Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
206/08.4TBMFR.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: SIMULAÇÃO
CAUSA DE PEDIR
LEGITIMIDADE ACTIVA
LEGITIMIDADE ATIVA
HERDEIRO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
CONTRADIÇÃO INSANÁVEL
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
FALTA DE PAGAMENTO
Data do Acordão: 06/14/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / FALTA E VÍCIOS DA VONTADE.
DIREITO PROCESSUAL PENAL – PROCESSO EM GERAL / INCIDENTES DA INSTÂNCIA / INTERVENÇÃO DE TERCEIROS / OPOSIÇÃO / OPOSIÇÃO MEDIANTE EMBARGOS DE TERCEIRO / HABILITAÇÃO – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / JULGAMENTO DO RECURSO.
Doutrina:
- Luís Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, 3ª Edição, Universidade Católica Editora, p. 280 e 281 ; Simulação e Tutela de Terceiros, Separata dos Estudos em Memória do Prof. Doutor Paulo Cunha, Lisboa, 1988, p. 37 a 40;
- Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª Edição actualizada, Coimbra Editora, 1996, p. 482.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 242.º, N.º 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 349.º, 351.º, 607.º, N.º 4 E 674.º, N.º 3.
Sumário :   
1. A causa de pedir numa ação de simulação estrutura-se na base de três componentes fundamentais:

a) - a divergência entre a vontade real e a vontade declarada dos contraentes, aquela integrando o negócio dissimulado e esta o negócio simulado;

b) - o acordo ou conluio entre as partes;  

c) - a intenção de enganar terceiros.

2. E o n.º 2 do artigo 242.º do CC estabelece uma norma especial de legitimidade ativa quanto aos herdeiros legitimários, mas restrita às situações em que o negócio simulado tenha sido feito com o intuito de os prejudicar.

3. Nessa medida, a legitimidade dos herdeiros legitimários terá de ser aferida em função do que o autor alegue na petição inicial, em particular quanto ao intuito dos contraentes em prejudicá-los, não necessitando que alegue a existência de um prejuízo efetivo.

4. Os factos dados como provados que os primeiros e segundos réus não quiseram celebrar o contrato de compra e venda em causa e que estes não pagaram àqueles, nesse âmbito, qualquer preço não estão em contradição com os factos dados como não provados tendentes a demonstrar a intenção concertada daqueles réus em prejudicar a autora como herdeira legitimária dos primeiros réus.

5. Em sede de sindicância sobre a decisão de facto, compete ao tribunal de revista ajuizar se o Tribunal da Relação observou o método de análise crítica da prova prescrito no n.º 4 do indicado artigo 607.º, mas já não imiscuir-se na valoração da prova feita, segundo o critério da livre e prudente convicção do julgador, como decorre do preceituado no art.º 674.º, n.º 3, do CPC.

6. Em matéria do uso das presunções judiciais, só compete ao tribunal de revista ajuizar sobre a eventual violação de lei ou a sua manifesta ilogicidade.

7. Não se verificando, no quadro da análise crítica da prova feita pela Relação, que tenham sido inobservados os parâmetros da disciplina processual nem que tenha sido feito uso deficiente ou irregular de presunções judiciais mediante manifesta ilogicidade ou com violação de lei, designadamente dos artigos 349.º e 351.º do CPC, impõe-se ao tribunal de revista acatar a matéria de facto, desse modo, fixada pela Relação

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

I – Relatório

1. AA (A.), intentou, em 04/02/2008, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra:

- BB e cônjuge CC – 1.º R.R.;  

- DD e cônjuge EE – 2.º R.R;  

- Banco FF, S.A., Sociedade Aberta, ora substituído pelo Banco GG – 3.º R..

Alegou, no essencial, o seguinte:  

. A A. é filha dos 1.ºs R.R., os quais têm, também, outra filha de no-me HH, por quem manifestaram, desde sempre, a sua predileção;

. Por outro lado, os mesmos R.R. nunca aprovaram o relacionamento amoroso que a A. mantinha, desde o início de 2003, com o seu namorado, a ponto de, nos princípios de 2004, cortarem definitivamente relações fami-liares com ela, tendo-a ameaçado de que a “deserdariam”, se não deixasse aquele namorado;

. Foi nesse contexto que os 1.ºs R.R. se conluiaram como os 2.ºs R.R., de quem eram muito amigos, com o conhecimento e o “aval” de HH, no sentido de simularem a venda do único imóvel de que aqueles eram proprietários consistente no prédio misto denominado “Casa II”, Quinta do …, sito na Fonte …, na freguesia da …, no município de M…, composto de casa de dois pisos para habitação, arrecadação, garagem e logradouro, inscrito na matriz e descrito na Conservatória do Registo Predial de M…, para posteriormente os 2.ºs R.R. o venderem a HH, subtraindo-o, desse modo, da herança dos pais da A., prejudicando-a, na sua qualidade de herdeira legitimária; 

. Na prossecução de tal objetivo, os 1.ºs R.R. e os 2.º R.R. outorga-ram uma escritura pública de compra e venda do referido prédio em 16/02/ 2005, em que os primeiros intervieram na qualidade de vendedores e os se-gundos na qualidade de compradores, tendo-o feito pelo preço declarado de € 125.000,00, quando o prédio tinha então o valor de mercado de pelo menos € 500.000,00;

. Todavia, ao contrário do ali declarado, nem os 1.ºs RR nem os 2°s R.R. tiveram a intenção de vender e comprar aquele imóvel, respetiva-mente;

. Com efeito, tal imóvel é a casa de morada de família dos 1.ºs R.R. desde a data em que o adquiriram, desde pelo menos 10/09/1969, tendo ali toda a sua vida familiar e social centralizada, o que ainda se verifica, não obstante a declarada venda, nunca os 2.ºs R.R. o tendo habitado; 

. Além disso, nem os l.ºs R.R. receberam nem os 2.ºs R.R. pagaram o preço da venda declarado na escritura, nem qualquer outro;  

. A A. só tomou conhecimento dessa venda no mês de janeiro de 2008, quando solicitou informações junto da Conservatória do Registo Predial de M….

. Nessas circunstâncias, o referido contrato de compra e venda é nulo por simulação, sendo também nulos os atos contemporâneos e posteriores nessa base praticados e registados, mesmo em relação a terceiros, como são as constituições de hipotecas sobre aquele prédio registadas a favor do 3.º R.;

Concluiu a A., a pedir que fosse:

a) – declarada a nulidade, por simulação, do mencionado contra-to de compra e venda;

b) – declarada a consequente nulidade de todos os negócios coe-vos e posteriores ao negócio simulado;

c) – declarada a nulidade dos respetivos registos prediais e orde-nado o seu cancelamento.   

2. O 3.º R. deduziu contestação, a impugnar, por desconhecimento, a generalidade dos factos alegados pela A. e a sustentar que, no exercício da sua atividade, celebrou com os 2.ºs RR. um contrato de mútuo com hipo-teca no montante de € 125.000,00, tendo procedido de boa fé, pelo que a eventual simulação negocial não lhe é oponível.

3. Por seu turno, os 2.ºs R.R., DD e EE, também contestaram, sustentando que:

. Em tempos, existiu uma boa relação comercial e pessoal entre os 1.ºs e 2.ºs R.R., muito antes da data da compra e venda do imóvel em causa, sendo estes gerentes de uma sociedade dedicada ao comércio de pneus, através da qual tinham negócios com os 1.ºs R.R., que também operavam no mesmo sector comercial;

. Em finais de 2004, os 1.ºs R.R. viveram uma crise de grande carência financeira, que determinou uma situação de reiterado incumprimento de dívidas contraídas por aqueles perante os 2.ºs R.R., decorrentes da aquisição de bens e serviços;

. Na tentativa de saldar essas dívidas acumuladas, foram sendo emitidas letras que, depois de uma primeira reforma, na sua grande generalidade ficaram por amortizar, no remanescente.

. A dada altura, confrontados com dívidas de outros fornecedores e na iminência de uma penhora sobre o imóvel em causa, para o evitar e para satisfazer as obrigações que se iam vencendo, os 1.ºs R.R. propuseram aos 2.ºs R.R. a celebração do contrato de compra e venda pelo preço de € 125.000,00, o qual se afigurava compatível com os preços praticados no mercado para edifícios similares em avançado estado de degradação e onerados com uma situação de comodato, igualmente acordada e, nessa medida, fator objetivamente condicionante do valor do negócio;

. Os 2.ºs R.R. tinham a intenção de fazer obras no imóvel assim que os 1.ºs R.R. o restituíssem livre e devoluto de pessoas e bens.

Concluíram os 2.ºs R.R. pela improcedência da ação.

4. Os 1.ºs R.R. não contestaram.

5. Seguiram-se outros articulados, findos os quais, em audiência preliminar, foi proferido saneador tabelar e selecionada a matéria de facto tida por relevante com a organização da base instrutória, conforme o consignado na ata de fls. 221-228.

6. Posteriormente, após a realização de prova pericial sobre docu-mentos juntos aos autos pelos 2.ºs R.R., procedeu-se à audiência final, na sequência do que foi proferida a sentença de fls. 896-899, datada de 21/12/ 2016, a julgar a ação totalmente improcedente com a consequente absolvi-ção dos R.R. do pedido.

7. Inconformada com tal decisão, a A. interpôs recurso para o Tribu-nal da Relação de Lisboa, em sede de impugnação de facto e de direito, tendo sido proferido, por unanimidade, o acórdão de fls. 986-996/v.º, datado de 16/11/2017, através do qual, não obstante a alteração ali introduzida de alguns dos factos impugnados, se julgou improcedente a ação, confirmando-se a decisão recorrida:

8. Desta feita, novamente inconformada, vem a A. pedir revista, formulando as seguintes conclusões:

1.ª - O recurso de revista ora interposto pela A recorrente é de admitir, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 671.º do CPC, na medida em que nele é invocada a violação de lei adjetiva e substantiva, no que concerne à impugnação da decisão da matéria de facto, proferida pela 1.ª instância, nomeadamente as previstas nos artigos 640.º e 662.º ambos do CPC, matéria esta que não está abarcada pela situação de dupla conformidade, não se verificando uma situação de dupla conformidade no que concerne ao modo como foi reapreciada a matéria de facto.

2.ª - Verifica-se contradição entre os factos provados e factos não provados, porquanto, as respostas negativas aos factos 1.º e 2.º da BI, não acolheram os factos que constituem ou integram antecedente lógico necessário das respostas afirmativas aos res-tantes factos da BI, o que se verifica no caso dos autos.

3.ª - Do depoimento da testemunha HH resulta, desde logo, que quanto aos factos inseridos nos artigos 1.º e 2.º da BI, o seu conhecimento é direto, atendendo à razão de ciência da mesma e às circunstâncias que justificam o seu conhecimento, pois, presenciou as negociações entre os 1.ºs e 2.ºs R.R., ora apelados, comprovando, assim, os factos erradamente dados como não provados 1.º e 2.º da BI na decisão recorrida;

4.ª – As razões que o Tribunal recorrido da 1.ª Instância invoca para dar como provada a matéria de facto vertida nos pontos 9, 10 e 11 da sentença recorrida, com base no respetivo depoimento (olvidando a prova documental de fls. 311 a fls. 315-informações da Autoridade Tributária e Aduaneira sobre os do-micílios fiscais dos 1.ºs e 2.ºs RR) também justificam que se dê acolhimento ao depoimento da testemunha HH quanto aos factos vertidos nos artigos 1.º e 2.º da base instrutória, porquanto, são essas relações de proximidade, de família e de concubinato, respetivamente, com a A., sua irmã, com os 1.ºs R.R. seus pais, e o 2.º R. seu amante, que permitem a mesma ter conhecimento direto de todos os factos, ainda que zangada, não com uma das partes, mas declaradamente com todas as partes. Assim, carecem de fundamento as considerações do Tribunal recorrido não dar relevo às declarações da dita testemunha, consideração que é a denegação da justiça, quando a testemunha em causa é a única pessoa que assistiu e interveio nas negociações entre os 1.ºs R.R. e dos 2.ºs R.R.;  

5.ª - Do depoimento da testemunha HH e das declarações da A. recorrente, da falta de contestação dos 1.ºs R.R. recorridos, que não contestaram a ação e o respetivo pedido deduzido pela A., verificando-se o reconhecimento não confessório dos factos alegados na petição inicial, nos termos do disposto no art.º 361.º do CC, todos estes elementos de prova não foram tidos em consideração pelo Tribunal recorrido que não retirou daí as consequências.

6.ª - De salientar que o Tribunal recorrido deveria ter dado por provado os factos 1.º e 2.º da BI com recurso às presunções judiciais, nos termos do disposto nos artigos 349.º e 351.º do CC, porquanto, deveriam ter sido retiradas ilações pelo julgador de factos conhecidos e dados pelo mesmo como provados para afirmar factos desconhecidos como provados, pelo que, ao não fazê-lo, violou as regras de direito probatório material e adjetivo.

7.ª - Assim, o intuito dos 1.ºs e 2.ºs R.R. de enganar terceiros, a A. recorrente, e o prejuízo da mesma, alegado no art.º 7.º da petição inicial, o prejuízo da sua legítima expetativa de vir a herdar o imóvel em causa nos autos, motivação da realização do negócio simulado, é demonstrado não só pela prova testemunhal e declaração da parte, mas também por outros factos dados como provados, ao contrário do preconizado pelo Tribunal recorrido na sua fundamentação, nomeadamente, os seguintes:

- ponto 13 da matéria de facto dada por provada no acórdão recorrido (Cfr. pág. 19), do bem objeto da venda ser o único bem existente no património dos 1.ºs R.R. As declarações de venda dos 1.ºs R.R. aos 2.ºs R.R. inseridas na escritura de compra e venda simulada foram feitas para prejudicar a A. recorrente, impossibilitando esta de herdar parte desse único bem ou o respetivo valor, pois analisando o extrato bancário da conta titulada pelo 2.º R. DD, de fls. 375 a 380, Volume II dos autos, verifica-se que o valor de € 125.000,00 que o 3.º R. Banco emprestou aos 2.ºs R.R., valor correspondente ao preço declarado na escritura não saiu da respectiva conta bancária;

- ponto 5 da matéria de facto dada por provada no acórdão recorrido (Cfr. pág. 19), de que ao contrário do declarado pelos 1.ºs e 2.ºs R.R. nunca aqueles tiveram a intenção de vender a estes o imóvel em causa nos autos;

- ponto 6 da matéria de facto dada por provada no acórdão recorrido de que nem os 2.ªs R.R. tiveram intenção de comprar;

- pelo facto provado no ponto 7 da matéria de facto dada por provada no acórdão recorrido de que os 1.ºs R.R. não receberam o preço da venda declarado na escritura, nem qualquer outro;

- ponto 8 da matéria de facto dada por provada no acórdão recorrido de que nem os 2.ºs R.R. entregaram aqueles qualquer quantia a título de pagamento do preço declarado ou qualquer outro;

- ponto 14 da matéria de facto dada por provada no acór-dão recorrido de que o imóvel dos autos é a casa de morada de família dos 1.ºs R.R. desde a data em que o adquiriram, 10/09/1969, tendo aí toda a sua vida familiar e social centralizada o que se verifica até a presente data;

- ponto 16 da matéria de facto dada por provada no acórdão recorrido de que nunca os 2.ºs R.R. habitaram o imóvel em questão, localizando-se a residência e a casa de morada de família dos mesmos em Sesimbra;

- ponto indicado como 12 da matéria de facto dada por provada no acórdão recorrido, naturalmente por lapso, já que de acordo com a sequência do indicado em 15, o indicado a seguir deveria ser o 16 (resposta ao art.º 10.º da base instrutória), o de que o imóvel em apreço, à data de 16/2/2005 tinha o valor real e comercial de € 250000,00;

8.ª - Com o teor da escritura em causa nos autos, os 1.ºs R.R. quiseram, em fraude à lei, contornar o obstáculo da legítima (Cfr. art. 2156.º do CC). A lei garante a legítima e com a venda do único bem que os 1.ºs R.R. possuíam (facto dado como provado no ponto 13 dos factos provados do acórdão recorrido) estes impediram que o valor do mesmo bem viesse a ser considerado para se poder calcular o valor da legítima da A;

9.ª - Tudo isto como modo de obstar a que a A. visse frustrada a sua legítima expetativa a herdar esse prédio, de resto o único bem dos vendedores. Então isto tudo conjugado não demonstra a alegada motivação do negócio simulado em fraude à lei?

Ficou provado que os RR não quiseram celebrar contrato nenhum, existindo uma situação de simulação absoluta. Os declarantes e os declaratários, por conluio, apenas celebraram a aparência de um contrato, mas na realidade não quiseram celebrar nenhum contrato;

10.ª - Acresce que, a relação de proximidade e confiança entre os 1.ºs R.R. e os 2.ºs RR propiciada pelo facto do 2.º R. marido e a filha dos 1.ºs R.R. serem amantes, e manterem um relacionamento amoroso, justificou todo o conluio e a fraude à lei engendrada e o objectivo do negócio simulado.

11.ª - Na situação de contradição dos elementos de facto provados e não provados, não tem o STJ de fixar o regime jurídico a aplicar, caso em que a nova decisão admitirá recurso de revista (artigo 730.º, n.º 2, do CPC). Impõe-se, por isso, a prolação de decisão de anulação do acórdão recorrido - sem definição do regime jurídico aplicável por inviável - com vista a que a Relação diligencie pela superação da mencionada contradição fáctica;

13.ª - Verifica-se erro na apreciação da prova, bem como violação das regras relativas a força probatória dos meios de prova apresentados, tendo sido violadas, nomeadamente, as disposições legais constantes dos artigos 361.º, 349.º, 351.º do CC e 413.º do CPC;

14.ª - E a verdade é que não houve uma compra e venda do imóvel em causa, mas uma simulação nos termos do disposto no art.º 240.º, n.º 1, do CC, porquanto, não houve as respetivas vontades de vender e de comprar, ou seja, verifica-se divergência entre a vontade real e a vontade declarada das partes, houve conluio entre o declarante e o declaratário, acordo simulatório, e intuito de enganar e prejudicar terceiros, a aqui A. recorrente, por forma a retirar o único bem do património dos 1.ºs R.R., passando-o formalmente para a esfera jurídica dos 2°s RR, com o objetivo de posteriormente o transmitir para a titularidade da filha dos 1.ºs R.R., HH. A isto acresce a não entrega do imóvel por parte dos alegados vendedoras aos compradores, nem pagamento pelos compradores e/ou recebimento por parte dos vendedores de qualquer preço;

15.ª - Assim, o intuito de enganar terceiros, a A recorrente, o prejuízo da A, alegado no art.º 7.º da petição inicial, o prejuízo da sua legítima expetativa de vir a herdar o imóvel em causa nos autos, é demonstrado não só pela prova testemunhal e declaração da parte, mas também por outros factos dados como provados, nomeadamente, pelo facto do bem objeto da venda ser o único bem existente no património dos 1.ºs R.R. Cfr. ponto 13 dos factos provados do acórdão recorrido, ao contrário do préconizado na fundamentação do acórdão recorrido;

16.ª - Com o teor da escritura em causa nos autos, os 1.ºs R.R. quiseram em fraude à lei, contornar o obstáculo da legítima (Cfr. art 2156.º do CC). A lei garante a legítima e com a venda do único bem que os 1.ºs RR possuíam (facto dado corno provado no ponto 13 dos factos provados da sentença recorrida) estes impediram que o valor do mesmo bem viesse a ser considerado para se poder calcular o valor da legítima da A.;

17.ª - As declarações inseridas no teor da escritura não correspondem à verdade visto que no património dos 1.ºs R.R. não entrou qualquer dinheiro pela venda da dita propriedade, nem da conta bancária dos 2.ºs R.R. saiu qualquer dinheiro para pagamento do preço declarado (Cfr. fls. 375 a 380,II volume dos autos-extrato bancário da conta do 2.º R. onde foram depositados os € 125.000,00 emprestados pelo 3.º R. Banco ao mesmo).

18.ª - Foi dado como provado que os 1.ºs R.R. têm a sua residência no imóvel objeto da venda desde 10/09/1969 até à presente data (facto dado por provado no ponto 14 dos factos provados do acórdão recorrido), e que os 2.ºs R.R. nunca lá habitaram, tendo residência em Sesimbra (ponto 15 dos factos dados por provados no acórdão recorrido) quando declararam falsamente na escritura que o imóvel se destinava a sua habitação própria permanente, tendo sido declarado como preço de venda um valor muito inferior ao valor comercial ou real (Cfr. montantes máximos assegurados pelas hipotecas constantes das alíneas F), G) e H) dos factos assentes, correspondentes aos pontos 6, 7 e 8 dos factos provados da sentença recorrida, bem como resultado da prova pericial de fls. 407 a fls. 410 do II volume dos autos). Tudo isto, como modo de obstar a que a A visse frustrada a sua legítima expectativa a herdar esse prédio, de resto o único bem dos vendedores. Então isto tudo conjugado não demonstra fraude à lei?

19.ª - De facto ficou provado que os R.R. não quiseram celebrar contrato nenhum, existindo uma situação de simulação absoluta. Os declarantes e os declaratários, por conluio, apenas celebraram a aparência de um contrato, mas na realidade não quiseram celebrar nenhum contrato;

20.ª - A relação de proximidade e confiança entre os 1.ºs R.R. e os 2.ºs R.R. propiciada pelo facto do 2.º R. marido e a filha dos 1.ºs R.R. serem amantes, e manterem um relacionamento amoroso, justificou todo o conluio e a fraude à lei engendrada e o objetivo do negócio simulado;

21.ª - A lei faculta aos herdeiros legitimários que pretendam agir em vida do autor da sucessão contra os negócios por ele simuladamente feitos com o intuito de os prejudicar, como é os factos provados da sentença recorrida) estes impediram que o valor do mesmo bem viesse a ser considerado para se poder calcular o valor da legítima da A.

Pede a Recorrente que se revogue o acórdão recorrido e se substitua por decisão que julgue procedente o recurso.

  9. Só 3.º R., ora Banco GG, S.A., apresentou contra-alegações a sustentar, em primeira linha, a inadmissibilidade da revista por verificação de dupla conforme e a pugnar, subsidiariamente, pela confirmação do julgado.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. 

II – Quanto à questão da inadmissibilidade da revista arguida pelo Recorrido

  O 3.º R./Recorrido veio nas suas contra-alegações arguir a inadmissibilidade da revista por considerar, em síntese, que esta incide sobre um acórdão da Relação confirmativo da sentença da 1.ª instância, votado por unanimidade, sem fundamentação essencialmente diferente, ocorrendo, por isso, dupla conforme relevante nos termos do artigo 671.º, n.º 3, do CPC.  

Antes de mais, convém reter que, tratando-se de uma ação instaurada em 04/02/2008, cujas decisões impugnadas foram proferidas em 21/12/ 2016 e 16/11/2017, respetivamente pela 1.ª instância e pela Relação, é aplicável o regime recursório do CPC aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, nos termos do art.º 5.º, n.º 1, desta Lei.

    Sucede que o presente recurso vem fundado, no que aqui interessa, em violação da disciplina processual: desde logo, na pretensa contradição de alguns dos segmentos da decisão de facto, em resultado da alteração introduzida pela própria Relação neste domínio, contradição essa que, a verificar-se, seria suscetível de inviabilizar a decisão de direito; e ainda na alegada deficiência e irregularidade do uso de presunções judiciais com alcance similar.

       Ora, sem prejuízo do confinamento do âmbito da revista em sede de sindicância da decisão de facto e nomeadamente em matéria de presunções judiciais, o certo é que as questões desse modo suscitadas pela Recorrente são, ainda assim, de molde a constituir fundamento do presente recurso a coberto do disposto no artigo 674.º, n.º 1, alínea b), e na estreita latitude definida no artigo 682.º, n.º 3, ambos do CPC.

       Sendo tais vícios reportados exclusivamente ao próprio julgamento do Tribunal da Relação, não se inscrevem no perímetro de coincidência entre o acórdão recorrido e a sentença da 1.ª instância, pelo que não devem ser considerados alcançados pela dupla conforme nos termos e para os efeitos do artigo 671.º, n.º 3, do CPC, de resto, na linha do entendimento seguido neste Supremo Tribunal.

        Nessa conformidade, a revista mostra-se admissível, cabendo agora conhecer, já em sede de mérito, da procedência de tais fundamentos.

       Termos em que improcede a arguição do Recorrido.

III - Delimitação do objeto do recurso

Das conclusões formuladas pela Recorrente, em função das quais se delimita o objeto do recurso, colhem-se como questões essenciais a resolver as seguintes:

i) – A alegada contradição entre os factos dados como não provados à matéria vertida nos artigos 1.º e 2.º da base instrutória e os demais factos dados como provados, nomeadamente sob os pontos 5 a 8, 13 a 16 do acórdão recorrido;

ii) – A não dedução de ilações, em sede de presunções judiciais, com base nos resultados probatórios produzidos, no sentido de dar por provada a matéria constante dos referidos artigos 1.º e 2.º da base instrutória, em violação do preceituado nos artigos 349.º e 351.º do CC;     

iii) – O erro na apreciação das provas em sede também de presunções judiciais e ainda de reconhecimento não confessório, com violação do disposto nos artigos 349.º, 351.º e 361.º do CC e 413.º do CPC.

       Assim, pugna a Recorrente, em primeira linha, pela anulação do acórdão recorrido com vista à superação pela Relação do vício de contradição enunciado em i) e, a par disso, de forma pouco clara, pede a revogação daquele acórdão, ao que supomos, na base das questões enunciadas em ii) e iii).    

IV - Fundamentação

1. Enquadramento preliminar

      Estamos no âmbito de uma ação em que a A., na qualidade de herdeira legitimária dos seus pais, os ora 1.ºs R.R., pretende que seja declarado nulo o contrato de compra de venda de um imóvel que estes, como vendedores, celebraram com os 2.ºs R.R., como compradores, mediante escritura pública outorgada em 16/02/2005.

       E fundamenta essa pretensão na alegação de que os referidos R.R., ao celebrar tal contrato, não quiseram realizar a dita compra e venda, mas, conluiados, apenas pretenderam fazer com que o referido imóvel fosse depois transferido pelos 2.ºs R.R. para uma irmã da A., de modo a prejudicar esta A. em futura partilha da herança de seus pais.

       Nesta ação, está ainda em causa a validade das hipotecas constituídas a favor do 3.º R. na decorrência daquele contrato de compra e venda.

       Tal alegação reconduz-se assim ao vício de simulação absoluta previsto no artigo 240.º do CC e que importa, desde já, ter presente para melhor equacionar as questões suscitadas. 

    

Ora, o artigo 240.º do CC preceitua que:

1 – Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.

2 – O negócio simulado é nulo.

      Assim, a causa de pedir numa ação de simulação estrutura-se na base de três componentes fundamentais[1]:

a) - a divergência entre a vontade real e a vontade declarada dos contraentes, aquela integrando o negócio dissimulado e esta o negó-cio simulado;

b) - o acordo ou conluio (pactum simulationis) entre as partes;  

c) - a intenção de enganar terceiros (animus decipiendi).

Relativamente à legitimidade para arguir a simulação, o artigo 242.º do CC estabelece o seguinte:

1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 286.º, a nulidade do negócio simulado pode ser arguida pelos próprios simuladores entre si, ainda que a simulação seja fraudulenta.

2 – A nulidade pode também ser invocada pelos herdeiros legitimários que pretendam agir em vida do autor da sucessão contra os negócios por ele simuladamente feitos com o intuito de os prejudicar.        

A propósito das razões que justificaram o tratamento específico dado aos herdeiros legitimários pelo n.º 2 do artigo 242.º acima transcrito, Carvalho Fernandes[2] observa que: […] se prendem com a particular natureza dos direitos sucessórios que lhe são reconhecidos, considerando que … a consistência prática do seu direito à legítima poderia ser posta em causa se não lhes fosse reconhecido o poder de, em vida do autor da sucessão, reagir contra actos simulados celebrados com a intenção de os prejudicar.

Segundo o mesmo Autor, o que está em causa não é um direito realmente existente mas a expectativa jurídica que aos herdeiros legitimários a ordem jurídica reconhece, em vista da tutela preventiva dos interesses que a atribuição da quota legitimária visa assegurar.

E acrescenta que, por isso, estes terceiros só são admitidos a intervir nos actos simulados do autor da sucessão, em vida deste, quando eles forem praticados com a intenção de os prejudicar, o que constitui uma exceção ao princípio da irrelevância da distinção entre a simulação ino-cente e fraudulenta, neste domínio. Esclarece o mesmo Autor que não é exigido um prejuízo efectivo, o que, de resto, em vida da sucessão seria difícil, senão impossível, de demonstrar[3].

E ainda segundo Mota Pinto[4], a disposição referida [n.º 2 do art.º 242.º do CC] não deve ser aplicada por analogia à hipótese de o acto simulado, embora sendo fonte de graves prejuízos, não ter sido praticado com o intuito de lesar os legitimários.

     Em suma, o n.º 2 do artigo 242.º estabelece uma norma especial de legitimidade ativa quanto aos herdeiros legitimários, mas restrita às situações em que o negócio simulado tenha sido feito com o intuito de os prejudicar.

      Nessa medida, a legitimidade dos herdeiros legitimários terá de ser aferida em função do que o autor alegue na petição inicial, em particular quanto ao intuito dos contraentes em prejudicá-los, não necessitando que alegue a existência de um prejuízo efetivo.

      Feitas estas considerações, passemos agora à apreciação do objeto do recurso.

2. Do contexto factual relevante   

2.1. Factos selecionados

Na fase da condensação, foram selecionados os seguintes factos:


Factos assentes

A)


   A A. e a HH são filhas dos 1.ºs R.R.

B)

A propriedade do prédio misto denominado "Casa II", Quinta …, sito na Fonte …, freguesia da …, concelho de M…, composto de casa de dois pisos para habitação, arrecadação e garagem, com a área de 166 m2. e logradouro com a área de 1.234 m2, e cultura arvense e vinha com a área de 1.725 m2, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 1125, e na matriz predial rústica sob o artigo 203 secção A, ambos os artigos da dita freguesia da …, descrito na Conservatória do Registo Predial de M… sob a ficha n.º 01…, encontrava-se registada a favor dos 1°s RR até 16/03/2005.

C)

   Por escritura pública lavrada em 16/02/2005, no então 15.º Cartório Notarial de Lisboa, de fls. 57 a 59 verso, no Livro de escrituras diversas n.º 187-H, e na qual foram primeiros outorgantes os 1.°s RR, na qualidade de vendedores, e segundos outorgantes os 2°s RR. na qualidade de compradores, os 1.ºs RR, declararam que: " pelo preço de cento e vinte e cinco mil euros que já receberam do segundo. a este vendem um prédio misto denominado "Casa II" (.. ) descrito nu Conservatória do Registo Predial de M…. sob o número mil quatrocentos e vinte e nove da aludida freguesia ... ",

D)

Declararam os segundos outorgantes, ora 2.ºs R.R. que: ceitam esta tenda e que destinam a referida parte urbana a sua habitação própria permanente”,

E)

O FF é uma instituição de crédito a qual, na prossecução da sua atividade, realiza empréstimos, nomeadamente, para aquisição de habitação própria.

F)

O FF celebrou com os 2.ºs R.R. um contrato de mútuo com hipoteca no montante de € 125.000,00, em 16/2/2005, cujo montante máximo assegurado com a hipoteca sobre o imóvel descrito em B) é de € 148.337,50.

G)

O FF celebrou com os 2.ºs R.R. um contrato de mútuo com hipoteca sobre o imóvel descrito em B) no montante de € 50.000,00, em 16/2/2005, cujo montante máximo assegurado é de € 59.635,00.

H)

O FF celebrou com a sociedade comercial “JJ - Sociedade de Representações, Lda.ª, da qual eram sócios gerentes os 2.ºs R.R., um contrato de mútuo no montante de € 85.000,00, assegurado com hipoteca voluntária sobre o imóvel descrito em B), que estes constituíram a favor daquele, em 21/11/2006, cujo montante máximo assegurado é de € 125.375,00.


Base Instrutória

Art.º 1.º


Com o intuito de fazer com a A. não herdasse os 1.ºs R.R. acordaram com os 2.ºs R.R. e com o conhecimento e HH a venda do identificado imóvel aos 2.ºs R.R.?

Art.º 2.º

   Para posteriormente aqueles o venderem à irmã da A.?

Art.º 3.º

O imóvel mencionado em t3) era o único bem de que os 1.ºs RR eram donos?

Art.º 4.º

Ao contrário do declarado pelos 1.ºs R.R. e 2.ºs RR, nunca aqueles tiveram a intenção de vender a estes o imóvel supra identificado?

Art.º 5.º

   Nem os 2.ºs RR tiveram a intenção de comprar?

Art.º 6.º

O imóvel acima identificado é a casa de morada de família dos 1.ºs R.R. desde a data em que o adquiriram 10/09/1969, tendo aí toda a sua vida familiar e social centralizada, o que se verifica até à presente data?

Art.º 7.º

Os 1.ºs R.R. não receberam o preço da venda declarado na escritura, nem qualquer outro?

Art.º 8.º

Nem os 2.ºs R.R. entregaram àqueles qualquer quantia a título de paga-mento do preço declarado ou qualquer outro?

Art.º 9.º

Acresce que nunca os 2.ºs R.R. habitaram o imóvel em questão, localizando-se a residência e casa de morada de família dos mêsmos na Avenida dos …, fracção A. lote 2. …. Quinta …, Sesimbra?

Art.º 10.º

O imóvel em apreço, à data de 16/02/2005, tinha o valor real e comercial de pelo menos € 500.000,00?

Art.º 11.º

A A. só tomou conhecimento do facto da venda no decurso do mês de ja-neiro de 2008, quando solicitou informações junto da Conservatória do Registo Predial de M…?

Art.º 12.º

O FF não conhecia as motivações do acordo celebrado entre os R.R.?

Art.º 13.º

E os contatos estabelecidos entre os 1.ºs e os 2.ºs R.R. o foram no âmbito das relações comerciais, que acabaram por viabilizar um investimento de grande confiança recíproca?


Art.º 14.º

Em finais de 2004, os 1.ºs RR. viveram uma crise de grande carência financeira que determinou uma situação de reiterado incumprimento da obrigação de pagamento de dívidas constituídas perante os 2.ºs R.R., decorrentes da aquisição de bens e serviços?

Art.º 15.º

Na tentativa de saldar essas dívidas, foram sendo emitidas letras que, depois de uma primeira reforma, na sua grande generalidade ficaram por amortizar, o remanescente?

Art.º 16. º

A dada altura, os 1.ºs R.R. viram-se confrontados com dívidas de outros fornecedores, que causavam a iminência de uma penhora sobre o imóvel em causa nos autos?

Art.º 17.º

Para o evitar, propuseram aos 2.ºs R.R. a efetiva aquisição do imóvel, de forma a dar satisfação possível às dívidas que se iam vencendo?

Art.º 18.º

Foi acordado entre todos, o preço de € 125.000,00 por se afigurar compatível com os preços praticados no mercado para edifícios similares em avançado estado de degradação e onerados com uma situação de comodato, igualmente acordada?

Art.º 19.º

E, nessa medida, factor objetivamente condicionante do valor do negócio?

2.2. Factos controvertidos dados como provados na 1.ª instância

Dos factos da base instrutória, foram apenas dados como provados os seguintes:

«9. O imóvel mencionado em 2 era o único bem dos 1.ºs R.R. - resposta ao art. 3.º da base instrutória;

10. O imóvel dos autos é a casa de morada de família dos 1.ºs RR desde a data em que o adquiriram, 10/09/1969, tendo aí toda a sua vida fa-miliar e social centralizada, o que se verifica até à presente data - resposta ao art. 6.º da base instrutória;

11. Nunca os 2.ºs R.R. habitaram o imóvel em questão, localizando-se a residência e casa de morada de família dos mesmos na Avenida dos …, fração A, lote 2, …, Quinta do Conde, Sesimbra – resposta ao art. 9.º da base instrutória;

12. O imóvel em apreço, à data de 16/02/2005, tinha o valor real e comercial de € 250 000,00 - resposta ao art. 10.º da base instrutória;

13. A A. só tomou conhecimento do facto da venda no decurso do mês de Janeiro de 2008, quando solicitou informações junto da Conserva-tória do Registo Predial de M… - resposta ao art.º 11.º da base instrutória;

14. O FF não conhecia as motivações do acordo celebrado entre os R.R. - resposta ao art. 12.º da base instrutória.”

Foram assim tidos por não provados os factos constantes dos artigos 1.º, 2.º, 4.º, 5.º, 7.º, 8.º e 13.º a 19.º da base instrutória.

         2.3. Factualidade dada como provada pela Relação

Tendo a A. impugnado, em sede de apelação, os factos dados como não provados constantes dos artigos 1.º, 2.º, 4.º, 5.º, 7.º, 8.º, 10.º (em parte) e 18.º da base instrutória, a Relação, fazendo a análise crítica da prova, acabou por fixar a factualidade provada nos seguintes pontos:

1. A A. e HH são filhas dos l.ºs R.R. - Alínea A) dos Factos Assentes;

2. A propriedade do prédio misto denominado "Casa II", Quinta do …, sito na Fonte …, freguesia da …, concelho de M…, composto de casa de dois pisos para habitação, arrecadação e garagem, com a área de 166 m2, e logradouro com a área de 1.234 m2, e cultura arvense e vinha com a área de 1.725 m2, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 1125, e na matriz predial rústica sob o artigo 203 secção A, ambos os artigos da dita freguesia da …, descrito na Conservatória do Registo Predial de M… sob a ficha n° 01429/ 970116, encontrava-se registada a favor dos lºs RR até 16/03/2005 - Alínea B) dos Factos Assentes;

3. Por escritura pública lavrada em 16/02/2005, no então 15.º Cartório Notarial de Lisboa, de fls. 57 a 59 verso, no Livro de escrituras diversas n.º 187-H, e na qual foram primeiros outorgantes os 1.ºs R.R., na qualidade de vendedores, e segundos outorgantes os 2.ºs R.R., na qualidade de compradores, os lºs RR, declararam que: "... pelo preço de cento e vinte e cinco mil euros que já receberam do segundo, a este vendem um prédio misto denominado "Casa II" ( .. ) descrito na Conservatória do Registo Predial de M… sob o número mil quatrocentos e vinte e nove da aludida freguesia ... " - Alínea C) dos Factos Assentes;

4. Declararam os segundos outorgantes, ora 2.ºs RR.: “Que aceitam esta venda e que destinam a referida parte urbana a sua habitação própria permanente " - Alínea D) dos Factos Assentes;

5. Ao contrário do declarado pelos l.ºs R.R. e 2.ºs R.R., nunca aqueles tiveram a intenção de vender a estes o imóvel supra identificado. – resposta ao art. 4.º da base instrutória;

6. Nem estes, os 2.ºs R.R. tiveram a intenção de comprar - resposta ao art. 5.º da base instrutória;

7. Os 1.ºs R.R. não receberam o preço da venda declarado na escritura, nem qualquer outro - resposta ao art.º 7.º da base instrutória;

8. Nem os 2.ºs R.R. entregaram àqueles qualquer quantia a título de pagamento do preço declarado ou qualquer outro - resposta ao art. 8º da base instrutória;

9. O FF é uma instituição de crédito a qual, na prossecução da sua atividade, realiza empréstimos, nomeadamente, para aquisição de habitação própria - Alínea E) dos Factos Assentes;

10. O FF celebrou com os 2.ºs R.R. um contrato de mútuo com hipoteca no montante de € 125.000,00, em 16/2/2005, cujo montante máximo assegurado com a hipoteca sobre o imóvel descrito em 2 é de € 148.337,50 - Alínea F) dos Factos Assentes;

11. O FF celebrou com os 2.ºs R.R. um contrato de mútuo com hipoteca sobre o imóvel descrito em 2 no montante de € 50.000,00, em 16/2/2005, cujo montante máximo assegurado é de € 59.635,00 - Alínea G) dos Factos Assentes;

12. O FF celebrou com a sociedade comercial “JJ-Sociedade de Representações Limitada”, da qual eram sócios gerentes os 2.ºs R.R., um contrato de mútuo no montante de € 85.000,00, assegurado com hipoteca voluntária sobre o imóvel descrito em 2, que estes constituíram a favor daquele, em 21/11/2006, cujo montante máximo assegurado é de € 125.375,00 - Alínea H) dos Factos Assentes;

13. O imóvel mencionado em 2 era o único bem dos 1.ºs R.R. - resposta ao art. 3.º da base instrutória;

14. O imóvel dos autos é a casa de morada de família dos 1.ºs R.R. desde a data em que o adquiriram, 10/09/1969, tendo aí toda a sua vida familiar e social centralizada, o que se verifica até à presente data – resposta ao art.º 6.º da base instrutória;

15. Nunca os 2.ºs R.R. habitaram o imóvel em questão, localizando-se a residência e casa de morada de família dos mesmos na Avenida dos …, fração A, lote 2, …, Quinta do Conde, Sesimbra – resposta ao art. 9.º da base instrutória;

12 [rectius 16]. O imóvel em apreço, à data de 16/02/2005, tinha o valor real e comercial de € 250.000,00 - resposta ao art. 10.º da base instrutória;

13 [rectius 17]. A A. só tomou conhecimento do facto da venda no decurso do mês de janeiro de 2008, quando solicitou informações junto da Conservatória do Registo Predial de M… - Resposta ao art. 11.º da base instrutória;

14 [rectius 18]. O FF não conhecia as motivações do acordo cele-brado entre os RR. - resposta ao art. 12.º da base instrutória

     Assim, a Relação alterou as respostas dadas pela 1.ª instância aos artigos 3.º, 4.º, 5.º, 7.º e 8.º da base instrutória, dando essa matéria como provada, mas manteve as respostas negativas aos artigos 1.º, 2.º e 18.º e a resposta restritiva ao art.º 10.º.

     Significa isto que, enquanto que a 1.ª instância dera como não provados os factos tendentes a comprovar a divergência entre a vontade real e a vontade declarada dos 1.ºs e 2.ºs R.R. – artigos 4.º, 5.º, 7.º e 8.º da base instrutória -, a Relação deu essa matéria como provada.  

       Porém, a Relação manteve a matéria dada como não provada, em sede de respostas aos artigos 1.º e 2.º da base instrutória, respeitante ao alegado conluio dos R.R. de, com o referido contrato, intentarem prejudicar a A. na sua qualidade de herdeira legitimária dos 1.ºs R.R. 

         3. Do mérito do recurso

3.1. Quanto à questão da invocada contradição entre as respostas negativas aos artigos 1.º e 2.º da base instrutória e a demais matéria dada como provada

Sustenta a Recorrente que existe contradição entre os factos dados como não provados em sede das respostas negativas aos artigos 1.º e 2.º da base instrutória e a demais matéria provada, designadamente a matéria constante dos pontos 5 a 8, 13, 14 e 16 do acórdão recorrido.

      Ora, nos indicados artigos 1.º e 2.º da base instrutória perguntava-se o seguinte:  


Art.º 1.º

Com o intuito de fazer com a A. não herdasse os 1.ºs R.R. acordaram com os 2.ºs R.R. e com o conhecimento e HH a venda do identificado imóvel aos 2.ºs R.R.?

Art.º 2.º

   Para posteriormente aqueles o venderem à irmã da A.?

Como já se disse, tais enunciados de factos visavam demonstrar o alegado conluio dos R.R. de terem, com o referido contrato, intentado prejudicar a A. na sua qualidade de herdeira legitimária dos 1.ºs R.R., o que foi dado como não provado por ambas as instâncias.

Por seu turno, dos factos dados como provados em 5 a 8 e 13 a 16 do acórdão recorrido consta o seguinte:

5. Ao contrário do declarado pelos l.ºs R.R. e 2.ºs R.R., nunca aqueles tiveram a intenção de vender a estes o imóvel supra identificado. – resposta ao art. 4.º da base instrutória;

6. Nem estes, os 2.ºs R.R. tiveram a intenção de comprar - resposta ao art. 5.º da base instrutória;

7. Os 1.ºs R.R. não receberam o preço da venda declarado na escritura, nem qualquer outro - resposta ao art.º 7.º da base instrutória;

8. Nem os 2.ºs R.R. entregaram àqueles qualquer quantia a título de pagamento do preço declarado ou qualquer outro - resposta ao art. 8º da base instrutória;

13. O imóvel mencionado em 2 era o único bem dos 1.ºs R.R. - resposta ao art. 3.º da base instrutória;

14. O imóvel dos autos é a casa de morada de família dos 1.ºs R.R. desde a data em que o adquiriram, 10/09/1969, tendo aí toda a sua vida familiar e social centralizada, o que se verifica até à presente data - resposta ao art.º 6.º da base instrutória;

15. Nunca os 2.ºs R.R. habitaram o imóvel em questão, localizando-se a residência e casa de morada de família dos mesmos na Avenida …., fração A, lote 2, …, Quinta do Conde, Sesimbra – resposta ao art. 9.º da base instrutória;

16. O imóvel em apreço, à data de 16/02/2005, tinha o valor real e comercial de € 250.000,00 - resposta ao art. 10.º da base instrutória.

Salvo o devido respeito por todo o argumentário da Recorrente, não se afigura que proceda no sentido propugnado.

Com efeito, os factos dados por provados de que os R.R. não quiseram outorgar a referida compra e venda e que nada foi pago, nesse âmbito, pelos 2.ºs R.R. aos 1.ºs R.R., não significa necessariamente, nem mesmo à luz das regras da experiência, que tenham procedido desse modo com a concertada intenção de prejudicar a A. em futura partilha da herança de seus pais, os 1.ºs R.R.. Nem as demais circunstâncias dadas como provadas nos pontos 13 a 16 chegam para firmar uma tal conclusão.

Poderá, quando muito, tal intenção ser uma hipótese explicativa en-tre outras, como a que foi alegada pelos 2.ºs R.R., e também não provada. Mas não passam de meras conjeturas.

Daí que andou bem o tribunal a quo em procurar perscrutar na de-mais prova produzida arrimo consistente que levasse à comprovação de tal intento, o que, mesmo assim, não foi conseguido.  

Porém, neste capítulo, é quanto basta para se ter por não verificada invocada contradição nos termos e para os efeitos do artigo 682.º, n.º 2, do CPC.

3.2. Quanto à questão da não dedução de ilações, em sede de presunções judiciais, no âmbito matéria constante dos artigos 1.º e 2.º da base instrutória

Sustenta a Recorrente que o Tribunal da Relação, dentro dos seus poderes de apreciação da decisão de facto impugnada, violou os artigos 349.º e 351.º do CC, ao não ter inferido, como base em toda a prova produzida, por via de presunção judicial, a prova dos factos constantes nos artigos 1.º e 2.º da base instrutória.

Ora, nos termos dos artigos 5.º, n.º 2, alínea a), e 607.º, n.º 4, este aplicável aos acórdãos da Relação por via do artigo 663.º, n.º 2, todos do CPC, deve o tribunal extrair dos factos instrumentais resultantes da instrução da causa as ilações que se impuserem no sentido da comprovação dos factos essenciais. Neste domínio, cabe ao Tribunal da Relação, ao abrigo do artigo 662.º do mesmo Código, fazê-lo no âmbito da reapreciação da decisão de facto impugnada.

Todavia, o exercício dessa competência cognitiva só é sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça em termos de verificar se foram observados os parâmetros formais ou balizadores da respetiva disciplina processual.

Assim, no que respeita à reapreciação da decisão de facto, compete ao tribunal de revista ajuizar se o Tribunal da Relação observou o método de análise crítica da prova prescrito no n.º 4 do indicado artigo 607.º, mas já não imiscuir-se na valoração da prova feita, segundo o critério da livre e prudente convicção do julgador, genericamente editado no n.º 5 do artigo 607.ºdo CPC.

É hoje jurisprudência seguida por este Supremo que a reapreciação da decisão de facto impugnada, por parte do tribunal de 2.ª instância, não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, pelo tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa. 

No caso vertente, constata-se que o Tribunal da Relação, no âmbito da impugnação dos sobreditos artigos 1.º e 2.º da base instrutória, analisou criticamente a prova produzida, ponderou a consistência dos depoimentos prestados, teve em atenção os demais factos provados, mas concluiu não se poder daí inferir pela prova daqueles factos essenciais, especificando as razões disso.

No quadro dessa análise, não se divisa que o tribunal a quo tenha atentado contra os parâmetros da disciplina processual a observar nem que tenha feito uso deficiente ou irregular de presunções judiciais mediante manifesta ilogicidade ou com violação de lei, designadamente dos artigos 349.º e 351.º do CPC, de modo a merecer censura deste tribunal de revista. 

Com efeito, de nenhum dos elementos de prova indicados, sujeitos como estão à livre apreciação do julgador, deflui uma base factual objetiva e indiciária que impusesse uma imperiosa conclusão presuntiva no sentido de dar como provados os factos essenciais enunciados nos artigos 1.º e 2.º da base instrutória.

De resto, em bom rigor, nem a argumentação da própria Recorrente aponta em tal sentido, tendo recaído sobretudo na perspetiva do erro na valoração dessa prova, para o que chegou a convocar os depoimentos prestados e a sustentar a sua credibilidade, o que, obviamente, escapa à apreciação deste tribunal de revista, como decorre, claramente, do preceituado nos artigos 674.º, n.º 3, a contrario sensu, e 682.º, n.º 1 e 2, do CPC.

         Termos em que improcedem aqui as razões da Recorrente.

        3.3. Quanto aos invocados erros de valoração da prova

Vem ainda a Recorrente invocar, especificamente, o erro na apreciação das provas em sede das presunções judiciais e ainda de reconhecimento não confessório, com violação do disposto nos artigos 349.º, 351.º e 361.º do CC e 413.º do CPC.

Toda essa apreciação inscreve-se, como já foi referido no ponto precedente, no domínio da valoração livre da prova, subtraído à sindicância deste Supremo Tribunal.

Por isso, sem necessidade de mais considerações, também improcedem aqui as razões da Recorrente.

3.4. Conclusão final

Em face de tudo o que acima ficou dito e do disposto no artigo 682.º, n.º 1, do CPC, impõe-se a este Supremo Tribunal acatar os factos fixados pela Relação e, nessa base, considerar correta a solução jurídica adotada no acórdão recorrido, na medida em que a A., não logrou provar, como lhe competia, um dos factos constitutivos da sua pretensão de declaração de nulidade do contrato ajuizado com fundamento da simulação absoluta, mais precisamente a alegada intenção dos R.R. em prejudicar a A., na qualidade de herdeira legitimária dos 1.ºs R.R.    

  

    V – Decisão

      Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

     As custas do recurso ficam a cargo da A./Recorrente, sem prejuízo da dispensa do seu pagamento em virtude do apoio judiciário de que beneficia.

Lisboa, 14 de junho de 2018



Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)

Maria da Graça Trigo 

Maria Rosa Tching

____________
[1] Vide, por todos, Luís Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, 3ª Edição, Universidade Católica Editora, pag. 280-281
[2] Simulação e Tutela de Terceiros, Separata dos Estudos em Memória do Prof. Doutor Paulo Cunha, Lisboa, 1988, pags. 37 a 40.
[3] Ob. cit. nota de rodapé 42.
[4] Teoria Geral do Direito Civil, 3ª Edição actualizada, Coimbra Editora, 1996, pag. 482.