Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
84/16.0T8PNF.P1.S2
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: RETRIBUIÇÃO
SUBSÍDIO DE PREVENÇÃO
ABONO DE CONDUÇÃO
Data do Acordão: 10/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO – FONTES E APLICAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO / CONTRATO DE TRABALHO / TEMPO DE TRABALHO.
Doutrina:
-Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Almedina, 12.ª Edição, 2005, 455, 457 e 458.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO, APROVADO PELA LEI 7/2009, DE 12 DE FEVEREIRO (CT/2009): - ARTIGOS 249.º, N.º 3 E 258.º.
CÓDIGO DO TRABALHO, APROVADO PELA LEI Nº 99/2003, DE 27 DE AGOSTO (CT/2003): - ARTIGOS 3.º, N.º 1, 8.º, N.º 1, 249.º, 250.º, 254.º E 255.º.
LEI DO CONTRATO DE TRABALHO, APROVADA PELO DL N.º 49.408, DE 24 DE NOVEMBRO DE 1969 (LCT): - ARTIGO 82.º, N.º 3.
DL N.º 88/96, DE 3 DE JULHO.
BTE, 3ª SÉRIE, N.º 3, DE 15 DE FEVEREIRO DE 1997, 98, REVISTOS E ACTUALIZADOS, CONFORME PUBLICAÇÃO NO BTE N.º 9, DE 8 DE MARÇO DE 2012, COM AS ALTERAÇÕES PUBLICADAS NO BTE N.º 28, DE 29 DE JULHO DE 2013;
BTE, 1ª SÉRIE, NºS 12, 13 E 44, RESPECTIVAMENTE, DE 29/03/1991, DE 09/04/1990 E 29/11/1990;
BTE, 1ª SÉRIE, Nº 38, DE 15/10/1993;
BTE, 1ª SÉRIE, Nº 30, DE 15/08/2000;
BTE, 1ª SÉRIE, Nº 11, DE 22/05/2001, COM AS ALTERAÇÕES PUBLICADAS NO BTE, 1ª SÉRIE, NºS 13, 14, 19, 26, 14, 22, 25 E 37 E 47, RESPECTIVAMENTE DE: - 08/04/2003; 15/04/2004; 22/05/2005; 15/07/2006; 15/04/2007; 15/06/2008; 08/07/2009; 08/10/2010: E 22/12/2011;
BTE, N.º 20, DE 29/05/2013.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 14-05-2015, PROCESSO N.º 2428/09.1TTLSB.L1.S1;
- DE 3-11-2016, PROCESSO N.º 1521/13.0TTLSB.L1.S1, IN WWW.STJ.PT.
Sumário :
I. Princípio reitor na definição da retribuição (stricto sensu), visto o carácter sinalagmático que informa o contrato de trabalho, é a exigência da contrapartida do trabalho, pois só se considera retribuição aquilo a que nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.

II. Mesmo provadas a regularidade e a periodicidade no pagamento de remunerações complementares, as mesmas não assumem carácter retributivo se tiveram uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade para este.

III. Não integram o apontado conceito de retribuição, pela falência do elemento constitutivo da contrapartida da prestação, os suplementos remuneratórios recebidos pelo trabalhador a título de «Abono/subsídio de Prevenção», pois é pago para estar disponível para uma eventual chamada, fora das horas normais de serviço.

IV. Não integra o conceito de retribuição o subsídio de condução que é pago ao trabalhador, que não sendo motorista tem que conduzir em exercício de funções e por causa destas, pois visa compensar a especial penosidade e o risco decorrente da condução de veículos, tendo assim uma justificação individualizável, diversa da contrapartida pelo trabalho prestado.
Decisão Texto Integral:

 Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1----

O SINDICATO NACIONAL DOS TRABALHADORES DAS ...UNICAÇÕES E AUDIOVISUAL – SINTTAV, em representação e substituição dos trabalhadores, seus associados,

AA,

BB,

CC,

DD,

EE,

FF,

GG e

HH,

intentou a presente acção com processo comum, emergente contrato individual de trabalho, contra

II, S.A., pedindo que a R seja condenada no seguinte:

A - pagar aos associados do A as diferenças remuneratórias entre os valores auferidos a título de retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal e os efectivamente devidos com base na retribuição média mensal recebida, que totalizam a quantia global de 144.746,98 euros, com a distribuição por cada um dos associados nos termos descritos no artigo 15º da PI, acrescidas dos juros vencidos desde a data de vencimento de cada uma das prestações, e dos vincendos, tudo até efectivo e integral pagamento;

B - pagar aos associados do A as diferenças remuneratórias vincendas, acrescidas dos respectivos juros, até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que aqueles trabalhadores da R recebiam a retribuição base mensal e diuturnidades, acrescida de prestações complementares respeitantes, nomeadamente, a trabalho suplementar, subsídio de trabalho nocturno, subsídio de prevenção, subsídio de condução e subsídio de assiduidade, que eram regular e periodicamente pagas.

No entanto, os seus valores médios anuais nunca integraram as remunerações das férias e dos subsídios de férias e de Natal, apesar do seu carácter retributivo.

A Ré contestou, invocando a excepção dilatória da omissão do pagamento de taxa de justiça pelo Autor, sustentando que, contrariamente ao que o mesmo pretende, aquele não beneficia da isenção de pagamento de taxa de justiça nos termos do disposto na al. f), do n.º 1, do art. 4º do RCP; invocou a excepção dilatória da iliquidez, sustentando que o A estava obrigada a liquidar os juros de mora vencidos, o que não fez, deduzindo, assim um pedido ilíquido fora dos casos legalmente estabelecidos, o que configura excepção atípica que conduz à imediata absolvição da Ré da instância; invocou a excepção dilatória da ineptidão por ausência de causa de pedir, sustentando que o A não alega os factos determinantes da percepção das prestações em análise como retribuição de modo a que o tribunal as possa qualificar quanto à sua natureza por forma a apurar se o seu pagamento decorreu ou não do modo específico da execução do trabalho; e invocou a excepção peremptória da prescrição dos juros de mora vencidos anteriormente a 12/01/2011, sustentando que esses juros se encontram prescritos nos termos do disposto nas alíneas d) e g) do artigo 310º do Código Civil.

Por outro lado, e impugnando parte da matéria alegada pelo Autor, sustentou que as quantias invocadas pelos trabalhadores não têm carácter retributivo.

Conclui pedindo que se julguem procedentes as excepções suscitadas e que, consequentemente, se absolva a mesma da instância. Caso tal não suceda, pede que se julgue a acção improcedente e que seja absolvida do pedido.

O Autor respondeu, pugnando pela improcedência das excepções invocadas pela Ré e reiterando os pedidos deduzidos na petição inicial.

Por despacho transitado em julgado, julgou-se improcedente a excepção inominada arguida pela Ré decorrente do não pagamento da taxa de justiça pelo Autor e declarou-se que este beneficia da isenção subjectiva do pagamento de custas a que alude o artigo 4º, n.º 1, al. f) do RCP nos presentes autos.

Convidou-se o Autor a aperfeiçoar a petição inicial, que acatando o convite, veio sustentar que o total dos juros vencidos até 12/01/2016 atinge a quantia de 77.692,94 euros, concluindo assim, e por via disso, que o valor da acção ascende ao montante de 222.439,92 euros.

A Ré contestou a matéria concretizada pelo Autor, impugnando-a.

Proferiu-se despacho saneador em que se julgou improcedente a excepção dilatória da ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir; declarou-se ultrapassada a excepção da iliquidez que vinha invocada pela Ré; e julgou-se improcedente a excepção peremptória da prescrição dos juros de mora vencidos há mais de cinco anos.

Inconformada com a decisão que julgou improcedente a excepção peremptória da prescrição dos juros de mora vencidos há mais de cinco anos, a Ré veio dela interpor recurso, que admitido como apelação, subiu de imediato, em separado e com efeito devolutivo.

E tendo a acção prosseguido, o Autor e a Ré fixaram, por acordo, a matéria de facto a ser considerada para efeitos de decisão, pelo que, foi após proferida sentença, que concluiu com o dispositivo seguinte:

«Nesta conformidade, julgo a presente acção parcialmente procedente por provada e, em consequência, condeno a Ré, “II S.A.” a:

A - pagar aos associados do Autor, AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, JJ e KK as diferenças remuneratórias entre os valores auferidos a título de retribuição de férias, subsídios de férias e de Natal e os efectivamente devidos, com base na retribuição média mensal recebida e acima determinada, que totalizam a quantia global de 54.175,89 euros (cinquenta e quatro mil cento e setenta e cinco euros e oitenta e nove cêntimos), com a distribuição por cada um dos identificados associados nos termos supra descritos, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos nos termos que acima se determinaram, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento;

B - pagar aos associados do Autor, AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, JJ e KK, as diferenças remuneratórias vincendas entre os valores auferidos por esses associados a título de retribuição de férias e subsídio de férias e os que lhe são devidos pela Ré decorrente da consideração da média anual das quantias que essa mesma Ré lhes pagou ou venha a pagar a cada um desses associados a título de trabalho suplementar, trabalho nocturno, subsídio de prevenção, prémio de condução e descanso complementar com uma regularidade anual de pelo menos onze meses, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma dessas diferenças remuneratórias vincendas até integral pagamento;

C - absolvo a Ré do restante pedido.

Custas pela Ré na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 38%, não se condenando o Autor nas custas na parte em que decaiu dado que delas se encontra isento (vide decisão transitada em julgado proferida a fls. 417 a 426), fixando a taxa de justiça de acordo com o disposto no art. 6º, n.º 1 do RCP e da tabela I-A a ele anexa”.

Inconformado com o assim decidido, apelou a R, tendo o Tribunal da Relação do Porto (com um voto de vencido) acordado em julgar o recurso parcialmente procedente, pelo que revogou a sentença quanto à alínea b), na parte em que condena a R. a pagar “as diferenças remuneratórias vincendas entre os valores auferidos por esses associados a título de retribuição de férias e subsídio de férias e os que lhe são devidos pela Ré decorrente da consideração da média anual das quantias que essa mesma Ré lhes pagou ou venha a pagar a cada um desses associados a título de (..) descanso complementar com uma regularidade anual de pelo menos onze meses”.


Novamente inconformada traz-nos a R revista que fundamenta na alínea d) do nº 2 do artigo 629.º do CPC, mormente por contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento (proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa aos 04/12/2015 no âmbito do processo 2122/14.1TTLSB.L1) no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, tendo rematado a sua alegação com as seguintes conclusões:

1-O presente recurso encontra a sua fundamentação na al d) do nº 2 do artigo 629º do CPC, mormente na contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento (proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa aos 04/12/2015 no âmbito do processo 2122/14.1TTLSB.L1) no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito;

2-O Acórdão em crise tomou posição e decidiu no âmbito do mesmo do thema decidendum, de forma oposta ao Acórdão fundamento, justificando a interposição do presente recurso de revista;

3-Enquanto o Acórdão em crise atribuiu natureza retributiva às rubricas Abono de Prevenção e Abono de Condução, considerando-as elegíveis para efeito do cômputo da média da remuneração de férias, subsídio de férias e de Natal (até 2003);

4-Já o Acórdão fundamento negou a ambas as rubricas tal natureza, não as considerando para efeitos de contabilização na remuneração de férias, subsídio de férias e de Natal (até 2003);

5-Dúvidas não subsistem de que ambas as decisões foram proferidas no domínio da mesma legislação, sobre a mesma questão fundamental de direito e com os idênticos pressupostos de facto;

6-Porquanto e não obstante em ambas as decisões ter sido como provado que o abono de prevenção se destina a compensar a penosidade resultante da disponibilidade do trabalhador para assegurar eventuais prestações de actividade sempre em período de descanso;

7-Resultando identicamente em relação ao abono de condução, na medida em que em ambas as decisões foi dado como provado que tal rubrica visa apenas compensar o trabalhador pela especial penosidade e risco decorrentes da necessidade de condução de viaturas;

8-Facto é que, não obstante o supra referido, é notória a oposição entre a mesma questão de direito, ou seja a inclusão ou não de tais rubricas na remuneração de férias, subsídio de férias e de Natal;

9-Impondo-se o acolhimento do sentido já sufragado anteriormente quer pelo STJ quer, de forma mais ampla, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que excluíram a natureza retributiva a ambas as rubricas sob apreço, abono de prevenção e abono de condução.

Pede assim que estes complementos sejam excluídos da remuneração devida nas férias, subsídios de férias e subsídios de Natal (apenas relativamente aos valores recebidos anteriormente a 1 de Dezembro de 2003, mesmo nos anos em que o seu pagamento tenha ocorrido em onze meses do ano).
O recorrido alegou, sustentando que o preceito invocado pela recorrente não é aplicável, pelo que o valor da acção dos 4o a 9o associados da A não permite a revista.

O relator, depois de ouvidas as partes sobre esta matéria, proferiu despacho a decidir:

“Não admitir a revista em relação aos trabalhadores DD (4.º) 3.503,10 euros; EE (5.º) 10.293,03 euros; FF (6.º) 22.849,03 euros; GG (7.º) 26.203,76 euros; JJ (8.º) 18.228,92 euros e o KK (9.º) 15.495,32, por se tratar de valores da causa inferiores à alçada da Relação.”

“E quanto aos autores AA (1.º), BB (2.º) e CC (3.º), cujos pedidos excedem o valor da alçada da Relação, e considerando que com o voto de vencido não se formou dupla conforme, admite-se a revista”.

Tendo os autos ido com vista ao Senhor Procurador Geral Adjunto, emitiu este parecer no sentido da procedência da revista, atenta a jurisprudência deste Supremo Tribunal sobre a matéria.

2----

Na parte que agora interessa, foram considerados provados os factos seguintes:

A- O Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Comunicações e Audiovisual – SINTTAV, vem em representação e substituição dos seus associados e trabalhadores da Ré, a saber:

1.º AA;

2.º BB;

3.º CC.

…  … …

B- O SINTTAV é uma estrutura sindical a nível nacional, representativa dos trabalhadores das comunicações nela filiados e, assim, de todos os nove trabalhadores acima identificados, como resulta dos seus estatutos, conforme registo publicado no BTE, 3ª série, nº 3, de 15 de Fevereiro de 1997, pág. 98, revistos e actualizados, conforme publicação no BTE nº 9, de 8 de Março de 2012, com as alterações publicadas no BTE nº 28, de 29 de Julho de 2013.

C- Em consonância com as opções tomadas para o sector, foram separadas dos CTT, S.A. as actividades de comunicações, constituindo-se, para o efeito, por cisão simples, uma entidade juridicamente autónoma com a designação de “LL– ... …, S.A.”, para a qual transitaram os trabalhadores daquelas, mantendo todos os direitos e obrigações de que eram titulares (V.D.L. 277/92, de 15 de Dezembro).

D- A fusão entre as empresas “MM – …, S.A.”, “LL– ... …, S A.” e “NN – ..., S.A.”, originou, por sua vez, a sociedade “LL ..., S.A.” (V.D.L. 122/94, de 14 de maio, in D.R., 1ª Série, A, nº 122, de 14.5.94), que, posteriormente, passou a designar-se por LL, S.A. (V.D.L. 219/2000, de 09 de Setembro).

E- Através de fusão, a Ré, que exibia a denominação social de “OO, S.A.”, alterou a sua firma para “II”, conforme consta do respectivo registo, com publicação online de 29/12/2014.

F- Actualmente os trabalhadores acima identificados, prestam a sua actividade profissional à Ré (II S.A), com a categoria profissional de:

1.º Técnico Superior 5;

2.º Técnico Especialista 5;

3.º Técnico Superior 5.

… … …

G- Os trabalhadores acima identificados, associados do SINTTAV, mantiveram todos os direitos e obrigações de que eram titulares nas empresas que estiveram na origem da, ora, Ré, “ope legis”.

H- Trabalhando, todos, sob as ordens e direcção da Ré e integrando a estrutura organizativa desta.

I- Tendo sido admitidos para prestarem a sua actividade profissional nas antecessoras da Ré, em:

1.º 24/05/1982;

2.º 19/03/1990;

3.º 15/03/1993.

… … …

J- As relações de trabalho entre os associados do A. supra identificados e a Ré, regem-se, actualmente, pelo ACT celebrado entre a OO, S.A., a PP – ......, S.A., a QQ – …, S.A., a Portugal ..., Inovação, S.A., a RR, a SS, S.A. e a TT... e as Associações Sindicais outorgantes, publicado no BTE, nº 20, de 29/05/2013 e, anteriormente, pelas seguintes convenções colectivas, publicadas:

No BTE, 1ª série, nºs 12, 13 e 44, respectivamente, de 29/03/1991, de 09/04/1990 e 29/11/1990;

No BTE, 1ª série, nº 38, de 15/10/1993;

No BTE, 1ª série, nº 30, de 15/08/2000;

No BTE, 1ª série, nº 11, de 22/05/2001, com as alterações publicadas no BTE, 1ª série, nºs 13, 14, 19, 26, 14, 22, 25 e 37 e 47, respectivamente de: - 08/04/2003; 15/04/2004; 22/05/2005; 15/07/2006; 15/04/2007; 15/06/2008; 08/07/2009; 08/10/2010: e 22/12/2011.

K- Auferem as retribuições base mensais seguintes:

1.º € 1.706,26 (mil setecentos e seis euros e vinte e seis cêntimos);

2.º € 1.366,34 (mil trezentos e sessenta e seis euros e trinta e quatro cêntimos);

3.º € 1.666,49 (mil seiscentos e sessenta e seis euros e quarenta e nove cêntimos).

… …

L- Além das retribuições-base mensais e diuturnidades, os associados do A. receberam trabalho suplementar, subsídio de trabalho nocturno, abono de prevenção, abono de condução e subsídio de assiduidade.

M- A Ré não integrou nas remunerações das férias e nos subsídios de férias e de Natal os valores médios das prestações referidas em L).

N- O prémio de assiduidade, instituído em 1996, passou a ser somado ao subsídio de alimentação em 2003, através do Protocolo anexo à revisão do Acordo de Empresa publicada no BTE n.º 13, de 08/04/2003, constituía uma prestação que era paga a todos os trabalhadores da empresa, independentemente da categoria que detinham, ou das funções que executavam e cujo único pressuposto era comparecerem ao trabalho durante pelo menos três horas de um dos períodos de trabalho.

O- O descanso compensatório remunerado encontra-se definido na cláusula 67.ª do AE, destina-se a conferir aos trabalhadores, sempre que a prestação de trabalho por escala ocorra em dia feriado, o gozo de um dia de descanso compensatório e traduz-se no recebimento da quantia respeitante ao descanso que não gozou, não encerrando, portanto, a prestação de qualquer tarefa.

P- O abono de prevenção apenas se destina a compensar os trabalhadores para que estejam disponíveis no seu domicílio para prestar trabalho e o seu pagamento não pressupõe a execução de qualquer tarefa, como decorre da respectiva norma convencional (cláusula 50.ª AE): “… embora em repouso na sua residência, se encontra à disposição da empresa para eventual execução de serviços exclusivamente no âmbito da reparação inadiável de avarias…”.

Q- Os Autores são escalados para prevenção para fazerem face a qualquer necessidade de realizar uma qualquer intervenção urgente fora do período normal de trabalho.

R- Em situação de prevenção os Autores percebem o abono respectivo para estarem disponíveis para intervir, e uma de duas, ou são chamados a realizar uma intervenção urgente e imprevista e não recebem abono de prevenção, mas o trabalho suplementar e/ou nocturno, respeitante ao período em que prestaram actividade, ou não têm necessidade de intervir e pelo facto de se manterem disponíveis para esse efeito, recebem abono de prevenção.

S- O abono ou subsídio de condução reveste natureza instrumental, dado que as funções dos Autores não são a condução de automóveis, antes a execução das tarefas a que se acham obrigados.

T- Donde tal prestação visa compensar os associados do Autor pela especial penosidade e risco decorrente da condução de veículos automóveis e só pelo facto de terem necessidade de se deslocar em viatura automóvel.

U- Os associados do Autor identificados em A) receberam as seguintes prestações da Ré:

(..)
3---                                                                

             

Perante a Relação a ora recorrente impugnou a sentença da primeira instância por ter decidido considerar que devem integrar o cálculo da média da remuneração de Férias e dos Subsídios de Férias e de Natal (apenas quanto às percebidas anteriormente a 1 de Dezembro de 2003) o abono de prevenção, abono de condução e o descanso compensatório remunerado.

E tendo a Relação considerado procedente o recurso no que respeita às quantias pagas a título de remuneração pelo descanso compensatório devido pelo trabalho prestado em dias feriados, pretende a recorrente na revista que as quantias pagas a título de abono de prevenção e abono de condução não sejam considerados retribuição susceptível de integrar o cálculo da média da remuneração de Férias e dos Subsídios de Férias e de Natal (apenas quanto às percebidas anteriormente a 1 de Dezembro de 2003).

Temos pois que o acórdão da Relação transitou em julgado quanto aos associados da A identificados nos números 4 a 9.

E quanto aos três primeiros, AA (1.º), BB (2.º) e CC (3.º), as questões a decidir na revista consistem em determinar se os valores pagos a título de abono de prevenção e abono de condução integram o conceito de retribuição.

Para as resolver temos de considerar que os mencionados trabalhadores têm a sua antiguidade reportada a 24/05/1982 (o 1º); a 19/03/1990 (o 2º); e a 15/03/1993 (o 3º).

 Assim, na aplicação do direito ao caso concreto temos de atender aos seguintes diplomas:

LCT, aprovada pelo DL nº 49.408, de 24 de Novembro de 1969 com referência aos créditos vencidos até 30 de Novembro de 2003;

O DL nº 88/96, de 3 de Julho com referência ao subsídio de Natal;

O Código do Trabalho/2003, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto com referência aos créditos vencidos a partir de 1 de Dezembro de 2003;

E o Código do Trabalho/2009, aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro, aplicável a partir de 17/2/2009.

Na verdade, os efeitos dos factos que se passaram totalmente antes de 1 de Dezembro de 2003, por força do disposto nos artigos 3.º, n.º 1, e 8.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, regem-se pela LCT, relevando para o caso, o quadro normativo estabelecido pelos artigos 82.º e seguintes deste diploma.

Quanto aos efeitos dos factos ocorridos a partir de 1 de Dezembro de 2003, rege a disciplina do CT/2003, designadamente o que nos artigos 249.º, 250.º, 254.º e 255.º se dispõe.

E quanto aos efeitos dos factos ocorridos a partir de 17 de Fevereiro de 2009, hão-de ser determinados pela disciplina do artigo 258º e seguintes do CT/2009.

            Assim, o artigo 82.º, da LCT estabelecia:

1 - Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.

2 - A retribuição compreende a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.

3 - Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador.

Por outro lado, resultando do artigo 249.º do CT/2003 que se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho (n.º 1), incluindo-se na contrapartida do trabalho a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie (n.º 2), e que até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador (n.º 3), constatamos que não ocorrem diferenças assinaláveis entre os regimes da retribuição da LCT e do Código de Trabalho de 2003.

Doutrina idêntica advém do artigo 258º do Código do Trabalho actual, pois as alterações em relação às mencionadas normas são de mero pormenor.

Com efeito, a única alteração ocorre no nº 1 deste preceito, onde se consagra que se considera retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.

Assim, deduz-se destes preceitos que a retribuição é constituída pelo conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade empregadora está obrigada a pagar, regular e periodicamente ao trabalhador, em razão da actividade por ele desenvolvida, ou, mais rigorosamente, da força de trabalho por ele oferecida[1].

Quanto às atribuições patrimoniais de carácter variável, para estas integrarem o conceito de retribuição, para além de constituírem a contrapartida do trabalho, devem ser auferidas regular e periodicamente, conforme resulta do nº 2 dos preceitos supra mencionados.

Não estando em causa a regularidade da atribuição dos mencionados abonos, pois esta questão já foi decidida com trânsito em julgado pelas instâncias, resta-nos decidir se os valores recebidos a título de abono de prevenção e de abono de condução constituem contrapartida do trabalho e desta forma integram o conceito de retribuição.

Já dissemos que a retribuição é constituída pelo conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade empregadora está obrigada a pagar, regular e periodicamente, ao trabalhador em razão da actividade por ele desenvolvida ou da força de trabalho por ele disponibilizada. 

E embora a lei consagre que a retribuição compreende a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas, presumindo-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador, este critério assente na regularidade e periodicidade dos benefícios patrimoniais auferidos pelo trabalhador pode não se revelar suficiente, pois o intérprete deve ter sempre presente se a atribuição patrimonial paga ao trabalhador deriva duma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade deste.

Efectivamente, e seguindo Monteiro Fernandes, num primeiro momento, a retribuição, constituída por um conjunto de valores, é determinada pelo clausulado do contrato, por critérios normativos (como sejam o salário mínimo e o princípio da igualdade salarial) e pelos usos da profissão e da empresa; num segundo momento, a retribuição global – no sentido de que exprime o padrão ou módulo do esquema remuneratório do trabalhador, homogeneizando e sintetizando em relação à unidade de tempo a diversidade de atribuições patrimoniais realizadas ou devidas – engloba não só a remuneração de base, como também prestações acessórias, que preencham os requisitos de regularidade e periodicidade e se possam considerar como contrapartida do trabalho, ou da força de trabalho que o trabalhador disponibiliza, o que revela que o conceito civilístico da contrapartida do trabalho foi ultrapassado no moderno direito do trabalho, que passou a integrar no domínio da retribuição outros benefícios outorgados pelo empregador, regular e periodicamente concedidos.

Ora, constituindo critério legal da determinação da retribuição, a obrigatoriedade do pagamento da(s) prestação(ões) pelo empregador, dele devem ser excluídas as meras liberalidades, porque não correspondem a um dever do empregador.

Mas também temos de excluir da determinação da retribuição aquelas prestações cuja causa determinante não seja a prestação da actividade pelo trabalhador, ou a sua disponibilidade para o trabalho, mas tenham uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade para este[2].

Assim é necessário que se possa detectar uma contrapartida específica diferente da disponibilidade da força de trabalho para que se possa colocar determinada prestação do empregador à margem do salário global[3].

E isto apesar de, no que respeita à prova da verificação dos respectivos pressupostos, o trabalhador gozar da presunção de integrar a retribuição qualquer prestação que lhe é paga pelo empregador (nº 3 do artigo 82º da LCT e 249º nº 3 do CT), regime extremamente favorável em termos probatórios, pois bastar-lhe-á provar a percepção duma prestação pecuniária, competindo à entidade patronal a prova da não verificação dos elementos integrantes do conceito legal de retribuição.

No entanto, será sempre necessário apurar, prova que pertence ao empregador, se determinada prestação paga ao trabalhador resulta duma causa específica e perfeitamente individualizável, diversa da contrapartida do trabalho, ou da disponibilidade para o trabalho.

É isso que temos de apreciar em relação ao abono de prevenção, ao abono de condução.

3.1---

            Assim e quanto ao subsídio de prevenção:

            Resultou provado, com interesse para esta questão, que:

O abono de prevenção apenas se destina a compensar os trabalhadores para que estejam disponíveis no seu domicílio para prestar trabalho e o seu pagamento não pressupõe a execução de qualquer tarefa, como decorre da respectiva norma convencional (cláusula 50.ª AE): “… embora em repouso na sua residência, se encontra à disposição da empresa para eventual execução de serviços exclusivamente no âmbito da reparação inadiável de avarias…” (P).

Os Autores são escalados para prevenção para fazerem face a qualquer necessidade de realizar uma qualquer intervenção urgente fora do período normal de trabalho (Q).

Em situação de prevenção os Autores percebem o abono respectivo para estarem disponíveis para intervir, e uma de duas, ou são chamados a realizar uma intervenção urgente e imprevista e não recebem abono de prevenção, mas o trabalho suplementar e/ou nocturno, respeitante ao período em que prestaram actividade, ou não têm necessidade de intervir e pelo facto de se manterem disponíveis para esse efeito, recebem abono de prevenção (R).

Face a este circunstancialismo, temos de concluir que o abono pago ao trabalhador para estar disponível para uma eventual chamada, fora das horas normais de serviço, não pode ser considerado retributivo (stricto sensu), na justa medida em que, pelo mesmo, se visa compensar, não o trabalho prestado, mas a especial penosidade que decorre do facto de estar disponível para interromper o gozo do seu direito ao descanso para ir prestar trabalho, visando ainda mitigar os incómodos ou transtornos para a vida pessoal do trabalhador que resultam dessa situação, não se reportando à disponibilidade do trabalhador durante o tempo de trabalho.

Por conseguinte, e seguindo o Acórdão deste Supremo Tribunal de 14 de Maio de 2015, Processo nº 2428/09.1TTLSB.L1.S1 (Revista) – 4ª Secção, (Melo Lima), a atribuição patrimonial por esta razão auferida pelo trabalhador não assume o carácter de contrapartida da prestação da actividade a que este se obrigou, pois visa compensá-lo da obrigação de estar disponível se para tal for solicitado.

Procede, destarte, a pretensão formulada pela R/Recorrente no sentido de ver afastado o reconhecimento do subsídio de prevenção como retribuição e respectiva integração no cálculo dos valores recebidos a título de férias, e dos subsídios de férias e Natal.

3.2---

            Quanto ao abono de condução:

            Quanto a este, apurou-se que o abono ou subsídio de condução reveste natureza instrumental, dado que as funções dos Autores não são a condução de automóveis, antes a execução das tarefas a que se acham obrigados (S).

E por outro lado, a sua concessão visa compensar os associados do Autor pela especial penosidade e risco decorrente da condução de veículos automóveis e só pelo facto de terem necessidade de se deslocar em viatura automóvel.

Daqui se extrai que este abono/subsídio é pago a quem, não sendo motorista, tenha que conduzir em exercício de funções e por causa destas.

No caso dos autos sabe-se que os recorridos exercem funções com a categoria profissional de Técnico Superior 5 (o 1º e o 3º), e de Técnico Especialista 5 (o 2º). Mais se sabe que têm auferido o subsídio de condução quando apesar do exercício das funções da sua categoria, têm também que conduzir automóvel, recebendo então o respectivo abono de condução.

No entanto, sendo este pago para compensar a especial penosidade e o risco decorrente da condução de veículos, a sua atribuição tem uma justificação perfeitamente individualizável, que sendo diversa da contrapartida pelo trabalho prestado, não integra a retribuição, conforme decidiu o acórdão deste Supremo Tribunal de 3-11-2016, Proc. n.º 1521/13.0TTLSB.L1.S1, (Ana Luísa Geraldes) e consultável em www.stj.pt.

Procede por isso a pretensão formulada pela R/Recorrente no sentido de ver afastado o reconhecimento do abono de condução como retribuição, pelo que os montantes recebidos a este título não integram o cálculo dos valores recebidos a título de férias, e dos subsídios de férias e Natal.

Por isso, e procedendo a revista quanto a estas matérias, temos de revogar o acórdão recorrido na parte em que considerou retribuição os montantes recebidos pelos recorridos a título de subsídio de prevenção e abono de condução, pelo que os montantes recebidos a este título não podem ser considerados no cômputo dos valores recebidos nas férias, e nos subsídios de férias e Natal (antes de 1/12/2003), sendo a recorrente absolvida neste segmento do pedido.

4----

  Termos em que se acorda nesta Secção Social em conceder a revista, pelo que, e quanto aos trabalhadores recorridos AA, BB, e CC, se revoga o acórdão impugnado na parte em que considerou retribuição as quantias que lhe foram pagas a título de abono de prevenção e abono de condução, não devendo tais valores integrar a média das retribuições pagas a título de férias, subsídios de férias e de subsídios de Natal (apenas relativamente aos valores recebidos anteriormente a 1 de Dezembro de 2003).

       Dado que foi reconhecida isenção de custas à A, esta não pagará custas da revista.

       Nas instâncias, e quanto aos mesmos recorridos, a R pagará custas na proporção do decaimento (ficando a A isenta do seu pagamento).

Anexa-se sumário do acórdão.


Lisboa, 12 de Outubro de 2017

Gonçalves Rocha (Relator)

António Leones Dantas

Ana Luísa Geraldes 

__________________
[1] Monteiro Fernandes, “Direito do Trabalho”, Almedina, 12.ª edição, ano de 2005, pág. 455).
[2] Monteiro Fernandes, obra citada, 457.
[3]  Mesmo autor, pgª 458.