Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
10218/18.4T8LRS.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
INTERMEDIÁRIO
BANCO
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
INCUMPRIMENTO
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
ÓNUS DA PROVA
DANO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
APLICAÇÃO FINANCEIRA
VALORES MOBILIÁRIOS
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 03/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

I - Nas palavras do AUJ n.º 8/2022, o ónus da prova do nexo causal cabe ao investidor, nos seguintes termos:

«3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir».

II – Segundo os fundamentos o AUJ n.º 8/2022, o regime do CVM não só não vem aumentar o ónus probatório a cargo do investidor, em relação aos princípios gerais da responsabilidade civil, como implica até  «(…)a diminuição da exigência do regime da prova do nexo de causalidade no sentido de se dever facilitar ao investidor a demonstração da sua ocorrência, por forma a não se inverter a lógica do sistema de responsabilidade civil, pois é de reconhecer que é difícil ao investidor demonstrar, sem sombra de dúvidas, que nunca realizaria o investimento efetuado se a informação em falta lhe tivesse sido prestada(…)».

III – Estando provado o seguinte – o que motivou a decisão dos autores subscreverem as obrigações SLN foi o facto de lhes ter sido dito e assegurado pelo funcionário do réu que o capital era garantido pelo BPN; os autores atuaram convictos de que estavam a aplicar o seu dinheiro numa aplicação segura (sem risco de capital); nunca foi intenção dos autores investirem em produtos com risco de capital, o que era do conhecimento dos funcionários do réu – considera-se demonstrada a existência do pressuposto da responsabilidade civil do nexo causal entre a violação do dever de informação e o dano, nos termos do artigo 563.º do Código Civil e da orientação adotada no AUJ n.º 8/2022.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I - Relatório


1. AA e BB demandaram Banco BIC Português, S.A., pedindo a condenação deste no pagamento aos autores o capital e juros vencidos e garantidos que, nesta data, perfazem € 57.000,00, bem como os juros vincendos desde a citação até efetivo pagamento.

Formularam outros pedidos em alternativa, pedidos estes que foram objeto de desistência, desistência essa homologada por sentença, em sede de audiência prévia - cfr. fls. 81 e sgs.

Alegaram, em suma, que eram clientes do Banco na agência da ..., com a conta à ordem ...01, onde movimentavam parte do dinheiro, realizavam pagamentos e faziam poupanças.

Em 21/4/2006, o gerente do Banco réu da agência em questão, comunicou aos autores que tinha uma aplicação, em tudo semelhante a um depósito a prazo, com capital garantido e com rentabilidade assegurada.

O funcionário do Banco sabia que os autores não possuíam qualificação ou formação técnica que lhes permitisse conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar os riscos de cada um a menos que lhes fosse explicado, eram pessoas de perfil conservador, não investiam em produtos de risco tendo, até à data mencionada supra, aplicado o dinheiro em depósitos a prazo.

O dinheiro dos autores, € 50,000,00 foi colocado em obrigações SLN 2006, sem que estes soubessem, em concreto, o que era, desconhecendo que a SLN era uma empresa.

Nada lhes foi explicado, nem lhe foi entregue até à data de hoje a nota informativa da operação, subscrevendo as obrigações na convicção de que colocavam o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, num produto de risco exclusivo do Banco.

Se soubessem que assim não era, nunca teriam autorizado a subscrição, sendo certo que esta apenas foi subscrita pela autora.

Assim, o negócio é nulo, ex vi artigo 5.º e sgs. do DL 446/85, de 15/10 (cláusulas contratuais gerais).

Na data do vencimento nenhuma quantia lhes foi devolvida - capital e/ou juros -tendo sido informados que era melhor aguardarem pela maturidade das obrigações.

Esta situação provocou-lhes e provoca, ansiedade, tristeza e dificuldades financeiras, computando os danos (não patrimoniais), em €3.000,00.


2. Na contestação, o réu BIC excecionou a prescrição com fundamento no facto do negócio subsumir-se a um ato de intermediação financeira pelo que quaisquer direitos sobre o intermediário prescrevem ao fim de 2 anos, a partir do momento em que o subscritor tomou conhecimento da situação, ex vi artigo 324.ºdo Código dos Valores Imobiliários, impugnou o alegado pelos autores concluindo pela procedência da exceção e pela absolvição do pedido - fls. fls. 14 e sgs.

Replicaram os autores, concluindo como na p.i. - fls. 42 e sgs.

Em sede de audiência prévia, a exceção perentória da prescrição foi relegada para decisão final, foi proferido despacho saneador e elencados os temas de prova - fls. 81 e sgs.


3. Após julgamento, foi prolatada sentença que, julgando improcedente a exceção perentória da prescrição, julgou a ação procedente e condenou o Banco réu no pedido - fls. 102 e sgs.


4. Inconformado, o Banco apelou, tendo o Tribunal da Relação decidido confirmar a sentença recorrida.

 

5. Novamente inconformado, interpôs o Banco BIC recurso de revista excecional, ao abrigo do artigo 672.º, n.º 1, al. a), do CPC, admitido pela Formação prevista no n.º 3 do artigo 672.º do CPC, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:

«1. O douto acórdão da Relação de Lisboa violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do C.C.

2. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era um produto sem risco, não transmitindo a característica da subordinação ou a diferença para o depósito a prazo, configura a prestação de uma informação falsa.

3. Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

4. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exactamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.

5. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente!

Ou seja, corresponde ao chamado risco geral de incumprimento!

6. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!

7. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica no momento da subscrição!

8. A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.

9. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.

10. E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!

11. A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.

12. O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente!

13. A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.

14. O que retira qualquer relevância à transmissão da característica no momento da decisão de investimento.

15. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis.

16. A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação…

17. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

18. A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exactamente nos termos que vimos de expor.

19. Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

20. O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo seu obrigações assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.

21. A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é susceptível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº 236º do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

22. A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.

23. Acresce que a expressão garantido pelo Banco era também ela consentânea com a realidade na altura da subscrição!

24. Efectivamente o banco era parte integrante do património da emitente das obrigações e como tal garante do cumprimento das suas obrigações.

25. Também por isso não faz qualquer sentido afirmar, ou querer retirar dessa afirmação, uma garantia de cumprimento no sentido de uma fiança pelo facto da mesma ser em absoluto redundante. O banco como elemento do património da eminente já era, com todo o seu património, garantia geral do cumprimento das obrigações daquela.

26. O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.

27. O grau de exactidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.

28. No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pela Autora, que era do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.

29. Acresce que a Autora tinha formação na área financeira e o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente.

30. Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.

31. Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.

32. A simples omissão de referência à característica da subordinação das Obrigações não constitui de forma alguma uma violação do dever de informação.

33. O teor do dever de informação não consiste, nem pode consistir, num mero elenco, apenas para efeitos formais da dita informação, das características do produto, antes devendo adequar-se às concretas circunstâncias relativas ao cliente ou ao momento histórico.

34. Esta particular característica da subordinação refere-se exclusivamente, e por definição, a um cenário de concurso de credores. Este cenário, contudo, e realisticamente falando, era em 2006 por todos encarados como puramente teórico e académico...

35. A situação do sistema financeiro em geral, em Portugal, e do Banco-R. em particular nunca levariam a que ninguém valorizasse uma tal possibilidade mesmo que comunicada.

Esta simples e, quanto a nós, óbvia circunstância implica que a falta daquela concreta menção, desde logo não implicou uma verdadeira falta de informação, porquanto nunca seria valorizada por qualquer cliente como tal...

36. Diga-se ainda que nos parece que é evidente que a relação causal entre esta falta de informação e o dano que sobreveio sempre inexistiria de facto, em face da já explicada irrelevância assumida da dita informação sobre subordinação.

37. Dispunha sobre a matéria do conteúdo dos deveres do intermediário financeiro o artigo 304º do CVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua actividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

38. E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.

39. Tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.

40. Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!

41. A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312º-E nº 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.

42. O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E.

43. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na actual redacção do CdVM.

44. A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento.

45. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

46. O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

47. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa!

48. A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito se, e só se, tais riscos de facto existirem!

49. Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.

50. E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

51. Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312º-E nº 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objectivização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjectivação em função do emitente!

52. O artigo 312º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da actividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações.

Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.

53. Do elenco de factos provados não resultam factos provados suficientes que permitam estabelecer uma ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida ao Autor e o acto de subscrição.

54. A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.

55. No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!

56. Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.

57. E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!

58. Se em abstracto, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor -, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.

59. Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da actividade de intermediação financeira, de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes – no caso o Autor é este o único conteúdo típico e essencial do contrato e que é, portanto, susceptível de o caracterizar.

60. Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo típico ou não do acordo contratual entre as partes.

61. A única prestação principal neste contrato será a de recepção e transmissão de ordens do cliente.

62. Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.

63. Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato!

64. Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira.

65. O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no acto de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento.

66. É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato?

67. O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador!

68. A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efectivo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspectiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.

69. No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

70. O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)!

71. Não basta afirmar-se genericamente que eles não foram informados do risco de insolvência ou da falta de liquidez das obrigações, ou de qualquer característica do produto, e que é essa causa do seu dano!

72. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.

73. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.

74. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.

75. E nada disto foi feito!

76. Dizer simplesmente que não subscreveriam se soubessem que o capital não era garantido é manifestamente insuficiente pelas razões já acima explanadas relativamente à compreensão desta expressão.

77. Aceitar esta alegação seria o mesmo que dizer que este Autor, que se define como cliente de depósito a prazo, nunca o subscreveria se soubesse que os mesmos não eram garantidos a 100%.

78. Dir-se-ia, a ser assim, que o nexo só se verificaria se resultasse provado que, se soubessem de todas as características dos produtos em causa, o Autor teria guardado os seus valores em casa, debaixo do colchão!!!

79. A origem do dano do Autor reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco é alheio!

 

Termos em que se conclui pela admissão do presente recurso, e sua procedência, e, por via dele, pela revogação da douta decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Banco-R. do pedido, assim se fazendo…

... JUSTIÇA!»


6. Atentas as conclusões do recorrente, que delimitam, como é regra, o objeto do recurso – artigos 639.º e 640.º CPC – a questão a decidir consiste em saber se o Banco, na qualidade de intermediário financeiro, é responsável perante o subscritor de obrigações SLN por violação do dever de informação.


7. Encontrando-se então pendente neste Supremo Tribunal de Justiça um recurso para uniformização de jurisprudência – processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A –  que incidiu sobre as questões de direito suscitadas no presente processo e que se revestiu de prejudicialidade em relação a esta ação, determinou-se, por despacho proferido em 03-02-2022, nos termos do artigo 272.º, n.º 1, do CPC, a suspensão da instância até ao trânsito em julgado do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 8/2022.

8. Tendo sido proferida ulteriormente decisão no referido processo e tirado o respetivo Acórdão Uniformizador (Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 8/2022, proferido no Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, publicado em Diário da República, I .ª Série, N.º 212, 3 de novembro de 2022, p. 10 e ss), cumpre apreciar e decidir.


II – Fundamentação

A – Os factos

Os factos provados, após o exercício pelo Tribunal da Relação dos seus poderes de modificação, são os seguintes:

1. Os autores eram clientes do BPN (atualmente o réu) na sua agência da ..., com a conta à ordem n°l31419021000, onde movimentavam dinheiros, realizavam pagamentos e efetuavam poupanças.

2. Em 21.4.2006, a autora assinou, na agência da ... do banco BPN, um boletim de subscrição, encabeçado pelos dizeres BPN e SLN 2006, no qual se diz que o mesmo reporta à "emissão de até 1.000 obrigações subordinadas, ao portador e sob a forma escritural, com o valor nominal de € 50 000,00 cada uma, oferecidas diretamente ao público, ao preço unitário igual ao valor nominal. A emissão será efetuada por uma ou mais séries de acordo com as necessidades do emitente e a procura dos investidores. Não sendo totalmente subscrita, a presente emissão de obrigações ficará limitada às subscrições recolhidas".

3.No mesmo boletim consta também que o valor mínimo de subscrição é de € 50 000,00 (1 obrigação); que a data de liquidação financeira é 8.5.2006; que o prazo da emissão é de 10 anos, sendo o reembolso do capital efetuado a 9.5.2016, só sendo possível o reembolso antecipado por iniciativa da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., a partir do 5.º ano e sujeito ao acordo prévio do Banco de Portugal; e que os juros serão pagos semestralmente e postecipadamente, o cupão do I.º semestre à taxa anual nominal bruta de 4,5%; os nove cupões seguintes, à taxa anual nominal bruta da Euribor a 6 meses, mais 1,15%, e os cupões dos restantes semestres à taxa anual nominal bruta da Euribor a 6 meses, mais 1,50%.

4. No mesmo boletim consta indicado como subscritor o autor; a ordem de subscrição de uma obrigação com o valor nominal de € 50.000,00, a ser creditada na respetiva conta de valores mobiliários escriturais aberta junto do BPN - Banco Português de Negócios, S. A. em 8.5.2006; e a ordem de débito da conta n°...01 da agência da ... para efeito de pagamento da operação subscrita.

5. O produto referido em 2) foi apresentado aos autores por um funcionário do BPN, como sendo obrigações emitidas pela SLN, que esta empresa era a dona do Banco, como sendo uma aplicação em tudo semelhante a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN, com rendibilidade assegurada e com a possibilidade de obtenção de liquidez antecipada, através da venda a um terceiro/cliente (Facto modificado pelo Tribunal da Relação)

6. Os autores tinham, na perspetiva do referido funcionário, um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro.

7. Na sequência da subscrição aludida em 2) foram aplicados € 50 000 dos autores em obrigações subordinadas SLN 2006.

8. O que motivou a decisão dos autores subscreverem o produto aludido em 2) foi o facto de lhes ter sido dito e assegurado pelo funcionário do réu que o capital era garantido pelo BPN, tinha juros semestrais a uma taxa de juro mais atrativa que um depósito a prazo e que o capital e juros podiam ser resgatados a qualquer altura por meio da transmissão da participação a terceiros.

9. Os autores atuaram convictos de que estavam a aplicar o seu dinheiro numa aplicação segura (sem risco de capital).

10. Facto eliminado pelo Tribunal da Relação

11. Nunca foi intenção dos autores investirem em produtos com risco de capital, o que era do conhecimento dos funcionários do réu.

12. Os autores sempre estiveram convencidos de que o réu lhes restituiria o capital e juros quando os solicitassem.

13. O réu assegurou aos autores que a aplicação dita em 2) tinha uma garantia de reembolso semelhante a um depósito a prazo.

14. Os juros relativos aos cupões das obrigações foram semestralmente creditados na conta dos autores até novembro de 2015.

15. É usual os Bancos atribuírem denominações aos produtos e contas que disponibilizam.

16. Os funcionários do réu nunca explicaram aos autores o que eram obrigações, nem obrigações subordinadas SLN 2006.

17. O boletim referido em 2) não foi lido, nem explicado aos autores pelos funcionários do réu.

18. Não foi entregue aos autores cópia de documento que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas SLN 2006 ou prazos de resolução unilateral pelos autores.

19. O capital investido pelos autores não foi reembolsado na data de vencimento referida em 3), nem posteriormente.

20. Na comercialização do produto referido em 2) o reu instruiu os seus funcionários a passarem a ideia aos clientes de que se tratava de um produto sem risco quanto ao reembolso do capital e juros atrativos que estavam garantidos.

21. A circunstância referida em 19) preocupou o autor.

22. O subscritor foi informado que as obrigações eram emitidas pela sociedade que detinha o réu, a SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S. A.

23. E que o reembolso antecipado da emissão só era possível por iniciativa da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, S. A., a partir do 5.º ano e sujeito a acordo do Banco de Portugal.

24. E bem assim de que a única forma de liquidar o produto de forma unilateral seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado mediante endosso.


Não se apurou:

25. O funcionário do réu referido em 5) soubesse que os autores não possuíam qualificações ou formação técnica que lhes permitisse conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar o risco de cada um deles a não ser que lhos explicassem devidamente.

26. Os autores, até à data de subscrição do produto referido em 2), sempre tenham aplicado o seu dinheiro em depósitos a prazo.

27. Os autores não soubessem, em concreto, o que eram as obrigações ditas em 7) e que desconhecessem que a SLN era uma empresa.

28. Tivesse sido comunicado aos autores que para levantamento do capital e juros bastaria, a qualquer altura, avisar a agência do banco com a antecedência de três dias.

29. Os autores não tivessem percebido que estavam a dar uma ordem de aquisição de obrigações SLN 2006.

30. Tenha sido o réu quem deixou e pagar os juros aos autores.

31. Os autores não soubessem da existência da SLN, nem o que ela era e que pensassem que SLN 2006 era uma mera denominação de uma conta a prazo utilizada pelo réu.

32. Os autores desconhecessem e não pudessem saber que tinham subscrito uma aplicação com características diferentes de um depósito a prazo.

33. Os autores não tenham sido informados sobre a compra das obrigações subordinadas SLN 2006 que subscreveram.

34. A quantia referida em 7) devesse ter sido aplicada pelo réu num depósito a prazo, com capital e juros disponíveis de 6 em 6 meses.

35. Não tivesse sido entregue aos autores qualquer título demonstrativo de que possuíam obrigações SLN 2006.

36. Tenha sido contratada uma taxa anual ilíquida de 4,5%.

37. Na documentação interna distribuída pelo réu aos seus/funcionários o réu fosse indicado como o garante da aplicação SLN 2006.

38. Com a sua atuação o réu tenha colocado os autores em permanente estado de preocupação e ansiedade, com receio de não reaverem o seu dinheiro, causando-lhes assim tristeza, dificuldades financeiras para gerir a sua vida, um permanente estado de stress, doença e perda de alegria de viver por terem sido desapossados das economias de uma vida e colocados sem perspetivas de futuro.

39. No mês seguinte à operação, o subscritor do boletim referido em 2) tenha recebido por correio o aviso de débito correspondente à subscrição feita e posteriormente, a cada seis meses, os avisos de crédito relativos aos juros.

40. Desde a data de subscrição os vários extratos periódicos incluíssem as obrigações como integrando a carteira de títulos de forma separada aos depósitos a prazo.

 

B - O Direito

1. Sendo as questões a decidir em tudo semelhantes às que foram objeto do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 8/2022, proferido no Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A (publicado em Diário da República, I .ª Série, N.º 212, 3 de novembro de 2022, pp. 10 e seguintes), haverá apenas que verificar se o acórdão recorrido solucionou as questões de direito relativas à ilicitude e ao nexo causal entre o facto e o dano de forma compatível com o estipulado no AUJ n.º 8/2022, que fixou a seguinte orientação:

«1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir».


2. Esta é a metodologia decisória que resulta da circunstância de o acórdão de uniformização de jurisprudência, apesar de não gozar do caráter vinculativo das fontes de direito, constituir um “precedente judiciário qualificado” (cfr. Castro Mendes/Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume II, AAFDL Editora, Lisboa, p. 201), dotado de especial força de persuasão, conforme se deduz do regime do artigo 629.º, n.º 2, al. c), do CPC, preceito segundo o qual é sempre admissível interpor recurso contra qualquer decisão que contrarie a jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Apesar de não estarmos, rigorosamente, perante um precedente judiciário em relação ao acórdão recorrido, que foi proferido antes do AUJ n.º 8/2022, há que considerar que o presente processo esteve com a instância suspensa a fim de lhe ser aplicada a orientação que viesse a ser fixada no AUJ a proferir no processo n.º1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, pelo que estamos, num sentido substancial, perante uma decisão uniformizadora qualificada e dotada de uma força especial de persuasão.


3. O acórdão recorrido considerou violado o dever de informação do Banco na qualidade de intermediário financeiro, e verificados os demais pressupostos da responsabilidade civil contratual ou extracontratual do Banco (ilicitude, culpa, dano, nexo causal entre o facto e o dano), com o seguinte fundamento:

«No domínio da intermediação financeira, a crescente complexidade dos serviços e produtos financeiros justifica esclarecimentos e uma lealdade acrescidos por parte do intermediário financeiro especialmente face a a investidores não qualificados - a protecção do contratante mais débil é assegurado através dos dispositivos que asseguram o dever de informar.

In casu, estamos perante investidores não qualificados o que implica que a informação prestada seja compreendida pelo destinatário médio, sem que sejam ocultados ou subestimados elementos, declarações ou avisos importantes, nomeadamente, o do risco associado à operação - cfr. art. 312-A, 312-B e 312-E CVM.

Na data da subscrição pelo autor do produto SLN 2006, não lhe foi explicado o que eram obrigações, nem obrigações subordinadas SLN, não lhe foi lido, nem explicado o boletim de subscrição, não foi entregue cópia de documento que contivesse as cláusulas sobre obrigações subordinadas SLN 2006 ou prazos de resolução unilateral pelos autores, sendo que estes tinham confiança nos interlocutores do Banco.

A ficha técnica e a nota interna referem, entre outros, os riscos da operação - reembolso antecipado...só é possível por iniciativa da SLN, a partir do 5o ano, mediante aprovação prévia do Banco de Portugal/vedado à iniciativa dos obrigacionistas; em caso de reembolso parcial antecipado a amortização das obrigações será efectuada por sorteio, as receitas da SLN respondem integralmente pelo serviço da dívida, sendo que os subscritores terão sempre prioridade sobre os accionistas da SLN mas estarão subordinados aos restantes credores.

A operação de emissão consistia na captação da SLN de cinquenta milhões de euro, sendo que as instruções aos funcionários (todos) do Banco foram no sentido de sedução dos clientes para a aquisição do novo produto que devia ser vendido como um sucedâneo de um mero depósito a prazo, sem risco quanto ao reembolso do capital e juros atractivos e garantidos.

Daqui se extrai, que houve uma omissão de informação do Banco quanto aos riscos da operação pelo que, tendo em atenção os arts. citados, o Banco é responsável pelas obrigações contratuais assumidas, ou seja, pelo reembolso de capital investido na aquisição do Produto SLN 2006.

Concomitantemente também o Banco incorreu em responsabilidade extra-contratual traduzidos na violação dos deveres, não só do exercício da sua actividade de intermediário financeiro, nomeadamente os princípios orientadores consagrados no art. 304 CVM, como sejam os ditames da boa-fé, elevado padrão de diligência, lealdade e transparência, como também do dever de informação (arts. 7/1 e 312/1 CVM), sendo certo que o Banco não ilidiu a presunção legal de culpa - art. 314 CVM.

Verificados estão os pressupostos da responsabilidade contratual e extra-contratual (ilicitude, culpa, o dano e o nexo causal entre o facto e o dano)».

4. A factualidade provada, para o que aqui releva, foi a seguinte:

«5. O produto referido em 2) foi apresentado aos autores por um funcionário do BPN, como sendo obrigações emitidas pela SLN, que esta empresa era a dona do Banco, como sendo uma aplicação em tudo semelhante a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN, com rentabilidade assegurada e com a possibilidade de obtenção de liquidez antecipada, através da venda a um terceiro/cliente.

6. Os autores tinham, na perspetiva do referido funcionário, um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro.

7. Na sequência da subscrição aludida em 2) foram aplicados € 50 000 dos autores em obrigações subordinadas SLN 2006.

8. O que motivou a decisão dos autores subscreverem o produto aludido em 2) foi o facto de lhes ter sido dito e assegurado pelo funcionário do réu que o capital era garantido pelo BPN, tinha juros semestrais a uma taxa de juro mais atrativa que um depósito a prazo e que o capital e juros podiam ser resgatados a qualquer altura por meio da transmissão da participação a terceiros.

9. Os autores atuaram convictos de que estavam a aplicar o seu dinheiro numa aplicação segura (sem risco de capital)

(…)

11. Nunca foi intenção dos autores investirem em produtos com risco de capital, o que era do conhecimento dos funcionários do réu.

12. Os autores sempre estiveram convencidos de que o réu lhes restituiria o capital e juros quando os solicitassem.

13. O réu assegurou aos autores que a aplicação dita em 2) tinha uma garantia de reembolso semelhante a um depósito a prazo.

16. Os funcionários do réu nunca explicaram aos autores o que eram obrigações, nem obrigações subordinadas SLN 2006.

17. O boletim referido em 2) não foi lido, nem explicado aos autores pelos funcionários do réu.

18. Não foi entregue aos autores cópia de documento que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas SLN 2006 ou prazos de resolução unilateral pelos autores».


5. Nos termos da orientação jurisprudencial do AUJ n.º 8/2022, considera-se verificada a ilicitude da conduta do Banco - a violação do dever de informação – e presumida a culpa, nos termos do artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil.

Os autores aplicaram 50.000,00 euros em obrigações SLN 2006; são investidores não qualificados e avessos ao risco, que nunca tiveram intenção de adquirir produtos financeiros com risco de perda de capital, o que era do conhecimento do funcionário do réu; os funcionários do réu nunca lhes explicaram o que eram obrigações; subscreveram o produto financeiro em causa porque lhes foi dito que o reembolso do capital era assegurado; o boletim referido em 2) não foi lido, nem explicado aos autores pelos funcionários do réu, nem lhes foi entregue aos  cópia de documento que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas SLN 2006 ou prazos de resolução unilateral pelos autores.


6. Em relação ao nexo de causalidade, o AUJ n.º 8/2022 faz também recair o ónus da prova sobre o investidor tal como decorre da matéria de facto.

Nos termos do artigo 563.º do Código Civil, a obrigação de indemnizar só ocorre em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não houvesse lesão.

Quer isto dizer que incumbe ao cliente (investidor) a prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, que se tivesse sido informado, por completo, da concreta identificação, natureza e características do produto financeiro que lhe foi proposto, bem como da sua natureza, não as teria adquirido, pois cabe a quem invoca o direito à indemnização alegar e demonstrar o nexo causal entre o facto ilícito e o dano, que também não se presume, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil.


Os factos provados no que diz respeito ao nexo são os seguintes:

8. O que motivou a decisão dos autores subscreverem o produto aludido em 2) foi o facto de lhes ter sido dito e assegurado pelo funcionário do réu que o capital era garantido pelo BPN, tinha juros semestrais a uma taxa de juro mais atrativa que um depósito a prazo e que o capital e juros podiam ser resgatados a qualquer altura por meio da transmissão da participação a terceiros.

9. Os autores atuaram convictos de que estavam a aplicar o seu dinheiro numa aplicação segura (sem risco de capital).

11. Nunca foi intenção dos autores investirem em produtos com risco de capital, o que era do conhecimento dos funcionários do réu.

           

Como se escreveu em Acórdão deste Supremo Tribunal de 06/12/2022, proc. nº. 842/17.8T8PVZ.P1.S1, “para que um facto seja causa de um dano é necessário, antes de mais, que, no plano naturalístico, ele seja condição sem o qual o dano não se teria verificado e depois que, em abstracto ou em geral, seja causa adequada do mesmo (nexo de adequação). Releva a causalidade adequada na sua formulação negativa: a condição deixará de ser causa do dano sempre que, segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo, portanto, inadequado para esse dano.

A teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, admitindo não só a ocorrência de outros factos condicionantes, como ainda a chamada causalidade indirecta, na qual é suficiente que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano.”

 

Apesar de, nesta factualidade, não estarem reproduzidas as exatas palavras do n.º 4 do segmento uniformizador do AUJ n.º 8/2022, considera-se que a intenção da norma estabelecida no AUJ não foi a de impedir que o nexo se estabelecesse quando os factos se reportam à causalidade através de uma formulação positiva, tanto mais que nos fundamentos do AUJ se afirmou que «O que o regime do CVM pode trazer de diverso é a diminuição da exigência do regime da prova do nexo de causalidade no sentido de se dever facilitar ao investidor a demonstração da sua ocorrência, por forma a não se inverter a lógica do sistema de responsabilidade civil, pois é de reconhecer que é difícil ao investidor demonstrar, sem sombra de dúvidas, que nunca realizaria o investimento efetuado se a informação em falta lhe tivesse sido prestada, mas tal facilitação não se traduzirá numa inversão do ónus da prova, nem da adesão à doutrina do “comportamento conforme à informação”, que tem sido propugnada por alguns autores e já subscrita por algumas decisões dos tribunais».

Em Acórdãos proferidos por este Supremo Tribunal, após o trânsito em julgado do AUJ n.º 8/2022, foi já adotada uma conceção semelhante de nexo causal, considerando-se cumprido o ónus da prova a cargo do investidor, sem que a matéria de facto incluísse de modo expresso as palavras do n.º 4 do segmento uniformizador, sendo o nexo causal deduzido de um conjunto de factos reportados ao perfil do investidor e à completa ausência de informação acerca das caraterísticas do produto financeiro (cfr. Acórdão de 17-01-2023, proferido no processo n.º 6306/18.5T8GMR.G1.S1, na 1.ª Secção do Supremo Tribunal, em que foi Adjunta a ora Relatora).

Assim sendo, e porque a dogmática civilística em relação ao nexo causal não pode ser subvertida a ponto de se tornar impossível a prova do estado psíquico do investidor ou da sua vontade hipotética – dá-se como verificado o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano nos termos da orientação adotada no AUJ n.º 8/2022.

Não tendo sido questionado o montante da indemnização, nem o método de cálculo desta ou a extensão do dano, confirma-se o acórdão recorrido, que condenou o Banco BIC ao pagamento aos autores de uma indemnização no valor de € 50 000 (cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal em cada momento vigente, desde a citação até integral pagamento.


7. Anexa-se sumário elaborado nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC:

I - Nas palavras do AUJ n.º 8/2022, o ónus da prova do nexo causal cabe ao investidor, nos seguintes termos:

«3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir».

II – Segundo os fundamentos o AUJ n.º 8/2022, o regime do CVM não só não vem aumentar o ónus probatório a cargo do investidor, em relação aos princípios gerais da responsabilidade civil, como implica até  «(…)a diminuição da exigência do regime da prova do nexo de causalidade no sentido de se dever facilitar ao investidor a demonstração da sua ocorrência, por forma a não se inverter a lógica do sistema de responsabilidade civil, pois é de reconhecer que é difícil ao investidor demonstrar, sem sombra de dúvidas, que nunca realizaria o investimento efetuado se a informação em falta lhe tivesse sido prestada(…)».

III – Estando provado o seguinte – o que motivou a decisão dos autores subscreverem as obrigações SLN foi o facto de lhes ter sido dito e assegurado pelo funcionário do réu que o capital era garantido pelo BPN; os autores atuaram convictos de que estavam a aplicar o seu dinheiro numa aplicação segura (sem risco de capital); nunca foi intenção dos autores investirem em produtos com risco de capital, o que era do conhecimento dos funcionários do réu – considera-se demonstrada a existência do pressuposto da responsabilidade civil do nexo causal entre a violação do dever de informação e o dano, nos termos do artigo 563.º do Código Civil e da orientação adotada no AUJ n.º 8/2022.


III – Decisão

Pelo exposto, decide-se confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

 

Lisboa, 14 de março de 2023


Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Pedro Lima Gonçalves (1.º Adjunto)

Maria João Vaz Tomé (2.ª Adjunta)