Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
19/20.5YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO CONTENCIOSO
Relator: JOÃO CURA MARIANO
Descritores: DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
CADUCIDADE
CASO JULGADO
EFICÁCIA RETROATIVA
ANTIGUIDADE
LICENÇA DE LONGA DURAÇÃO
LICENÇA SEM VENCIMENTO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
Data do Acordão: 02/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AÇÃO ADMINISTRATIVA
Decisão: ACÇÃO IMPROCEDENTE.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I – A ultrapassagem do prazo de caducidade do procedimento administrativo não inviabiliza a abertura de novo procedimento, pelo que a anulação de uma deliberação com fundamento nessa caducidade não impede que seja aberto novo procedimento e se delibere em sentido idêntico ao da deliberação anulada.
II - O caso julgado apenas abrange o procedimento caducado e não um novo procedimento aberto posteriormente à anulação da primeira deliberação, pelo que não existia qualquer impedimento a que o CSM, aberto novo procedimento, repetisse a deliberação anulada por um vício formal.
III - Tendo-se limitado a definir o critério para contabilizar a sua antiguidade após terminada a situação de licença sem retribuição, para efeitos de incluí-lo na lista de antiguidade reportada a 31-12-2017, a deliberação impugnada não retirou qualquer antiguidade na carreira ao autor.
IV - Para efeitos da al. a) do art. 74.º do EMJ, na redação anterior à introduzida pela Lei n.º 67/2019, de 27-08, não deverão ser contabilizados, para efeito de antiguidade, os tempos de gozo de licenças sem remuneração - independentemente da sua finalidade - cuja duração seja igual ou superior a um ano.
V - Não sendo a situação do autor comprovadamente idêntica à daqueles que indica, não se impunha um tratamento igualitário, inexistindo qualquer violação do princípio da igualdade.
VI - Não tendo existido, por parte do CSM, qualquer comportamento que criasse no autor legítimas expectativas quanto à fixação da sua antiguidade, não se mostra violado o princípio da proteção da confiança.
Decisão Texto Integral:


Processo n.º 19/20.5YFLSB

Autor: AA

Réu: Conselho Superior da Magistratura

*

I – Relatório

O Autor, ao abrigo do disposto no artigo 169.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, interpôs ação administrativa, impugnando a deliberação do Conselho Superior da Magistratura de 07.07.2020, que julgou improcedente a reclamação por si apresentada do despacho do Vice-Presidente daquele órgão, o qual determinou que, para efeitos do movimento judicial ordinário de 2018:

a) descontar na antiguidade do Exmo. Senhor Juiz AA o período em que o mesmo esteve em gozo de licença sem remuneração de longa duração, com finalidades genéricas, ou seja, descontar o período compreendido entre 15 de dezembro de 2014 e 28 junho de 2018;

b) determinar que o Exmo. Senhor Juiz seja integrado na ordenação da lista de antiguidade reportada a 31 de dezembro de 2017 com a antiguidade na carreira e categoria que detinha a 14 de dezembro de 2014, ou seja 20 anos, 3 meses e 08 dias, ficando, assim, posicionado entre o número de ... - BB com a antiguidade na carreira e categoria de 20 anos, 3 meses e 28 dias e o número de ... - CC com a antiguidade na carreira e categoria de 20 anos, 3 meses e 1 dia.

Invocou a caducidade do procedimento onde foi proferido o referido despacho; a violação do caso julgado formado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.05.2018, por esse mesmo despacho; a violação da proibição de renovação da deliberação anulada por caducidade do respetivo procedimento; a violação do disposto no artigo 156.º do CPA ao determinar retroativamente a perda de antiguidade; a não fundamentação da atribuição de eficácia retroativa ao mesmo despacho; a violação do artigo 281.º, n.º 3, da LTF, quando se determina a perda de antiguidade, e a violação dos princípios da igualdade e da proteção da confiança.

Concluiu a sua petição do seguinte modo:

Termos em que deve a presente ação ser julgada procedente e, em consequência, ser declarada a caducidade do procedimento administrativo mo qual recaiu a deliberação ora impugnada, para os devidos e legais efeitos.

Caso assim não se entendesse, deveria a douta deliberação impugnada e despacho de 06.06.2018 serem declarados nulos ou anulados, nos termos do disposto nos artigos 161º e 163º do CPA, por violação do caso julgado, violação do artigo 172º do CPA e princípios da legalidade, da boa-fé e da confiança, ínsitos, respetivamente, nos artigos 3º e 10º do Código de Procedimento Administrativo, por violação do disposto no artigo 156º do CPA dada a atribuição ilegal de eficácia retroativa, por violação do artigo 168º do CPA e vício de fundamentação, por violação do artigo 281º, nº 3, da LTFP e violação do princípio da igualdade, e por violação do princípio da tutela da confiança.

Em consequência, deve, ainda, ser declarado que o período de 15.12.2014 a 28.06.2018 em crise, descontado na Antiguidade do A. não pode ser objeto de novo procedimento administrativo, devendo por isso a antiguidade ser contada em conformidade.

O Conselho Superior da Magistratura contestou, discordando da existência dos vícios invocados pelo Autor, tendo concluído pela improcedência da ação.

Foi proferido despacho pela Conselheira Relatora a quem este processo foi inicialmente distribuído dispensando a realização de audiência prévia.

*

Este tribunal é competente.

Inexistem quaisquer nulidades, exceções ou outro motivo que impeça o conhecimento do mérito da ação, o que se vai passar a fazer.

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II – Os factos

Atendendo ao acordo tácito das partes nos articulados e ao teor dos documentos juntos aos autos e nos processos n.º 76/17, 89/18, 8/19 e 10/20, já decididos, respetivamente, pelos acórdãos desta secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça de 16.05.2018, 24.10.2019, 30.04.2020 e 16.12.2020, encontram-se provados os seguintes factos:

1. Por deliberação do Conselho Plenário do CSM, de 17/09/2013 (e por despacho favorável do Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, de 11/12/2013), foi concedida ao Autor licença sem vencimento para o exercício de funções com carácter precário, como Juiz Criminal, em organismo internacional (EULEX ...) … com início em 22-9-13 e termo (da 1ª fase) a 14-6-14, sem perda de antiguidade e guardando vaga no lugar de origem.

2. A 14 de dezembro de 2014 o Autor tinha 20 anos, 3 meses e 8 dias de antiguidade.

3. Por deliberação do Plenário do CSM de 16/12/2014 e por despacho favorável do Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros de 22/01/2015 foi concedida ao Autor licença sem remuneração para exercício de funções com caráter precário, como Juiz criminal, em organismo internacional (EULEX ...), nos termos das disposições conjuntas do n.º 1, do artigo 280.º, do n.º 4, do artigo 281.º, e da alínea a), do n.º 1, do artigo 283.º, da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, com efeitos reportados a 15 de dezembro de 2014 e termo a 14 de junho de 2016, sem perda de antiguidade e guardando vaga no lugar de origem.

4. Da ata da sessão do Plenário realizada no dia 16/12/2014 ficou a constar a seguinte deliberação:

Ponto 3.3.7 Proc. DSQMJ:

Apreciado o expediente - Memorando informativo sobre a situação dos Exmºs. Senhores Juízes portugueses em Missão EULEX – ..., designadamente a situação do Exmº Sr. Dr. AA, foi deliberado conceder ao mesmo a licença ora solicitada, de licença sem remuneração para exercício de funções em organismo internacional, nos termos do art. 283º da Lei nº 35/14, de 20-6, com efeitos a 15-12-14.

5. Em 14/01/2015, pelo ofício n.º 283, o CSM comunicou ao Gabinete do Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação o teor da deliberação de 16/12/2014, fazendo menção aos artigos 280.º, n.º 1, 281.º, n.º 4, e 283.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 35/14, de 20/06.

6. Em 16/01/2015, segundo tal deliberação, o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação proferiu despacho de prorrogação de concessão de licença sem remuneração nos termos dos artigos 280.º, n.º 1, 281.º, n.ºs 3 e 4, e 283.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 35/14, mas referindo por lapso o fim a 14/06/2015, e não a 14/06/2016.

7. Em 19/01/2015, através do ofício nº 408, o CSM comunicou ao Autor o referido despacho do Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação.

8. Em 20/01/2015 foi aprovada a ata da sessão do Plenário do dia 16/12/2014.

9. Em 22/01/2015, o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação proferiu despacho corrigindo o lapso, prorrogando a concessão de licença sem remuneração nos termos dos artigos 280.º, n.º 1, 281.º, n.ºs 3 e 4, e 283.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 35/14, mas até 14/06/2016.

10. Em 27/01/2015, o CSM comunicou ao Autor o referido despacho do Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação e enviou o extrato de deliberação 179/2015 (o mesmo despacho) para publicação no D.R., o que foi feito em 11/02/2015.

11. Em 20/04/2015, o CSM comunicou ao Autor o teor da deliberação do Plenário de 03/03/2015 com o seguinte teor:

Suprir a incorrecta menção escrita constante da acta de 16-12-14 (art. 148º, do CPA e arts. 249º e 251º do CC), mediante rectificação do ali constante como tendo sido deliberado, a saber, onde consta «conceder ao mesmo a licença sem remuneração para exercício de funções com carácter precário, como Juiz criminal, em organismo internacional (EULEX ...).

Passar a ler-se

Não conceder ao mesmo a licença sem remuneração para exercício de funções com carácter precário, como Juiz criminal, em organismo internacional (EULEX ...), mas deferir o pedido subsidiário de licença sem vencimento para permitir a continuação do desempenho das funções na missão EULEX, até 14-6-16.

12. No mesmo dia 20/04/2015, tal como o Autor, também o Gabinete do Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação foi informado da deliberação de 03/03/2015.

13. No dia 29/04/2015 o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, em função da comunicação do CSM de dia 20/04/2015, proferiu novo despacho que foi comunicado ao CSM e ao Autor, mediante o qual foi alterada apenas a referência a uma alínea (da al. a), do art. 283º, nº 1, para a al. b)), isto em função da alusão ao deferimento do pedido subsidiário; ou seja, foi entendido que a alteração respeitava ao enquadramento, não conceder para o exercício de funções em organismo internacional, com carácter precário mas para o exercício de funções em quadro de organismo internacional.

14. No dia 06/05/2015 foi publicada no D.R. a Deliberação (extrato nº 729/2015), relativa à deliberação retificativa:

Deliberação (extrato) n.º 729/2015

Por deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 03 de março de 2015 deu -se sem efeito a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 16 de dezembro de 2015, publicada por deliberação (extrato) n.º 179/2015 no Diário da República, 2.ª série, n.º 29 de 11 de fevereiro de 2015, e defere -se ao Exmo. Senhor Juiz de Direito Dr. AA o pedido subsidiário de licença sem remuneração para permitir a continuação do desempenho das funções na missão EULEX, com efeitos reportados a 15 de dezembro de 2014 e termo a 14 de junho de 2016, nos termos do n.º 1 do artigo 280.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho.

15. Por despacho do Vice-Presidente do CSM, de 24/05/2016 e por despacho favorável do Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, de 25/05/2016, foi concedida licença sem retribuição para o exercício de funções em organismo internacional, com efeitos a partir de 15/06/2016 até 14/11/2016.

16. Por deliberação do Conselho Plenário do CSM, de 12/07/2016, foi dado sem efeito o referido despacho de 24/05/2016, revogando-o, e foi autorizado o gozo de uma licença sem remuneração nos termos do artigo 280.º, n.º 1, da Lei n.º 35/14, com efeitos a partir de 15/06/16 e até 14/05/2018.

17. Assim, desde setembro de 2013 e até junho de 2018 o Autor exerceu funções como juiz no EULEX/..., primeiro como Criminal judge at Mobile Unit for Basic Court level e a partir de dezembro de 2015 como Criminal Judge at the Supreme Court/Appellate Court, com licenças sem remuneração concedidas pelo CSM e com despachos favoráveis do Ministério do Negócios Estrangeiros.

18. Por se tratar de funções de interesse público nacional foi o Autor portador de passaporte diplomático.

19. Na lista de antiguidade reportada a 31/12/2014, publicada no seguimento de despacho de homologação de 30/06/2015 do Vice-Presidente do CSM, o Autor aparece com o n.º 402 e sem qualquer perda de antiguidade resultante das funções que vinha exercendo como juiz em organismo internacional (EULEX ...).

20. De igual modo, na Lista de Antiguidade reportada a 31/12/15, publicada pelo CSM no seguimento de despacho do seu Vice-Presidente, de 14/06/2016 e depois retificada por despacho do Vice-Presidente de 21/11/2016, o Autor aparece com o nº 355 e sem qualquer perda de antiguidade.

21. Por deliberação do Conselho Plenário, de 06/06/2017, foi decidido descontar na antiguidade do ora Autor o período compreendido entre 15/12/2014 e 14/05/2018.

22. Por acórdão do STJ, Secção do Contencioso, de 16/05/2018, proferido no Processo n.º 76/1..., que transitou em julgado no dia 01/06/2018, foi declarada anulada a deliberação do Plenário do CSM, de 06/06/2017, com fundamento na caducidade do procedimento administrativo.

23. Em 06/06/2018, o Diretor de Serviços da DSQMJ formulou a informação 2018/INF/00640, com o seguinte teor:

Na sequência de decisão judicial proferida no âmbito do Processo n.º 76/1..., que correu termos na secção do contencioso do Supremo Tribunal de Justiça e que transitou em julgado no passado dia 1 de junho de 2018, foi declarada anulada a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, de 6 de junho de 2017, na qual se concluiu pelo desconto da antiguidade do Exmo. Juiz de Direito Dr. AA entre 15 de dezembro de 2014 e 14 de maio de 2018, período em que se encontrou a gozar uma licença sem remuneração, com fundamento na caducidade do procedimento administrativo, vd. artigo 128.º n.º 6 do CPA.

O Supremo Tribunal de Justiça com o referido acórdão veio declarar a anulação do procedimento que culminou com a deliberação de 6 de Junho de 2017, tendo por base a caducidade desse mesmo procedimento, não se debruçando sobre o mérito da questão de fundo ou seja, a definição da antiguidade do Juiz de Direito Dr. AA.

A definição desta antiguidade é absolutamente relevante para efeitos de graduação do referido magistrado no âmbito do movimento judicial ordinário de 2018, ao qual concorreu em virtude do terminus da sua licença sem remuneração a 28 de junho de 2018.

Os juízes concorrentes aos movimentos judiciais são graduados para este efeito com base na sua antiguidade e mérito sendo que aquela antiguidade é aferida com base na última lista de antiguidade aprovada.

A última lista de antiguidade aprovada é reportada a 31 de dezembro de 2017, data em que o Juiz de direito Dr. AA ainda se encontrava no gozo de licença sem remuneração razão pela qual não faz parte integrante dessa ordenação.

Assim sendo, é necessário que, em novo procedimento, se defina a antiguidade do Juiz de direito Dr. AA, para efeitos de graduação no processamento ao movimento judicial ordinário de 2018, ou seja é necessário identificar qual a sua antiguidade e suposta posição à data e na lista reportada a 31 de dezembro de 2017.

Considerando que nos termos do artigo 74.º a) do EMJ o tempo de gozo das licenças de longa duração não conta para efeitos de antiguidade.

Considerando a deliberação tomada na Sessão Plenária do CSM, de 26 de abril de 2016, onde ficou assente que não deverão ser contabilizados, para efeitos de antiguidade, os tempos de gozo de licenças sem remuneração, independentemente da sua finalidade, cuja duração seja igual ou superior a um ano.

Considerando que o Juiz de Direito Dr. AA se encontra em gozo de licença sem remuneração de longa duração, com finalidades genéricas, no período compreendido entre 15 de dezembro de 2014 e 28 junho de 2018.

Deverá este período de tempo ser descontado na sua antiguidade e assim ser integrado na ordenação da lista de antiguidade reportada a 31 de dezembro de 2017 com a antiguidade na carreira e categoria que detinha a 14 de dezembro de 2014, ou seja 20 anos, 3 meses e 08 dias.

Fica assim posicionado apenas para efeito do movimento judicial ordinário 2018 entre o número de ... - BB com a antiguidade na carreira e categoria de 20 anos, 3 meses e 28 dias e o número de ... - CC com a antiguidade na carreira e categoria de 20 anos, 3 meses e 1 dia.

À consideração superior”.

24. Em 07/06/2018, o Exm.º Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura (CSM) proferiu despacho manifestando concordância com a informação de 06/06/2018, do Diretor de Serviços da DSQMJ, nos seguintes termos: Concordo, procedendo-se em conformidade.

25. Notificado, o ora Autor apresentou reclamação hierárquica do despacho do Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, de 07/06/2018, para o Plenário do CSM.

26. Por deliberação de 30/10/2018, tomada no procedimento de reclamação hierárquica 2018/DSQMJ/2858, pronunciou-se o Plenário do Conselho Superior da Magistratura pela improcedência da reclamação relativa ao despacho do Vice-Presidente do CSM, datado de 07/06/2018.

27. O Autor interpôs recurso daquela deliberação de 30/10/2018 para a Secção do contencioso do STJ, que veio a correr termos sob o processo n.º 89/1....

28. Por Acórdão do STJ, Secção do Contencioso, de 24/10/2019, proferido no processo n.º 89/1..., foi anulada a deliberação impugnada, de 30/10/2018, nos seguintes termos:

3. Temos que, ao não reconhecer a violação do direito de audiência prévia do ora demandante, a deliberação impugnada não respeitou a estatuição do artigo 121º do CPA, incorrendo, pois, em vício de violação de lei, o que determina a sua anulabilidade, nos termos do nº 1 do artigo 163º do CPA.

4. Quanto às demais questões suscitadas pelo demandante, tenha-se presente que, no procedimento administrativo de 2º grau (a reclamação), o Plenário do CSM se limitou a apreciar o vício de violação do direito de audiência prévia, considerando não existir tal violação por a decisão reclamada não ser uma decisão final. Na mesma deliberação, o Plenário do CSM, escudando-se em não estar em causa uma decisão final, não emitiu qualquer decisão sobre a fixação da antiguidade do reclamante para efeitos do movimento judicial ordinário de 2018.

Assim sendo, os demais vícios invocados pelo demandante não se reportam à deliberação do Plenário do CSM, mas antes à decisão do Vice-Presidente de 07/06/2018, a qual, nos termos dos artigos 165º e 168º, nº 1, do EMJ, não pode ser objecto da presente acção de impugnação pelo que deles se não conhece; e, consequentemente, não se conhece também do pedido do demandante de que seja declarado que o período de tempo em causa na deliberação impugnada e no despacho do Vice-Presidente do CSM de 07/06/2019 não possa ser objecto de novo procedimento administrativo, assim como de que seja determinado que a sua antiguidade seja contada em conformidade.

IV - Decisão

Pelo exposto, acorda-se em:

a) Julgar a impugnação procedente, anulando-se a deliberação impugnada;

b) Não se tomar conhecimento do pedido de que seja declarado que o período de tempo em causa na deliberação impugnada e no despacho do Vice-Presidente do CSM de 07/06/2019 não possa ser objecto de novo procedimento administrativo, assim como de que seja determinado que a sua antiguidade seja contada em conformidade.

29. Por ofício de 20/02/2020 foi o Autor notificado para se pronunciar em sede de audiência prévia, no prazo de 10 dias, à cerca da proposta de decisão de 06/06/2018 (Informação DSQMJ 2018/INF/00640).

30. Por deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 07/07/2020, decidiu-se:

Processo n.º 2020/DSQMJ/2858

(…)

I – AA, Juiz de Direito, reclamou hierarquicamente do despacho de 7 de junho de 2018 do Exmo. Senhor Vice-Presidente deste CSM que decidiu que o ora reclamante ficava para efeitos de movimento judicial ordinário de 2018 posicionado entre os números de … e ….

Em síntese, alegou que a decisão reclamada padecia de invalidade por não ter ocorrido audiência prévia.

Na sessão plenária ordinária do CSM de 30 de outubro de 2018 foi deliberado por unanimidade concordar com o teor do projeto no sentido da improcedência da reclamação apresentada.

O Exmo. Sr. Juiz impugnou para o STJ a deliberação do CSM, que, por acórdão de 24 de outubro de 2019 decidiu que: (…)

Em cumprimento deste acórdão foi o Exmo. Sr. Juiz notificado, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 121.º e seguintes do Código de Procedimento Administrativo, da proposta de decisão de fls. 108 e datada de 06-06-2018, a qual apresentava o sentido provável da decisão, para querendo, se pronunciar, no prazo de 10 dias.

O Exmo. Senhor Juiz AA pronunciou-se no sentido de que deveria ser reposto integralmente o tempo de serviço prestado pelo exponente, sem qualquer desconto de tempo de serviço, para efeitos de fixação da sua antiguidade (…)

A questão que se coloca é a de saber qual a antiguidade do Senhor Juiz e suposta posição à data e na lista reportada a 31-12-2017, para efeitos de graduação no processamento ao movimento judicial ordinário de 2018, ao qual concorreu em virtude do terminus da sua licença sem remuneração a 28 de junho de 2018. (…)

II. Analisados cada um dos fundamentos invocados pelo Exmo. Senhor Juiz, importa concluir que não lhe assiste qualquer razão, devendo acolher-se a proposta de decisão datada de 06-06-2018 que considera que “o Juiz de Direito Dr. AA se encontrou em gozo de licença sem remuneração de longa duração, com finalidades genéricas, no período compreendido entre 15 de dezembro de 2014 e 28 junho de 2018. Deverá este período de tempo ser descontado na sua antiguidade e assim ser integrado na ordenação da lista de antiguidade reportada a 31 de dezembro de 2017 com a antiguidade na carreira e categoria que detinha a 14 de dezembro de 2014, ou seja 20 anos, 3 meses e 08 dias. Fica assim posicionado apenas para efeito do movimento judicial ordinário 2018 entre o número de ... - BB com a antiguidade na carreira e categoria de 20 anos, 3 meses e 28 dias e o número de ... - CC com a antiguidade na carreira e categoria de 20 anos, 3 meses e 1 dia.”.

Porquanto:

A) O acórdão do STJ de 16-05-2018 ao julgar caduco o procedimento encetado pelo CSM não determina a impossibilidade de fixar a antiguidade designadamente para efeitos de movimento judicial ordinário de 2018. Com efeito e como se refere no acórdão do STJ de 30 de abril de 2020, proferido no Processo n.º 8/19.2YFLSB “O caso julgado que se gerou pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/05/2018, proferido no âmbito do recurso contencioso n.º 76/1..., cinge-se à questão que ali foi apreciada e decidida, e que consistiu na declaração de anulação do procedimento administrativo referente à impugnação da deliberação do Conselho Superior da magistratura de 6/6/17, na qual se concluiu que iria ser descontada na sua antiguidade o período que mediou entre 15/12/2014 e 14/05/2018.”. Por conseguinte, sendo necessário fixar a antiguidade, designadamente para efeitos de movimento, impõe-se que assim seja feito, sendo que o referido acórdão ao “cingir-se” ao decidido não se pronunciou sobre a questão de fundo, inexistindo, por isso violação do caso julgado.

B) O Senhor Juiz defende que ao decidir-se que a perda de antiguidade se reporta a 15-12-2014 está a atribuir-se uma ilegal eficácia retroativa ao ato, violando-se o disposto no art. 156.º do CPA. Em abono da sua tese sublinha que na situação concreta não se subsume em nenhuma das situações previstas no art. 156.º do CPA.

Está em causa um ato administrativo que define uma situação de facto e de direito que se prolongou ao longo do tempo e que consiste na deliberação de que o tempo decorrido no gozo de licença de longa duração não conta para efeitos do movimento judicial ordinário de 2018.

Ora, o CSM jamais concedeu por decisão, a referida antiguidade ao Senhor Juiz, pelo que a presente deliberação não retira retroactivamente qualquer antiguidade, que já tenha sido concedida.

C) Defende o Senhor Juiz que o CSM ao descontar o período da licença na antiguidade viola o disposto no art. 281.º, n.º 3 do Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, doravante, LTFP, pois em seu entender o artigo 74.º do EMJ deve ser interpretado em conjugação com o referido artigo, que determina que “(n) as licenças previstas para acompanhamento do cônjuge colocado no estrangeiro, bem como para o exercício de funções em organismos internacionais (…) o trabalhador tem direito à contagem do tempo para efeitos de antiguidade (…)”.

Ora, como tem vindo a ser deliberado por este CSM , o que aliás já foi confirmado pelo STJ no acórdão proferido no Processo n.º 8/19.2YFLSB “as disposições invocadas não foram violadas porque o Plenário do Conselho Superior da Magistratura deliberou que no período de 15-12-2014 a 14-05-2018 o recorrente encontrava-se em gozo de licença sem remuneração de longa duração, com finalidades genéricas, situação que não contempla o direito à contagem desse tempo para efeitos de antiguidade. (…) As deliberações do Plenário do CSM de 03/03/2015 e de 12/07/2016 são claras e inequívocas no sentido de que as licenças sem remuneração concedidas ao recorrente são em termos genéricos e estão consolidadas , sendo certo que cabe ao referido órgão nos termos do art. 280.º, n.º 1 e 283.º, n.º 1 da LGTFP a concessão ou recusa das licenças, bem como a natureza das mesmas.”.

Em conclusão, não assiste razão ao Exmo. Senhor Juiz porquanto a licença concedida pelo CSM foi uma licença genérica e não uma licença para o exercício de funções em organismos internacionais.

D) Por fim, defende também o Senhor Juiz que há violação do princípio da tutela da confiança, pois quer o facto de o exponente aparecer nas listas de antiguidade de 2014 e 2015 sem qualquer perda de antiguidade, quer a natureza das funções exercidas, quer a atuação do CSM apontaram de forma clara e segura de que o CSM não decidiria a perda de antiguidade.

Também aqui perfilhamos os fundamentos aduzidos no Acórdão de 30 de abril de 2020. A tutela da confiança assume consagração legal ao nível das relações que se estabelecem entre a Administração Pública e os Particulares. Ora, considerando quer a deliberação do Plenário de 03-03-2015 que deu sem efeito a anterior deliberação de 16-12-2014, quer a deliberação de 12-07-2016, que são esclarecedoras da vontade de deferir o pedido subsidiário de licença sem remuneração genérica para o Senhor Juiz continuar o seu desempenho na missão EULEX, com efeitos reportados a 15-12-2014, e não foram impugnadas, importa concluir que as deliberações se consolidaram. Em suma, a licença deferida era “sem remuneração nos termos genéricos”, que determinava perda de antiguidade.” E o CSM não criou quaisquer expetativas quanto à fixação da antiguidade, pelo que não se mostra violado o princípio da boa-fé na sua vertente da tutela da confiança, não sendo assim de aplicar o disposto no invocado art. 163.º do Código do procedimento Administrativo.

Por todo o exposto, e por se concordar com a proposta apresentada a fls. 108, dá-se a mesma por reproduzida: “Na sequência de decisão judicial proferida no âmbito do Processo n.º 76/1..., que correu termos na secção do contencioso do Supremo Tribunal de Justiça e que transitou em julgado no passado dia 1 de junho de 2018, foi declarada anulada a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, de 6 de junho de 2017, na qual se concluiu pelo desconto da antiguidade do Exmo. Juiz de Direito Dr. AA entre 15 de dezembro de 2014 e 14 de maio de 2018, período em que se encontrou a gozar uma licença sem remuneração, com fundamento na caducidade do procedimento administrativo, vd. artigo 128.º n.º 6 do CPA. O Supremo Tribunal de Justiça com o referido acórdão veio declarar a anulação do procedimento que culminou com a deliberação de 6 de Junho de 2017, tendo por base a caducidade desse mesmo procedimento, não se debruçando sobre o mérito da questão de fundo ou seja, a definição da antiguidade do Juiz de Direito Dr. AA. A definição desta antiguidade é absolutamente relevante para efeitos de graduação do referido magistrado no âmbito do movimento judicial ordinário de 2018, ao qual concorreu em virtude do terminus da sua licença sem remuneração a 28 de junho de 2018. Os juízes concorrentes aos movimentos judiciais são graduados para este efeito com base na sua antiguidade e mérito sendo que aquela antiguidade é aferida com base na última lista de antiguidade aprovada. A última lista de antiguidade aprovada é reportada a 31 de dezembro de 2017, data em que o Juiz de direito Dr. AA ainda se encontrava no gozo de licença sem remuneração razão pela qual não faz parte integrante dessa ordenação. Assim sendo, é necessário que, em novo procedimento, se defina a antiguidade do Juiz de direito Dr. AA, para efeitos de graduação no processamento ao movimento judicial ordinário de 2018, ou seja é necessário identificar qual a sua antiguidade e suposta posição à data e na lista reportada a 31 de dezembro de 2017. Considerando que nos termos do artigo 74.º a) do EMJ o tempo de gozo das licenças de longa duração não conta para efeitos de antiguidade. Considerando a deliberação tomada na Sessão Plenária do CSM, de 26 de abril de 2016, onde ficou assente que não deverão ser contabilizados, para efeitos de antiguidade, os tempos de gozo de licenças sem remuneração, independentemente da sua finalidade, cuja duração seja igual ou superior a um ano. Considerando que o Juiz de Direito Dr. AA se encontra em gozo de licença sem remuneração de longa duração, com finalidades genéricas, no período compreendido entre 15 de dezembro de 2014 e 28 junho de 2018. Deverá este período de tempo ser descontado na sua antiguidade e assim ser integrado na ordenação da lista de antiguidade reportada a 31 de dezembro de 2017 com a antiguidade na carreira e categoria que detinha a 14 de dezembro de 2014, ou seja 20 anos, 3 meses e 08 dias. Fica assim posicionado apenas para efeito do movimento judicial ordinário 2018 entre o número de ... - BB com a antiguidade na carreira e categoria de 20 anos, 3 meses e 28 dias e o número de ... - CC com a antiguidade na carreira e categoria de 20 anos, 3 meses e 1 dia.”.

IV. Deliberação

Em face do exposto, o Plenário do Conselho Superior da Magistratura delibera para efeitos do movimento judicial ordinário de 2018:

a)descontar na antiguidade do Exmo. Senhor Juiz AA o período em que o mesmo esteve em gozo de licença sem remuneração de longa duração, com finalidades genéricas, ou seja, descontar o período compreendido entre 15 de dezembro de 2014 e 28 junho de 2018;

b) determinar que o Exmo. Senhor Juiz seja integrado na ordenação da lista de antiguidade reportada a 31 de dezembro de 2017 com a antiguidade na carreira e categoria que detinha a 14 de dezembro de 2014, ou seja 20 anos, 3 meses e 08 dias, ficando, assim, posicionado entre o número de ... - BB com a antiguidade na carreira e categoria de 20 anos, 3 meses e 28 dias e o número de ... - CC com a antiguidade na carreira e categoria de 20 anos, 3 meses e 1 dia.

31. Por deliberação do Plenário do CSM de 09/12/2014, decidiu-se:

(…) Apreciado o expediente remetido pela Direcção-Geral da Política da Justiça, referente à suspensão do Exmo. Senhor Juiz de Direito, Dr. DD, na Missão EULEX ..., bem como o requerimento deste Exmo. Sr. Juiz a solicitar a prorrogação da sua licença sem vencimento para funções em organismos internacional, por razões excepcionais e inesperadas, foi deliberado por maioria (…) prorrogar a título excepcional, a licença sem vencimento concedida nos termos do art. 89° n.º 1 al. a) do D.L. n° 100/99, com efeitos a partir de 15 de Dezembro de 2014, tendo por limite improrrogável, o dia 14 de Junho de 2015.

A Exma. Sra. Dra. EE, proferiu a seguinte declaração de voto, subscrita pelos Exmos. Srs., Dr. FF e Dr. GG: "O Senhor Juiz Dr. DD encontra-se, desde 17 de Junho de 2013, no gozo de licença sem vencimento, com carácter precário ou experimental, para o exercício de funções em organismo internacional, em concreto, integrando a missão da União Europeia para o Estado de Direito no ... (EULEX), com contagem de tempo de serviço e reserva de lugar. Tendo requerido a prorrogação dessa licença, foi deferida a sua pretensão até 14 de Dezembro de 2014 com a menção de que não contemplaria outra prorrogação ("sem possibilidade de nova prorrogação").

Requer o Senhor Juiz que, excepcionalmente, lhe seja autorizada a prorrogação da licença até 14 de Junho de 2015 e, não sendo deferivel, a prorrogação ao abrigo do artigo 89.º, 1, b), do Decreto-Lei 100/1999, de 31 de Março. Declara, para tanto, que foi notificado da abertura de uma investigação interna na EULEX por alegada violação do código de conduta, acusado de ter prejudicado a reputação da missão e deformar e manifestar uma convicção de condenação antes do terminus do julgamento. Considera essencial assegurar a sua defesa enquanto se mantém no ... e, como os procedimentos irão demorar alguns meses, pugna pela prorrogação até 14 de Junho de 2015.

A Direcção-Geral de Política Externa, por oficio de 8 de Outubro de 2014, transmitiu à Direcção-Geral da Política de Justiça (DGPJ) que o Senhor Juiz está suspenso de funções no processo judicial que integrava no âmbito da missão EULEX e sujeito a processo disciplinar interno. E a DGPJ, por ofício de 16 de Outubro de 2014, fez a correspondente comunicação a este CSM.

A concessão desta "licença sem vencimento para o exercício de funções com carácter precário ou experimental" com vista a uma futura integração em organismo internacional depende de prévia ponderação da conveniência de serviço e do interesse público, sendo motivo especialmente atendível a valorização profissional do funcionário ou agente (artigos 89.º, 90.º e 91.º do diploma citado).

Admitindo que, em concreto, possa não haver inconveniência para o serviço pelo facto de o lugar do Senhor Juiz se encontrar preenchido por outro magistrado judicial entendo que a conveniência de serviço não poder ser sopesada à luz das vantagens/inconveniências de uma determinada secção de um tribunal de comarca. Ao invés, para além da judicatura beneficiar, na sua eficiência e na imagem de confiança que deve transmitir aos cidadãos, com a experiência profissional, o reconhecimento e o prestígio do Senhor Juiz, a conveniência de serviço é avaliada em função da prossecução do interesse público na boa administração da justiça. Interesse que convoca todos os que abraçaram a judicatura num esforço e empenho exigidos pelo indispensável êxito da reforma do sistema judiciário em curso. E, neste jogo de ponderação das necessidades impostas pelas profundas mudanças do sistema de justiça português, da boa cooperação judiciária com as autoridades da EULEX e o desejo do interessado, sobreleva o interesse público nacional.

Não antevendo violação dos princípios gerais que enformam a actividade administrativa, como sejam os princípios da igualdade, da confiança, da legalidade, da imparcialidade, da justiça e da boa fé, também não perscruto no fundamento evocado validade bastante para justificar a concessão da pedida prorrogação a título excepcional.

A suspeição gerada no seio da EULEX à imparcialidade do Senhor Juiz e o alegado comportamento inapropriado constituem, a meu ver, um razoável fundamento para o seu afastamento da missão. Imanente ao princípio da independência, a aplicação da justiça de forma imparcial, apenas com base na Constituição e na lei, protege os cidadãos e as liberdades fundamentais do individuo, só uma justiça independente e imparcial gera a confiança dos cidadãos no poder judicial. Logo, colocada em causa a ética e a imparcialidade do Senhor Juiz, ante a contusão do núcleo que é "absolutamente intocável" para um juiz, dificilmente concebo a formulada pretensão de prorrogação da licença.

Acresce que não lobrigo vantagens na presença do Senhor Juiz no ... apenas para preparar a sua defesa, quando a mesma pode ser conformada a partir do nosso país, seguramente num clima de maior serenidade e distanciamento do foco conturbativo que a sua presença naquele meio sempre provocará. Uma salutar reflexão do papel dos magistrados judiciais na missão EULEX, só configurável longe da ambiência que lhe é desfavorável, melhor encorpará os meios defensivos essenciais à sua protecção. Na minha óptica, o núcleo essencial do seu direito de defesa deve apartar-se das linhas de clivagem e de afrontamento que o envolvem, pelo que o seu distanciamento físico não significa menor capacidade de intervenção nem limitação ao pleno exercido do seu direito de defesa, antes garante uma pacificação com útil repercussão na preservação da dignidade pessoal do Senhor Juiz.

Face ao expendido, salvaguardando o muito respeito devido pela posição que fez vencimento, voto o indeferimento da prorrogação da licença sem vencimento, em qualquer das modalidades requeridas: a licença para o exercício de funções com carácter precário ou experimental com vista a uma futura integração no respectivo organismo e a licença para exercício de funções como funcionário ou agente de organismo internacional (quanto a esta nem sequer estão comprovados os respectivos pressupostos).

32. Por deliberação do Plenário do CSM de 17/06/2014, foi tomada decisão com o seguinte teor:

Apreciação do expediente referente à licença sem vencimento para o exercício de funções em Organismo Internacional - Exmo. Senhor Juiz de Direito, Dr. HH, foi deliberado indeferir a subsistência da mesma, nos termos em que é requerida, de acordo com a seguinte factualidade e fundamentação:

a) O Exmo. Senhor Juiz requereu e foi-lhe deferida a licença sem vencimento para o exercício de carácter temporário em Organismo internacional. A licença foi deferida tendo por pressuposto o referido carácter precário, ou seja, temporalmente limitado ao período inicialmente indicado.

b) A referida natureza precária é incompatível com sucessivas prorrogações que, no limite, invocando-se que se mantenha até ao "termo da missão", se esta subsistir indefinidamente, conduziria à distorção do sentido da referida natureza que para ser concedida tem subjacente a ponderação não apenas da conveniência de serviço mas também do interesse público, sendo ainda motivo especialmente atendível a valorização profissional do funcionário ou agente (cfr. n.º 2. do artigo 89.°, da Lei n.º 100/99, de 31 de Março).

c) Com efeito, ao Sr. juiz de Direito foi inicialmente deferida uma licença sem vencimento por 90 dias, em 24 de Novembro de 2008, tendo entretanto essa licença sido dada sem efeito e convertida, pela Deliberação de 09 de Fevereiro de 2010, em licença para o exercício de funções em organismo internacional, com efeitos a 24 de Novembro de 2008 (Cfr. DR n.º58).

d) Por deliberação do Plenário de 19 de janeiro de 2011, foi autorizada a prorrogação do exercício dessas funções até 14 de Outubro de 2011 e, posteriormente, atenta a data que foi aposta no contrato celebrado com a EULEX, até 14 de Dezembro de 2011. No Plenário de 17 de janeiro de 2012 foi autorizada a prorrogação do exercício de funções até 14 de Junho de 2012 e novamente em 06 de Novembro de 2012, prorrogado por mais seis meses (autorizado até 14 de junho de 2013, por despacho do Vice-presidente de 6 de Março de 2013). Tendo o Exmo. Senhor juiz renovado o contrato até 14 de Junho de 2014, foi por despacho do Vice-presidente de 23 de Agosto de 2013 autorizada nova prorrogação até esse termo.

e) A ponderação que inicialmente foi efectivada, quer em sede da inexistência de inconveniência para o serviço, quer em sede de interesse público, no âmbito dos pressupostos em que a "missão" seria desenvolvida e que estava temporalmente limitada. A pretensão do Exmo. Senhor Juiz de uma prorrogação automática, ilimitada (porque, no seu entender, apenas dependente de "comunicação' até ao "fim da missão") contraria os pressupostos mediante os quais a licença foi concedida e distorceria o próprio conceito de licença para o exercício de funções com carácter temporário em Organismo Internacional.

f) Entra em funcionamento no próximo dia 1 de Setembro uma nova organização do sistema judiciário, impendendo sobre o Conselho Superior da Magistratura o dever de envidar todos os esforços para assegurar a adequada implementação dessa reorganização que implica um esforço de movimentação de todos os Magistrados Judiciais de 1.ª instância em novas unidades orgânicas e idêntico esforço de movimentação de processos. Neste contexto de reorganização judiciária e mantendo-se a situação económica e financeira do país e a carência de juízes em efectividade de funções referidas na deliberação do plenário de 20 de Setembro de 2011 o Conselho necessita da disponibilidade de todos os juízes para garantir o sucesso desta tarefa e, por isso, existem superiores razões de interesse público que aconselham fortemente à presença do maior número possível de Juízes nos Tribunais para evitar atrasos, aumentos de pendências e outros graves inconvenientes para o serviço.

g) Atenta a carência de Magistrados com que o CSM se depara no momento em que deve dar cumprimento à implementação da nova organização do sistema judiciário, aprovado pela Lei n.º 62/2013, reclama que na superioridade do interesse público subjacente de prestação das suas funções como Magistrado judicial no Tribunal Português — enquanto critério de ponderação exigível, nos termos do artigo 73.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de Março – e atenta a alteração temporal com que a licença foi inicialmente concedida ao Exmo. Senhor Juiz, deve a mesma ter-se por cessada à data de 14 de Junho de 2014.

2. Sem prejuízo da deliberado supra, o Exmo. Senhor Juiz requer subsidiariamente a concessão de licença sem vencimento de longa duração (artigo 78.º do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de Março). Esta licença tem duração indeterminada, superior a um ano (artigo 79.º do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31. de Março), ocorrendo o regresso a pedido (artigo 82.º do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de Março). A concessão da licença determina a abertura de vaga (artigo 80.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de Março; v. também acórdão do TCA Norte de 18.03.2011, proferido no processo n.º 0157B/0G.0BEV1S. na base de dados da DGSI). Os magistrados judiciais na. situação de licença sem vencimento de longa duração não podem invocar aquela qualidade em quaisquer meios de identificação relativos à profissão que exerçam (artigo 14.º do EMJ) e enquanto durar a licença, cessam as incompatibilidades previstas no n.º 7 do artigo 13.º do EMJ. Finalmente, a licença sem vencimento de longa duração implica a perda total da remuneração e o desconto na antiguidade para efeitos de carreira, aposentação e sobrevivência (artigo 80.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de Março), embora possa requerer que lhe continue a ser contado o tempo para efeitos de aposentação e sobrevivência, mediante o pagamento, nos termos legais aplicáveis, das respectivas quotas (artigo 80.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de Março).

Para o deferimento desta pretensão não é exigida a ponderação do interesse público [que acima foi objecto de consideração em sede da licença do artigo 89.º, n.º 1, al b)], sendo apenas necessário que se verifiquem os pressupostos de o requerente ter um vínculo definitivo (artigo 78.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 100/99. de 31 de Março), antiguidade de pelo menos cinco anos de serviço efectivo prestado (artigo 78.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de Março), a que acresce a ponderação de inexistência de inconveniência para o serviço (artigo 73.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de Março).

In casu, verificam-se os dois primeiros requisitos. Quanto ao terceiro, o Conselho Superior da Magistratura tem procurado efectivar uma ponderação de concordância prática do interesse pessoal do juiz e do interesse tio serviço, valorizando aquele quando o Juiz não guarde o lugar de origem, ou seja, quando não seja necessário o uso de medidas de gestão destinadas a "compensar" a ausência do magistrado (vg., destacamento de auxiliares, acumulação de funções, etc). Na prática, um Juiz em licença sem vencimento de longa duração encontra-se "desligado" do serviço enquanto essa licença se mantiver, dependendo esta exclusivamente da vontade do magistrado, sem limite de tempo, não podendo sequer invocar a sua qualidade de magistrado nem gozando de quaisquer direitos ou prerrogativas inerentes à função. E na medida em que não guarda lugar de origem, não atinge uma inconveniência para o serviço relevante.

Nestes termos e fundamentos, defere-se a requerida (subsidiária) licença sem vencimento de longa duração ao Exmo. Senhor juiz de Direito Dr. HH, com efeitos a partir do termo da licença sem vencimento em organismo internacional.

33. Por deliberação do Plenário do CSM de 17/06/2014, foi tomada decisão com o seguinte teor:

Apreciado o parecer elaborado pelo Exmo. Adjunto deste Conselho, Juiz de Direito Sr. Dr. II, atenta a deliberação do Plenário Extraordinário de 27.05.2014, ao requerimento apresentado pelo Exmo. Sr. Juiz de Direito, Dr. JJ, em que solicita prorrogação de licença sem vencimento para o exercício de funções em organismo internacional (EULEX ...), foi deliberado:

1) Concordar genericamente, com a apreciação jurídica vertida no Parecer elaborado pelo Exmo. Adjunto do Gabinete de Apoio do CSM Dr. II, relativamente ao enquadramento jurídico de cada situação.

2) Ao Exmo. Senhor Juiz de Direito Dr. JJ foi deferida uma licença sem vencimento para o exercício de funções em organismos internacionais, pelo período de 16 de janeiro a 14 de Junho de 2014 (cfr. DR, n.º 64), tendo o CSM ponderado na atribuição dessa licença quer a conveniência para o serviço, quer o interesse público que não ficaria prejudicado pelo tempo limitado dessa licença (seis meses).

3) Entra em funcionamento no próximo dia 1 de Setembro uma nova organização do sistema judiciário, impendendo sobre o Conselho Superior da Magistratura o dever de envidar todos os esforços para assegurar a adequada implementação dessa reorganização que implica um esforço de movimentação de todos os Magistrados judiciais de Ia instância em novas unidades orgânicas e idêntico esforço de movimentação de processos. Neste contexto de reorganização judiciária e mantendo-se a situação económica e financeira do país e a carência de juízes em efectividade de funções referidas na deliberação do plenário de 20 de Setembro de 2011 o Conselho necessita da disponibilidade de todos os juízes para garantir o sucesso desta tarefa e, por isso, existem superiores razões de interesse público que aconselham fortemente à presença do maior número possível de Juízes nos Tribunais para evitar atrasos, aumentos de pendências e outros graves inconvenientes para o serviço.

4) Atenta a carência de Magistrados com que o CSM se depara no momento em que deve dar cumprimento à implementação da nova organização do sistema judiciário, aprovado pela Lei n.º 62/2013, considerar que o interesse público subjacente de prestação das suas funções como Magistrado Judicial no Tribunal Português é incompatível com a prorrogação da licença de licença sem vencimento para o exercício de funções em organismo internacional (EULEX ...), pois tal consubstanciaria uma alteração dos pressupostos com a que a licença sem vencimento para o exercício de funções em organismos internacionais lhe foi concedida, a saber, com natureza precária e temporalmente limitada a seis meses, de cuja deliberação o Exmo. Senhor Juiz foi notificado.

5) O citado critério de interesse público obsta ao deferimento das pretensões subsidiárias do Exmo Senhor Juiz na concessão, até 16.06.2015, da licença sem vencimento para o exercício de funções na qualidade de funcionário ou agente do quadro de organismo internacional (artigo 89.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de Março) e na concessão de licença sem vencimento pelo período de um ano, nos termos do artigo 76.º do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de Março.

6) Sem prejuízo do deliberado supra, o Exmo. Senhor Juiz requer subsidiariamente a concessão de licença sem vencimento de longa duração (artigo 78.º do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de Março). Esta licença tem duração indeterminada, superior a um ano (artigo 79.º do Decreto-Lei nº 100/99, de 31 de Março), ocorrendo o regresso a pedido (artigo 82.º do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de Março). A concessão da licença determina a abertura de vaga (artigo 80.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de Março; v. também acórdão do TCA Norte de 18.03.2011, proferido no processo n.º 01578/Q6.0BEVIS, na base de dados da DGSI). Os magistrados judiciais na situação de licença sem vencimento de longa duração não podem invocar aquela qualidade em quaisquer meios de identificação relativos à profissão que exerçam (artigo 14.º do EMJ) e enquanto durar a licença, cessam as incompatibilidades previstas no n.º 1 do artigo 13.º do EMJ). Finalmente, a licença sem vencimento de longa duração implica a perda total da remuneração e o desconto na antiguidade para efeitos de carreira, aposentação e sobrevivência (artigo 80.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de Março), embora possa requerer que lhe continue a ser contado o tempo para efeitos de aposentação e sobrevivência, mediante o pagamento, nos termos legais aplicáveis, das respectivas quotas (artigo 80.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de Março).

7) Para o deferimento desta pretensão não é exigida a ponderação do interesse público [que acima foi objecto de consideração], sendo apenas necessário que se verifiquem os pressupostos de o requerente ter um vinculo definitivo (artigo 78.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de Março), antiguidade de pelo menos cinco anos de serviço efectivo prestado (artigo 78.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de Março), a que acresce a ponderação de inexistência de inconveniência para o serviço (artigo 73.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 100/99, de. 31 de Março).

8) In casu, verificam-se os dois primeiros requisitos. Quanto ao terceiro, o Conselho Superior da Magistratura tem procurado efectivar uma ponderação de concordância pratica do interesse pessoal do Juiz e do interesse do serviço, valorizando aquele quando o Juiz não guarde o lugar de origem, ou seja, quando não seja necessário o uso de medidas de gestão destinadas a "compensar" a ausência do magistrado (v.g., destacamento de auxiliares, acumulação de funções, etc). Na prática, um Juiz em licença sem vencimento de longa duração encontra-se "desligado" do serviço enquanto essa licença se mantiver, dependendo esta exclusivamente da vontade do magistrado, sem limite de tempo, não podendo sequer invocar a sua qualidade de magistrado nem gozando de quaisquer direitos ou prerrogativas inerentes à função. E na medida em que não guarda lugar de origem, não atinge uma inconveniência para o serviço relevante.

9) Nestes termos e fundamentos, defere-se a requerida (subsidiária) licença sem vencimento de longa duração ao Exmo. Senhor Juiz de. Direito Pr. JJ, com efeitos a partir do termo da licença sem vencimento em organismo internacional.

34. O Juiz Desembargador JJ viu descontada a sua antiguidade relativamente à licença de longa duração, genérica, concedida com efeitos após 15 de junho de 2014.

35. O Juiz de Direito HH viu descontada a sua antiguidade relativamente à licença de longa duração, genérica, referente ao período compreendido a partir de 15 de junho de 2014.

*

III – O direito aplicável

1. Da caducidade do procedimento

O Autor invoca a caducidade do procedimento onde foi tomada a deliberação impugnada, alegando que este já se iniciou há muito mais de 180 dias.

Pretende o Autor referir-se ao início do procedimento que conduziu a uma primeira deliberação sobre o tema que teve lugar em 06.06.2017, a qual foi anulada por acórdão proferido por este Tribunal em 16.05.2018, no Processo n.º 76/1..., que transitou em julgado no dia 01.06.2018.

No entanto, em 07.06.2018, o Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura proferiu despacho manifestando concordância com a informação de 06.06.2018, do Diretor de Serviços da DSQMJ, no sentido de renovar a deliberação que havia sido anulada, tendo-se aberto novo procedimento.

Este despacho foi objeto de reclamação hierárquica pelo Autor para o Plenário do CSM, que por deliberação de 30.10.2018, tomada no procedimento de reclamação hierárquica 2018/DSQMJ/2858, pronunciou-se pela improcedência da reclamação relativa ao despacho do Vice-Presidente do CSM.

O Autor interpôs recurso daquela deliberação de 30.10.2018 para este Tribunal que, por Acórdão de 24.10.2019, proferido no processo n.º 89/1..., anulou a deliberação impugnada, por esta não ter reconhecido que não havia sido respeitado o direito de audiência prévia do Autor no novo procedimento.

Por ofício de 20.02.2020 foi o Autor notificado para se pronunciar em sede de audiência prévia, no prazo de 10 dias, acerca da proposta de decisão contida na Informação da DSQMJ de 06.06.2018, tendo por deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 07.07.2020, se decidido que para efeitos do movimento judicial ordinário de 2018:

a) descontar na antiguidade do Exmo. Senhor Juiz AA o período em que o mesmo esteve em gozo de licença sem remuneração de longa duração, com finalidades genéricas, ou seja, descontar o período compreendido entre 15 de dezembro de 2014 e 28 junho de 2018;

b) determinar que o Exmo. Senhor Juiz seja integrado na ordenação da lista de antiguidade reportada a 31 de dezembro de 2017 com a antiguidade na carreira e categoria que detinha a 14 de dezembro de 2014, ou seja 20 anos, 3 meses e 08 dias, ficando, assim, posicionado entre o número de ... - BB com a antiguidade na carreira e categoria de 20 anos, 3 meses e 28 dias e o número de ... - CC com a antiguidade na carreira e categoria de 20 anos, 3 meses e 1 dia.

Após o acórdão deste Tribunal de 24.10.2019, iniciou-se, pois, novo procedimento administrativo, com a notificação do Autor em 20.02.2020 para se pronunciar sobre a proposta da DSQMJ que culminou com a deliberação do Plenário do CSM tomada em 07.07.2020, não se mostrando excedido o prazo de 180 dias úteis para a tramitação deste procedimento.

Há que ter em consideração que após as duas anulações das deliberações que determinaram a contagem da “antiguidade” do Autor, iniciaram-se novos procedimentos que conduziram à renovação dessas deliberações, não tendo o último desses procedimentos que culminou com a deliberação agora impugnada demorado mais de 180 dias, pelo que não se verifica a caducidade invocada.

*

2. Do caso julgado

O Autor alega que a deliberação impugnada viola o caso julgado formado pelo Acórdão deste Tribunal de 16.05.2018, porque, não obstante este ter anulado a deliberação do CSM de 06.06.2017, que havia procedido a um desconto na antiguidade do ora Autor, com base na caducidade do procedimento administrativo, o certo é que o mesmo não deixou de se pronunciar sobre a questão da antiguidade propriamente dita, referindo, designadamente, que o disposto no artigo 74.º, alínea a), do EMJ, deve ser interpretado de acordo com o disposto nos artigos 280.º a 283.º da LTFP, o que não foi respeitado pela deliberação impugnada.

Lê-se, a dado passo, na fundamentação do acórdão proferido por este Tribunal em 16.05.2018 que anulou a primeira deliberação do Conselho Superior da Magistratura sobre o tema:

(...)

Alegou o CSM numa defesa antecipada que a eventual caducidade que porventura viesse a ser considerada seria in casu irrelevante. Uma vez que se está perante um ato vinculado, ficaria impedido o efeito anulatório, nos termos do art. 163º, nº 5, al. a), do CPA.

(...)

O legislador não definiu no EMJ os critérios de atuação do CSM e o resultado, prescrevendo apenas no art. 74º, al. a), que os magistrados judiciais beneficiários de licença de longa duração perdem a antiguidade, de modo que o CSM não estava a agir no âmbito de um poder vinculado.

Tal preceito deixou entretanto de ter correspondência com a lei geral que definia as categorias de licenças e os seus efeitos na antiguidade que passaram a ser regulados pelos arts. 280º a 283º da LGTFP (aprovada pela Lei n.º 35/14, de 20-6), colocando ao CSM dificuldades na qualificação das situações preexistentes.

Sendo verdade que o legislador não estipulou critérios de atuação do CSM para a concessão de licença aos magistrados judiciais, a alteração legal que ocorreu num diploma geral que é subsidiariamente aplicável aos magistrados judiciais trouxe consigo dificuldades de interpretação e de integração do regime a carecerem de uma clarificação como aquela que foi feita pelo CSM em termos genéricos, seguida da aplicação reflexiva na esfera do A.

Porém, como os factos bem o indicam, no exercício de tal tarefa foram grandes as dificuldades que o CSM teve de enfrentar, como bem o demonstram os pareceres contraditórios e informações internas diversas que foram antes de a matéria ter sido submetida ao Plenário do CSM para a aprovação da deliberação genérica e daquele que respeitou especificamente ao ora recorrente.

Efetivamente, nos procedimentos que conduziram a tais deliberações foram produzidos internamente diversos pareceres relacionados com a delimitação do conceito de “licença de longa duração” previsto no EMJ e sua compatibilização com o regime geral da função pública, acabando o órgão por considerar que aquela licença abarca a que seja por período igual ou superior a um ano.

Já no que respeita à qualificação da licença em que se encontrava o recorrente, o CSM optou por considerar que a mesma foi concedida para “finalidades genéricas”, embora num outro parecer datado de 8-6-16 se indicasse uma solução de sentido oposto, considerando tratar-se de licença fundada em “circunstância de interesse público”.

De tudo isto resulta que, uma vez que o EMJ não regulava exaustivamente a situação em que o ora recorrente se encontrava, nem esta resultava evidente da conjugação entre as normas do EMJ e as que constavam do regime geral supletivamente aplicável, gozava o CSM de uma margem de apreciação bem diversa daquele que se verificaria se acaso estivesse em causa o exercício de poderes vinculados, sem qualquer margem decisória ou de discricionariedade.

O legislador ao manter ainda simplesmente no EMJ que os magistrados judiciais beneficiários de licença de longa duração perdem a antiguidade, sem definir o que se entende por “licença de longa duração”, confiou ao CSM a integração desse conceito indeterminado e atribui-lhe alguma liberdade de escolha da solução mais adequada, dentro dos parâmetros definidos por lei (arts. 280º a 283º da LGTFP).

Podemos, pois, concluir que não estava em causa um ato vinculado com capacidade de impedir o efeito anulatório referido.

Verifica-se que as considerações tecidas na fundamentação deste acórdão sobre o regime das licenças de longa duração visaram apenas verificar se a deliberação aí impugnada se traduzia num ato vinculado impeditivo da sua anulação devido à ultrapassagem do prazo máximo do respetivo procedimento, não integrando uma pronúncia sobre a legalidade substantiva dessa deliberação. São considerações meramente incidentais, exclusivamente subordinadas ao desiderato de tentar apurar se ao efeito anulatório da deliberação do CSM decorrente da caducidade do procedimento obstava alguma das previsões do artigo 163.º do CPA, sendo, por isso, insuscetíveis de vincular pronúncias jurisdicionais posteriores quanto à questão substantiva relativa à antiguidade do Autor.

Por esta razão, tais considerações não têm força de caso julgado material, não se impondo a posteriores deliberações sobre a questão da contagem da antiguidade do Autor.

Alega ainda o Autor que, tendo a anulação decidida pelo acórdão proferido por este tribunal como fundamento a caducidade do procedimento administrativo, deve entender-se que, quanto à matéria da deliberação impugnada, o CSM estava impedido de voltar a deliberar, por respeito ao caso julgado.

A ultrapassagem do prazo de caducidade do procedimento administrativo não inviabiliza a abertura de novo procedimento, pelo que a anulação de uma deliberação com fundamento na caducidade do procedimento administrativo não impede que seja aberto novo procedimento e se delibere em sentido idêntico ao da deliberação anulada. O caso julgado apenas abrange o procedimento caducado e não um novo procedimento aberto posteriormente à anulação da primeira deliberação, pelo que não existia qualquer impedimento a que o CSM, aberto novo procedimento, repetisse a deliberação anulada por um vício formal.

3. Da atribuição de eficácia retroativa

Defende o Autor que ao decidir a perda de antiguidade desde 15/12/2014, o CSM atribuiu eficácia retroativa à deliberação impugnada, sem que se verifique alguma das circunstâncias previstas no artigo 156.º do CPA.

Dispõe este preceito, relativamente aos efeitos de um ato administrativo:

1 - Têm eficácia retroativa os atos administrativos:

a) Que se limitem a interpretar atos anteriores;

b) A que a lei atribua efeito retroativo.

2 - Fora dos casos abrangidos pelo número anterior, o autor do ato administrativo só pode atribuir-lhe eficácia retroativa:

a) Quando a retroatividade seja favorável para os interessados e não lese direitos ou interesses legalmente protegidos de terceiros, desde que à data a que se pretende fazer remontar a eficácia do ato já existissem os pressupostos justificativos dos efeitos a produzir;

b) Quando estejam em causa decisões revogatórias de atos administrativos tomadas por órgãos ou agentes que os praticaram, na sequência de reclamação ou recurso hierárquico;

c) Quando tal seja devido para dar cumprimento a deveres, encargos, ónus ou sujeições constituídos no passado, designadamente em execução de decisões dos tribunais ou na sequência de anulação administrativa, e não envolva a imposição de deveres, a aplicação de sanções, ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos.

d) Quando a lei o permita ou imponha.

Nos seus considerandos, a deliberação impugnada pronunciou-se sobre esta questão, nos seguintes termos:

Está em causa um ato administrativo que define uma situação de facto e de direito que se prolongou ao longo do tempo e que consiste na deliberação de que o tempo decorrido no gozo de licença de longa duração não conta para efeitos do movimento judicial ordinário de 2018.

Ora, o CSM jamais concedeu por decisão, a referida antiguidade ao Senhor Juiz, pelo que a presente deliberação não retira retroativamente qualquer antiguidade, que já tenha sido concedida.

Efetivamente, a deliberação impugnada não tem qualquer efeito retroativo, uma vez que não altera qualquer situação jurídica consolidada no passado.

Ela apenas definiu qual era a antiguidade do Autor para efeitos do movimento judicial que teve lugar em 2018, pronunciando-se concretamente sobre a contabilização do período compreendido entre 15 de dezembro de 2014 e 28 junho de 2018, tendo determinado qual era o posicionamento do Autor na lista de antiguidade reportada a 31.12.2017, uma vez que o mesmo não figurava nessa lista, por na altura se encontrar na situação de licença sem remuneração de longa duração, e as anteriores deliberações do CSM sobre este aspeto, datadas de 06.06.2017 e de 30.10.2018, com conteúdo idêntico, terem sido anuladas, por encerrarem vícios formais.

A deliberação impugnada não retirou qualquer antiguidade na carreira ao Autor, tendo-se limitado a definir o critério para contabilizar a sua antiguidade após terminada a situação de licença sem retribuição, para efeitos de incluí-lo na lista de antiguidade reportada a 31.12.2017. Sendo, sem dúvida, uma decisão tardia, não é uma decisão que altere qualquer situação jurídica anterior, limitando-se a conferir-lhe suporte, pelo que improcede também este fundamento da ação.

4. Da anulação de atos anteriores com eficácia retroativa

Alega ainda o Autor que o desconto na sua antiguidade do período compreendido entre 15/12/2014 e 28/06/2018 imposto pela deliberação impugnada consubstancia uma anulação das decisões subjacentes às respetivas licenças sem remuneração concedidas pelo CSM e com despachos favoráveis do Ministério do Negócios Estrangeiros, desde setembro de 2013 até maio de 2018, de exercício de funções como juiz no EULEX/..., primeiro como Criminal judge at Mobile Unit for Basic Court level e a partir de dezembro de 2015 como Criminal Judge at the Supreme Court/Appellate Court.

Mais alega que, ao atribuir eficácia retroativa, tal anulação viola a regra contida na alínea b), do nº 4, do artigo 168.º do CPA, assim como o prazo previsto no nº 2 do mesmo artigo.

Refere, por fim, que a deliberação de anulação não fundamentou o afastamento da regra contida na alínea b), do nº 4, do artigo 168.º, do CPA, devendo, consequentemente, ser anulada, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do mesmo Código.

Esta argumentação do Autor parte do pressuposto errado que a deliberação impugnada consiste numa anulação administrativa dos atos que concederam ao Autor licenças sem remuneração, com efeito retroativo.

A deliberação em causa limitou-se a definir qual era o regime legal aplicável às licenças concedidas para efeitos de contagem da antiguidade do Autor, sem que tenha alterado a concessão das mesmas, pelo que não constitui uma alteração de tais atos, os quais permaneceram incólumes.

Por essa razão, não estava a deliberação impugnada sujeita nem à regra, nem ao prazo, previstos na alínea b), do n.º 4, e no n.º 2, do artigo 168.º, do CPA, nem ao consequente dever de fundamentação do afastamento daquela regra, improcedendo também este fundamento da ação.

5. Do regime da licença sem remuneração concedida ao Autor

Alega ainda o Autor que a deliberação ora impugnada violou o artigo 281.º, n.º 3, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, doravante designada abreviadamente por LGTFP), pois, em seu entender, o artigo 74.º do EMJ deve ser interpretado em conjugação com o disposto nos artigos 280.º a 283.º daquela LGTFP, que determina que nas licenças para o exercício de funções em organismos internacionais o trabalhador tem direito à contagem do tempo para efeitos de antiguidade.

O CSM respondeu, alegando que as disposições invocadas não foram violadas porque no período de 15-12-2014 até 14-05-2018 o Autor encontrava-se em gozo de licença sem remuneração de longa duração, com finalidades genéricas, situação que não contempla o direito à contagem desse tempo para efeitos de antiguidade.

Para decidirmos esta questão devemos ter em consideração, seguindo as regras de aplicação da lei no tempo, as normas que se encontravam em vigor ao tempo em que foi concedida ao Autor a discutida licença sem remuneração, relativa ao período situado entre 15.12.2014 e 14.05.2018.

O Estatuto dos Magistrados Judicias, na redação anterior àquela que lhe foi, entretanto, atribuída pela Lei n.º 67/2019, de 24 de agosto, dispunha:

(...)

Artigo 32.º

(Disposições subsidiárias)

É aplicável subsidiariamente aos magistrados judiciais, quanto a deveres, incompatibilidades e direitos, o regime da função pública.

(...)

Artigo 74.º

(Tempo de serviço que não conta para antiguidade)

Não conta para efeitos de antiguidade:

a) O tempo decorrido na situação de inatividade ou de licença de longa duração;

(...)

Por seu turno, os artigos 280.º a 283.º da LGTFP, nas partes que relevam, estatuem:

Artigo 280.º

(Concessão e recusa da licença)

1 - O empregador público pode conceder ao trabalhador, a pedido deste, licença sem remuneração.

2 - Sem prejuízo do disposto em legislação especial ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, o trabalhador tem direito a licenças sem remuneração de longa duração, para frequência de cursos de formação ministrados sob responsabilidade de uma instituição de ensino ou de formação profissional ou no âmbito de programa específico aprovado por autoridade competente e executado sob o seu controlo pedagógico ou frequência de cursos ministrados em estabelecimento de ensino.

(...)

4 - Para efeitos do disposto no n.º 2, considera-se de longa duração a licença superior a 60 dias.

Artigo 281.º

(Efeitos)

1 - A concessão da licença determina a suspensão do vínculo, com os efeitos previstos nos n.os 1 e 3 do artigo 277.º

2 - O período de tempo da licença não conta para efeitos de antiguidade, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

3 - Nas licenças previstas para acompanhamento do cônjuge colocado no estrangeiro, bem como para o exercício de funções em organismos internacionais e noutras licenças fundadas em circunstâncias de interesse público, o trabalhador tem direito à contagem do tempo para efeitos de antiguidade e pode continuar a efetuar descontos para a ADSE ou outro subsistema de saúde de que beneficie, com base na remuneração auferida à data do início da licença.

4 - Nas licenças de duração inferior a um ano, nas previstas para acompanhamento do cônjuge colocado no estrangeiro, bem como para o exercício de funções em organismos internacionais e noutras licenças fundadas em circunstâncias de interesse público, o trabalhador tem direito à ocupação de um posto de trabalho no órgão ou serviço quando terminar a licença.

(...)

Artigo 283.º

(Licença sem remuneração para exercício de funções em organismos internacionais)

1 - A licença sem remuneração para exercício de funções em organismos internacionais pode ser concedida por despacho dos membros do Governo responsáveis pela área dos negócios estrangeiros e pelo serviço a que pertence o trabalhador revestindo, conforme os casos, uma das seguintes modalidades:

a) Licença para o exercício de funções com caráter precário ou experimental, com vista a uma integração futura no respetivo organismo

b) Licença para o exercício de funções em quadro de organismo internacional.

2 - A licença prevista na alínea a) do número anterior tem a duração do exercício de funções com caráter precário ou experimental para que foi concedida.

3 - A licença prevista na alínea b) do n.º 1 é concedida pelo período de exercício de funções.

4 - O exercício de funções nos termos do presente artigo implica que o interessado faça prova, no requerimento a apresentar para concessão da licença ou para o regresso, da sua situação face à organização internacional, mediante documento comprovativo a emitir pela mesma.

Sobre a articulação destas disposições já se pronunciou este Tribunal no acórdão proferido em 16.12.2020, proferido no processo n.º 10/20.1YFLSB (Rel. Rosa Tching), relativo à contagem de antiguidade do mesmo Autor para efeitos do Concurso Curricular à Relação, onde se lê o seguinte:

Ora, ressaltando deste quadro legal que o artigo 74.º, alínea a), do EMJ, na redação anterior àquela que lhe foi entretanto atribuída pela Lei n.º 67/2019, de 24 de agosto, não distinguia as licenças em função da finalidade que presidira à sua autorização ou concessão, estabelecendo para todas as licenças de “longa duração” que as mesmas não contavam para efeitos de antiguidade, mesmo que fossem para o exercício de funções em organizações internacionais, e que, diferentemente o artigo 281º, nº 3, da LGTFP, estabelecia à data que a licença para o exercício de funções em organismos internacionais conta para efeitos de antiguidade, impõe-se, desde logo, enfrentar a questão de saber se, no caso dos autos, há lugar à aplicação subsidiária do disposto neste último artigo, por força do estabelecido no artigo 33º, do EMJ.

E a este respeito, diremos que a resposta não pode deixar de ser negativa.

Com efeito, pronunciando-se expressamente sobre este tema, escrevem Carlos Castelo Branco/José Eusébio Almeida, em anotação ao artigo 74º do EMJ, na redação anterior à introduzida pela Lei nº 67/2019, de 27 de agosto, que:

“Neste ponto, importa esclarecer e não pode esquecer-se que a LTFP não é diretamente aplicável aos magistrados judiciais.

A consideração das soluções previstas naquela lei apenas deverão ser equacionadas, na estrita medida em que seja necessário recorrer à aplicação de direito subsidiário, o que sucederá no caso de se comprovar existir lacuna no regime jurídico em causa.

De facto, a aplicação subsidiária só se justifica perante a existência de um caso omisso, pelo que só se deve recorrer a ela quando se possa concluir que, para além de se tratar de um ponto não regulado no EMJ ou noutra legislação especial, se está perante um caso que, em coerência, deveria ser regulamentado.

[…]

Esta previsão parece-nos fundamental na concretização do regime de licenças referentes a magistrado judicial.

Ora, relativamente a magistrados judiciais sempre se ponderou a possibilidade de ser[em] concedidas licenças sem remuneração, independentemente da sua duração ser «curta» ou «longa», muito embora, claro está, os efeitos variassem em função do regime que, correspondentemente, lhes fosse aplicável.

Sucede que, presentemente — e apesar de a LTFP estabelecer (salvo nas matérias que expressamente regula e concretiza) um «tipo aberto» de licenças passíveis de concessão pelo empregador público, não qualifica a duração das mesmas, salvo no já citado art. 280.º, n.os 2 e 3 —, o EMJ continua a regular, em matéria de licenças, que apenas não contam para antiguidade as licenças de longa duração.

Verifica-se, pois, que o recurso à LTFP para a integração de um tal conceito resulta num trabalho imprestável, pois, a LTFP apenas aludiu a tal expressão de forma específica e precisa com reporte à licença do art. 280.º

De facto, atentos os estritos termos utilizados pelo legislador no n.º 4 do art. 280.º da LTFP («Para efeitos do disposto no n.º 2…») afigura-se que uma tal menção legal apenas é compreensível por referência à norma a que se dirige ou para que remete, não podendo entender-se (porque não existem elementos interpretativos que apontem nesse sentido) como emanação de um princípio geral de duração de licenças que determinasse que, doravante, apenas devam ser reputadas como “licenças de longa duração” as licenças com duração de tempo superior a 60 dias.

[…]

Ora, mantendo-se […] em vigor o aludido art. 74.º, al. a) do EMJ, afigura-se que o sentido interpretativo devido e atualizado da previsão de tal norma apenas se poderá efetuar com referência ao conteúdo que a expressão «longa duração» teve, tradicionalmente, no nosso ordenamento jurídico da função pública: o de que apenas é de considerar como integrador de tal duração suficientemente extensa para ser reputada como «longa», aquela que perdure pelo menos 1 ano.

Neste sentido concorrem, desde logo, os argumentos interpretativos literal ou gramatical (permanece, como se disse, a expressão «longa duração» a qual há de ter um conteúdo conforme com o seu sentido), histórico (tradicionalmente, como se expôs, foi esse o sentido legalmente proporcionado ao aplicador e foi esse o sentido que terá percecionado o legislador do EMJ em 1985) e sistemático (atenta a especialidade do EMJ no que se reporta a magistrados judiciais, a única ponderação interpretativa conforme ao previsto no EMJ é a de integração de longa duração por referência ao período de um ano, cuja previsão se mostra compatível com a norma do art. 73.º e, bem assim, do art. 80.º do EMJ, em termos que, aliás, foram considerados na Circular n.º ….2015 do CSM, com referência à problemática de guardarem ou não lugar de oportuna colocação).

Mas também se afigura ser esse o sentido mais conforme com a teleologia da aludida alínea a) do n.º 1 do art. 74.º do EMJ, pretendendo tal norma conferir um caráter especial — face ao regime, porventura, divergente da função pública — aos termos de contagem de antiguidade relativamente a magistrados judiciais, tendo-se em conta o próprio regime dos movimentos judiciais, sendo que, como se referiu na fundamentação da deliberação circulada pela Circular n.º ….2015 do CSM, “apenas por ocasião destes o preenchimento dos lugares vagos e dos que assim ficarem por força do próprio movimento. Até lá, o magistrado judicial fica em situação de disponibilidade, que lhe confere direito à antiguidade e à remuneração (art. 80.º/1, e), e 2 do EMJ), funcionando assim como um sucedâneo do direito ao lugar. Pode, enquanto nessa situação, ser afeto, como auxiliar, a qualquer lugar compatível, designadamente no âmbito dos quadros complementares, com preferência pelo da área da respetiva residência.

[…]”

Deverá, pois, concluir-se que, para efeitos da alínea a) do n.º 1 do art. 74.º do EMJ, não deverão ser contabilizados, para efeito de antiguidade, os tempos de gozo de licenças sem remuneração — independentemente da sua finalidade — cuja duração seja igual ou superior a um ano.

É, pois, à luz deste entendimento, que se sufraga, que interessa, agora, analisar a factualidade provada e supra enunciada da qual resulta que:

- Por deliberação do Plenário do CSM de 17-09-2013 e por despacho favorável do Senhor Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros de 11-12-2013 foi concedida licença sem remuneração ao ora autor para exercício de funções com carácter precário, como Juiz criminal em organismo internacional na missão…., com efeitos desde 22-09-2013 até 14-06-2014.

- Posteriormente, por deliberação do Plenário do CSM de 16-12-2014 e por despacho favorável do Senhor Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros de 22-01-2015, foi concedida licença sem remuneração para exercício de funções com caráter precário, como Juiz criminal, em organismo internacional (….), nos termos das disposições conjuntas do n.º 1 do artigo 280.º, do n.º 4 do artigo 281.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 283.º da LGTFP, com efeitos reportados a 15 de dezembro de 2014 e termo a 14 de junho de 2016, sem perda de antiguidade e guardando vaga no lugar de origem.

- Sucede que por deliberação do Plenário do CSM de 03-03-2015 deu-se sem efeito a anterior deliberação de 16-12-2014, revogando-a, e foi deferido o pedido subsidiário que o próprio autor formulara, no sentido de autorização de gozo de licença sem remuneração genérica para continuação do seu desempenho na missão …., com efeitos reportados a 15-12-2014 e termo a 14-06-2016.

- Entretanto, por despacho do Senhor Vice-Presidente do CSM de 24-05-2016 e por despacho favorável do Senhor Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros de 25-05-2016, foi concedida licença sem retribuição para o exercício de funções em organismo internacional, com efeitos a partir de 15-06-2016 até 14-11-2016.

- Porém, à semelhança do que sucedera anteriormente, por deliberação do Plenário do CSM de 12-07-2016, deu-se sem efeito a anterior deliberação de 24-05-2016, revogando-a, e foi autorizado o gozo de uma licença sem remuneração nos termos genéricos do artigo 280.º, n.º 1, da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, com efeitos a partir de 15-06-2016 e até 14-05-2018.

Assim, para a entidade demandada estiveram em causa duas diferentes licenças sem remuneração.

Uma primeira para representação em organismo internacional (…..), atribuída por deliberação do Plenário do CSM de 17-09-2013 e por despacho favorável de Senhor Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros de 11-12-2013, pelo período compreendido entre 22-09-2013 e 14-06-2014, a que foi atribuída relevância a todo o tempo, que foi contado para efeitos de antiguidade, por aplicação do disposto no art. 281.º, n.º 3, da LGTFP, considerando que o que relevava para o efeito era a circunstância de a licença ter sido atribuída para o exercício de funções em organismos internacionais.

Uma segunda licença sem vencimento de ordem genérica, que só foi concedida cerca de seis meses volvidos depois do terminus do período autorizado quanto à primeira e que foi objeto de sucessivas renovações, no período compreendido entre 15-12-2014 e 14-05-2018, que a entidade demandada não contabilizou para efeitos da antiguidade do autor porque entendeu que a mesma não tinha sido atribuída para o exercício de funções em organismos internacionais, mas sim por motivos genéricos e, por isso, subsumível na previsão do n.º 2 do art. 281º, da LGTFP, que estipulava que o período de tempo destas licenças não conta para efeitos de antiguidade.

(...)

Mas a verdade é que, não obstante entender-se que, numa e noutra situação, a entidade demandada não fez um enquadramento legal correto, pois, como já se deixou dito, não seria caso para aplicação do regime contido no art. 281º, nºs 3 e 2 da LGTFP, devendo, antes, aplicar-se o regime do art. 74º, al. a), do EMJ (na redação anterior à introduzida pela Lei nº 67/2019, de 27 de agosto), certo é que, mesmo aplicando-se a cada uma das situações o disposto neste mesmo artigo, a solução seria igual à alcançada pela entidade demandada.

É que, tendo a primeira licença sido concedida por um período inferior a um ano, a mesma não pode ser considerada como licença de longa duração, pelo que o art. 74º, al. a), do EMJ, impunha que o tempo dessa licença fosse contabilizado para efeitos de antiguidade.

Por sua vez, a segunda licença, que foi objeto de sucessivas renovações, por ter duração total de 3 anos e 7 meses (43 meses), não poderia ser contabilizada para os mesmos efeitos, à luz do citado art. 74º, al. a), por consubstanciar licença de longa duração.

Decorre, assim, de tudo isto que, malgrado o fundamento invocado pela entidade demandada para não atribuir antiguidade nesta segunda licença não ser hermenêuticamente adequado, a solução a que se chega não poderia ter sido diversa da alcançada pela entidade demandada, pelo que não pode deixar de improceder a pretensão do autor relativa ao reconhecimento de que o período de exercício de funções ao abrigo de licença de longa duração entre 15-12-2014 e 14-05-2018 lhe deva ser contabilizado para efeitos de antiguidade.

De qualquer modo sempre se dirá, ainda noutra perspetiva, que mesmo que se prefigurasse a necessidade de recorrer ao regime da LGTFP — porque, apesar de a letra do art. 74.º, al. a), do EMJ, não o exigir, isso poderia ser sugerido por argumentos de ordem sistemática (lógica de complementaridade e especialidade entre os dois diplomas) e histórico-teleológica (denunciada, aliás, pela evolução legislativa que se fez recentemente sentir no âmbito do EMJ, que a partir da Lei n.º 67/20198, de 24 de agosto, conheceu uma aproximação sensível ao regime da LGTFP), nem assim assistiria razão ao autor, pois tal como decidiu o recente Acórdão da Secção do Contencioso do STJ, de 30-04-2020 (processo n.º 8/19.2 YFLSB), « não existem dúvidas de que no período de 15/12/2014 a 14/5/2018 foram concedidas ao ora recorrente licenças sem remuneração nos termos genéricos, previstos no 280.º n.º 1 da Lei n.º 35/2014 de 20 de junho, que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas » e « Assim, relativamente a esse período de tempo é inaplicável o disposto no art.º 281.º, n.º 3 do citado diploma ».

Vale tudo isto por dizer que, seja de que perspetiva se queira partir, a conclusão a se que chega sempre é a de que inexiste fundamento legal para o reconhecimento de que o período de licença de longa duração entre 15-12-2014 e 14-05-2018 deva ser contabilizado para efeitos de antiguidade (...).

Continuando este Tribunal a perfilhar o entendimento acima expresso sobre quais as licenças sem retribuição que, na altura, determinavam a não contagem de tempo de serviço para efeitos de antiguidade na carreira, entende-se que a deliberação impugnada não violou qualquer disposição legal, ao considerar que o período de licença sem remuneração em que se encontrou o Autor entre 15.12.2014 e 14.05.2018 não pode ser contabilizado para efeitos de antiguidade na carreira da magistratura judicial, por se tratar de uma licença de longa duração, pelo que também improcede este fundamento da ação proposta pelo Autor.

6. Da violação do princípio da igualdade

Ainda que a propósito da alegada violação do disposto no artigo 281.º, n.º 3, da LGTFP, vem o Autor invocar genericamente a violação do princípio da igualdade, por referência a três outros magistrados também colocados na Missão Eulex Kosovo, salientando ter-lhe sido concedido um tratamento desigual, porquanto relativamente a estes o exercício das suas funções como magistrados, em organismos internacionais, sempre contou para efeitos de antiguidade.

Em concreto, alude à situação dos Juízes Desembargadores KK e JJ e do Juiz de Direito HH.

De acordo com o artigo 266º, nº 2, da Constituição, os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.

Dispõe ainda o artigo 6.º do CPA que nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever ninguém em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.

O princípio da igualdade é um princípio estruturante do Estado de direito democrático e postula, como o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Na verdade, na atividade administrativa, o princípio da igualdade, entendido como limite objetivo da discricionariedade administrativa, não veda à Administração a adoção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a adoção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objetiva e racional.

Ora, conforme resulta da análise das deliberações do CSM as três situações indicadas pelo Autor são diversas da sua, não se impondo, consequentemente, um tratamento igual.

Começando pela situação do Juiz Desembargador KK, verifica-se que foi decidido na deliberação do Conselho Plenário de 09/12/2014: …atentos os fundamentos invocados e o objeto visado, prorrogar a título excecional a licença sem vencimento concedida nos termos do artº 89º nº 1 al. a) do DL nº 100/99, com efeitos a 15 de Dezembro de 2014, tendo por limite improrrogável, o dia 14 de junho de 2015.

O Juiz Desembargador KK viu, pois, “excecionalmente, e de forma expressa e fundamentada”, prorrogada a sua licença sem remuneração para o exercício de funções em organismo internacional, até 14.06.2015, o que configura uma situação diferente da que ocorreu com o Autor.

Quanto ao Juiz Desembargador JJ, esteve de licença sem vencimento em organismo internacional durante o período compreendido entre 16 de janeiro de 2014 e 14 de junho de 2014. Posteriormente, esteve de licença sem vencimento de longa duração, genérica, concedida com efeitos após 15 de junho de 2014, pelo que, tal como sucedeu ao Autor, viu ser-lhe descontada antiguidade relativamente a esta última licença.

Relativamente ao Juiz de Direito HH, esteve em situação de licença sem vencimento em organismo internacional durante o período compreendido entre 2008 e 14 de junho de 2014. Posteriormente, esteve de licença sem vencimento de longa duração, genérica, no período compreendido a partir 15 de junho de 2014. No entanto, foi-lhe também descontada antiguidade relativamente a esta última licença, tal como sucedeu com o Autor.

Assim, não se estando perante situações comprovadamente idênticas, não se impunha um tratamento igualitário, não tendo ocorrido qualquer violação do princípio da igualdade.

7. Da violação do princípio da proteção da confiança

Por último, o Autor invoca que a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, que agora impugna, viola o princípio da tutela da confiança, pois o modo de atuação anterior da entidade demandada criou-lhe legítimas expectativas e confiança nesse modo de atuação, nada fazendo prever o contrário, devendo a mesma ser anulada, nos termos do artigo 163.º do CPA.

Também sobre este argumento já se pronunciou este Tribunal no referido acórdão proferido em 16.12.2020, no processo n.º 10/20.1YFLSB (Rel. Rosa Tching), explicando:

O princípio do Estado de direito democrático, consagrado, após a revisão constitucional de 1982, no artigo 2.º da Constituição, no dizer dos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 303/90 [30] e n.º 4/2003 [31], «postula uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas [razão pela qual] a normação que, por sua natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de direito democrático, terá de ser entendida como não consentida pela lei básica”.

Dito de outro modo e segundo o entendimento da doutrina da especialidade e dos tribunais superiores das diversas ordens jurisdicionais, o princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito democrático, “[…] postula um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas que lhes são juridicamente criadas, censurando as afetações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas, com as quais não se poderia razoavelmente contar […] ”implicando «[…] um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas que lhe são juridicamente criadas, censurando as afetações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas, com as quais não se poderia moral e razoavelmente contar […]” .

Nesta mesma linha de entendimento, sublinha António Menezes Cordeiro, que a tutela da confiança, para além de ser protegida através de disposições legais específicas, também é protegida mesmo quando não haja um dispositivo específico, mas “[…] os valores fundamentais do ordenamento, expressos como boa fé ou sob outra designação, assim o imponham […]”.

É o que ocorre no procedimento administrativo, quando o art. 10.º do CPA estabelecendo, no seu nº 1, que “no exercício da atividade administrativa e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa fé” e, no seu nº 2, que “no cumprimento do disposto no número anterior, devem ponderar-se os valores fundamentais do Direito, relevantes em face das situações consideradas, e, em especial, a confiança suscitada na contraparte pela atuação em causa e o objetivo a alcançar com a atuação empreendida”, impõe, conjugado com o art. 266º, nº 2 da CRP, um relacionamento entre a Administração e os particulares segundo as regras da boa fé, tutelando a confiança criada.

E pese embora os conceitos de “proteção da confiança” e “boa fé” consubstanciarem conceitos genéricos, quer a doutrina, quer a jurisprudência, têm admitido o preenchimento do conceito de boa fé, na sua vertente da tutela da confiança, através da verificação dos seguintes pressupostos:

i) situação de confiança;

ii) justificação para essa confiança;

iii) investimento de confiança;

e iv) imputação da situação de confiança à pessoa que vai ser atingida pela proteção dada ao confiante.

Ora, analisando, neste contexto e no quadro jurídico e factual supra traçados, a atuação da entidade demandada, diremos, desde logo, que, contrariamente ao sustentado pelo autor, não se vislumbra que a mesma indicie que a entidade demandada tenha, de algum modo, violado os princípios da boa fé e da confiança do autor de que o tempo deste segundo período de licença seria considerado para efeitos do cômputo de antiguidade.

Senão vejamos.

(...) o autor, no seu requerimento datado de 09-11-2014 e que constituiu o impulso procedimental para a atribuição da segunda licença pela entidade demandada, pediu:

- A título principal, que lhe fosse concedida licença sem remuneração para exercício de funções em organismo internacional, com carácter precário, prevista nos artigos 281.º, n.º 3 e n.º 4, e 283.º n.º 1, al. a), e n.º 2 (ou nº 1, al. b), e n.º 3 – se assim for entendido) da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20/6, de modo a continuar o desempenho das suas funções na missão ….. até 14/6/2016;

- Subsidiariamente, nos termos de direito que o CSM entenda serem então os aplicáveis (ou imprescindíveis ao deferimento do pedido), que seja concedida uma licença que permita a continuação do desempenho das suas funções na missão, como acima referido, até 14/6/2016.

Ora, se ante a circunstância do ora recorrente ter formulado o pedido principal “em alternativa entre a concessão da licença ao abrigo da alínea a) ou da alínea b) do n.º 1 do art.º 283.º da LGTFP”, podemos ter por seguro estar o autor confiante de que a licença peticionada, numa ou noutra modalidade, não lhe determinaria perda de antiguidade, o mesmo já não podemos dizer relativamente ao pedido subsidiário, pois não obstante nele se fazer referência a “funções na missão ……”, a verdade é que o uso das expressões “nos termos de Direito que o CSM entenda serem então os aplicáveis (ou imprescindíveis ao deferimento do pedido)”, não deixa de constituir um primeiro indício de que o autor tinha a consciência de que esta licença teria necessariamente natureza diferente da primeira, admitindo (e se não mesmo conformando-se com) a possibilidade de o exercício deste segundo período de licença de longa duração poder vir a ser prefigurado pela entidade demandada como não relevando para efeitos do cômputo de antiguidade.

E se é certo ter o CSM, por deliberação do Plenário de 16.12.2014 e por despacho favorável do Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros de 22.01.2015, concedido ao autor licença sem remuneração para exercício de funções com carácter precário, como Juiz criminal, em organismo internacional (…..), nos termos das disposições conjuntas do n.º 1 do artigo 280.º, do n.º 4 do artigo 281.º e da alínea a), do n.º 1, do artigo 283.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, com efeitos reportados a 15 de dezembro de 2014 e termo a 14 de junho de 2016, sem perda de antiguidade e guardando vaga no lugar de origem, a verdade é que, ao longo da relação material controvertida, surpreendem-se inúmeros atos administrativos (que o autor nem sempre impugnou in illo tempore), além do impugnado nos presentes autos, pelos quais a entidade demandada enunciou de forma inequívoca uma posição abertamente desfavorável à atribuição de relevância, para efeitos de antiguidade, do tempo de serviço prestado pelo autor nessa licença de longa duração.

Assim:

— logo a 03-03-2015, o Plenário do CSM assumiu que não iria deferir o pedido principal do autor, mas sim «[…] deferir o pedido subsidiário de licença sem vencimento para permitir a continuação do desempenho das funções na missão ….., até 14-6-16», disso notificando o autor a 20-04-2015 [cf. ponto 10) do probatório];

— no dia 06-05-2015 foi publicada no Diário da República a Deliberação (extrato n.º 729/2015), relativa àquela deliberação retificativa, com o seguinte teor: «Por deliberação do Plenário do CSM de 3-3-15 deu-se sem efeito a deliberação do Plenário do CSM de 16-12-14 (e não 16-12-15, como dele consta) … e defere-se o pedido subsidiário de licença sem remuneração para permitir a continuação do desempenho das funções na missão ...., com efeitos reportados a 15-12-14 e termo a 14-6-16, nos termos do n.º 1 do art. 280.º da Lei n.º 35/14, de 20-6» [cf. ponto 13) do probatório];

— a 24-06-2016, o Plenário da entidade demandada deliberou aprovar o teor e as conclusões de parecer datado de 13-03-2016, de natureza genérica, sem identificação ou individualização de casos concretos, no qual se concluiu, além do mais, que «não deverão ser contabilizados, para o efeito de antiguidade, os tempos de gozo de licenças sem remuneração, independentemente da sua finalidade, cuja duração seja igual ou superior a um ano» [vide ponto 21) do probatório];

— a 19-05-2016, o autor foi notificado, por ofício, da intenção da entidade demandada em efetuar o desconto na antiguidade do autor do período aqui em discussão [cf. ponto 24) do probatório];

— a 06-07-2017, o Plenário da entidade demandada deliberou descontar na antiguidade do autor o período que vai de 15-12-2014 a 14-05-2018, disso sendo notificado o autor a 06-07-2017 [cf. pontos 30) e 31) do probatório];

— já após a cessação da licença de longa duração, por despacho do Vice-Presidente do CSM de 07-06-2018 foi determinando que o autor ficava posicionado, para efeitos do movimento judicial ordinário de 2018, entre os números de … e …, por perda daquela antiguidade, sendo disso novamente dado conhecimento ao ora demandante logo a 11-06-2018 e sendo, posteriormente, novamente notificado para se pronunciar em sede de audiência prévia a 20-02-2020 [cf. pontos 37), 38) e 47) do probatório];

— por despacho do Vice-Presidente do CSM de 20-12-2018 e por subsequente deliberação da entidade demandada de 29-01-2019, foi fixada a antiguidade ao autor para o 8.º CCATR, descontando novamente o período em que o autor exercera funções ao abrigo de licença sem vencimento entre 15-12-2014 e 14-05-2018 [vide ponto 45) dos factos provados];

— por despacho do Vice-Presidente de 07-02-2019, publicado no Diário da República de 13-02-2019, foi aprovada a lista de antiguidade reportada a 31-12-2018, na qual o autor surgia ia na posição n.º 478, com 20 anos, 9 meses e 14 dias de antiguidade, o que viria a ser confirmado por deliberação da entidade demandada de 28-05-2019, sendo finalmente homologada a lista de antiguidade reportada a 31-12-2018 por despacho do Vice-Presidente de 03-06-2019 [cf. pontos 48), 52) e 53) do probatório].

Mas se assim é, não podemos deixar de afirmar, ante este quadro de atuação da entidade demandada, que inexistiu, por parte do CSM, qualquer comportamento que produzisse no autor a confiança de que não seria decidida a perda da antiguidade, pois o CSM decidiu sempre no sentido do desconto da antiguidade em todos os procedimentos onde a questão foi colocada, e, mesmo em sede de impugnação judicial da primeira deliberação - anulada pelo STJ, em virtude da caducidade do procedimento.

Diremos até que a aprovação da lista de antiguidade reportada a 31-12-2018, com desconto da antiguidade, constituiu, por si só, fator de consolidação ou criação da confiança inversa e disso deu conta a deliberação sub judice, na qual se consignou expressamente, além do mais, o seguinte: «Não tendo o despacho reclamado violado a lei, também o mesmo não violou a tutela da confiança, sendo que, ao não impugnar a lista de antiguidade e conhecendo a posição que constava de tal lista, a expectativa do reclamante não poderia ser a de que seria admitido ao concurso curricular».

Daí impor-se concluir pela inverificação, no caso dos autos, quer dos primeiro e terceiro requisitos para que se julgasse verificada uma lesão da boa fé e da confiança (situação de confiança e investimento da confiança), quer, sobretudo, do pressuposto da justificação de confiança, no sentido de que ela seja legítima ou lícita.

Desde logo porque, para que se considere justificada a confiança, é mister a existência de uma base legal para fundamentar uma ilicitude subjacente ao ato que violou a tutela de confiança, pois, como é consabido, a ilicitude afere-se sempre perante um comportamento e uma previsão normativa, pelo que sem a definição normativa prévia não é possível um juízo de ilicitude.

E a verdade é que, como já se deixou dito supra, quer o art. 74.º, alínea a), do EMJ, na redação à data vigente, quer o regime contido no art. 281º, nºs 3 e 2 da LGTFP, constituíam indício normativo suficiente para considerar injustificada qualquer atribuição de relevância para efeitos de antiguidade, nos termos pretendidos pelo autor.

De resto, sempre se dirá que, estando a Administração vinculada ao princípio da legalidade, previsto nos artigos 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, e 3.º do CPA[38], que proíbe a prática pela Administração de atos contrários à lei (proibição de desrespeito da lei) e impõe-lhe mesmo a adoção de todas as medidas necessárias e adequadas ao cumprimento da lei (exigência de aplicação da lei), não se vê como se poderia criar a expetativa de que o CSM iria contrariar o disposto nos referidos preceitos legais.

Vale tudo isto por dizer, na esteira do recente Acórdão do STJ de 30-04-2020 (processo n.º 8/19.2YFLSB), que anteriormente à deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura ora impugnada inexistiu, por parte do CSM, qualquer comportamento que criasse no autor quaisquer expetativas quanto à fixação da antiguidade do ora recorrente, pelo que não se mostra violado o princípio da boa-fé na sua vertente da tutela da confiança.

Reafirmando todas estas considerações tecidas por este mesmo Tribunal no acórdão proferido em 16.12.2020, relativas ao mesmo circunstancialismo, também na presente ação se conclui que a deliberação impugnada não afeta quaisquer legítimas expetativas do Autor, inexistindo qualquer violação do princípio da proteção da confiança, pelo que também improcede a pretensão do Autor com este último fundamento.

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Decisão

Face ao exposto, acordam os juízes que constituem a Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça em julgar a presente ação improcedente.

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Valor da ação: € 30.000,01 (cf. artigos 34.º, n.º 1 e 2, do CPTA).

Custas pelo Autor (artigos 527.º, n.º 1, do CPC), fixando-se a taxa de justiça em 6 unidades de conta, de acordo com o artigo 7.º, n.º 1, e Tabela I-A, ambos do Regulamento das Custas Processuais.

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Lisboa, 28 de fevereiro de 2023

João Cura Mariano (Relator)

Paulo Ferreira da Cunha

Ramalho Pinto

António Gama

António Barateiro Martins

Manuel Capelo

António Magalhães

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Presidente)