Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4053/15.9T8CSC.L1.S2
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Data do Acordão: 11/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / SUJEITOS / CAPACIDADE / CLÁUSULAS ACESSÓRIAS / TERMO / VICISSITUDES CONTRATUAIS / REDUÇÃO DA ACTIVIDADE E SUSPENSÃO DO CONTRATO.
Doutrina:
- BLANDINE ALLIX, Salariés et réseaux sociaux, Revue de Jurisprudence Sociale 2015, p. 443 e ss. e 447;
- FRANCESCA IAQUINTA/ALESSANDRA INGRAO, Il datore di lavoro e l’inganno di Facebook, Rivista Italiana di Diritto del Lavoro 2015, parte II, p. 82 e ss.;
- GRÉGOIRE LOISEAU, La liberté d’expression du salarié, Revue de Droit du Travail 2014, p. 396 e ss.;
- GÜNTHER WIESE, Internet und Meinungsfreiheit des Arbeitgebers, Arbeitnehmers und Betriebsrat, Neue Zeitschrift für Arbeitsrecht 2012, p. 1 e ss.;
- JEAN MOULY, Fait de la vie personnelle: pas de licenciement disciplinaire, Anotação a Cass. Soc. 9 mars 2011, JCP, La Semaine Juridique, Édition Sociale 2011, n.º 19, 1230, p. 24 e ss.;
- LAURÈNE GRATTON, Liberté d’expression et devoir de loyauté du salarié, une cohabitation délicate, Droit Social 2016, p. 4 e ss.;
- MICHAEL FUHLROTT/SÖNKE OLTMANNS, Social Media im Arbeitsverhältnis – Der schmale Grat zwischen Meinungsfreiheit und Pflichtverletzung, NZA 2016, p. 785 e ss.;
- MICHAEL KORT, Kündigungsrechtliche Fragen bei Äusserungen des Arbeitnehmers im Internet, Neue Zeitschrift für Arbeitsrecht 2012, p. 1321 e ss.;
- MUSTAPHA AFROUKH, La hiérarchie des droits et libertés dans la jurisprudence de la Cour européenne des droits de l’homme, Bruylant, Bruxelles, 2011, p. 235.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 14.º, 128.º, N.º 1, ALÍNEA A), 330.º, N.º 1 E 351.º, N.º 3.
Legislação Comunitária:
CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA EU: - ARTIGO 11.º.
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO EUROPEIA DE SALVAGUARDA DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS: - ARTIGO 10.º.

PACTO INTERNACIONAL RELATIVO AOS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS: - ARTIGO 19.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 13-04-2011, PROCESSO N.º 622/06.6TTBCL.P1.S1.
Jurisprudência Internacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA (TJUE):

- DE 03-02-2009, N.º 42, WOMEN ON WAVES E OUTROS C. PORTUGAL, QUEIXA N.º 31276/03.
Sumário :
I. O trabalhador goza tanto no âmbito da empresa, como fora dele, de liberdade de expressão, ainda que tal liberdade não seja ilimitada, havendo que atender aos deveres de respeito, urbanidade e probidade;

II. Na aferição da gravidade de afirmações ofensivas para um administrador há que ponderar as circunstâncias concretas do caso, como sejam, o facto de tais afirmações serem proferidas no Facebook pelo trabalhador em momento de indignação e sem identificar o seu empregador e a ausência de danos graves para o empregador.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

Relatório

AA interpôs ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra o seu empregador, BB Airlines, S.A., ação que foi julgada improcedente por sentença que absolveu o Réu de todos os pedidos contra este formulados.

Inconformado, o Autor interpôs reclamação e recurso, mas os mesmos foram rejeitados por extemporâneos pelo Relator. Reclamou, então, para a conferência do despacho do Relator, tendo sido proferido Acórdão que, por maioria, julgou a reclamação improcedente e confirmou o despacho recorrido.

Novamente inconformado o Autor recorreu do referido Acórdão, pedindo que fosse proferida decisão que determinasse a apreciação, em sede de matéria de facto e de direito, do recurso apresentado junto do Tribunal da Relação de Lisboa ou, pelo menos, que o recurso fosse apreciado em matéria de direito.

Foi proferido, por este Tribunal Acórdão que concedeu parcialmente a Revista, admitindo o recurso em matéria de direito, “devendo o Tribunal da Relação tomar conhecimento desse segmento do recurso”.

 Em conformidade, o Tribunal da Relação conheceu o recurso em matéria de direito e proferiu, por maioria, Acórdão, negando provimento à apelação e mantendo a sentença recorrida.

O Autor, novamente inconformado, interpôs recurso de revista com as seguintes Conclusões:

“ – O processo disciplinar que conduziu ao despedimento do Recorrente, referia dois processos judiciais de índole criminal, que correu [sic] termos no Tribunal da Relação de Lisboa, 3a Secção, o Processo n.º 95/15.2PEPDL.Ll, provindo do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste Cascais - Juízo de Instrução Criminal - Juiz 1. e o Processo n.º 1111l/16.6T9PDL, Comarca de Lisboa Oeste, Juízo de Instrução Criminal de Cascais - 2a Seção, respetivamente;

– Relativamente ao primeiro processo-crime movido pela entidade patronal/Recorrida, o trabalhador/Recorrente, foi proferido um despacho de não pronúncia, o qual foi confirmado pelo Tribunal da Relação de Lisboa;

– No que tange ao segundo processo, movido pelo administrador CC, ao trabalhador/Recorrente foi proferido um despacho de não pronúncia e não houve recurso do mesmo;

– Estas decisões judiciais são posteriores à entrada do Recurso Laboral;

– S.m.o., se as presentes decisões judiciais criminais fossem prévias às decisões criminais, crê o Recorrente, que outro seria o desfecho final do processo laboral;

– O processo disciplinar que esteve na base do despedimento do Recorrente, mencionava um conjunto de imputações que naufragaram, atenta a fragilidade da sua factualidade, sobrando o post no facebook;

– Recorta-se do Douto Acórdão do Tribunal da Relação no ponto 2. As questões jurídicas da Apelação (página 14). O post - "(…)";

– Não se encontra mencionado o nome de qualquer administrador. Não se encontra qualquer referência feita a empresa, pelo que, não podem os tribunais inferiores, inferirem que o post seja dirigido especificamente a alguém em concreto ou a uma empresa específica;

– O comandante de um avião é a sua autoridade máxima, encontrando-se os demais passageiros num plano de igualdade perante aquele;

– O quadro anterior em que trabalhador responde ao administrador - que no voo o administrador era um passageiro igual a todos os outros, - é expressão da verdade, o CCO/administrador é efetivamente um passageiro igual aos demais perante o comandante da aeronave;

– Perante o exposto, não se verificou pelo Recorrente qualquer violação dos deveres e outras obrigações a que alude o art. 128.º/1 CT, e que se encontram elencadas nas diversas alíneas, designadamente o art. 128.º/1, al. a) CT, - o dever de respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade;

– Consequente, não se mostram preenchidos os requisitos da justa causa de despedimento, art. 351.º/1 CT, ou seja, não se verificou um comportamento culposo do trabalhador/ Recorrente, que pela sua gravidade e consequências, tenha tornado de imediato e praticamente impossível a subsistência da relação laboral;

– Razão pela qual, a sanção aplicada ao trabalhador/Recorrente foi manifestamente abusiva e o seu despedimento ilícito, tanto mais, que o Empregador podia, eventualmente, socorrer-se de uma outra sanção mais leve, das que se encontram previstas no art. 328.º CT;

– De todo exposto, recorta-se do voto vencido: “… o conjunto de factos que fundamentam o despedimento, e aqueles que subsistem (...) a publicação do post, entendo que o comportamento sendo censurável, não justifica a sanção aplicada.

Disposições violadas: art.º 128.º/1, art.º 351.º/1., al. a) e n.º 3 e art.º 328.º, todos do CT.”

E rematava pedindo que o recurso fosse julgado procedente e fosse proferida decisão que condenasse “a entidade patronal/ Recorrida nos precisos termos peticionados pelo trabalhador”.

Fundamentação

De Facto

Foram os seguintes os factos provados nas instâncias:

1.     AA (trabalhador) foi admitido ao serviço da BB, S.A. no dia ...de … de …;

2.     Detinha a categoria profissional de piloto comandante;

3.     Incumbiam-lhe as seguintes funções: 'Tripulante devidamente qualificado pela autoridade aeronáutica competente para o exercício das funções de comando de aeronaves. No desempenho das funções de comando de uma aeronave será responsável perante a empresa pelas operações técnica, administrativa e comercial. A responsabilidade inerente ao exercício do comando de uma aeronave abrange igualmente:

4.     A segurança e integridade dos passageiros, restantes tripulantes, carga e equipamento durante o voo.

5.     O cumprimento de regulamentos internacionais, nacionais e das normas internas da Empresa.
6.     A representação desta, quer em território nacional quer no estrangeiro, sempre que no local onde se encontre não exista representante legal da mesma.
7.     A tomada de decisão sobre o conjunto de acções e decisões necessárias à execução de voo, tais como: o conhecimento prévio, ou durante o voo, das informações operacionais pertinentes, a manipulação dos comandos do avião nas várias fases do voo (pilotagem), a utilização dos equipamentos, nomeadamente radioeléctricos e electrónicos de comunicação e navegação, o controle (através do chefe de cabine) do nível de assistência a passageiros, qualquer alteração às rotinas ou normas operacionais estabelecidas sempre que as circunstâncias o exijam e justifiquem.
8.     O exercício de poderes de direcção sobre todos os membros da sua tripulação, entendendo-se por poderes de direcção os de prever, organizar, autorizar e controlar;
9.     Para além destas funções, o trabalhador foi nomeado, em 2009, para exercer na BB, as funções de auditor de monitorização da conformidade;
10.     Exercendo nesta conformidade e em consequência, as funções constantes do manual de funções, designadamente
11.     Preparar todo o processo preliminar de uma auditoria;
12.     Executar inspeções ou auditorias de Monitorização de Conformidade;
13.     Elaborar relatórios de Auditorias e submeter o mesmo ao gestor da Monitorização da Conformidade para parecer;
14.     Auferindo nessa qualidade um subsídio no montante de € 700,00 por mês;
15.     No dia …, o trabalhador desempenhou as funções de comandante do voo ..., de … para ….;
16.     O voo tinha hora prevista de descolagem às 16h;
17.     Ao chegar à aeronave, o trabalhador constatou que a mesma estava a ser alvo de uma intervenção pelos serviços da manutenção;
18.     O trabalhador verificou que existia uma avaria no painel de instrumentos;
19.     Painel que serve para aproximações de precisão;
20.     A janela que indica '-3.0', não fornecia quaisquer dados, privando o comandante do alerta/aviso necessário às aproximações de baixa visibilidade;
21.     O trabalhador aguardou, então, até que os serviços de manutenção concluíssem a sua intervenção e dessem a aeronave como apta para voar;
22.     O trabalhador chamou os serviços de manutenção que o informaram que iriam requisitar um painel de substituição à TAP, o qual poderia demorar algum tempo a chegar, considerando que tinha de ser obtido junto de área de armazenagem;
23.     O trabalhador foi questionado pelo departamento de operações de voo da empresa, entidade empregadora, sobre a razão do atraso no voo ...;
24.     Isto porque, o CCO - Centro de Coordenação Operacional - havia entretanto contactado com tal departamento de operações da empresa, na sequência do contacto de um administrador da entidade empregadora, que se encontraria a bordo, e queria saber a que se devia o atraso;
25.     Na sua qualidade de comandante de voo, o trabalhador respondeu ao departamento de operações da empresa, da empregadora que já tinha comunicado a razão do atraso e que aguardava a resolução da intervenção técnica solicitada;
26.     Enquanto o ora trabalhador prestava tais esclarecimentos, o mecânico que se encontrava a bordo da aeronave a proceder à intervenção técnica solicitada de substituição do painel de instrumentos, foi contactado telefonicamente pela respectiva chefia;
27.     Tal chefia (do supra referido mecânico), na sequência de um contacto do CCO – Centro de Coordenação Operacional –, questionou o mecânico sobre a documentação em falta, e o porquê da aeronave não prosseguir para o seu destino;
28.     O mecânico informou a respectiva chefia que se estava a aguardar a chegada de um painel e, logo que o mesmo chegasse e fosse substituído, instalado e conferido o seu adequado funcionamento, a aeronave seria declarada apta para realizar o voo S...;
29.     Nesse voo seguia também CC;
30.     CC era então vogal do conselho de administração;
31.     Após os passageiros se encontrarem dentro do autocarro que os conduziria ao avião, terem sido solicitados para sair do mesmo, tendo regressando à entrada da porta de embarque, CC contactou telefonicamente a chefe de escala do aeroporto de Lisboa, DD, questionando o motivo do atraso;
32.     CC ocupou o lugar 1 da fila A:
33.     Cerca de 30 minutos após os passageiros se encontrarem todos dentro da aeronave, o trabalhador, na qualidade de comandante do voo, efetuou um anúncio a comunicar que o atraso do voo se devia a razões técnicas;
34.     Os membros do conselho de administração da empregadora não figuravam na lista VIP de passageiros (Entidades Oficiais – por exemplo, Presidente da Região Autónoma, Presidente da Assembleia Regional, Ministro para a República), fornecida pela empresa, i.e., que sejam credores de tratamento específico;
35.     No decurso da referida comunicação, o trabalhador identificou-se como comandante e não pelo nome próprio;
36.     A empregadora não tinha em vigor qualquer manual de discursos padronizados para o cockpit, designadamente para as comunicações do comandante, e que incluísse a identificação com nome próprio;
37.     Em face da explicação dada, CC contactou o CCO (Coordenação e Controlo Operacional), na pessoa do trabalhador EE, e pediu para ser informado do que se estava a passar;
38.     O CCO ligou para o departamento de operações da empresa, para FF, questionando se tinham hora estimada de partida do voo;
39.     Como as operações também não sabiam a que horas descolava o voo, EE pediu à trabalhadora das operações, FF, que entrasse em contacto com o trabalhador, para lhe perguntar se ele sabia a hora estimada de partida do voo, tendo em consideração que havia um membro da administração a bordo do voo, e que este queria saber;
40.     FF replicou: “sabem quem é o comandante?”;
41.     EE insistiu por informação quanto à hora prevista de descolagem;
42.     Passado pouco tempo, a trabalhadora FF contactou o EE, transmitindo-lhe as informações que lhe foram dadas pelo trabalhador: que era um problema de manutenção que tinha de ser resolvido, que não tinha previsões de descolagem, e que o administrador era um passageiro como outro qualquer;
43.     O CCO, desta vez na pessoa do trabalhador GG, informou então CC que o atraso se devia a questões de manutenção, nomeadamente, um painel no cockpit que não estava conforme, apesar de a manutenção ter proposto um despacho por MEL (Minimum Equipment List);
44.     MEL é a lista de equipamento mínimo do operador, aprovada pelo INAC, I.P. (actualmente ANAC), que deve refletir os níveis de redundância dos sistemas essenciais ao suporte das operações de 180 minutos, incluindo uma margem de segurança adicional para além dos 180 minutos;
45.     MEL (Lista de Equipamento Mínimo) é, por definição, uma lista que estabelece, para a operação de aeronaves, de acordo com condições específicas, determinados equipamentos inoperantes, sendo elaborada por um operador em conformidade com a MMEL ou com requisitos mais restritivos, e criada para cada tipo de aeronave;
46.     MMEL – Lista de Equipamento Mínimo de Referência (MMEL) – é uma lista elaborada para um determinado tipo de aeronave pela organização responsável pela sua conceção de acordo com a aprovação do Estado de conceção que identifica os equipamentos que podem estar individualmente inoperantes no início de um voo. A MMEL pode estar associada a condições, limitações ou procedimentos especiais de operação;
47.     O trabalhador transmitiu que não iria efectuar o voo por despacho MEL, e que a manutenção teria de substituir a referida peça;
48.     Mais informou o CCO que o atraso não se devia a questões de legalidade da operação;
49.     Perante tal sequência de contactos, o trabalhador chamou o chefe de cabine do referido voo, a quem questionou, se sabia quem era o elemento da administração que se encontrava a bordo e qual o lugar que ocupava na aeronave;
50.     Um avião não pode ser despachado, com múltiplos itens MEL/CDL, sem o comandante, primeiro, ter determinado que alguma relação dos sistemas inoperativos ou componentes não possa resultar na degradação dos níveis de segurança e/ou numa indevida sobrecarga de trabalho para a tripulação;
51.     É política internacional da BB envidar todos os esforços para manter a navegabilidade a 100%, devendo a rectificação ser iniciada logo que for prático;
52.     No que tange a procedimentos e responsabilidades, quanto à tripulação de voo — a tripulação tem que consultar a caderneta técnica do avião, as acções correctivas de avarias anteriores assim como, o tipo de serviço realizado e a certificação de aeronavegabilidade, quando requerido;
53.     No que diz respeito à aceitação da caderneta técnica do avião, antes do início do voo, a caderneta técnica deve estar preenchida pelo mecânico, que irá registar, itens como combustível a bordo e confirmar a aptidão do avião para o serviço, declarando as condições de despacho (CAT I,II ou III, RVSM e ETOPS quando aplicável);
54.     No campo do critério para despacho, a decisão do comandante do voo de ter itens autorizados inoperativos corrigidos antes do voo, tem precedência sobre as disposições contidas no MEL;
55.     Deverá ser enquadrada e contextualizada com as normas da BB, a saber: “Operations Manual”, Part.,A-8.6, “É política da BB, que seja feito todo o esforço para manter 100% de operacionalidade, com as reparações a serem efectuadas na primeira oportunidade. Um avião não deve ser despachado, com múltiplos itens do MEL/CDL, sem o Comandante primeiro ter determinado que alguma relação dos sistemas inoperativos ou componentes, não possa resultar na degradação dos níveis de segurança e/ou numa indevida sobrecarga de trabalho para a tripulação”. “Operations Manual”, Part.A-8.1.11, pág.4 8.1.11.2.2. Procedimentos e responsabilidades, Tripulação de Voo: A tripulação tem que consultar na Caderneta Técnica do Avião, as ações corretivas de avarias anteriores, assim como o tipo de serviço realizado e a certificação de aeronavegabilidade, quando requerido. Nesta altura, os autocolantes/placards do avião devem ser revistos de acordo com o MEL. Se os requisitos de aeronavegabildade do MEL, não estiverem satisfeitos, ele deve requerer a correção desta condição. 8.1.11.2.3. Aceitação da Caderneta Técnica do Avião 1. Geral “Antes do início do voo, a Caderneta Técnica deve estar preenchida pelo Mecânico, que irá registar, itens como combustível a bordo e confirmar a aptidão do avião para serviço, declarando as condições de despacho; CAT I, II ou III, RVSM e ETOPS (quando aplicável). A assinatura completa do Mecânico deve ser registada, imediatamente a seguir à descrição da inspeção ou trabalho realizado, numa letra legível e a caneta, lápis não está autorizado.' Operations Manual”. Part. A -8.1.12, pág.4 8.1.12.4. Documentos específicos do voo (CAT.GEN.MPA 180): BB assegura que os seguintes documentos são levados em cada voo: “1. Registo da jornada 2. Caderneta Técnica do Avião de acordo com o Anexo I (Part M)”. Operations Manual, Part A -8.1.12, pág.5 8.1.12.6, Informação retida em terra (CAT.GEN.MPA 185): BB deve assegurar que pelo menos durante a duração do voo, ou séries de voos: “2. Cópia da parte relevante da Caderneta Técnica do Avião”, Minimum Equipement List, Preâmbulo, Secção 02, revisão n.°20, data 20.02.2014, pág.1, 3. Critério para despacho: “A decisão do Comandante do voo de ter itens autorizados inoperativos, corrigidos antes do voo, tem precedência nas disposições contidas no MEL”;
56.     A referida aeronave não poderia ser dada como apta para iniciar o voo S..., se o trabalhador não preenchesse o Aircraft Logbook de aceitação da aeronave;
57.     A decisão de descolar por despacho MEL uma aeronave, em tais condições, pertence em exclusivo ao comandante, naquele caso o aqui trabalhador;
58.     O comandante pode requerer requisitos acima dos mínimos enunciados, quando no seu julgamento esse equipamento é essencial para a segurança desse voo em particular, nas condições especiais que prevalecem na altura. "Minimum Equipement List”, Preâmbulo, Secção 02, revisão n.° 19, data 30.01.2012, pág. 2: “O MEL não pode ter em conta todas as múltiplas inoperacionalidades. Daí, antes de despachar um avião com múltiplas MEL inoperativos, deve ser assegurado que a relação ou inter-relação entre os itens inoperativos não resulta numa degradação do nível de segurança e/ou numa indevida sobrecarga de trabalho para a tripulação. É particularmente nesta área de múltiplas discrepâncias e de discrepâncias em sistemas relacionados, que o bom julgamento, baseado nas circunstâncias do caso, incluindo condições climáticas ou em rota, deve ser usado”. 4. Ações da Manutenção: “Todos os esforços devem ser feitos pela Manutenção para corrigir todos os defeitos, o mais cedo que seja praticável, e que o avião seja liberto da base de manutenção na condição de completamente operacional. O Comandante deve ser informado pela Manutenção assim que possível, se for impossível reparar o item inoperativo antes da partida”;
59.     O voo S..., tinha como destino último ... (…);
60.     E o referido painel de instrumentos, existia em armazém em Lisboa, tendo para os serviços da empresa, aqui entidade empregadora recorrido à TAP para o fornecer;
61.     O procedimento do trabalhador visou salvaguardar os interesses da empresa e a segurança dos passageiros;
62.     O comandante HH, que viajava em DHC (altitude de decisão), iria realizar o serviço de voo subsequente, com o mesmo avião;
63.     Tendo sido consultado pelo aqui trabalhador, na sequência da referida avaria;
64.     Após os telefonemas, o trabalhador saiu do cockpit, em mangas de camisa, envergando nos passadores da camisa, os 4 galões largos que o identificam como comandante de avião e, era portador do cartão de identidade aeroportuária/crew suportado por uma fita BB;
65.     O Regulamento de Fardamento da BB (OD-DRH-05/01 Revisão 01) não impõe ao comandante que se desloque de casaco no interior do avião;
66.     Nos termos do mesmo, sob a designação de 03.06 Farda do Colaborador Masculino, a seguinte indicação: “A farda completa é para ser obrigatoriamente utilizada, no verão e inverno, nos seguintes momentos: Momentos protocolares; Actos de representação da empresa; Percurso aeroporto/avião e avião/aeroporto; Embarque e Desembarque (excepto PNT quando se encontra no cockpit e restante tripulação, em situações de temperatura elevada, quando dispensado pelo comandante). Nos momentos acima identificados, as combinações possíveis são as seguintes: Calça + Camisa + Casaco de fato + Gravata; Calça + Camisa + Casaco de fato + Gravata + Casaco de malha (opcional); Calça + Camisa + Casaco de fato + Gravata + Pullover (opcional)”;
67.     Não se estava num momento protocolar, não se estava em representação da empresa, ou em trânsito em terra e o embarque já havia terminado;
68.     Pelo que, o comandante podia autorizar — e por maioria de razão “autorizar-se” — nos termos regulamentares a durante o embarque e/ou desembarque não fazer-se uso da farda completa;
69.     O trabalhador dirigiu-se a CC e disse “posso ajudá-lo?”, acrescentando que lhe estavam a ligar das operações, a fazer perguntas sobre o atraso, e que o que tinha a dizer já tinha dito no anúncio aos passageiros;
70.     CC respondeu “eu sou administrador da BB, tenho o direito de questionar...”;
71.     E o trabalhador respondeu-lhe que ele ali era um passageiro igual a todos os outros;
72.     Ao que o CC respondeu que eventualmente seria mais simpático da parte do trabalhador se o cumprimentasse e apresentasse, uma vez que não o conhecia;
73.     O trabalhador retorquiu que já estava a perder muito tempo, e CC disse que não tinha mais nada a falar com o trabalhador;
74.     Na ocasião os passageiros e a tripulação sentiam o tempo como quente (de calor);
75.     No lugar da janela do outro lado, estava o comandante da empresa, HH, e nos lugares atrás de CC encontrava-se II, acompanhada da sua filha;
76.     Pelo menos para II a conversa entre o trabalhador e CC foi parcialmente audível;
77.     II percecionou a situação como constrangedora, e que se tratava de um administrador da empresa;
78.     CC exercia as funções de CCO (Chief Commercial Officer) da empregadora, cabendo-lhe estar informado de todas as situações que envolvem atrasos, com consequentes incómodos para os passageiros;
79.     No dia …, o trabalhador era o piloto comandante do voo S…, na rota … — … — Lisboa;
80.     À saída de …, a aeronave teve um problema no APU (Auxiliary Power Unit), que não funcionou à primeira tentativa;
81.     Em virtude disso, o voo chegou com um atraso de 25 minutos a …;
82.     Em …, a aeronave foi alvo de manutenção, o que atrasou a saída para Lisboa em mais cerca de 50 minutos;
83.     Depois de ter falado com o trabalhador, a supervisora de serviço em Ponta Delgada informou a coordenação e controlo operacional que em virtude das manutenções feitas, a tripulação ia 'queimar', i.e., ia ser ultrapassado o limite do período de serviço de voo legalmente imposto às tripulações, o que impossibilitaria o voo de … para Lisboa;
84.     O trabalhador, após consultar a tripulação, comunicou ao Crew Control, que para utilizar a prerrogativa do Comandante (Cláusula 30 do Anexo II do AE), tinha de ser concedido um dia de folga extra a toda a tripulação, técnica e de cabina;
85.     Os passageiros já se encontravam a bordo;
86.     Não era possível substituir toda a tripulação do voo por outros tripulantes;
87.     JJ, enquanto coordenadora do Planeamento e Gestão de Tripulações, aceitou tal concessão;
88.     Em virtude disso, foi concedido a toda a tripulação como dia de folga o dia …;
89.     Nesse dia, o trabalhador estava de Stand-By, assim como o piloto KK, e a chefe de cabina LL e a assistente de bordo MM, o que impossibilitou a empresa de lhes atribuir serviços de voo em caso de necessidade;
90.     Os tripulantes NN, OO, PP e QQ tinham voos programados, tendo a empregadora recorrido a outros tripulantes para os realizar;
91.      No dia …, o trabalhador foi preventivamente suspenso das suas funções, no âmbito de processo de inquérito;
92.       Nesse mesmo dia, às 16:14h, o trabalhador publicou na sua página de Facebook o seguinte: «(...)»;
93.     O administrador a quem o trabalhador se refere na publicação (post) em causa é CC;
94.      Nome que não consta da mesma (publicação/post);
95.      O trabalhador tinha 837 “amigos” na sua página do facebook:
96.      A sua página era acessível e a publicação referida em 92[1] era então visível pelos amigos no facebook;
97.      Nas definições de perfil da conta não constava a informação que o trabalhador tinha por empregador a BB;
98.      Eram amigos na aludida conta outros trabalhadores da BB, designadamente RR, SS, TT e UU;
99.      O post em causa foi lido por, pelo menos, 59 pessoas, que nele apuseram “like”;
100. Tendo merecido, pelo menos 30 comentários;
101. E foi escrito pelo trabalhador após ter conhecimento da sua suspensão, num momento de indignação;
102. Pelo menos até à sua suspensão o trabalhador era considerado como um trabalhador que prestigiava e credibilizava a BB;
103. Ao trabalhador (antecedentes disciplinares) fora aplicada, em 03/09/2015, a sanção disciplinar de repreensão registada, por publicações feitas pelo mesmo num grupo público e aberto do Facebook, consideradas atentatórias e difamatórias do bom nome e imagem da empresa empregadora e sua administração;
104. No dia 8 de Setembro de 2015 foi decidido pelo conselho de administração da ré instaurar processo disciplinar ao trabalhador, nos termos de fls. 5 - 13 do procedimento disciplinar;
105. Conforme consta da ficha individual do trabalhador, a última morada fornecida pelo mesmo como sendo a da sua residência é a sita na Rua …, n.° …, Bloco …, …., … …;
106. Após realização de diversas diligências de inquérito, foi deduzida nota de culpa com intenção de despedimento, a qual foi recebida em mão pelo trabalhador no dia 8 de Outubro de 2015;
107. O trabalhador apresentou resposta à nota de culpa no dia 22 de Outubro de 2015, tendo requerido como diligências de prova a inquirição de 7 testemunhas;
108. Todas as testemunhas arroladas foram inquiridas à exceção das testemunhas LL e VV, cuja inquirição foi prescindida pelo trabalhador;
109. Por deliberação do conselho de administração da empregadora, tomada em 15 de Dezembro de 2015, foi o trabalhador “despedido com justa causa, em virtude de violação dolosa dos seus deveres de lealdade, de obediência, de respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, com urbanidade e probidade, previsto nas alíneas a) e c) do n.° 1 do artigo 128° do Código do Trabalho, de promover ou executar todos os actos tendentes à melhoria da produtividade da Empresa e de velar pela salvaguarda do prestígio interno e internacional da Empresa, previsto nas alíneas c) e g) da Cláusula 13 do Acordo de Empresa em vigor”;
110. Dessa decisão foi dado conhecimento ao trabalhador em 21 de Dezembro de 2015, por comunicação que lhe foi entregue por carta registada com aviso de receção nessa data;
111. Nessa data auferia, a título de retribuição base, a quantia de € 6500,00;
112. A suspensão e a decisão de despedimento causaram no trabalhador perda de ânimo e atingiram o seu orgulho profissional;
113. O trabalhador gozava de grande prestígio profissional entre colegas;
114. Refere ter dificuldades em encontrar emprego em nova companhia de aviação, no que se tem empenhado ativamente;
115. Bem como refere preocupação/insegurança quanto à situação financeira do seu agregado familiar;
116. Por, até ao seu despedimento, ser o seu salário o principal rendimento do agregado familiar;
117. O trabalhador tem 4 filhos;
118. É casado e a mulher é educadora de infância.

De Direito

O Acórdão recorrido começou a análise da questão de direito pela seguinte afirmação: “Uma vez que a sentença considerou que o apelante não violou quaisquer interesses patrimoniais da apelada ao recusar realizar o voo sem que fosse efetuada a reparação da avaria do painel de instrumentos e ao exigir da apelada um dia de folga para a tripulação (o que, de resto, neste ponto foi por ela aceite) e que as partes se conformaram com tal decisão, naturalmente que a mesma transitou em julgado e nenhum interesse tem para a análise da apelação, interessando agora apenas saber se com a sua conduta posterior (post inserido na sua página do Facebook) o apelado violou o dever de respeito para com o administrador da apelada” [negrito no original].

A afirmação é exata se com ela se pretende dizer que o que estava em causa no recurso de apelação, como agora no recurso de revista, é simplesmente aferir se existe ou não justa causa para despedir o Autor à luz das afirmações do mesmo no Facebook, embora o que anteriormente ocorreu não seja, como veremos, necessariamente irrelevante.

O que se discute, pois, no caso concreto são os limites da liberdade de expressão do trabalhador subordinado, mormente quando faz uso de tal liberdade no contexto de redes sociais, como o Facebook.

A importância da liberdade de expressão, consagrada em múltiplos instrumentos e cartas de direitos internacionais[2], como liberdade fundamental em uma sociedade genuinamente democrática não carece de qualquer demonstração. Como o TEDH reiteradamente afirmou, a liberdade de expressão ocupa um lugar proeminente em uma sociedade democrática e constitui uma das condições primordiais para o seu pregresso, mas também para o desenvolvimento pessoal dos cidadãos. A sua importância é tal que alguns autores sugestivamente a classificaram de “liberdade encruzilhada”[3], como o “terreno em que podem germinar as outras liberdades”. Com efeito, “a garantia da liberdade de expressão é a condição prévia do exercício de outros direitos e liberdades”. E, como também é verdade, como veremos, no Direito do Trabalho, a liberdade de expressão tem que ser tutelada, mesmo quando o conteúdo da mensagem não é do agrado do seu destinatário ou da maioria[4]. Como o TEDH afirmou, em Acórdão proferido a 3 de fevereiro de 2009, “é justamente quando se apresentam ideias que ferem, chocam e contestam a ordem estabelecida que a liberdade de expressão é mais preciosa”[5].

Mas além desta dimensão pública e coletiva a liberdade de expressão surge também ao nível individual, como um corolário da dignidade da pessoa humana. A liberdade de expressão deve, pois, ser também encarada como expressão do reconhecimento do “respeito da igual dignidade de todos os seres humanos” que, conjuntamente com a tolerância, constituem, nas palavras, mais uma vez do TEDH, o “fundamento de uma sociedade democrática e pluralista”.

Na ordem jurídica portuguesa, o Código do Trabalho reconhece, mesmo no âmbito da empresa, a liberdade de expressão e de divulgação do pensamento e opinião, ainda que, com limites que resultam do “respeito dos direitos de personalidade (…) do empregador, incluindo as pessoas singulares que o representam, e do normal funcionamento da empresa” (artigo 14.º do Código do Trabalho), impondo ao trabalhador, também, e entre múltiplos deveres, o dever de “respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos (…) com urbanidade e probidade” (artigo 128.º n.º 1 alínea a) do Código do Trabalho). A liberdade de expressão não é, pois, ilimitada, como sucede, aliás, com qualquer outra liberdade.

No caso vertente, no entanto, as afirmações proferidas pelo trabalhador não ocorreram, em rigor, no âmbito da empresa, pelo que há que responder a uma questão mais delicada, a saber, se a liberdade de expressão do trabalhador também conhece limites fora deste âmbito ou se, pelo menos, e mesmo que se responda afirmativamente, se os limites serão os mesmos ou se serão antes mais lassos.

Alguns autores afirmam, com efeito, que “a vida privada do trabalhador não é, em princípio, objeto do contrato de trabalho”[6], pelo que tais limites deveriam ter-se por excecionais. Há, também, quem defenda que uma certa esfera de vida mais íntima ou privada deveria escapar sequer à afirmação do dever de respeito ou de urbanidade – pense-se na hipótese de um trabalhador proferir afirmações ou comentários insultuosos para o seu empregador ou superior hierárquico, mas em um contexto inteiramente privado, como em um jantar de família (do trabalhador em causa) ou, até, em uma mesa de café com amigos próximos (sobretudo se não se tratar de colegas de trabalho)[7].

Mas como tratar afirmações realizadas no que muitos cidadãos parece considerarem ser uma “mesa de café eletrónica”, ou seja, nas redes sociais? Os “desabafos” realizados por essa via farão parte, pelo menos, da esfera pessoal dos seus autores?

A este nível as respostas, doutrinais e jurisprudenciais, em outros ordenamentos, são extremamente díspares. Alguns autores (e decisões judiciais) admitem que em função dos parâmetros selecionados pelo autor da mensagem o Facebook por exemplo possa ser considerado um espaço pessoal[8]. Outros negam que tal “espaço” seja pessoal uma vez que o Facebook não ofereceria reais condições de confidencialidade[9]. Outros, ainda, invocam razões de adequação social, bem como a necessidade de desenvolver regras específicas para uma forma de expressão nova.

No entanto, no caso vertente, e desde logo face ao número relativamente elevado de destinatários, afigura-se que, como o Acórdão recorrido decidiu, que as afirmações proferidas pelo trabalhador foram-no em um espaço público, em que se acha vinculado pelo dever de respeito e de urbanidade atrás referido.

Contudo, o que agora se discute não é simplesmente se o trabalhador cometeu uma infração disciplinar, mas sim se esta, a existir, constitui justa causa de despedimento, o que no nosso sistema legal exige não apenas culpa, mas uma conduta cuja gravidade e consequências torne prática e imediatamente impossível a subsistência da relação laboral.

Ora, e desde logo, para apreciar o grau de culpa há que ter em conta, não só o grau de educação do trabalhador – como fez o Acórdão recorrido – mas também o nível de “stress emotivo” do trabalhador e até que ponto é que as afirmações foram proferidas “a quente” na sequência de comportamentos do empregador[10].

No caso concreto, foi imediatamente após os factos cuja relevância como justa causa disciplinar se tem hoje por afastada, que o trabalhador foi suspenso preventivamente á espera da elaboração da nota de culpa. E foi no “rescaldo” dessa suspensão que o trabalhador se foi lamentar no Facebook de ter sido novamente suspenso.

Importa, igualmente, referir que os comentários do Autor não identificavam a empresa em que trabalhava.

Uma análise das afirmações proferidas mostra, também, que as mesmas têm um conteúdo muito desigual. É significativo que em algumas delas[11] o Autor utilize o plural e se refira a quem confunde autoridade e autoritarismo, advertindo também que é preciso ter cuidado porque “aí vêm os filhos”. Trata-se aqui de afirmações de carácter genérico que qualquer cidadão poderia fazer no sentido de que a autoridade nem sempre é corretamente exercida.

Em rigor, a crítica individual – ainda que não individualizada no sentido de que a mensagem não identificava expressamente o administrador em causa, muito embora se tenha dado como provada a identidade deste – é tão-só o seguinte excerto:

“[E]m virtude do comportamento (...), adotado, (...), para com um Sr. administrador (puto mal educado, prepotente), o qual configura falta de respeito para com a administração da empresa; E a falta de respeito que esta gente tem para com quem trabalha, se fosse meu filho, levava um par de lambadas, mas não sendo, o pai que não o soube educar que o ature”[12].

Antes de mais, sublinhe-se que nem sempre a asserção de que um superior hierárquico tenha sido mal-educado ou prepotente será infração disciplinar. No caso vertente há que reconhecer, no entanto, que se tratou, por parte do trabalhador, de um comentário grosseiro e ofensivo que violou efetivamente o dever de respeito e urbanidade. Mas será justa causa de despedimento?

Recorde-se que o n.º 3 do artigo 351.º do Código do Trabalho manda atender às circunstâncias que no caso possam ser relevantes. Em primeiro lugar, e como já se disse, a afirmação foi proferida “a quente”, no próprio dia em que foi suspenso preventivamente (facto 84) e “num momento de indignação” (n.º 93). Acresce que as relações pessoais são mais importantes em empresas de pequena dimensão (mormente microempresas). Quanto ao grau de lesão dos interesses do empregador, não só não se provou qualquer dano patrimonial, como o dano da imagem terá sido muito reduzido, tanto mais que o post não identificava a empresa. Mas, e sobretudo, tratando-se, como se tratava, de trabalhador que “[p]elo menos até à sua suspensão (…) era considerado como um trabalhador que prestigiava e credibilizava a BB” (n.º 94) e com mais de 14 anos de antiguidade até à data da prática dos factos (como resulta do facto 1 conjugado com o facto 102, sobre a data da comunicação do despedimento), não parece que a sanção aplicada, o despedimento, seja proporcionada (como exige o n.º 1 do artigo 330.º do Código do Trabalho). Com efeito, não se deve esquecer que, atendendo à importância do direito ao trabalho e da tutela do posto de trabalho constitucionalmente consagrados, o despedimento disciplinar deve constituir uma ultima ratio, dispondo o empregador de sanções conservatórias para reagir face a infrações que sendo graves não põem, em rigor, em causa a possibilidade de subsistência da relação contratual[13]. E tal conclusão não é afastada pela circunstância de o trabalhador ter já sido sancionado disciplinarmente, com uma repreensão registada, sanção aplicada, aliás, pouco antes da abertura do procedimento disciplinar (factos 103 e 106) que conduziu ao despedimento cuja licitude se discute no presente processo.

Destarte, decide-se que o presente despedimento foi ilícito, por aplicação do artigo 381.º alínea b).

Tendo o trabalhador optado pela indemnização substitutiva da reintegração, fixa-se o valor desta em 15 dias de retribuição base – atendendo tanto ao valor elevado da retribuição do trabalhador, como ao grau relativamente reduzido da ilicitude do comportamento do empregador (n.º 1 do artigo 391.º do Código do Trabalho), porquanto o trabalhador não deixou de cometer uma infração disciplinar, ainda que a mesma não tenha gravidade suficiente para constituir justa causa de despedimento – por cada ano completo de antiguidade ou fração, contados até ao trânsito em julgado deste Acórdão (n.º 2 do artigo 391.º do Código do Trabalho). O Autor terá, pois, direito, a título de indemnização substitutiva da reintegração a 17 (correspondentes a 16 anos completos e uma fração – atendendo ao facto 1) X € 3.250,00 (atendendo ao facto 111), ou seja, a uma indemnização no valor de € 55.250,00.

O Autor terá também direito às retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado deste Acórdão, que declarou a ilicitude do despedimento (n.º 1 do artigo 390.º), sem esquecer a necessária consideração do n.º 2 do mesmo preceito e do artigo 98.º-N, n.º 1 do Código do Processo de Trabalho, pelo que se determina a sua liquidação na fase da execução.

Relativamente ao pedido apresentado de compensação por danos não patrimoniais, importa sublinhar que tal compensação não existe automaticamente em qualquer despedimento ilícito e apesar dos factos 112 e 115 não se afigura que tenham sido provados danos não patrimoniais que pela sua gravidade justifiquem a atribuição de uma compensação.

Na sua reconvenção, mais precisamente no seu artigo 185.º, o Autor veio fazer um outro pedido, defendendo que “para além das retribuições que deixou e deixará de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial que declare a ilicitude do mesmo” teria direito às retribuições de janeiro e fevereiro de 2016.

O que sucede, no entanto, é que tais retribuições são já devidas por força da aplicação do n.º 1 do artigo 390.º, pelo que este pedido do Autor consiste, no fundo, em destacar que por ter interposto a ação no prazo de 30 dias subsequentes ao despedimento não há que efetuar as deduções referidas na alínea b) do n.º 2 do artigo 390.º.

O autor apresenta, também, um pedido autonomizando as “custas e procuradoria”, as “custas de parte” e os “honorários”. No entanto, de acordo com o artigo 3.º do Regulamento das Custas Processuais (Decreto-Lei n.º 34/2008 de 26 de fevereiro), “as custas processuais integram a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte”, sendo que, em princípio, as custas de parte integram-se na condenação judicial por custas (artigo 26.º do Regulamento das Custas Processuais).

Decisão: Concedida parcialmente a revista, declarando-se a ilicitude do despedimento realizado pela Ré e condenando-a ao pagamento, a título de indemnização substitutiva da reintegração, da quantia de € 55.250,00, bem como ao pagamento das retribuições que o Autor deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado deste Acórdão, que declarou a ilicitude do despedimento, determinando-se a sua liquidação na fase da execução. A Ré é absolvida do pedido de compensação de danos não patrimoniais.

Custas que se fixam na proporção de 9/10 para a Ré e 1/10 para o Autor.

Lisboa, 27 de novembro de 2018

Júlio Gomes (Relator)

Ribeiro Cardoso

Ferreira Pinto

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[1] Por lapso evidente refere-se no Acórdão recorrido “77” em vez de “92”.
[2] A título de exemplo vejam-se o artigo 10.º da Convenção Europeia de salvaguarda dos Direitos do Homem e das liberdades fundamentais, o artigo 11.º da Carta dos Direitos Fundamentais da EU e o artigo 19.º do Pacto Internacional relativo aos Direitos Civis e Políticos.
[3] MUSTAPHA AFROUKH, La hiérarchie des droits et libertés dans la jurisprudence de la Cour européenne des droits de l’homme, Bruylant, Bruxelles, 2011, p. 235: “liberté-carrefour”.
[4] GRÉGOIRE LOISEAU, La liberté d’expression du salarié, Revue de Droit du Travail 2014, pp. 396 e ss., destaca que a liberdade de expressão do trabalhador assume particular relevância como liberdade de crítica e, em certos casos, de denúncia de comportamentos do empregador e superiores hierárquicos. Sobre o tema cfr., também, LAURÈNE GRATTON, Liberté d’expression et devoir de loyauté du salarié, une cohabitation délicate, Droit Social 2016, pp. 4 e ss.
[5] N.º 42, do Acórdão Women on Waves e Outros c. Portugal, Queixa n.º 31276/03.
[6] Assim GÜNTHER WIESE, Internet und Meinungsfreiheit des Arbeitgebers, Arbeitnehmers und Betriebsrat, Neue Zeitschrift für Arbeitsrecht 2012, pp. 1 e ss., p. 1.
[7] A jurisprudência francesa tende a considerar disciplinarmente irrelevantes factos da vida pessoal do trabalhador. Sobre o tema cfr. JEAN MOULY, Fait de la vie personnelle: pas de licenciement disciplinaire, Anotação a Cass. Soc. 9 mars 2011, JCP, La Semaine Juridique, Édition Sociale 2011, n.º 19, 1230, pp. 24 e ss.
[8] Assim, por exemplo, MICHAEL FUHLROTT/SÖNKE OLTMANNS, Social Media im Arbeitsverhältnis – Der schmale Grat zwischen Meinungsfreiheit und Pflichtverletzung, NZA 2016, pp. 785 e ss., p.786, que defendem no Facebook existe a possibilidade real de restringir o acesso a um círculo limitado de pessoas. Se as expressões forem proferidas em um contexto de confiança entre colegas (“im vertraulichen Gespräch”) cabem no domínio de proteção do direito geral de personalidade. Os autores consideram que a manifestação em redes sociais com um cariz mais profissional – como o Linkedin em que é mais provável a participação de colegas, clientes (pelo menos potenciais), ou parceiros negociais do empregador – é potencialmente mais danosa para o empregador que a participação no Facebook ou no Instagram.
[9] Neste sentido BLANDINE ALLIX, Salariés et réseaux sociaux, Revue de Jurisprudence Sociale 2015, pp. 443 e ss., p. 447, que sustenta que ninguém pode ignorar que o Facebook não garante verdadeiramente a confidencialidade, porquanto mesmo que o utilizador comece por limitar o acesso a um número restrito de pessoas, não pode controlar a difusão que essas pessoas vão fazer das suas afirmações.
[10] Sublinham a importância deste fator ao apreciar a gravidade do comportamento do trabalhador FRANCESCA IAQUINTA/ALESSANDRA INGRAO, Il datore di lavoro e l’inganno di Facebook, Rivista Italiana di Diritto del Lavoro 2015, parte II, pp. 82 e ss., p. 85. No mesmo sentido, destacando a importância de saber se o comportamento do trabalhador foi “provocado” pelo empregador cfr. MICHAEL KORT, Kündigungsrechtliche Fragen bei Äusserungen des Arbeitnehmers im Internet, Neue Zeitschrift für Arbeitsrecht 2012, pp. 1321 e ss., p. 1321.
[11] Veja-se o n.º 84 dos factos provados: “Confundem autoridade, com autoritarismo, e não percebem que a autoridade se não for aceite, não serve de nada, se querem ser respeitados, dêem-se ao respeito. Mais uma novela para acompanharem e não se esqueçam do que á [sic] tempos disse, 'eles andam aí' os filhos (...)”
[12] Ainda o n.º 84 dos factos provados.
[13] A título de exemplo, e no mesmo sentido, refira-se o Acórdão deste Tribunal de 13/04/2011 (SAMPAIO GOMES), processo n.º 622/06.6TTBCL.P1.S1, em cujo sumário se pode ler que “A circunstância de a Autora ter dito, referindo-se ao legal representante da Ré, o que é que ele pensa? Não estou aqui para aturar malucos. Se é maluco vá para o S. João de Deus, embora consubstancie violação do dever de respeito e urbanidade, não assume gravidade suficiente a, objectivamente, determinar a imediata impossibilidade de manutenção da relação laboral, sendo, por isso, a sanção do despedimento excessiva e desproporcional”.