta tensão sensivelmente atravessando a meio o prédio onde devia ser implantado um dos blocos habitacionais, situação que apesar de ser do perfeito conhecimento dos ora demandantes nunca fora por eles dada a saber aos compradores. Assim, viram-se os contestantes confrontados com a impossibilidade – legal, desde logo – de efectuarem a construção que os próprios AA haviam feito aprovar nos projectos submetidos a deferimento camarário, até que finalmente conseguiram os Réus a alteração do curso da apontada linha de tensão, com os custos – económicos e outros – advindos da paragem da obra durante, pelo menos, seis meses.

Já em Novembro de 2004, em uma fase adiantada dos trabalhos, ocorreu o embargo da obra por uma comproprietária confinante a norte, JJ, embargo esse fundado em uma alegada invasão construtiva por parte dos contestantes do prédio da embargante, apesar de os mesmos nada mais terem feito do que respeitar estritamente os limites prediais que os ora demandantes haviam feito constar dos projectos aprovados na Câmara Municipal da …. Apresentando oposição ao embargo, os agora Réus DD e mulher arrolaram o ora A. AA como testemunha, dando-lhe a conhecer, por ele e na qualidade de representante dos demais herdeiros de II, o montante de financiamento bancário já investido no empreendimento e estádio da obra, esperando do ora demandante a confirmação dos limites prediais tais como por si assinalados nos projectos que fizera aprovar junto da Câmara Municipal …. Só que, inquirido nos autos de procedimento cautelar de ratificação de embargo de obra nova pertinente, não só o ora demandante AA não corroborou os limites prediais tal como os havia apresentado nos projectos que submeteu a aprovação camarária como chegou mesmo a afirmar não saber, ao certo, os pontos concretos por onde se desenhavam esses limites prediais. Perante a postura do ora A., a providência cautelar foi julgada procedente e o embargo efectuado por JJ ratificado.

Com o acabado de aludir, a obra esteve parada entre fins de 2004 e fins de 2005, altura em que voltaria a estar em condições de ser retomada, não sem que para tal os contestantes lograssem um acordo com a embargante JJ na definição das linhas de confinância predial e a indemnizassem pelo pagamento da quantia de € 15.000.

Em suma, ao tempo da paragem pela alteração da linha de média e alta tensão, entre Abril de 2000 e finais de Setembro do mesmo ano, mantinham os Réus DD e mulher, adstrita ao financiamento da construção do empreendimento, uma dívida junto da Ré “Caixa de FF, C.R.L.” no valor de capital de € 1.000.000; aquando da paragem pelo embargo de obra nova, compreendida entre os meses de Novembro de 2004 e Dezembro de 2005, mantinham já os contestantes, adstrita ao financiamento da construção do empreendimento, uma dívida junto da Ré “Caixa de FF, C.R.L.” no valor, só de capital, de € 3.850.192,07.

Concluindo, por causa dos comportamentos dos AA., violadores da normal boa fé contratual, sofreram os contestantes diversos prejuízos, quer a título de danos emergentes quer de lucros cessantes, que, nos termos devidamente descritos no seu douto articulado (ora dados por reproduzidos no respectivo teor), computaram, respectivamente, em € 401.832,85 (danos emergentes) e € 265.500 (lucros cessantes), e cujo pagamento, em reconvenção, pretendem ver os AA condenados a pagar.

Por todo o exposto, concluíram os Réus DD e mulher no sentido da procedência das excepções por eles deduzidas e, sempre e em todo o caso, pelo naufrágio da acção, com a sua correspondente absolvição do pedido dirigido pelos demandantes; reconvencionalmente, pugnaram pela declaração de anulação da confissão de recebimento do preço por parte dos reconvintes plasmada no contrato-promessa celebrado em 3 de Abril de 2000, reduzindo-se, por equidade, a cláusula penal constante do corpo de tal contrato-promessa a metade do seu valor, ou seja, a € 209.495,11, mais se condenando os reconvindos a pagar aos reconvintes a quantia de € 664.332,85, acrescida de juros moratórios civis a contar da notificação do douto articulado em causa até efectivo e integral pagamento.

Os AA replicaram, essencialmente mantendo todo o por si alegado na petição inicial, mais afirmando não poderem as defesas dos Réus DD e mulher (e reconvenção por estes deduzida) e da Ré “Caixa de FF, C.R.L.” alcançar qualquer espécie de procedência.

Após os articulados, elaborou-se despacho saneador, com a consequente declaração de validade e regularidade da instância e consignou-se a factualidade assente e a que passou a compor a base instrutória.

Teve lugar a audiência de julgamento na sequencia da qual foi proferida sentença, finda com que julgou a acção parcialmente provada e procedente e, em consequência condenou os RR DD e mulher, EE, a pagarem aos AA. KK, BB e CC o montante de € 423.978,21 (quatrocentos e vinte e três mil, novecentos e setenta e oito euros e vinte e um cêntimos), acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados da notificação da presente decisão, no mais indo absolvidos tais Réus do contra si peticionado nos presentes autos; condenou a R “Caixa de FF, C.R.L.” a pagar aos AA KK, BB e CC a quantia de € 450.000 (quatrocentos e cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados da notificação da presente decisão, no mais indo absolvida tal Ré do contra si peticionado nos presentes autos; declarou expressamente que as indemnizações referidas (e sob pena de um locupletamento injusto dos demandantes) não são cumulativas, no sentido de que o obtido pelos AA junto de algum dos obrigados não poderá ser recebido pelos mesmos demandantes do(a) outro(a) obrigado(a), se a soma dos montantes indemnizatórios pagos por qualquer um deles ultrapassar o valor de € 450.000 (e sendo certo que os Réus DD e mulher não estão vinculados a pagar mais do que € 423.978,21) e finalmente julgou a reconvenção não provada e improcedente.
Pelos RR foi interposto recurso de apelação na sequência do qual foi proferido acórdão no qual se julgou improcedente a apelação dos 1.ºs RR., confirmando, nessa parte, a sentença recorrida julgou procedente a apelação da 2.ª R absolvendo a mesma do pedido.

II. Inconformados com o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra interpuseram os AA o presente recurso de revista.
Alegam em síntese os recorrentes que: a) foi condição essencial à celebração do negócio em causa um acordo pelo qual as 3 fracções habitacionais e 3 espaços de garagem que lhes seriam entregues ficariam em qualquer caso fora de qualquer garantia hipotecária relativa ao financiamento da construção sendo para esse efeito que a FF emitiu o documento para distrate, acrescentando que essa sua posição foi expressa nos articulados e sujeita a contraditório; b) que apesar de não ter reconhecido qualquer relação contratual entre os AA e a R FF esta incorreu em responsabilidade civil extracontratual ao, violando os ditames da boa-fé, criar condições que impediram a efectivação do distrate; c) que ao decidir como decidiu o Juiz de 1ª Instancia se limitou a agir da forma estabelecida no nº 3 do artigo 5º CPC, aplicando o direito à matéria factual apurada; d) ainda assim e mesmo que se entendesse, como entendeu a Relação, estarmos perante uma violação do contraditório e consequente decisão surpresa a consequência seria a da nulidade dessa mesma decisão e remessa dos autos á 1ª Instancia para cumprimento do contraditório e não a absolvição do pedido.
Contra alegou a R FF pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

III. Os factos

1 – No dia 3 de Abril de 2000, no Primeiro Cartório Notarial da Figueira da Foz, a cargo da notária LL, o A. AA, em nome do seu representado menor MM, declarou vender a NN e mulher, OO, que declararam aceitar a compra, pelo preço de Esc. 6.666.667$00, que declarou ter recebido, a sexta parte indivisa pertencente ao menor MM do prédio urbano descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial … com a área de 2.738 m2, com o n.º 3561, actualmente inscrito na matriz sob o artigo …º da freguesia de …, concelho da …, objecto de destaque de um prédio misto sito em …, freguesia de …, concelho da …, inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo …º e na matriz rústica sob o artigo …º, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial desse concelho sob a ficha n.º … (documento de fls. 26 a 31 dos presentes autos, cujo teor ora se dá por inteiramente reproduzido);

2 – Na mesma ocasião de tempo e lugar, o A. AA, por si e na qualidade de procurador e em nome e representação do menor MM, PP e marido, QQ, e ainda das ora demandantes BB e CC, e RR, este último na qualidade de procurador e em nome e representação de SS e NN e mulher, OO, declararam vender ao Réu DD, que declarou aceitar a compra, pelo preço de Esc. 18.000.000$00, que declararam ter recebido, o prédio identificado no ponto 1 (destes factos assentes) (documento de fls. 26 a 31 dos presentes autos, cujo teor ora se dá por inteiramente reproduzido);

3 – No dia 2 de Agosto de 2000, no Cartório Notarial ..., a cargo da notária TT, o ora demandante AA, por si e na qualidade de procurador e em nome e representação de PP e marido, QQ, e ainda das ora demandantes BB e CC, e RR, este último na qualidade de procurador e em nome e representação de SS e NN e mulher, OO, declararam vender aos ora Réus DD e mulher, EE, que declararam aceitar a compra, pelo preço de Esc. 20.000.000$00, que declararam ter recebido, o prédio com a área de 2.302 m2, inscrito na freguesia de …, concelho da …, sob o artigo …º e descrito na competente Conservatória do Registo Predial com o n.º …, correspondente à área restante do prédio identificado no ponto 1 (da presente factualidade provada) (documento de fls. 32 a 35 dos presentes autos, cujo teor ora se dá por inteiramente reproduzido);

4 – A aquisição dos referidos prédios por parte dos Réus DD e mulher tinha como objectivo a construção de um prédio em regime de propriedade horizontal composto por fracções autónomas destinadas a habitação e garagens;

5 – Na mesma ocasião de tempo e lugar, e pela escritura pública mencionada no ponto 3 (desta matéria fáctica assente), entre os Réus DD e mulher e a Ré “Caixa de FF, C.R.L.” foi celebrado um acordo denominado de “Abertura de Crédito”, nos termos do qual esta concedeu àqueles um crédito até ao limite de Esc. 200.000.000$00, oferecendo os Réus DD e mulher de garantia uma hipoteca voluntária sobre o bem imóvel identificado no ponto 1 (desta factualidade provada) (documento de fls. 32 a 35 dos presentes autos, cujo teor ora se dá por inteiramente reproduzido);

6 – Em documento anexo à escritura referida nos pontos 3 e 5 (destes factos assentes) e que dela faz parte integrante, constam, entre as demais, as seguintes cláusulas:

«(…) Terceira: 1 – Os créditos utilizados vencerão juros à taxa que vigorar na “Caixa, C.R.L.” para operações de natureza e prazo semelhantes nesta data, de dez por cento ao ano, conforme for estipulado ou, na falta ou insuficiência dessa estipulação, à taxa máxima legalmente autorizada pelas operações daquela natureza e daquele prazo, na data do início de cada período de contagem de juro. (…)

Quarta: No caso de mora do mutuário na amortização ou liquidação do empréstimo, incidirá sobre o respectivo montante, a contar do vencimento e até ao pagamento, a taxa de juro nominal referida na cláusula anterior, acrescida a título de cláusula penal, da sobretaxa de quatro por cento, ou da legalmente estabelecida para mora.

Quinta: Este contrato durará enquanto convier a ambas as partes, podendo ser utilizado parcialmente ou na sua totalidade, por uma ou mais vezes, através de um ou vários empréstimos, e aquele que o quiser dar por findo denunciá-lo-á com trinta dias de antecedência, por carta registada ou notificação judicial, sem prejuízo da subsistência e validade das obrigações que entretanto tiverem sido assumidas e das garantias constantes deste contrato. (…)

Sétima: 1 – Serão da conta do segundo outorgante todas as despesas com a celebração e registo deste contrato, obrigando-se ele ainda a reembolsar a “Caixa, C.R.L.” do que esta despender com a cobrança judicial e extrajudicial do crédito, incluindo despesas e honorários com advogados ou outros mandatários, custas judiciais em quaisquer acções, declarativas ou executivas, ou providências cautelares imputadas unicamente para efeitos de registo em Esc. 20.000.000$00, renunciando o segundo outorgante a contestar a liquidação das mesmas nessa quantia» (documento de fls. 246 a 255 dos presentes autos, cujo teor ora se dá por inteiramente reproduzido);

7 – Por escritura pública de 22 de Outubro de 2001, lavrada no Cartório Notarial ..., a cargo da notária TT, a Ré “Caixa de FF, C.R.L.” e os Réus DD e mulher, na qualidade de primeira e segundos outorgantes, respectivamente, declararam que ampliavam o montante de crédito estabelecido no acordo mencionado no ponto 5 (destes factos assentes) de Esc. 200.000.000$00 para Esc. 360.000.000$00, e as despesas extrajudiciais, unicamente para efeitos de registo, de Esc. 20.000.000$00 para Esc. 36.000.000$00, mantendo-se a taxa de juro 10% e tudo o mais declarado (documento de fls. 256 a 260 dos presentes autos, cujo teor ora se dá por inteiramente reproduzido);

8 – Por escrito datado de 3 de Abril de 2000, intitulado “Contrato-promessa de compra e venda a pessoa a nomear”, os ora Réus DD e mulher, na qualidade de primeiros outorgantes, e o ora demandante AA, na qualidade de segundo outorgante, declararam que aqueles prometiam vender a este, ou a quem o mesmo (ora demandante AA) viesse a nomear, três futuras fracções autónomas correspondentes ao apartamento tipo “T-3”, letra “C”, ao nível do rés-do-chão (nível 2 do projecto de construção), ao apartamento tipo “T-3”, letra “C”, ao nível do primeiro andar (nível 3 do aludido projecto), e ainda ao apartamento tipo “T-2”, letra “B”, ao nível do primeiro andar (nível 3 do projecto), com três garagens designadas pelos números 1, 4 e 11, respectivamente, do projecto de construção do bloco habitacional de 32 fracções a construir pelos primeiros outorgantes e ora Réus DD e mulher no prédio misto sito em … , freguesia … , concelho de … , inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo … º e na matriz rústica sob o artigo 656º, descrito na Conservatória do Registo Predial da … sob a ficha n.º …, pelo preço global de Esc. 42.000.000$00, valor que os primeiros outorgantes declararam ter recebido integralmente do segundo outorgante e dado a respectiva quitação (documento de fls. 36 e 37 dos presentes autos, cujo teor ora se tem por inteiramente reproduzido);

9 – Na cláusula 4ª do escrito aludido no ponto 8 (destes factos provados) consta que «acordam ambas as partes em sujeitar o presente contrato à execução específica prevista no art. 830º do Código Civil» (C.C.); por seu turno, na cláusula 5ª do mesmo escrito refere-se que «independentemente do consignado na cláusula anterior, o incumprimento culposo do estipulado no presente contrato implicará, para a parte faltosa, o pagamento de uma indemnização à parte contrária no montante de Esc. 85.000.000$00» (documento de fls. 36 e 37 dos presentes autos, cujo teor ora se dá por inteiramente reproduzido);

10 – No dia 2 de Agosto de 2000, no Cartório Notarial de …., por documento intitulado “Procuração”, os Réus DD e mulher declararam constituir seu procurador o ora demandante AA, a quem conferiram poderes especiais para vender a si mesmo ou a terceiro as fracções “B”, “E”, “L”, “X” “AC” e “AD” do prédio descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial da … sob a ficha n.º … da freguesia de …, nos termos e condições que entendesse convenientes; mais declararam que a procuração era irrevogável e não sujeita à caducidade, mesmo em caso de morte, interdição ou inabilitação dos mandantes, nos termos do disposto nos arts. 261º, 265º/n.º 3, 1170º/n.º 2 e 1175º, todos C.C. (documento de fls. 38 dos presentes autos, cujo teor ora se dá por inteiramente reproduzido);

11 – Por escrito datado de 2 de Agosto de 2000, a ora Ré “Caixa de FF, C.R.L.” declarou autorizar à Primeira Conservatória do Registo Predial da …  o cancelamento da inscrição hipotecária “C-1. Ap.08/06042000”, mas tão-somente quanto às fracções “B”, “E”, “L”, “X”, “AC” e “AD” do prédio descrito na respectiva Conservatória sob o n.º …, fracções “B”, “E”, “L”, “X”, “AC”, “AD” da freguesia de ….; no mesmo escrito, UU e  VV, respectivamente presidente e secretário da direcção da Ré “Caixa de FF, C.R.L.”, com poderes para o acto, declararam que o mesmo exprime a vontade da sua representada e foi por eles assinado (documento original de fls. 472 e cópia de fls. 39 dos presentes autos, cujo teor ora se dá por inteiramente reproduzido);

12 – Nos terrenos descritos nos pontos 1 e 3 (destes factos provados), os Réus DD e mulher construíram um empreendimento composto por 35 apartamentos e respectivas garagens;

13 – Por escritura pública lavrada no Cartório Notarial ..., em 13 de Abril de 2000, a Ré “Caixa de FF, C.R.L.”, na qualidade de primeira outorgante, e os Réus DD e mulher, na qualidade de segundos outorgantes, declararam que a primeira abria a favor dos segundos um crédito até Esc. 165.000.00$00, contrato que se regeu pelas cláusulas constantes do documento complementar que faz parte integrante da escritura, e que para garantia do pagamento do capital, dos juros e demais despesas os segundos outorgantes constituíram a favor da Ré “Caixa de FF, C.R.L.”, que a aceitou, hipoteca sobre o prédio dito no ponto 1 (destes factos provados), registada na Conservatória do Registo Predial … sob a “Ap. 8, de 6.4.2000”, cancelada oficiosamente pela “Ap. 3526, de 7.1.2010”, registada em 18 de Janeiro de 2010 (documento de fls. 238 a 245 destes autos, cujo teor ora se dá por reproduzido);

14 – Em documento anexo à escritura referida no ponto 13 (desta factualidade assente), e que dela faz parte integrante, constam, entre outras, as seguintes cláusulas:

«(…) Terceira: 1 – Os créditos utilizados vencerão juros à taxa que vigorar na “Caixa, C.R.L.” para operações de natureza e prazo semelhantes nesta data, de dez por cento ao ano, conforme for estipulado ou, na falta ou insuficiência dessa estipulação, à taxa máxima legalmente autorizada pelas operações daquela natureza e daquele prazo, na data do início de cada período de contagem de juro.

Quarta: No caso de mora do mutuário na amortização ou liquidação do empréstimo, incidirá sobre o respectivo montante, a contar do vencimento e até ao pagamento, a taxa de juro nominal referida na cláusula anterior, acrescida, a título de cláusula penal, da sobretaxa de quatro por cento, ou da legalmente estabelecida para mora.

Quinta: Este contrato durará enquanto convier a ambas as partes, podendo ser utilizado parcialmente ou na sua totalidade, por uma ou mais vezes, através de um ou vários empréstimos (…).

Sétima: Serão da conta do segundo outorgante todas as despesas com a celebração e registo deste contrato, obrigando-se ele ainda a reembolsar a “Caixa, C.R.L.” do que esta despender com a cobrança judicial e extrajudicial do crédito incluindo despesas e honorários com advogados ou outros mandatários, custas judiciais em quaisquer acções, declarativas ou executivas, ou providências cautelares imputadas unicamente para efeitos de registo em Esc. 16.500.000$00, renunciando o segundo outorgante a contestar a liquidação das mesmas nessa quantia» (documento de fls. 238 a 245 dos presentes autos, cujo teor ora se dá por inteiramente reproduzido);

15 – Por escritura pública lavrada no Cartório Notarial ..., em 1 de Julho de 2003, a Ré “Caixa de FF, C.R.L.”, na qualidade de primeira outorgante, e os Réus DD e mulher, na qualidade de segundos outorgantes, declararam abrir a primeira a favor dos segundos um crédito até ao montante de € 1.200.000, contrato regido pelas cláusulas constantes do documento complementar que faz parte integrante da escritura, e que para garantia do pagamento do capital, dos juros e demais despesas os segundos outorgantes constituíram a favor da primeira outorgante, que a aceitou, hipoteca sobre o prédio identificado no ponto 1 (desta factualidade provada) (documento de fls. 272 a 279 dos presentes autos, cujo teor ora se dá por inteiramente reproduzido);

16 – Em documento anexo à escritura dita no ponto 15 (destes factos assentes), e dela fazendo parte integrante, constam, entre as demais, as seguintes cláusulas:

«(…) Terceira: 1 – Os créditos utilizados vencerão juros à taxa que vigorar na “Caixa, C.R.L.” para operações de natureza e prazo semelhantes nesta data, de doze por cento ao ano, conforme for estipulado ou, na falta ou insuficiência dessa estipulação, à taxa máxima legalmente autorizada pelas operações daquela natureza e daquele prazo, na data do início de cada período de contagem de juro.

Quarta: No caso de mora do mutuário na amortização ou liquidação do empréstimo, incidirá sobre o respectivo montante, a contar do vencimento e até ao pagamento, a taxa de juro nominal referida na cláusula anterior, acrescida, a título de cláusula penal, da sobretaxa de quatro por cento, ou da legalmente estabelecida para mora.

Quinta: Este contrato durará enquanto convier a ambas as partes, podendo ser utilizado parcialmente ou na sua totalidade, por uma ou mais vezes, através de um ou vários empréstimos. (…)

Sétima: Serão da conta do segundo outorgante todas as despesas com a celebração e registo deste contrato, obrigando-se ele ainda a reembolsar a “Caixa, C.R.L.” do que esta despender com a cobrança judicial e extrajudicial do crédito, incluindo despesas e honorários com advogados ou outros mandatários, custas judiciais em quaisquer acções, declarativas ou executivas, ou providências cautelares imputadas, unicamente para efeitos de registo, em € 120.000, renunciando o segundo outorgante a contestar a liquidação das mesmas nessa quantia» (documento de fls. 272 a 279 dos presentes autos, cujo teor ora se dá por inteiramente reproduzido);

17 – Por escritura pública lavrada no Cartório Notarial ..., em 16 de Julho de 2003, a Ré “Caixa de FF, C.R.L.”, na qualidade de primeira outorgante, e os Réus DD e mulher, na qualidade de segundos outorgantes, declararam que a primeira abria a favor dos segundos um crédito até ao montante de € 2.500.000, contrato regido pelas cláusulas constantes do documento complementar que faz parte integrante da escritura, e que para garantia do pagamento do capital, dos juros e demais despesas os segundos outorgantes constituíram a favor da primeira outorgante, que a aceitou, hipoteca sobre o prédio identificado no ponto 1 (da presente factualidade provada), registada na Conservatória do Registo Predial …, sob a “Ap. 25, de 17.07.2003”, cancelada oficiosamente pela “Ap. 3526, de 7.01.2010”, registada em 18 de Janeiro de 2010 (documento de fls. 264 a 271 dos presentes autos, cujo teor ora se dá por inteiramente reproduzido);

18 – Em documento anexo à escritura mencionada no ponto 17 (desta factualidade provada), e que dela faz parte integrante, constam, entre as demais, as seguintes cláusulas:

«(…) Terceira: 1 – Os créditos utilizados vencerão juros à taxa que vigorar na “Caixa, C.R.L.” para operações de natureza e prazo semelhantes nesta data, de doze por cento ao ano, conforme for estipulado, ou, na falta ou insuficiência dessa estipulação, à taxa máxima legalmente autorizada pela operações daquela natureza e daquele prazo, na data do início de cada período de contagem de juro.

Quarta: No caso de mora do mutuário, na amortização ou liquidação do empréstimo incidirá sobre o respectivo montante, a contar do vencimento e até ao pagamento, a taxa de juro nominal referida na cláusula anterior, acrescida, a título de cláusula penal, da sobretaxa de quatro por cento, ou da legalmente estabelecida para mora.

Quinta: Este contrato durará enquanto convier a ambas as partes, podendo ser utilizado parcialmente ou na sua totalidade, por uma ou mais vezes, através de um ou vários empréstimos. (…)

Sétima: Serão da conta do segundo outorgante todas as despesas com a celebração e registo deste contrato, obrigando-se ele ainda a reembolsar a “Caixa, C.R.L.” do que esta despender com a cobrança judicial e extrajudicial do crédito, incluindo despesas e honorários com advogados ou outros mandatários, custas judiciais em quaisquer acções, declarativas ou executivas, ou providências cautelares imputadas, unicamente para efeitos de registo, em € 120.000, renunciando o segundo outorgante a contestar a liquidação das mesmas nessa quantia» (documento de fls. 264 a 271 dos presentes autos, cujo teor ora se dá por inteiramente reproduzido);

19 – Em 25 de Março de 2006, entre a Ré “Caixa de FF, C.R.L.”, como segunda outorgante, e o Réu DD, outorgando por si e em representação da ora Ré sua mulher, como primeiro outorgante, foi celebrado acordo escrito, intitulado de “Escrito particular para empréstimo garantido por hipoteca”, contendo, no essencial, o seguinte teor: «Pelo primeiro outorgante foi dito: Que havendo necessitado, para fins e nos termos da proposta de crédito número …., de 8 de Março de 2006, apresentada à “Caixa, C.R.L.”, que faz parte integrante do presente escrito e que a ele fica anexa, da quantia de € 4.546.500, e havendo a “Caixa, C.R.L.”, segunda outorgante, aceite a referida proposta, ele, primeiro outorgante, se confessa devedor de todas as quantias que, de acordo e nos termos daquele contrato, vierem a ser devidas à “Caixa, C.R.L.”, incluindo as emergentes das suas modificações no prazo ou moratória, na taxa de juros, e outras que vierem a ser convencionadas, bem como as que no mesmo vão previstas. Que para garantia do presente contrato e das obrigações acessórias a ele primeiro constituíram a favor da segunda outorgante, conforme escrituras públicas lavradas, respectivamente, em 13 de Abril e 2 de Agosto de 2000, 22 de Outubro de 2001, 1 e 16 de Julho de 2003, de fls. 80 a 81 verso, de fls. 27a 29 verso, de fls. 15 a 16 verso, de fls. 97 a 98 verso, e de fls. 116 a 117 verso, do Livro de Notas números 120-D, 135-D, 182-D, 233-D e 234-D do Cartório Notarial .... (…) Pelos representantes da segunda outorgante foi dito que aceitam a confissão de dívida neste mesmo escrito exarada» (documentos de fls. 290 e 291 e 292 a 294 dos presentes autos, cujo teor ora se dá por inteiramente reproduzido);

20 – Por sentença proferida em 17 de Janeiro de 2004, no âmbito do processo n.º 2594/04.2TBFIG, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial da …, foi ratificado judicialmente o embargo de obra nova realizado no dia 19 de Novembro de 2003 por JJ (documento de fls. 338 a 345 dos presentes autos, cujo teor ora se dá por inteiramente reproduzido);

21 – Os Réus DD e mulher acordaram com JJ as linhas de confinância predial dos prédios em causa no processo aludido no ponto 20 (destes factos provados), e obrigaram-se a pagar à mesma a quantia de € 15.000, acordo que foi homologado por sentença proferida naquele processo (documento de fls. 366 e 367 dos presentes autos, cujo teor ora se dá por inteiramente reproduzido);

22 – Pela “Ap. 7, de 6.4.2000”, foi registada, na Segunda Conservatória do Registo Predial da …, a aquisição, por compra, do prédio urbano identificado sob o n.º …, sito no …, Primeira Rua …, n.º …, inscrito na matriz sob o artigo …, pelos ora Réus DD e mulher a NN, OO, PP, QQ, SS, e os ora demandantes AA, BB e CC (documento de fls. 45 a 48 dos presentes autos, cujo teor ora se dá por inteiramente reproduzido);

23 – Pela “Ap. 4280, de 14.05.2009”, foi registada, na Conservatória do Registo Predial ..., penhora sobre o imóvel identificado no ponto 1 (dos presentes factos assentes), no âmbito do processo de execução n.º 2876/08.4TBFIG, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da …, em que é exequente a ora Ré “Caixa de FF, C.R.L.” e são executados os ora Réus DD e mulher, cancelada pela “Ap. 3526, de 7.01.2010”, registada na Conservatória do Registo Predial … (documento de fls. 45 a 48 dos presentes autos, cujo teor ora se dá por inteiramente reproduzido);

24 – Pela “Ap. 4297, de 28.02.2011”, foi registada, na Segunda Conservatória do Registo Predial …, a aquisição do prédio aludido no ponto 1 (desta matéria fáctica provada) à ora Ré “Caixa de FF, C.R.L.” a favor de “HH – …, Lda.” (documento de fls. 45 a 48 dos presentes autos, cujo teor ora se dá por inteiramente reproduzido);

25 – Pela “Ap. 4298, de 28.02.2011”, foi registada, na Segunda Conservatória do Registo Predial …, hipoteca voluntária sobre o prédio dito no ponto 1 (destes factos assentes) e 18 fracções, a favor da ora Ré “Caixa de FF, C.R.L.”, para garantia do empréstimo concedido a “HH – …, Lda.”, com o capital de € 2.050.000, assegurando o montante máximo de € 3.239.000, com a taxa de juro de 12%, acrescida de uma sobretaxa de 4% ao ano, em caso de mora, a título de cláusula penal e despesas de € 205.000 (documento de fls. 45 a 48 dos presentes autos, cujo teor ora se dá por inteiramente reproduzido);

26 – Pela “Ap. 4336, de 28.02.2011”, foi registada, na Segunda Conservatória do Registo Predial …, a constituição do prédio identificado no ponto 1 (desta matéria factual assente) em propriedade horizontal (documento de fls. 45 a 48 dos presentes autos, cujo teor ora se dá por inteiramente reproduzido);

27 – Em consequência da aquisição dos prédios referidos nos pontos 1 e 3 (desta factualidade provada), os Réus DD e mulher obrigaram-se a entregar aos AA três fracções habitacionais e três fracções destinadas a garagens, razão por que subscreveram o escrito mencionado no ponto 8 (também destes factos assentes);

28 – A Ré “Caixa de FF, C.R.L.” assumiu o financiamento da construção do prédio aludido no ponto 4 (destes factos assentes) junto dos Réus DD e mulher;

29 – Os Réus DD e mulher não entregaram aos demandantes a quantia de Esc. 18.000.000$00, relativa à escritura referida nos pontos 1 e 2 (da presente matéria factual provada);

30 – Os Réus DD e mulher não entregaram aos AA. o montante de Esc. 20.000.000$00, relativo à escritura mencionada no ponto 3 (desta factualidade assente);

31 – Na ocasião e no lugar da celebração da escritura referida nos pontos 3 e 5 (desta factualidade provada), a ora Ré “Caixa de FF, C.R.L.”, que estava ciente dos factos mencionados nos pontos 27, 29 e 30 (desta mesma matéria provada), entregou (através dos seus representantes) ao A. AA o escrito aludido no ponto 11 (igualmente dos presentes factos assentes) como forma de convencer este de que não haveria qualquer obstáculo futuro à consecução da entrega de fracções referida no ponto 27 (desta matéria fáctica provada);

32 – Durante a construção das fracções identificadas no ponto 8 (desta factualidade provada), o A. AA deslocou-se à obra a fim de verificar os trabalhos e dar indicações acerca dos materiais a utilizar;

33 – A execução da obra relativa aos pavimentos, quartos de banho e cozinhas ocorreu de acordo com as indicações e o gosto dos AA., e alguns dos respectivos materiais foram escolhidos pelos mesmos demandantes;

34 – Tais fracções correspondem a dois apartamentos de tipologia “T3” e a um apartamento de tipologia “T2”, bem como a uma garagem por cada um deles, tudo sito no prédio constituído em propriedade horizontal identificado no ponto 1 (desta matéria fáctica provada);

35 – O valor de mercado de um apartamento de tipologia “T3” com garagem, na cidade da …, rondava, em média, em 2006, os € 150.000;

36 – O valor de mercado de um apartamento de tipologia “T2” com garagem, na cidade da …, rondava, em média, em 2006, os € 125.000;

37 – O empreendimento referido no ponto 12 (desta factualidade provada) já não foi concluído pelos Réus DD e mulher;

38 – Os AA. não entregaram aos Réus DD e mulher a quantia de Esc. 42.000.000$00, relativa ao escrito aludido no ponto 8 (desta factualidade assente);

39 – Em momento não concretamente determinado, mas anterior às datas de celebração das escrituras mencionadas nos pontos 1 e 3 (da presente matéria factual provada), os demandantes, por documento particular, prometeram vender a NN, que lhes prometeu comprar, os prédios identificados naquelas escrituras;

40 – A esse título, os demandantes receberam então a quantia de Esc. 5.000.000$00 entregue por NN;

41 – Relativamente aos prédios identificados nos pontos 1 e 3 (desta matéria factual provada), foram aprovados pela Câmara Municipal …, em nome do A. AA, por si e em representação dos demais herdeiros de II, dois projectos de licenciamento a que corresponderam os processos n.os 152/98 e 278/98, relativos a dois blocos habitacionais: o bloco “A” (processo n.º 152/98), com 16 fogos e 16 garagens, e o bloco “B” (processo n.º 278/98), com 19 fogos e 19 garagens;

42 – O alvará de licença de construção do processo n.º 152/98, relativo ao bloco habitacional “A”, foi emitido em 24 de Setembro de 1999, correspondendo à licença de construção n.º 367/99, com 16 fogos para habitação, obtido em nome dos herdeiros de II;

43 – O alvará de licença de construção do processo n.º 278/98, referente ao bloco habitacional “B”, foi emitido em 21 de Junho de 2001, correspondendo à licença de construção n.º 283/01, com 19 fogos para habitação, obtido em nome dos herdeiros de II;

44 – Os dois blocos partilham espaços verdes, áreas de lazer e de utilização colectiva, embora qualquer um desses blocos pudesse obter o respectivo licenciamento de utilização sem dependência da conclusão do outro bloco, pois tais licenciamentos são independentes;

45 – Os financiamentos concedidos pela Ré “Caixa de FF, C.R.L.” aos Réus DD e mulher visaram a construção dos dois blocos;

46 – Os projectos de construção mencionados no ponto 41 (da presente factualidade provada) foram pensados, impulsionados e acompanhados até à aprovação e emissão dos alvarás de licença de construção respectivos por NN (o qual recorreu também a outras pessoas para o desenho dos aludidos projectos), limitando-se o A. AA a, a pedido do dito NN, apor a sua assinatura nas peças ou requerimentos apresentados em seu (demandante AA) nome;

47 – Assim, os pedidos de licença de construção deram entrada na Câmara Municipal … em nome do A. AA, por si e em representação dos demais herdeiros de II (nos termos referidos nos pontos 41, 42 e 43 da presente factualidade provada);

48 – A aprovação dos projectos de construção dos dois blocos habitacionais partiu de configuração e localização prediais assinaladas em carta militar (à escala 1/25.000) e planta de localização (à escala 1/5.000) já existente;

49 – Foi realizado, em 21 de Junho de 2002, pela Câmara Municipal …, um levantamento topográfico específico para o processo n.º 278/98, resultando do mesmo que a construção respeitava a implantação aprovada;

50 – Em 2000, o prédio onde deveria ser implantado o bloco “A”, de 16 apartamentos e garagens, era atravessado a meio por uma linha eléctrica de média e alta tensão, estando o respectivo poste implantado no dito prédio;

51 – O referido no ponto 50 (destes factos provados) não permitia a construção do prédio;

52 – O facto mencionado no ponto 51 (desta factualidade assente) era do conhecimento dos AA;

53 – Os demandantes nada tinham feito para proceder à remoção do poste da linha de média e alta tensão mencionado no ponto 50 (dos presentes factos assentes), sendo tais poste e linha visíveis a olho nu para quem se deslocasse ao prédio; antes da assinatura das escrituras referidas nos pontos 1 a 3 e do escrito aludido no ponto 8 (todos desta factualidade provada), pelo menos o acima mencionado NN constatou a presença dos ditos poste e linha no local, dizendo ao demandante AA que iria posteriormente (ele, NN) encetar algumas diligências para a remoção do poste do local onde estava implantado;

54 – Devido à existência do poste e da linha de média e alta tensão referidos, a construção do empreendimento só se iniciou em momento não concretamente determinado do último trimestre do ano de 2000;

55 – Os Réus DD e mulher, através de empreiteira acreditada pela empresa “Electricidade de Portugal, E.P.”, alteraram o curso da linha eléctrica de alta e média tensão aludida no ponto 50 (da presente matéria factual provada), o que importou o custo, suportado pelos ditos Réus, de Esc. 5.499.000$00 (incluído já o montante atinente ao imposto sobre o valor acrescentado – I.V.A.);

56 – A ratificação judicial aludida no ponto 20 (dos presentes factos provados) foi decretada pelo facto de em tal processo ter o Tribunal Judicial da … dado como indiciariamente provado que o ora Réu DD, por si ou através de funcionários seus contratados para o efeito, iniciara, no dia 17 de Novembro de 2003, a abertura de uma vala (que fazia prever a construção de um muro) situada dentro dos limites do prédio vizinho, pertencente a JJ, mais dando o mesmo Tribunal como indiciariamente provado que a linha divisória entre os prédios era composta por um valado resultante de canas, loureiros e silvas que haviam sido limpas pelo ora Réu DD antes do início da construção dos blocos habitacionais (documento de fls. 338 a 345 dos presentes autos, cujo teor ora se dá por inteiramente reproduzido);

57 – O referido no ponto 20 (desta factualidade assente) ocorreu quando a obra de edificação dos blocos habitacionais já se encontrava em uma fase próxima do seu termo, faltando essencialmente concluir parte dos acabamentos dos prédios (sanitários, carpintarias e instalação eléctrica);

58 – Devido ao mencionado no ponto 20 (dos presentes factos provados), a obra ficou parada desde momento não concretamente apurado dos fins de Janeiro do ano de 2004 até momento não concretamente determinado dos fins do ano de 2005;

59 – A obra foi reiniciada em Janeiro do ano de 2006, após o facto referido no ponto 21 (desta factualidade assente);

60 – Entre 1 de Abril e 30 de Setembro de 2000, os Réus DD e mulher eram devedores à Ré “Caixa de FF, C.R.L.” da quantia de € 781.117,51 de capital, acrescida de € 39.489,83 a título de juros e € 1.579,59 de imposto de selo;

61 – Entre 30 de Novembro de 2004 e 31 de Dezembro 2005, os Réus DD e mulher eram devedores à Ré “Caixa de FF, C.R.L.” do montante de € 3.808.192,07 de capital, acrescido de € 383.332,86 a título de juros e € 15.333,31 de imposto de selo;

62 – Em finais de Janeiro de 2008, a Ré “Caixa de FF, C.R.L.” deixou de financiar a obra aos Réus DD e mulher;

63 – Os Réus DD e mulher não conseguiram negociar a venda das fracções integradas nos dois blocos habitacionais;

64 – Por via do facto aludido no ponto 63 (dos presentes factos provados), os demandados DD e mulher não arrecadaram o valor – não concretamente apurado – inerente ao lucro por si expectado pela venda de cada uma das 35 fracções;

65 – Por conta do financiamento referido no ponto 19 (desta factualidade assente), concedido pela Ré “Caixa de FF, C.R.L.” aos Réus DD e mulher, entregou aquela Ré a estes Réus, entre 25 de Março de 2006 e 30 de Janeiro de 2008, a quantia total de € 4.497.731,46;

66 – Por conta do financiamento mencionado no ponto 19 (destes factos provados), ocorreu a entrega, pela Ré “Caixa de FF, C.R.L.” aos Réus DD e mulher, da quantia de € 4.246.500 em 25 de Março de 2006, do montante de € 10.313,33 em 30 de Março de 2006, da quantia de €10.313,33 em 27 de Abril de 2006, do montante de € 90.6044,80 em 23 de Fevereiro de 2007, da quantia de € 20.000 em 28 de Setembro de 2007, do montante de € 35.000 em 31 de Outubro de 2007, da quantia de € 40.000 em 20 de Novembro de 2007, do montante de € 20.000 em 20 de Dezembro de 2007, e da quantia de € 25.000 em 30 de Janeiro de 2008;
67 – Os Réus “Caixa de FF, C.R.L.” e DD e mulher acordaram entre si que estes últimos teriam de entregar à primeira as quantias descritas no ponto 66 (da presente factualidade provada) em 25 de Março de 2008, mais acordando que tais quantias venceriam juros remuneratórios à taxa de 9%, e pagariam ainda à dita Ré “Caixa de FF, C.R.L.” o valor correspondente a 10% da quantia descrita no ponto 65 (destes factos assentes).
IV. Do mérito -

Entendeu-se no acórdão recorrido que na sentença foi abandonado o fundamento (responsabilidade civil contratual) em que os AA basearam a sua pretensão contra a R FF ‑ a celebração entre esta, os 1ºs RR e os AA, de um contrato de permuta, mediante o qual a estes últimos seriam entregues três fracções habitacionais e três fracções destinadas a garagens, entrega essa assegurada por todos ao RR logo que se encontrassem reunidas as circunstâncias de natureza legal para o efeito – decidindo-se pela procedência da acção com suporte no abuso de direito perpetrado pela mesma R ao levar a cabo a execução da hipoteca sobre o imóvel em construção do qual faziam parte as fracções que contratualmente os 1ºs RR deveriam entregar aos AA (responsabilidade civil extracontratual).

Com base neste diverso enquadramento jurídico dos factos provados, mais se entendeu que assim se procedendo, se alterou o objecto do processo, afirmando-se que “mais do que uma “decisão surpresa” ou um diferente enfoque da responsabilidade atribuída à R do âmbito contratual para o extra-contratual ‑tudo consoante o defendido por esta última ‑ o que sucede é que se alteraram  esses próprios factos enquanto fundantes da pretensão dos AA., que o mesmo é dizer, alterou ‑se de modo substancial a causa de pedir subjacente a essa pretensão[1].

De acordo, ainda, com o acórdão recorrido quando o juiz julga procedente a acção com fundamento em causa de pedir diversa da alegada pelo autor, conhece de questão que este não submeteu à sua apreciação, isto é, de questão de que não devia tomar conhecimento, cometendo a nulidade prevista na al. d) [2.ª parte], do n.º 1, do art. 615.º CPC; no caso concreto e conforme se argumenta a decisão proferida na sentença ao fundar-se numa situação de abuso de direito (de conhecimento oficioso) “saltou” da causa de pedir invocada para outra com fundamento na qual deu procedência ao pedido violou o principio do contraditório, configurando-se como uma decisão surpresa, uma vez que por força do nuclear princípio da substanciação, não é permitido alterar ou substituir a causa de pedir, o facto jurídico que o autor invocou como base da sua pretensão, de modo a decidir a questão com fundamento numa causa que o autor não pôs à sua consideração e decisão”.

Discordamos em absoluto desta decisão e dos seus fundamentos.

Em primeiro lugar todo o processo de tomada da decisão proferida em 1ª Instancia percorre uma via que – uma vez reconhecido o facto de ela não ser parte no contrato estabelecido entre os AA e os 1ºs RR – se desloca da pretendida responsabilidade civil contratual da R Caixa de FF (FF) para a responsabilidade extracontratual desta mesma R, essencialmente suportada nos factos constantes dos pontos 11 e 31 dos factos provados[2]; de acordo com o raciocínio base da sentença proferida a FF ao entregar aos AA a declaração que permitiria o futuro distrate das fracções prediais que os 1ºRR lhes deveriam entregar nos termos do contrato entre ambos celebrado fê-lo em violação do principio da boa-fé (artigo 334º CC) incorreu em responsabilidade extracontratual devendo por isso indemnizar os AA.

É precisamente com os mesmos factos alegados pelas partes e dados como provados que a sentença decide pela procedência da acção relativamente aos 1ºs RR (responsabilidade contratual) e igualmente contra a 2ª R (responsabilidade extracontratual).

Enquanto isso no acórdão recorrido efectua-se em nosso entender uma leitura restritiva e compartimentada do disposto no nº 1 do artigo 5º CPC não se tomando correctamente em conta que a causa de pedir representa na acção o substrato material a que o juiz reconhecerá ou não força jurídica bastante para desencadear as consequências jurídicas adequadas as quais deverão se determinadas num processo de tomada de decisão compatível com a amplitude de indagação, interpretação e aplicação previstas no nº 3 da mesma disposição legal.

É precisamente neste incidível “pas de deux” que o legislador estabeleceu por forma manifestar a inexistência de uma linha divisória estanque entre os factos e o direito estabelece na conjugação do estatuído nos nºs 1 e 3 do artigo 5º que a decisão deve ser tomada no âmbito da causa de pedir invocada.

Nessa precisa dimensão que tem em conta a substancial e profunda alteração introduzida no artigo 5º CPC relativamente ao que anteriormente se consagrava no artigo 264º, não existe obviamente decisão surpresa quando, mantendo-se dentro da causa de pedir invocada, a aplicação de regras de direito fundamentadoras dessa mesma decisão seja efectuada num quadro que as partes prognosticaram ou tinham o dever de prognosticar.

Na situação aqui em apreço, e lembrando que estamos perante uma questão de natureza processual e não no domínio da questão substantiva, a posição tomada pelos AA nos articulados foi na sua lógica expositiva construída de molde a consubstanciar factos que permitiam (conforme fossem ou não provados) a sua integração (ou não) na responsabilidade civil contratual ou extracontratual.

A lógica da argumentação dos AA foi sempre no sentido (pelo menos implícito) de com a sua actuação a R FF ao emitir a declaração para distrate ter agido de forma não séria criando neles AA a convicção de com tal declaração garantir o cumprimento por parte dos 1ºs RR.

Acrescente-se ainda e por ultimo que da fundamentação da decisão de facto efectuada na sentença (fls 521 v a 538 v) resulta evidente que a questão relacionada com o facto dado como provado sob o nº 31 teve necessariamente de ser objecto de contraditório.

A posição do tribunal de 1ª Instancia ao dar como provado o facto constante do ponto 31 do elenco factual leva em consideração de facto instrumental e simultaneamente concretizador, dentro dos poderes de cognição que lhe são atribuídos no nº 2 do artigo 5º CPC[3].


Em conclusão - entende-se neste segmento do recurso que, ao contrário do decidido pelo Tribunal recorrido, não foi na sentença cometida qualquer nulidade decorrente da violação do princípio do contraditório (proibição de prolação de decisão-surpresa)[4], esclarecendo-se que caso a mesma tivesse ocorrido – como se entendeu no acórdão recorrido - a consequência seria a prevista no artigo 195º nºs 1 e 2 CPC e nunca a absolvição da R do pedido.

Ultrapassada esta questão necessariamente termos que analisar e decidir a questão substantiva colocada na acção, no recurso de apelação, e neste recurso de revista a qual tem a ver com a eventual responsabilidade civil da R FF.
A questão não foi abordada no acórdão recorrido que se limitou (mal) a tirar consequências da previamente invocada violação do contraditório e consequente decisão-surpresa.
Afirmam na alegação os recorrentes que nunca se poderá deixar de reconhecer, como reconheceu a sentença, a responsabilidade da R FF decorrente do incumprimento contratual dos 1ºs RR, dada a interligação entre todos os intervenientes no negócio em questão.
De acordo com a fundamentação expressa na sentença a R FF incorreu em responsabilidade extracontratual única e exclusivamente pelo circunstancia de ter agido de má-fé, em manifesto abuso de direito, ao emitir a “declaração de distrate”, criando nos AA a convicção de que não haveria qualquer obstáculo futuro à efectiva entrega das fracções nos termos do contrato celebrado (diz-se na sentença que “ao acenar com uma declaração daquele jaez (a FF) não teve senão o condão de criar falsas expectativas junto dos AA que bem perceberam mais tarde a sua desprotecção perante o incumprimento contratual dos RR DD e mulher).
Reconhecendo-se que uma actuação em abuso de direito pode em abstracto ser fonte autónoma de obrigação de indemnizar, nos termos gerais dos artigos 483º e seguintes CC, o contexto da factualidade assente não permite de forma nenhuma concluir que esta R tenha tido uma actuação violadora de deveres de informação, de protecção e de lealdade (em causa no caso presente), destinados no essencial proteger a confiança (neste sentido Prof. António Menezes Cordeiro, “Da Boa Fé no Direito Civil, Almedina, Coimbra, 1997, págs. 650-651).
Em primeiro lugar não pode, desde logo, concluir-se da factualidade provada que a actuação da FF ao emitir a declaração de distrate e entregar ao A nas condições dadas como provadas (como forma de convencer este de que não haveria qualquer obstáculo futuro à consecução da entrega de fracções) tenha agido naquele momento e naquele contexto com a antijuridicidade própria daquele que age com a consciência da natureza abusiva da sua conduta; com efeito ao emitir tal declaração num quadro que, ainda que interligado com o contrato celebrado entre AA e 1ºs RR, é externo a esse mesmo contrato não podia a FF prever todos os acontecimentos que posteriormente ocorreram e que conduziram à impossibilidade de os 1ºs RR cumprirem o contrato celebrado. Acresce que o documento para distrate, ainda que emitido pela FF (a qual, insiste-se, não era parte no contrato celebrado) de forma a convencer os AA que nenhum problema existiria na entrega futura das fracções constantes do contrato e entregue aos AA (a autorizar a Primeira Conservatória do Registo Predial da … o cancelamento da inscrição hipotecária “C-1. Ap.08/06042000”, tão-somente quanto às fracções “B”, “E”, “L”, “X”, “AC” e “AD” do prédio descrito na respectiva Conservatória sob o n.º …, fracções “B”, “E”, “L”, “X”, “AC”, “AD” da freguesia de Buarcos) não pode de modo nenhum ser entendida como um documento de protecção ou garantia quanto a eventuais incumprimentos contratuais dos 1ºs RR (os quais nos termos do contrato transmitiriam as fracções aos AA - v. pontos 8 e 27 dos factos provados); mostrar-se-ia como perfeitamente abusiva qualquer interpretação no sentido de com tal declaração de com ela a FF se assumir como garante de qualquer incumprimento contratual dos 1ºs RR.
Com efeito o único sentido que pode ser dado aquela declaração, o único sentido normal dessa declaração (artigo 236º CC) é o de ele traduzir uma manifestação de vontade traduzida no expresso consentimento da FF para cancelamento de qualquer hipoteca a seu favor incidente sobre daquelas fracções quando a entrega dessas mesmas fracções devesse ser efectuada nos termos do contrato celebrado entre os AA e os 1ºs RR.
Insistindo, não cabe obviamente no sentido normal daquela declaração, emitida numa fase inicial do processo de construção, entendê-la como uma garantia prestada pelo financiador da construção como salvaguarda de eventual incumprimento contratual do financiado, sendo perante isto e na sua decorrência lógica manifestamente infundamentado e excessivo concluir do teor da declaração de distrate, mesmo reconhecendo que ela tivesse servido para convencer os AA que nenhum problema haveria na entrega futura das fracções, um comportamento do alegado lesante (FF) consubstanciador de um acto ilícito gerador de responsabilidade civil.
Mas mesmo que assim não fosse e se pudesse entender que da parte da FF tenha havido uma actuação ilícita potencialmente geradora de responsabilidade civil sempre seria necessário verificar se entre essa actuação ilícita e os danos invocados existe um nexo de causalidade adequada. Torna-se obvio que entre o acto praticado pela R (recorrida) apontado como acto ilícito gerador de responsabilidade civil – emissão e entrega da declaração de distrate nas circunstâncias constantes da factualidade provada – e os danos reclamados (consequentes á não entrega pelos 1ºs RR das fracções prediais referidas) não existe qualquer nexo de causalidade adequada uma vez que a não transferência da propriedade a efectuar para os AA da propriedade das fracções que os 1ºs RR deveriam efectuar nos termos do contrato não foi possível em resultado de sucessivas circunstancias alheias à R FF nomeadamente incumprimentos contratuais por parte daqueles 1ªs RR bem evidenciados na factualidade assente.
Não estão, ao contrário do que foi decidido na sentença de 1ª Instancia, reunidos os requisitos nem de responsabilidade contratual nem de responsabilidade extra-contratual da R FF, razão pela qual deve a mesma ser absolvida do pedido.

V. Decisão – nos termos expostos acorda-se, ainda que por razões e fundamentos essencialmente diversos dos que no acórdão recorrido suportam a absolvição do pedido da R Caixa FF, em negar a revista.
Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 5 de Abril 2016

Mário Mendes (Relator)
Sebastião Póvoas
Alves Velho

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[1] Refere-se esta passagem do acórdão à circunstância de o tribunal de 1ª Instancia ter dado como provada a matéria de facto constante do ponto 31 dos factos provados sem que a mesma tenha sido expressamente alegada nos articulados.

[2] 11 – Por escrito datado de 2 de Agosto de 2000, a ora Ré “Caixa de FF, C.R.L.” declarou autorizar à Primeira Conservatória do Registo Predial da Figueira da Foz o cancelamento da inscrição hipotecária “C-1. Ap.08/06042000”, mas tão-somente quanto às fracções “B”, “E”, “L”, “X”, “AC” e “AD” do prédio descrito na respectiva Conservatória sob o n.º 03498, fracções “B”, “E”, “L”, “X”, “AC”, “AD” da freguesia de …; no mesmo escrito, UU e VV, respectivamente presidente e secretário da direcção da Ré “Caixa de FF, C.R.L.”, com poderes para o acto, declararam que o mesmo exprime a vontade da sua representada e foi por eles assinado (documento original de fls. 472 e cópia de fls. 39 dos presentes autos, cujo teor ora se dá por inteiramente reproduzido);

31 – Na ocasião e no lugar da celebração da escritura referida nos pontos 3 e 5 (desta factualidade provada), a ora Ré “Caixa de FF, C.R.L.”, que estava ciente dos factos mencionados nos pontos 27, 29 e 30 (desta mesma matéria provada), entregou (através dos seus representantes) ao A. AA o escrito aludido no ponto 11 (igualmente dos presentes factos assentes) como forma de convencer este de que não haveria qualquer obstáculo futuro à consecução da entrega de fracções referida no ponto 27 (desta matéria fáctica provada).

[3] Leve-se em consideração que os AA alegaram que como condição essencial à realização de todo o negócio descrito, entre os ora demandantes e os representantes da Ré “Caixa de FF, C.R.L.” foi acordado que as fracções em questão ficariam de fora de qualquer intervenção hipotecária dada como garantia a esse financiamento e que para o efeito a R “Caixa de FF, C.R.L.”, através dos seus legais representantes (devidamente identificados na petição), como forma de garantir e formalizar o dito acordo, na mesma data da celebração da segunda escritura pública (2 de Agosto de 2000), emitiu documento de distrate autorizando o cancelamento das hipotecas relativas às fracções prometidas-vender – através do contrato-promessa de 3 de Abril de 2000 – do prédio objecto da primeira das escrituras públicas celebradas.
Concluindo em suma, que ao emitir o documento de distrate acabado de aludir, a R “Caixa de FF, C.R.L.” assumiu de forma expressa e inequívoca que renunciava a qualquer direito sobre as mencionadas fracções,
[4] A violação do principio do contraditório é geradora da nulidade processual prevista no artigo 195º nº 1 CPC nunca podendo ter a consequência jurídica ditada no acórdão recorrido.