Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
821/12.1PFCSC.L1-A.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: SOUTO DE MOURA
Descritores: ACÓRDÃO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS COM MOTOR
INCUMPRIMENTO
CARTA DE CONDUÇÃO
DESCONTO
PENA ACESSÓRIA
INIBIÇÃO DE CONDUZIR
SENTENÇA CRIMINAL
Data do Acordão: 04/27/2017
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Referência de Publicação: DR, I SÉRIE, 115, 16.06.2017, P.3037 - 3051
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: FIXAÇÃO DE JURSIPRUDÊNCIA
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL - INQUÉRITO / ENCERRAMENTO DO INQUÉRITO / SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO.
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS ACESSÓRIAS.
Doutrina:
- Anabela Rodrigues, "O inquérito no novo Código de Processo Penal", O Novo Código de Processo Penal. Jornadas de Direito Processual Penal", Almedina, 1988, 75.
- Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 434.
- Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 116; Direito Penal Português, III, Verbo, 176.
- Henriques Gaspar et alteri, in "Código de Processo Penal” Comentado, Almedina, 2.ª Edição, 939 e 940.
- J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, 195, 196.
- Karl Engish, Introdução ao Pensamento Jurídico, Fundação Calouste Gulbenkian, 7.ª Edição, 281.
- Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, Fundação Calouste Gulbenkian, 3.ª Edição, 524, 525, 588 e ss..
- Maia Gonçalves, "Código de Processo Penal” Anotado e Comentado, na 15.ª Edição, 568.
- P. P. Albuquerque, Comentário do “Código de Processo Penal", 4.ª Edição, 764, 768.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 10.º.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 4.º, 281.º, N.ºS 1, 2 E 3, 282.º, N.º 4, 437.º, N.º 5, 438.º, N.º 1.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 56.º, N.º 2, 69.º, N.ºS 1, 2 A 7, 80.º, N.º1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 29.º, N.º 5.
Jurisprudência Nacional:
JURISPRUDÊNCIA DAS RELAÇÕES:

ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DO PORTO DE 19-11-2014, PROCESSO N.º 24/13.8GTBGC.P1, O ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DE LISBOA DE 15-04-2015, PROCESSO N.º 734/13.0PARGR.L1-3, O ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DE COIMBRA DE 26-10-2016, PROCESSO N.º 159/15.2GTVIS.C1, O ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DE ÉVORA DE 21-06-2016, PROCESSO N.º 28/14.3PTFAR.E1 –, OU O ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES, DE 10/10/2016, PROCESSO N.º 307/13.7GAALJ-G1.

ACÓRDÃOS DA RELAÇÃO DE LISBOA DE 06-06-2013, PROCESSO N.º 105/10.0CLSB.L1-9, OU DA RELAÇÃO DO PORTO, DE 13-04-2016, PROCESSO N.º 471/13.5GBFLG.P1.
Sumário :
«Tendo sido acordada a suspensão provisória do processo, nos termos do art. 281.º do CPP, com a injunção da proibição da condução de veículo automóvel, prevista no n.º 3 do preceito, caso aquela suspensão termine, prosseguindo o processo, ao abrigo do n.º 4, do art. 282.º, do mesmo Código, o tempo em que o arguido esteve privado da carta de condução não deve ser descontado, no tempo da pena acessória de inibição da faculdade de conduzir, aplicada na sentença condenatória que venha a ter lugar».
Decisão Texto Integral:

O Ministério Público (MP), junto da Procuradoria – Geral Distrital de Lisboa, veio interpor recurso de fixação de jurisprudência, no caso, obrigatório por força do nº 5, do art. 437º, do Código de Processo Penal (CPP), afirmando a oposição do acórdão de que recorreu, proferido em 5/11/2015, no processo em epígrafe do Tribunal da Relação de Lisboa, 9ª Secção, e o acórdão do mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, proferido a 17/12/2014 (Pº 99/13.7GAVNC.G1, também da 9ª Secção), transitado em julgado em 16/1/2015, o qual elegeu, assim, acórdão fundamento.

A divergência em questão é a seguinte:

No caso de condução de um veículo automóvel na via pública em estado de embriaguez, tendo sido tomada a opção de suspender provisoriamente o processo, com a injunção de entrega da carta de condução, devido à proibição de conduzir veículos com motor por determinado período, o que foi cumprido, no caso de vir a ter lugar a revogação da suspensão do processo,   o tempo em que o arguido esteve privado da carta de condução deve ser descontado, ou não, no tempo de proibição da faculdade de conduzir, estabelecido como pena acessória, na sentença condenatória que tiver lugar?

A norma a ter em conta é, antes do mais, o art. 281º, nº 3 do CPP, na redação da Lei 20/2013, de 21 de fevereiro.

A – RECURSO

a)  Foram as seguintes as conclusões da motivação do recurso do MP:

"1 — No acórdão recorrido proferido no dia 5/11/2015, a questão jurídica que vinha colocada era a de se saber se o tempo em que a arguida esteve inibida de conduzir, por injunção, ao abrigo do disposto no art.° 281.º, n.° 3 do CPP, imposta no âmbito da suspensão provisória do processo, devia ser descontado na pena acessória fixada por força do disposto no art.º 69.º do C.P., tendo sido decidido que tal tempo deve ser descontado.

2 — Sobre a mesma questão de direito e no âmbito da mesma legislação foi proferido Acórdão a 17/12/2014, no Processo n.º 99/13. OGTCSC.L1-9, da Relação de Lisboa, que considerou não ser possível proceder ao desconto, do período de inibição de conduzir imposto no âmbito da suspensão provisória do processo, na pena acessória fixada por força do disposto no art.º 69.º do C.P., consagrando solução oposta.

3 — Tendo ambos os Acórdãos transitado em julgado, e não sendo nenhum deles, já, susceptível de recurso ordinário, impõe-se a fixação da jurisprudência."

b)  A arguida, ora recorrida, respondeu nos termos do art. 439º, nº 1 do CPP, dizendo que no acórdão recorrido foi decidido, e a seu ver bem, que "o período de inibição do exercício da condução de veículos, cumprido, entretanto, na fase de suspensão provisória do processo, será sempre levado em conta e descontado, na futura condenação que venha a ser imposta ao arguido, na sequência da revogação da mesma suspensão, sob pena de violação do Princípio ne bis in idem."

Mas, depois acrescentou que o acórdão fundamento, invocado pelo Recorrente sobre a mesma questão decidiu em sentido contrário, ou seja, que o tempo em que a arguida esteve sem carta de condução, em cumprimento de injunção aplicada em sede de suspensão provisória do processo, por condução em estado de embriaguez, em caso da revogação da suspensão e sujeição a julgamento, não deve ser descontado na pena acessória fixada em sede de sentença condenatória.

Por isso, achou por bem adiantar, a seguir, a jurisprudência que abona cada uma das teses em confronto, para terminar afirmando o preenchimento de todos os pressupostos de que depende a admissão e prossecução do presente recurso.

O MP sediado neste Supremo Tribunal de Justiça (STJ) teve vista nos autos, de acordo com o art. 440.°, n.° 1 do CPP, e proferiu douto parecer em que, para além do mais, demonstrou a tempestividade do presente recurso e enunciou os argumentos apresentados em abono das teses em confronto, nos dois acórdãos recorrido e fundamento. Face ao preenchimento de todos os pressupostos requeridos, terminou concluindo também que "(…) deverá ser reconhecida a oposição de julgados e, consequentemente, ordenado o prosseguimento do recurso – art. 441.º, n.º 1 do Cód. Proc. Penal."

Colhidos os vistos os autos foram submetidos a conferência, e por acórdão de 20/10/2016 proferido nos presentes autos ao abrigo do art. 440º, nº 4, do CPP, foi então decidido "(…) estarem verificados os requisitos formais e substanciais previstos nos arts. 437.º e 438º do CPP, de que depende a continuação do presente recurso, por o acórdão recorrido e o acórdão fundamento indicado assentarem em factos que se equivalem, havendo oposição de julgados quanto à mesma questão de direito, e daí que o presente recurso deva prosseguir, nos termos do nº 1 do art. 442º do CPP." 

De acordo com este último preceito, o MP alegou, defendendo a tese da obrigatoriedade de desconto na pena acessória que tenha vindo a ser aplicada, do tempo em que o arguido ficou privado de carta de condução devido à injunção em referência. Concluiu assim:

"1. A SPP traduz-se na manifestação do princípio do consenso uma vez que o consentimento do arguido é, para além da decisão do Ministério Público e da concordância do juiz, requisito essencial.

2. As regras de conduta e injunções têm natureza diferente das penas: as primeiras exigem a colaboração do arguido, enquanto as segundas têm ab initio carácter coercivo e são executadas mesmo contra a vontade do arguido.

3. Porém, as regras e injunções são medidas relacionadas com a administração da justiça criminal enquadrando-se, constitucionalmente, no exercício da função jurisdicional.

4. A injunção de proibição de conduzir veículos com motor é de aplicação obrigatória para os crimes dos artigos 291º e 292º do Código Penal, por se entender que no âmbito da circulação rodoviária a SPP cumpre um importante papel ao nível das necessidades de prevenção especial e geral de intimidação, contribuindo para a consciência cívica dos condutores.

5. Com a Lei 20/2013, de 21.02, a injunção de proibição de conduzir está para as injunções e regras de conduta previstas no nº 2 do artigo 281.º do CPP como a pena acessória de proibição de conduzir está para a pena principal.

6. Aliás, reconhecendo este paralelismo, a PGR emitiu a Directiva nº 1/2014, de 15.01, versando sobre matéria de estrita interpretação jurídica, uniforme para o Ministério Público, onde relativamente à injunção de proibição de conduzir determina quais devem ser os seus limites máximos e mínimos, com observação do artigo 69.º, nº 1 do Código Penal.

7. A injunção em causa visa garantir, de forma reforçada, a tutela do bem jurídico violado e prevenir a prática de factos da mesma natureza não devendo, portanto, ser desvalorizada e tratada como algo em relação ao qual o arguido possa “optar” por cumprir ou não cumprir.

8. A partir do momento em que o juiz homologa a decisão do Ministério Público, o arguido fica, imediatamente, obrigado ao cumprimento das injunções e regras de conduta, já que tal decisão, na medida em que pressupôs o seu consenso, não é impugnável.

9. O incumprimento da injunção e a sua revogação terá, necessariamente, como consequência o prosseguimento do processo para julgamento, impossibilidade de repetição das prestações feitas, bem como, eventualmente, de beneficiar de nova suspensão.

10. A al. a) do n.º 4 do artigo 281.º [ter-se-á querido dizer art. 282º] do CPP, ao estabelecer que as prestações feitas não podem ser repetidas, refere-se somente a prestações que sejam suscetíveis de ser repetidas e não àquelas cuja restituição é impossível, em razão da sua própria natureza, como é o caso das alíneas b), g) ou e) do nº 2.

11. A injunção de proibição de conduzir, se cumprida pelo arguido, tem carácter sancionador e corresponde, em termos práticos, ao cumprimento de uma pena, pois restringe-lhe a liberdade de conduzir, constituindo um sacrifício idêntico àquele que sofreria se lhe fosse aplicada uma pena acessória de proibição de conduzir, resultante de uma condenação.

12. No âmbito da SPP, o legislador, com esta injunção, afiançou serem alcançadas as finalidades de prevenção sem necessidade de julgamento, ou seja, que o arguido interiorizaria a falta cometida e ganharia consciência de que a mesma seria irrepetível.

13. Posto que esta injunção assume a natureza de uma verdadeira pena acessória, não há razão para que, na situação em apreço, não se proceda ao desconto, na pena acessória, do período de tempo de proibição de conduzir já cumprido pelo arguido, por injunção, no período que durou a suspensão.

14. Solução contrária levaria a que, de forma incompreensível, o agente fosse submetido a um duplo e desproporcional sacrifício.

15. O legislador, mesmo consciente de que as razões de justiça material que justificam o desconto podem estar em conflito com princípios fundamentais do direito penal, nomeadamente, com as exigências de prevenção, essencialmente, de prevenção especial de socialização, optou por dar prevalência a imperativos de justiça material sobre exigências de prevenção.

18. Não havendo norma expressa que determine o desconto, e uma vez que este não constitui um mecanismo que agrave a situação do arguido ou que defina positivamente a sua responsabilidade, ou a prática de um crime, dever-se-á, perante caso omisso, nos termos do artigo 10.º, n.º1, do Código Civil, aplicar-se analogicamente o artigo 80.º do Código Penal.

 Deve, pois, fixar-se jurisprudência no seguinte sentido:

Em caso de revogação da SPP por falta de cumprimento integral das injunções impostas e da sequente prossecução para julgamento, vindo o arguido a ser condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor (artigo 69.º do Código Penal) deverá ser descontado, nesta pena, o período de tempo de proibição de conduzir por si já cumprido, por injunção, durante o período que durou a suspensão (nº 3 do artigo 281.º do Código de Processo Penal)."

Também a arguida e ora recorrida alegou e concluiu:

" I- No acórdão da Relação de Lisboa de 5/11/2015, em que foi relator o Exmº. Sr. Desembargador Almeida Cabral (acessível em www.dgsi.pt), decidiu-se e bem, que o período de inibição do exercício da condução de veículos, cumprido, entretanto, na fase de suspensão provisória do processo será sempre levado em conta e descontado, na futura condenação que venha a ser imposta ao arguido, na sequência da revogação da mesma suspensão, sob pena de violação do Princípio ne bis in idem.

II- A actual redacção do nº3 do art.281 do C.P.P.(Lei nº 20/2013, de 21 de Fevereiro) determina que, nos casos de crime para o qual esteja legalmente prevista pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, é obrigatoriamente oponível ao arguido a aplicação de “injunção” de proibição de conduzir veículos com motor.

III- As injunções funcionam como equivalentes funcionais de uma sanção penal, concluindo-se assim que as injunções (e concretamente, a inibição de conduzir) têm natureza formalmente diversa de uma pena criminal strictu sensu mas, em termos substanciais, intrínsecos, prosseguem a realização do mesmo interesse público.

IV-Tendo em conta as circunstâncias relacionadas com este tipo específico de injunção – que a lei impôs como de aplicação obrigatória, desde a alteração de 2013 (nº3 do art.281º do CPP) constata-se que tem a mesma finalidade, a mesma justificação e o mesmo modo de execução da sanção acessória (art.69º nº1 al.a) CP).

 V-A confirmar a interligação de natureza substantiva (que não formal), da injunção e da pena acessória, constatamos que o legislador no nº 3 do art.281º do C.P.P., não cuidou sequer de verter limites mínimos e máximos, dentro dos quais tal injunção teria de ser determinada. E não o fez, porque esses limites já se encontram previstos no art.69 do C.P., os quais forçosamente o M.P. deve observar, ao propor e dosificar a sua aplicação.

 VI-Tão pouco está prevista, em sede específica de suspensão do processo, qualquer norma reguladora da forma de cumprimento da “injunção” de proibição de conduzir veículos com motor, uma vez que o seu modo de cumprimento, se encontra regulado no art.500 do C.P.P. 

 VII- Em sede de suspensão provisória do processo, a determinação do prazo de proibição de condução, bem como a forma de cumprimento do mesmo, resultam da aplicação das normas previstas para a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor (art.69º C.P. e art.500º do C.P.P.).

 VIII- O nº4 do art.282º do C.P.P. apenas determina a irrepetibilidade de prestações realizadas em injunção pelo que, não tendo a proibição de conduzir essa natureza, tal comando não se lhe mostra aplicável.

 IX- Qualquer interpretação do nº4 art.282º do CPP, no sentido de ser proibido o desconto do período de proibição de conduzir veículos motorizados aplicado como injunção em sede de suspensão provisória do processo é inconstitucional por violar o princípio “ne bis in idem” constante dos nºs 4 e  5 do art.29º da C.R.P.

 X- À sanção acessória imposta por sentença condenatória deve ser descontado o período em que o arguido esteve proibido de conduzir veículos automóveis, que lhe foi aplicada e cumprida total ou parcialmente, a título de injunção em sede de suspensão provisória do processo.

Pelo exposto deverá esse Venerado Tribunal, Resolver o presente conflito de jurisprudência no seguinte sentido:

«O Tribunal ao proferir douta sentença condenatória de um arguido pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p.p. art.292 nº 1 e 69º nº 1, al.a), ambos do C.P., deve proceder ao desconto, na pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor em que aquele for condenado, do período de efectiva inibição de conduzir cumprida em sede de inquérito, no âmbito do instituto da suspensão provisória do processo (cfr. art.69º nº1 al.a) C.P. e nº3 do art.281ºnº3, 282 nº4 e 500º todos do C.P.P.)."

Colhidos os vistos submeteram-se os autos a conferência do Pleno das Secções Criminais do STJ, cumprindo decidir.

B  -  APRECIAÇÃO

1.  A oposição de julgados

Porque a decisão da conferência da 5ª secção Criminal do STJ que afirmou a oposição de julgados não vincula o Plenário, importa tomar posição sobre a questão, ainda que muito sucintamente e usando as considerações do acórdão preliminar que se perfilham.


1.1. Pressupostos formais

O recorrente tem legitimidade, nos termos do já referido art. 437º, nº 5 do CPP, foi tempestivo à luz do art. 438º, nº 1 do CPP, e tanto o acórdão recorrido como o acórdão fundamento transitaram em julgado, respectivamente a 11/12/2015 e a 16/1/1015.

Não teve lugar qualquer alteração legislativa relevante para o caso entre a prolação de um e outro acórdão.


1.2. Pressuposto substancial – a oposição relevante  

1.2.1. Em tese geral, e quanto à natureza da oposição que interessa ter em conta, dir-se-á que   o art. 437º do CPP reclama, para fundamento do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, a existência de dois acórdãos, tirados sob a mesma legislação, que assentem em soluções opostas quanto à mesma questão de direito. Perfilada pois uma questão de direito, importa que se enunciem “soluções” para elas, que se venham a revelar opostas.

A oposição deve ser expressa e não tácita. Isto é, tem que haver uma tomada de posição explícita divergente quanto à mesma questão de direito. Não basta pois que a oposição se deduza de posições implícitas, que estão para além da decisão final, ou que em cada um dos acórdãos a decisão final só tenha teses diferentes por fundamento.  

Mas importa ainda que se esteja perante a mesma questão de direito. E isso só ocorrerá quando estejam em jogo as mesmas normas, reclamadas para aplicar a uma determinada situação fáctica, e elas tenham sido interpretadas de modo diferente. Interessa pois que a situação fáctica se apresente com contornos equivalentes, para o que releva no desencadeamento da aplicação das mesmas normas.

É evidente que se não trata, na presente fase, de apreciar a bondade da decisão proferida, no acórdão recorrido. Trata-se de verificar se aí se tomou uma posição, sobre uma questão de direito, em contradição com a posição que, sobre a mesma questão de direito, se tivesse tomado no acórdão fundamento, mas partindo evidentemente de uma factualidade equivalente. Por outras palavras, a posição tomada no acórdão recorrido, quanto a certa questão de direito, seria a que o mesmo julgador tomaria, se tivesse que decidir no mesmo momento essa questão, no acórdão fundamento. E vice-versa.

Mesmo que a diferença factual de ambos os processos, a do acórdão recorrido e a do acórdão fundamento, seja inelutável por dizer respeito a acontecimentos históricos diversos, terá que se tratar de diferenças factuais inócuas que nada interfiram com o aspeto jurídico do caso, para que a oposição releve.

Na verdade, a mesmidade pretendida serve apenas um interesse específico: evitar que a falta de identidade dos factos pudesse explicar, por si, a prolação de soluções jurídicas díspares.

E assim se concluirá que os factos terão que ser idênticos nos dois processos, com o apontado sentido de equivalentes.

1.2.2.  Já se viu que a questão em foco respeita a saber se no caso de condução de um veículo automóvel na via pública em estado de embriaguez, tendo sido tomada a opção de suspender provisoriamente o processo na sequência do inquérito, com a injunção de entregar a carta de condução por determinado período, o que foi cumprido, se em face da revogação da suspensão por uma outra razão, o tempo em que o arguido esteve privado da carta de condução deve ser descontado, ou não, no tempo de inibição de condução, estabelecido como pena acessória, na sentença condenatória que vier a ter lugar. Tendo em conta o disposto no art. 281º, nº 3 do CPP, na redação da Lei 20/2013, de 21 de fevereiro.

A factualidade que subjaz à decisão do acórdão recorrido e do acórdão fundamento não só se equivale como é a mesma, salvaguardadas evidentemente as circunstâncias de local e tempo que se não repetem, bem como a diferença de protagonistas em cada caso.

O acórdão recorrido disse que devia haver desconto. O acórdão fundamento entendeu que não. A oposição é pois insofismável.

2. Os argumentos dos acórdãos em oposição

2.1. Acórdão recorrido

Conforme se vê neste aresto, a fundamentação da “tese afirmativa” perfilhada, é:

“Desde logo, a posição sufragada pelo recorrente Ministério Público atenta contra o P.° ne bis in idem, consagrado no art.° 29.°, n.° 5, da C.R.P.

Efectivamente, o P.° da Concepção Unitária da Pena liga à prática de determinados crimes, automaticamente, outros efeitos, como seja, aqui, o da proibição de conduzir veículos motorizados, compreendida num período que pode oscilar entre três meses e três anos, como resulta do art.° 69.°, n.° 1, al. c), do Cód. Penal.

Depois, diz Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, § 232, que “a proibição de conduzir veículos motorizados assume a natureza de verdadeira pena acessória, pois que indissoluvelmente ligada ao facto praticado e à culpa do agente, desempenha uma função adjuvante da pena principal, reforçando e diversificando o conteúdo sancionatório da condenação”.

Do mesmo modo assim o entendeu Maia Gonçalves, quando disse que a medida de inibição, dentro da moldura geral abstracta, obedece aos mesmos critérios legais de fixação da medida concreta da pena, isto é, relevando-se a culpa e a prevenção e ponderando-se as circunstâncias enunciadas no n.° 2 do art° 71.º do Cód. Penal.

Assim, a proibição de conduzir veículos com motor é, inequivocamente, uma verdadeira pena, de execução efectiva, de tal modo que até nos casos de suspensão provisória do processo a mesma haverá de ser imposta, necessariamente, como se verificou, aliás, no caso dos autos e resulta do disposto no atrás citado art. 69.°, n.° 1 e no art.° 281°, n.º3, do C.P.P.: “É condenado na proibição de conduzir (...)“. diz-se ali; “(...) É obrigatoriamente oponível ao arguido a pena acessória de proibição de conduzir (… )", diz-se aqui.

Deste modo, “imposta” e cumprida pelo arguido esta pena de proibição de conduzir, não pode a mesma, em qualquer circunstância, ser repetida, sob pena de se violar o acima referido P.° ne bis in idem. Aliás, essa seria uma decisão que, para além de atentar contra todos os princípios, não deixaria de ser tida como “cruel” e de todo incompreendida pelo sensato cidadão comum.

Sendo assim, como se entende, nunca o pensamento do legislador poderia ter sido no sentido aqui defendido pelo recorrente, nem o mesmo colhe na letra da lei o necessário mínimo de correspondência verbal.

Na verdade, contrariamente ao que é alegado pelo recorrente, aquilo que se diz no art.° 282.°, n.º 4, do C.P.P. é que, se o processo houver de prosseguir, porque o arguido não cumpriu as injunções e as regras de conduta impostas, as “prestações” já feitas não podem ser repetidas. E estas são, obviamente, as previstas, v.g., no art° 281.°, designadamente nas als. a) e e) do seu n.° 2. Ora, uma pena não é uma “prestação”!

Por outro lado, não sendo aqui afastada, de todo, a possibilidade do recurso à “analogia”, na interpretação restritiva que sempre haverá de ser feita do disposto no art° 1.º, n.° 3, do Cód. Penal, veja-se, v.g., a amplitude que o “desconto” de penas pode assumir, tal como o mesmo se prevê no art° 80.° e sgs. do mesmo Cód. Penal!

Porque haveria, então, de ser aberta uma excepção, em manifesto prejuízo do arguido, nos casos de pena de proibição de conduzir veículos com motor!?

Finalmente, ainda que se considere ser esta uma situação de “dúvida”, não prevista pelo legislador, sempre a mesma haverá de relevar em beneficio do arguido à luz do respectivo Principio.

Assim sendo, reportados ao caso dos autos, ante os fundamentos expostos, decidiu bem o tribunal “a quo” ao considerar integralmente cumprida a pena de proibição de conduzir veículos com motor em que condenou a arguida através do “desconto” feito no período de efectiva inibição sofrido pela mesma no âmbito da suspensão provisória deste mesmo processo”.

2.2.  Acórdão fundamento

O acórdão fundamento defendeu a “tese negativa” apresentando as seguintes razões:

“(…) conforme tivemos oportunidade de referir no nosso Acórdão proferido em 6/6/2013, no âmbito do Proc. 105/10.0SCLSB.L1, supra indicado, a injunção que foi fixada, aquando da suspensão provisória do processo, tem uma natureza completamente diferente da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor a que alude o art. 69.º do CP.

A injunção a que a arguida/recorrente se obrigou não lhe foi imposta, nem assumiu o carácter de pena ou sequer de sanção acessória. (…)

Quando a arguida/recorrente fez a entrega da carta fê-lo de forma voluntária, no âmbito do cumprimento de uma injunção com que concordou, tendo como finalidade a suspensão provisória do processo, nos termos do disposto no art. 281.º do CPP. 

E, de acordo com o preceituado no n.º 4 do art. 282.º do CPP, em caso de incumprimento das injunções e regras de conduta as prestações feitas não podem ser repetidas, como acontece nos termos do art. 56.º, n.º 2, do CP. Neste sentido veja-se, na doutrina, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª edição actualizada, 2008, em anotação ao art. 282.º

Por outro lado, não procede, com todo o devido respeito, o argumento utilizado pelos defensores de que se deve proceder ao desconto, do período de inibição de conduzir imposto no âmbito da suspensão provisória do processo, na pena acessória fixada por força do disposto no art. 69.º do CP, por se mostrar obrigatória a imposição, como injunção, da proibição de condução de veículos automóveis, sempre que o procedimento se refira a crimes para os quais se encontra legalmente prevista essa medida como pena acessória, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 281.º do CPP.

A alteração introduzida no n.º 3, do art. 281.º, do CPP, pela Lei n.º 20/2013, de 21/2, não veio modificar a voluntariedade na aceitação dos deveres impostos, pressuposto sempre necessário para que haja lugar à suspensão provisória do processo.

Ou seja, pese embora o legislador tenha imposto a aplicação da injunção de proibição de conduzir veículos com motor, quando está em causa crime para o qual esteja legalmente prevista pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, tal não significa que não seja necessária a aceitação, de forma voluntária, de uma tal injunção, sob pena de não ser viável a suspensão provisória do processo. Também não procede, sempre com o devido respeito, o argumento de que o período da inibição fixado na injunção deve ser descontado na pena acessória porque no caso da prisão preventiva também esta é sempre descontada na pena de prisão em que vier a ser condenado o arguido.

O desconto da prisão preventiva é efectuado porque está expressamente previsto na lei penal – art. 80.º do CP. Se fosse intenção do legislador que se procedesse, no caso de prosseguimento do processo para julgamento, ao desconto, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, do período de inibição de conduzir fixado na injunção, bastar-lhe-ia ter dito isso mesmo. O que não fez.

(…)

Pelo exposto, somos de entendimento que, no actual quadro legislativo, não é possível proceder ao desconto, do período de inibição de conduzir imposto no âmbito da suspensão provisória do processo, na pena acessória fixada por força do disposto no art. 69.º do CP. Não pode, pois, ser considerada cumprida a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses, em que a arguida/recorrente foi condenada pelo Tribunal “a quo”, na sequência da revogação da suspensão provisória do processo.»

3.  Abordagem da questão

3.1.  Normas com especial relevo para a discussão

3.1.1.  No debate sobre a questão que nos ocupa foi chamado à colação o princípio do “ne bis in idem”. Este princípio tem consagração no art. 29º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa (CR), do seguinte modo:

“Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”

3.1.2. O art. 281º do CPP prevê a suspensão provisória do processo como uma das formas de encerrar o inquérito (Capítulo III, do Título II, Do Livro IV do CPP, epigrafado exatamente “Do encerramento do inquérito”).

No seu nº 1 referem-se as condições em que tal é possível, e que desde logo se prendem com o tipo de criminalidade em questão: a infração imputada tem que ser crime punível com pena de prisão não superior a 5 anos, ou com sanção diferente da prisão.

É o MP que determina a suspensão, enquanto autoridade judiciária titular do inquérito, com a concordância do juiz de instrução. Oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente.

Não pode haver suspensão sem imposição de injunções e regras de conduta.

A estas condições acresce o que a lei chama de pressupostos, uns positivos, como a “Concordância do arguido e do assistente” [al. a)] e “Ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta responda suficientemente às exigências de prevenção que no caso se façam sentir”, e outros negativos. Estão neste caso a inexistência de condenação ou suspensão provisória do processo, anteriores, por crime da mesma natureza, e não se constatar, no caso, um grau de culpa elevado, nem haver lugar a medida de segurança de internamento.

O nº 2 do preceito enumera, sem prejuízo da imposição de outro comportamento exigido pelo caso [al. m)], um conjunto de injunções, que se podem analisar no pagamento de uma indemnização ao lesado, na entrega de certa quantia ao Estado ou outra Instituição, na prestação dum serviço de interesse público, na obrigação de residir em certo local, ou de frequentar certos programas ou atividades [als. a), b), c), d) e e)]. Quanto às regras de conduta prevêem-se as abstenções de exercer certas profissões, de frequentar certos meios ou lugares, de residir em certos lugares ou regiões, de acompanhar, alojar ou receber certas pessoas, de frequentar certas associações ou participar em determinadas reuniões, de ter em seu poder determinados objetos capazes de facilitar a prática de outro crime [als. f), g), h), i), j) e l)].

Especialmente relevante para o que nos ocupa é o disposto no nº 3 do art. 281º em análise, quando nos diz que:

“Sem prejuízo do disposto no número anterior, tratando-se de crime para o qual esteja legalmente prevista pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, é obrigatoriamente oponível ao arguido a aplicação de injunção de proibição de conduzir veículos com motor”.

A redação deste nº 3 foi introduzida pela Lei 20/2013, de 22 de fevereiro, entrada em vigor a 24 de março seguinte, nada lhe equivalendo antes, no preceito. Na Proposta de Lei nº 77/XII (que está na génese da Lei 20/2013, de 21/2) pugnava-se, com a alteração da redação do art. 281º, nº 1, al. e), do CPP, pela impossibilidade de suspender provisoriamente o processo em caso “de crime doloso para o qual esteja legalmente prevista pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor”. E isto porque, como consta da respetiva exposição de motivos, “a pena acessória de inibição de condução encontra fundamento material na grave censura que merece o exercício da condução em certas condições, cumprindo um importante papel relativamente às necessidades, quer de prevenção especial, quer de prevenção geral de intimidação, o que contribui, em medida significativa, para a consciência cívica dos condutores. A possibilidade legal de suspensão provisória do processo relativamente a este tipo de ilícitos tem esvaziado de conteúdo útil a função da pena acessória de inibição de conduzir e determina disfuncionalidades em face do regime legal aplicável aos casos em que a condução sob o efeito do álcool é sancionada como contraordenação. Importava, assim, alterar o regime vigente, determinando que não pode ter lugar a suspensão provisória do processo relativamente a crimes dolosos para o qual esteja legalmente prevista a pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor».

Esta posição mereceu viva contestação de vários setores, tendo levado a que se optasse por criar uma injunção de conteúdo material equivalente à pena acessória de inibição da faculdade de conduzir, nos termos transcritos, a fim de se não desprezarem as potencialidades que o instituto da suspensão provisória do processo fornece.

3.1.3.  O art. 282º, do CPP prevê, no seu nº 1, o tempo que a suspensão pode durar, e que é, no máximo, de dois anos, salvo estando em causa crimes de violência doméstica não agravados pelo resultado, ou crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor não agravados pelo resultado, em que o limite é de cinco anos.

Também importa ver o que nos diz o nº 4 do art. 282º do CPP, que é apontado repetidamente para apoio da tese afirmativa:

“O processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas [1]:
a) Se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta; ou
b) Se, durante o prazo de suspensão do processo, o arguido cometer crime da mesma natureza pelo qual venha a ser condenado.”

 

3.1.4.  Entre as penas acessórias, o Código Penal (CP) prevê no seu art. 69º a de “Proibição de conduzir veículos com motor”.

Para a duração desta pena estabeleceu-se no nº 1 do preceito um período de três meses a três anos, pena que, segundo as alíneas desse nº 1, se aplica estando em causa crimes de homicídio ou de ofensa à integridade física cometidos no exercício da condução, a utilização de veículo que no caso facilitou a execução do crime de modo relevante, ou ainda havendo crime de desobediência por recusa do agente em se submeter a exames de deteção de condução sob efeito de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos de efeito análogo.

Os nºs 2 a 7 do preceito disciplinam a execução da pena em análise.

Resta aludir ao instituto do desconto previsto nos arts. 80º a 82º do CP, que assenta na regra do nº 1 do primeiro precito segundo a qual “1 - A detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão (…)” .  

3.2.  Jurisprudência sobre o assunto

3.2.1. A jurisprudência encontra-se dividida acerca da questão, sendo claramente maioritária no sentido da tese afirmativa, que coincide portanto com a posição do acórdão recorrido. Distribuem-se estes acórdãos por todos os Tribunais da Relação do país. 

Essa parte da jurisprudência tem entendido, mais ou menos explicitamente, que, sem pretender negar a diferente natureza jurídica da injunção da proibição de conduzir veículos com motor, prevista no art. 281º, nº3, do CPP, e da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor prevista no art. 69º, nº1, do CP, a verdade é que ambas impõem afinal o mesmo comportamento ao arguido - a proibição de conduzir- e ambas acabam por ter um mesmo conteúdo pragmático e funcional. Daí que tal injunção deva ser descontada na pena acessória em que o arguido venha a ser condenado em caso de revogação da suspensão provisória do processo, por uma questão de justiça material.
Mencionaremos, só a título exemplificativo, entre vários outros, o Acórdão da Relação do Porto de 19-11-2014, no Pº 24/13.8GTBGC.P1, o Acórdão da Relação de Lisboa de 15-04-2015, no Pº 734/13.0PARGR.L1-3, o Acórdão da Relação de Coimbra de 26-10-2016, no Pº 159/15.2GTVIS.C1, o Acórdão da Relação de Évora de 21-06-2016, no Pº 28/14.3PTFAR.E1 –, ou o Acórdão da Relação de Guimarães, de 10/10/2016, no Pº 307/13.7GAALJ-G1-.
  

3.2.2. A favor da tese negativa, defende-se o entendimento, segundo o qual,  a injunção a que o arguido se obrigou não lhe foi imposta, nem assumiu o carácter de pena ou sequer de sanção acessória, e que quando o arguido fez a entrega da carta o fez de forma voluntária, no âmbito do cumprimento de uma injunção com que concordou, tendo como finalidade a suspensão provisória do processo, nos termos do disposto no art. 281.º do CPP.

E, de acordo com o preceituado no n.º 4 do art. 282.º do CPP, em caso de incumprimento das injunções e regras de conduta as prestações feitas não podem ser repetidas, como acontece nos termos do art. 56.º, n.º 2, do CP.

Mais entendendo que, a alteração introduzida no n.º 3, do art. 281.º, do CPP, pela Lei n.º 20/2013, de 21/2, que tornou obrigatória essa injunção estando em causa certo tipo de crimes, não veio modificar a voluntariedade na aceitação dos deveres impostos, pressuposto sempre necessário para que haja lugar à suspensão provisória do processo.

Ou seja, apesar de o legislador ter imposto a aplicação da injunção de proibição de conduzir veículos com motor, quando está em causa crime para o qual esteja legalmente prevista pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, tal não significa que não seja necessária a aceitação, de forma voluntária, de uma tal injunção, como afinal de qualquer outra, sob pena de não ser viável a suspensão provisória do processo.

Mais uma vez, exemplificativamente, citar-se-ão os Acórdãos da Relação de Lisboa de 06-06-2013, no Pº 105/10.0CLSB.L1-9–, ou da Relação do Porto, de 13-04-2016, no Pº 471/13.5GBFLG.P1.    

 

3.3.  Posição adotada

A questão de direito que sobre a qual se revela oposição, importa afirmá-lo, não se resolve pela opção entre uma interpretação, ou outra, de uma ou mais normas jurídicas, a começar, no caso, pelo art. 281º, nº 3 do CPP. Isto porque, nenhuma controvérsia surgiu quanto à interpretação de quaisquer normas, em si.

É que, como bem apontou o MP, na conclusão 18ª da sua motivação, o desconto do tempo de proibição de conduzir veículos com motor, resultado da injunção, na pena acessória que vier a ser aplicada, desconto caro à tese afirmativa, pressupõe, necessariamente, o recurso à analogia. De facto, nenhuma norma prevê esse desconto, e tal analogia só poderia ser feita, aliás, com o que dispõe o art. 80º, nº 1, do CP, que se acaba de transcrever, na parte que interessa.

3.3.1. Para além da disciplina geral relativa à integração das lacunas da lei, do art. 10º do Código Civil [2], o art. 4º do CPP, trata da “Integração de lacunas”, no âmbito processual penal e diz-nos que “Nos casos omissos, quando as disposições deste Código não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal”.

A primeira tarefa que importa levar a cabo é, pois, a de saber se se está perante um caso omisso. Portanto, se existe uma verdadeira lacuna do processo penal.

Ora, como a seu tempo nos disse Karl Larenz, “o conceito de «lacuna da lei» não assinala, por certo, o limite do possível e admissível desenvolvimento do Direito em absoluto, mas antes o limite de um desenvolvimento do Direito imanente à lei, que se mantém vinculado à intenção reguladora, ao plano e à teleologia imanente à lei” [3].

A inexistência de regra para determinada configuração do caso não revela por si uma lacuna. “Silêncio da lei” não é igual a lacuna, porque há, nas palavras do autor referido “silêncios eloquentes” [4].

Uma distinção que a doutrina tem acolhido, passa pela diferença entre lacunas da lei, ou próprias, e lacunas chamadas teleológicas.

No primeiro caso, estará em causa uma norma que “não pode ser aplicada sem que acresça uma nova determinação que a lei não contém” [5]. Não é manifestamente o caso, porque a   norma que impõe a injunção de proibição de conduzir veículos com motor, o nº 3 do art. 281º do CPP, pode ser aplicada sem depender de um desconto de tempo, na pena acessória que eventualmente venha a ser aplicada em ulterior condenação.

Nas lacunas teleológicas a sua deteção resulta da eleição “do escopo visado pelo legislador, ou seja, do ratio legis de uma norma, ou da teleologia imanente a um complexo normativo” [6] 

Fala-se então de uma incompletude do sistema normativo que contraria o plano deste, de tal modo que não seja possível encontrar motivo relevante, para que a disciplina consagrada de facto, na lei, para certo tipo de casos (que aqui seria o desconto do tempo de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação na pena de prisão, do art. 80º, nº 1 do CPP), não deva ser aplicável a outros. A saber, o do desconto do tempo da injunção, no tempo da pena acessória que vier a ser aplicada.

Ora, para este tipo de lacuna, o método do seu preenchimento é o mesmo que importa usar para a sua descoberta, sem que se trate, forçosamente, da mesma operação.

Concretamente, recorrendo-se à analogia.

Socorrendo-nos do comando do nº 2 do art. 10º do Código Civil, segundo o qual “Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei”, do que se trata é então de saber, se procede ou não aqui o argumento de paridade ou maioria de razão, para que haja desconto, em ambas as situações.

3.3.2. Adiantamos já que nos parece de perfilhar uma resposta negativa a esta questão, porque a indispensável similitude de situações, a nosso ver, não existe no caso.

Tentar demonstrá-lo passa forçosamente, em primeiro lugar, pelo rebatimento dos argumentos apresentados pela tese afirmativa, e pelo acolhimento dos que confortam a tese negativa, podendo ser aduzidos outros que tenham relevância para a discussão.

Vejamos pois se a falta de previsão do desconto do tempo da injunção “nos cai mal” [7], e, na afirmativa, por haver uma verdadeira lacuna da lei, ou por descobrirmos tão só uma lacuna teleológica, “político-jurídica”, “lacuna crítica”, “lacuna imprópria” ou “de lege ferenda”.

3.3.2.1. O primeiro ponto a abordar, será o de saber se a tese negativa viola o princípio “ne bis in idem”, como se disse no acórdão recorrido (supra, 2.1.), depois de considerar que a injunção da proibição de conduzir veículos com motor é inequivocamente uma verdadeira pena, de execução efetiva, de tal modo que até nos casos de suspensão provisória do processo a mesma terá quer ser imposta.

Aqui, são convocadas as seguintes questões: a da natureza da injunção, assimilável ou não a uma pena, qual a relevância do facto de ser imposta, e por fim a da violação do princípio “ne bis in idem”.

a) Começando por este último ponto, diremos que o art. 29º, nº 5 da CR, atrás transcrito (supra 3.1.1.), proíbe o duplo julgamento pelo mesmo crime, o que implica que, pelo mesmo crime não possa haver absolvições e condenações ou só condenações que se sucedam.  

Mas o princípio apenas proíbe a dupla condenação penal, sendo compatível com a condenação simultânea numa pena criminal e numa contraordenação ou sanção disciplinar, pelos mesmos factos. Estranho seria que já não fosse compatível com uma medida processual como é, adiante se verá melhor, a injunção.

Depois, só haveria duplo julgamento se a suspensão provisória do processo correspondesse a um julgamento e a injunção a uma pena. Ora, não só as fases preliminares do processo, em que se inclui o inquérito, não se confundem com a de julgamento, na sua conformação e razão de ser, como o despacho de suspensão, enquanto encerramento do inquérito, não tem que ver com a sentença, seja ela condenatória ou absolutória. Tudo isto se nos afigura claro.

 

b) Sabe-se que a reforma do nosso processo penal introduzida com o Código de 1987, inovou, entre outros aspetos, inscrevendo “todo o universo processual num sistema de coordenadas definido por um eixo horizontal e outro vertical” [8]. E, quanto ao primeiro, deu-se especial relevância à distinção entre criminalidade grave e pequena criminalidade, reservando para esta reações que se valem da “oportunidade, diversão, informalidade, consenso, celeridade”. O legislador fez questão de dizer que, em termos de política criminal, se identifica como resposta relevante, a este desiderato, para além do processo sumaríssimo, a possibilidade de suspensão provisória do processo com injunções e regras de conduta.

Quanto ao segundo eixo, estabeleceu-se uma fronteira entre o que o Preâmbulo do Código chama “espaços de consenso” e “espaços de conflito”, no processo penal. Quanto àqueles, passaram a poder ver-se, no processo, “situações em que a busca de consenso, da pacificação e da reafirmação estabilizadora da norma assente na reconciliação, vale como um imperativo ético-jurídico”. Ora, a seguir, exemplifica-se com “o acordo de vários sujeitos processuais como pressuposto de institutos como o da suspensão provisória do processo”, enquanto concretização daquele espaço de consenso.

A imposição, com o correlativo acatamento, de injunções e regras de conduta, surge pois como manifestação de anuência, sendo indiferente, na perspetiva do arguido, que a fonte da injunção seja uma escolha do MP ou a lei. Em qualquer dos casos estamos perante condições "sine qua non" da suspensão, que podem ou não ser aceites pelo arguido e, naquele caso, se lhe impõem.

Diferentemente se passam as coisas com a condenação surgida na sequência de um julgamento, porque ser algo a que o arguido não pode fugir. Tal como, já não tinha dependido de si, a detenção ou a escolha da medida de coação privativa de liberdade antes aplicada.

Quanto à confluência do acordo do juiz de instrução, para ser possível a suspensão, por certo que não é tal confluência que faz da suspensão um ato de julgamento, quer em sentido material quer formal. Surge, simplesmente, pelo facto de as injunções e regras de conduta poderem contender com os direitos fundamentais do arguido, e por, na perspetiva do Tribunal Constitucional (TC), dever o juiz fiscalizar a legalidade da opção do MP encerrar o inquérito por essa via [9].

Serve para dizer que o curso do processo antes considerado padrão (instrução, acusação, julgamento), pode ser alterado, evitando-se a fase de julgamento, típica dos espaços de conflito. Exatamente nos casos em que, pese embora estarem reunidas provas da responsabilidade do arguido [10], as finalidades que a justiça penal se propõe alcançar não se mostrem prejudicadas pela falta da condenação. Tudo com as vantagens de se subtrair o arguido ao estigma do julgamento, de se obter maior celeridade na solução do caso e se lograr uma pacificação social, fruto do acordo, não só do arguido e do juiz de instrução, como também do assistente. 

c) A suspensão do processo resulta de critérios que são de "legalidade aberta" ou de "oportunidade regrada", a que o MP lança mão, sendo ele, e não o juiz, que decide da sua utilização. Ora, o facto de a opção pela suspensão do processo ser do MP e a escolha das injunções e regras de conduta serem do mesmo MP, só por si, impede que se esteja qui a falar de sanções penais, designadamente de penas. Não fora assim, cair-se-ia em grosseira inconstitucionalidade, tendo em conta o que dispõe o  art. 202º, nº 1 da CR [11].

No dizer de Maia Costa "Trata-se de medidas que impõem deveres (positivos ou negativos) ao arguido como condição da suspensão, sendo a sua aceitação por parte deste necessário para a suspensão" [12].

 Para Anabela Rodrigues, as injunções e regras de conduta, sem terem a natureza de pena ou sanção penal, inscrevem-se "na linha de medidas que visam alertar o arguido para a validade da ordem jurídica e despertar nele o sentimento de fidelidade ao direito" [13].

Também Germano Marques da Silva e Paulo Pinto de Albuquerque afastam a natureza de sanção penal das injunções aqui em apreço [14].

O facto de se tratar de medidas processuais que impõem atos ou condutas, ativos ou passivos e não de penas (nem sequer "encapotadas") [15], não obsta a que condicionem a normal atividade do arguido ou representem para ele um sacrifício. A suspensão é, apesar de tudo, uma reação ao crime cometido, integrada no sistema repressivo penal. Numa linha de "diversão" [16], têm que se ter no horizonte, sempre, a prevenção geral e especial.

Porque a injunção ou regra de conduta não são penas, é que o arguido continuará a presumir-se inocente, e nunca se poderá considerar a aceitação da suspensão, como uma confissão sua.

d) A utilidade que o disposto no art. 282º, nº 4, do CPP (vide supra 3.1.3.), pode ter para a discussão em curso, nunca abonaria a tese afirmativa, mas também se não mostra indiferente para a questão. Pelo contrário, aponta claramente para a tese negativa. Vejamos porquê.

A opção pela suspensão do processo e sua aceitação é uma aposta no consenso entre os sujeitos do processo, uma pacificação entre arguido e assistente, que tem o sentido da reconciliação do agente do crime com a ordem jurídico-penal. Ora, o não cumprimento das injunções ou regras de conduta que o arguido aceitou, ou o cometimento de crime da mesma natureza no período da suspensão, pelo qual venha a ser condenado, são a revelação de que a aludida aposta falhou. Afinal, o arguido revela-se ainda, indireta ou diretamente, desrespeitador dos bens jurídico-penais e, nessa medida, um cidadão que continua a incidir negativamente na ordem social.

Ora, porque o falhanço referido se deve só ao arguido, entendeu a lei que "as prestações feitas não podem ser repetidas".

É evidente que as prestações em causa dirão respeito, antes do mais, às injunções das als. a) e c), do nº 2,  do art. 281º, do CPP, e não à do nº 3 do preceito, relativa à proibição de conduzir veículos com motor. Só que, a razão de ser da impossibilidade, de repetição das prestações feitas, tem que ter consequências equivalentes, no tocante ao tempo de proibição de conduzir cumprido.

Foi dada uma oportunidade ao arguido de se subtrair a um julgamento e a uma pena criminal, com a suspensão. Houve um acordo que o arguido violou, e assim sendo, o legislador não quis que as consequências de uma oportunidade perdida, só da responsabilidade do arguido, se reduzissem à prossecução do processo com uma acusação e um julgamento. Pretendeu também que o que tenha havido de cumprimento do acordo, que levou à suspensão, não redundasse em benefício do arguido, como se não tivesse havido nenhuma suspensão e o seu falhanço.

Dir-se-ia então que, a recorrer-se no caso a qualquer analogia, ela levaria a um raciocínio por paridade de razão do seguinte teor: pela mesma razão porque as prestações feitas não podem ser repetidas, também o tempo de proibição de conduzir não poderá ser tido em conta.

e) E chegou o momento da abordarmos o instituto do desconto da prisão preventiva e outras privações de liberdade, do art. 80º e segs. do CP, para o distanciarmos situação que agora aqui se discute.

 É que, se naquele caso a lei quis o desconto e o previu expressamente, aqui não só o não previu e nada impedia que o tivesse feito (simultaneamente com a nova redação dada ao nº 3 do art. 281º, do CPP, com a lei 20/2013. de 21 de fevereiro), como manteve a indicação de que o arguido não tiraria benefício, do falhanço de uma suspensão que só a si é imputável. Essa indicação revela-se, já se viu, na impossibilidade de repetição das prestações feitas.

A explicação para que a prisão preventiva ou privações de liberdade que a lei lhe equipara, sejam descontadas na pena da condenação, assenta em "imperativos de justiça material" [17].

Descontam-se aquelas medidas nas penas, pese embora a diferença de natureza e razão de de ser de ambas. Temos de um lado, na verdade, medidas processuais cautelares e não penas antecipadas, e do outro verdadeiras penas. Mas, porque medidas e penas se traduzem num sacrifício análogo, e resultam todas da prática do crime que integra (ou deveria ter integrado), o mesmo processo, daí o desconto.

Claro que esses imperativos de justiça material nem sempre foram os mesmos que são hoje, e quer o CP de 1886, quer o CPP de 1929 fizeram depender o desconto, ou a medida do desconto, da gravidade da pena aplicada.

De qualquer modo, o que interessa aqui apontar é que tais razões de justiça material não são transponíveis, sem mais, do desconto da prisão preventiva (e medidas equiparadas), na pena da condenação, para o desconto do tempo de proibição de conduzir da injunção, no tempo da pena acessória de inibição da faculdade de conduzir. E as razões já foram abordadas.

Em primeiro lugar, de um lado temos a imposição de medidas cautelares a que o arguido foi alheio, e do outro a aceitação por parte deste da suspensão, que inclui a aceitação da injunção de não conduzir veículo automóvel.

Também a imposição de uma pena principal resultado da condenação, foi algo a que o arguido não pôde fugir, distanciando-se da aplicação da pena acessória de inibição da faculdade de conduzir, na medida em que o arguido poderia ter evitado esta, se não tivesse inviabilizado o sucesso da suspensão.

Finalmente, não é indiferente, prosseguindo imperativos de justiça material, estar em causa o sofrimento causado por uma prisão, ou a limitação de não poder conduzir. Trata-se de sacrifícios dificilmente equiparáveis.

Por todo o exposto se entende não estarem, no caso, preenchidos, os pressupostos de que depende a configuração de uma lacuna da lei, que se preencheria com recurso à analogia, e por isso se acorda, no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, em revogar o acórdão recorrido e fixar jurisprudência nos seguintes termos:

Tendo sido acordada a suspensão provisoria do processo, nos termos do art. 281º do Código de Processo Penal, com a injunção da proibição da condução de veículo automóvel, prevista no nº 3 do preceito, caso aquela suspensão termine, prosseguindo o processo, ao abrigo do nº 4, do art. 282º, do mesmo Código, o tempo em que o arguido esteve privado da carta de condução não deve ser descontado, no tempo da pena acessória de inibição da faculdade de conduzir, aplicada na sentença condenatória que venha a ter lugar.

O acórdão recorrido deverá ser substituído por outro que aplique a jurisprudência fixada.

Sem custas em face da procedência do recurso e por o recorrente ser o Ministério Público.

       Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 4 de Maio de 2017

Souto de Moura (relator)
Isabel Pais Martins
Manuel Braz
Isabel São Marcos
Helena Moniz
Nuno Gomes da Silva
Francisco Caetano
Manuel Augusto de Matos
Santos Carvalho
Santos Cabral
Oliveira Mendes
Pires da Graça (vencido)
Raul Borges (vencido)
Rosa Tching (vencida)
Henriques Gaspar (Presidente)

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[1] "Repetir" tem no contexto o sentido de "pedir para trás", "pedir a devolução", "restituir", "devolver", usado, por exemplo, no art. 476º do Código Civil, epigrafado "Repetição do indevido". Não tem o significado de "fazer ou dizer de novo".
A doutrina vem assimilando esta disciplina à da revogação da suspensão da pena prevista no art. 56º, nº 2, do CP, em que se proíbe que o condenado possa exigir a restituição das prestações que haja efetuado. Cf. Maia Gonçalves in "Código de Processo Penal Anotado e Comentado", na 15ª Edição, pág. 568, ou P.P. Albuquerque, in "Comentário do Código de Processo Penal", 4ª Edição, pág. 768.
[2] "1. Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.
2. Há analogia sempre que no acaso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.
3. Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema."
 
[3] In “Metodologia da Ciência do Direito”, Fundação Calouste Gulbenkian, 3ª Edição, pág. 524.
Este autor aceita, ao lado de “direito imanente à lei”, para casos excepcionais, um “direito superador da lei”, certo que as situações elencadas que o poderiam justificar não se mostram aplicáveis ao nosso caso (vide ob. cit. págs. 588 e segs.).

[4] Idem, pág. 525

[5] Cf. J. Baptista Machado, in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, 1983, pág. 195.
Por certo que a realização prática da injunção da proibição de conduzir, a partir do momento em que a lei a introduziu de facto, e de modo obrigatório para certas situações, tem que se socorrer analogicamente do disposto no art. 69º do CP.
Mas claro que esta questão nada tem a ver com o recurso à analogia (nessa altura com o art. 80º e segs. do CPP), para se saber se há desconto na pena acessória de inibição da faculdade de conduzir.

[6] Idem, pág.196.

[7] Esta e as que se seguem são expressões de Karl Engish, in “Introdução ao Pensamento Jurídico”, Fundação Calouste Gulbenkian, 7ª Edição, pág. 281.


[8] Do Preâmbulo, III, 6, que neste ponto citaremos.
[9] A intervenção do juiz de instrução não estava prevista no projeto do CPP e foi requerida pelo TC no seu Acórdão 7/87, Diário da República, Iª Série, nº 33 de 9/2/1987, em sede de fiscalização preventiva. Mas, a constitucionalidade da norma não mais foi posta em causa, afastando-se uma hipotética violação do princípio de independência dos tribunais ou do princípio da reserva da função jurisdicional, devido ao relevo do papel do MP, aqui.

[10] Se o arguido cumprir as injunções e regras de conduta o MP arquiva o processo não podendo reabri-lo (art. 282º, nº 3 do CPP), e se não as cumprir o MP deduz acusação.

[11] Que é do seguinte teor: "Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados"

[12] Cf. Henriques Gaspar et alteri,  in "Código de Processo Penal Comentado", Almedina, 2ª Edição, págs. 939 e 940. 

[13] Cf. "O inquérito no novo Código de Processo Penal", in "O Novo Código de Processo Penal. Jornadas de Direito Processual Penal", Almedina, 1988, pág. 75.

[14] Cf. "Curso de Processo Penal", III, Verbo, pág. 116 e "Comentário do Código de Processo Penal, 4ª Edição, pág. 764, respetivamente.

[15] A expressão é de P. P. Albuquerque (ob loc. citados).

[16] A "diversão" penal significa, como se sabe, "divergência" em relação à reação penal clássica, e assenta na opção pelo consenso e pacificação aludidos, tudo a reclamar uma intervenção mais reduzida do Estado.
[17] Cf. Figueiredo Dias, in ""Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime", Coimbra Editora, 2ª Edição, pág. 434, ou Germano Marques da Silva, in "Direito Penal Português", III, Verbo, pág. 176.




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