Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | ALEXANDRE REIS | ||
Descritores: | RECURSO DE REVISÃO FUNDAMENTOS FALSIDADE DE DEPOIMENTO OU DECLARAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 12/13/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA E CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / REVISÃO. | ||
Doutrina: | -Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, p. 324 e 325; -J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1991, p. 55; -Pinto Furtado, Recursos em Processo Civil, Quid Juris, Lisboa, p. 155. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 696.º, ALÍNEA B) E 698.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 14-07-2016, PROCESSO N.º 241/10.2TVLSB.L1-A.S1; - DE 27-04-2017, PROCESSO N.º 978/06.0TBPTL-G.G1.S1. | ||
Sumário : | I - O recurso extraordinário de revisão previsto no art. 696.º do CPC, ao contrário do recurso ordinário – que se destina a evitar o trânsito em julgado de uma decisão –, visa uma decisão judicial (revidenda) já coberta pela autoridade do caso julgado – e a sua substituição por outra que venha a ser proferida, sem a verificação da anomalia que sustentou a impugnação – , pelo que, só é aparentemente admissível nas situações taxativamente indicadas e de tal modo graves que as exigências da justiça e da verdade sejam susceptíveis de ser clamorosamente abaladas, no conflito com a necessidade de segurança ou de certeza, se estas, com a inerente intangibilidade do caso julgado, prevalecessem. II - Assim, estamos face a um recurso ou mecanismo processual que não pode deixar de ser encarado como um “remédio” de aplicação extraordinária a uma comprovada ofensa ao primado da justiça, que, de tão gritante, consinta a cedência da certeza e da segurança conferidas pelo princípio do caso julgado. III - Contudo, presentemente, perante o disposto nos arts 696.º, al. b), e 698.º, do CPC, já não está consagrada a exigência de que a apreciação da falsidade de depoimento seja feita em acção autónoma e prévia ao recurso de revisão – podendo ter lugar na própria instância de recurso –, nem, portanto, de uma sentença transitada em julgado para atestar a alegação da existência dessa falsidade, ou que, para instrução do requerimento inicial, se apresente a certidão de tal sentença. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: * Importa apreciar e decidir a questão suscitada nas enunciadas conclusões, consistente em saber se, tal como decidido pelo STJ no seu acórdão de 14-07-2016 (p. nº 241/10.2TVLSB.L1-A.S1), deve ser indeferido liminarmente o recurso extraordinário de revisão porque a nele alegada falsidade de depoimentos não foi devidamente atestada por uma decisão transitada em julgado. Para tanto, releva a seguinte matéria de facto considerada pela Relação: «1 - Nos autos de que estes constituem um apenso teve lugar julgamento e foi proferida sentença de 16-6-2011 em que a aqui requerente foi condenada a pagar à aqui requerida €2.126.225. 80, acrescidos de juros de mora contados da data da citação. 2 - A sentença transitou em julgado em 7-11-2013. 3 - A R. interpôs o presente recurso de revisão em 11-7-2016. 4 - HH subscreveu, alegadamente, o doc. de fls. 98, datado de 1-7-2016, em que, assinaladamente, se lê: A factura com o n.º 2000/0012.01, com o valor de 208.000.000$00 (...) nunca foi lançada na contabilidade da Metalgest, nem consta do extracto de c/corrente disponibilizado pelo BBV CC, S.F.C., S.A. e bem assim, que o IVA da dita factura nunca foi às contas da BB SGPS, S.A.”, nem consta dos respectivos mapas recapitulativos de IVA.». * 1 A admissibilidade do recurso.Previamente ao conhecimento do objecto do recurso, demonstraremos, muito brevemente, que estão preenchidos os requisitos para tal. Como se viu, a recorrente amparou a admissibilidade da revista, em primeira linha, no disposto no art. 671º, nº 1, do CPC ([1]). Contudo, a invocação desse preceito é fruto de lapso manifesto porque o recurso não se adequa à respectiva ratio já que o acórdão da Relação não se pronunciou sobre o mérito da causa nem pôs termo ao processo, antes determinou, justamente, o prosseguimento dos autos. Para o caso de se considerar inaplicável aquele normativo, a recorrente também arguiu que a decisão que pretende impugnar comporta revista ao abrigo do nº 2, b), do mesmo artigo 671º, por estar em contradição com o decidido no acórdão proferido por este Supremo em 14-07-2016 (no p. nº 241/10.2TVLSB.L1-A.S1), cuja fundamentação, para o que aqui releva, foi assim sinopticamente apresentada: «I. Só a alegação da existência da falsidade de depoimentos devidamente atestada por uma decisão transitada em julgado, além do mais, poderá constituir fundamento para um recurso extraordinário de revisão interposto pelos Recorrentes, devendo ser o mesmo indeferido liminarmente, caso não se preencha tal requisito, nos termos do disposto nos artigos 696.º, alínea b) e 699.º, n.º1 do C.P. Civil; II. A falsidade, como fundamento do recurso, no caso de depoimentos de testemunhas e/ou peritos, tem de já estar verificada no local próprio, o que significa que a montante terá de ter existido um processo cível ou criminal, onde aquela tenha sido demonstrada, o que implica a existência de uma sentença transitada em julgado nesse sentido e que entre os depoimentos e a decisão a rever haja uma relação de causa e efeito.». Ora, o assim concluído nesse acórdão de 14-07-2016, quanto à demonstração da falsidade de depoimentos invocada como fundamento do recurso de revisão – apenas mediante pré-existente sentença transitada em julgado –, colide frontal e directamente com a decisão da Relação visada nesta revista, bem como com a respectiva fundamentação, mesmo que uma averiguação mais profunda sobre o percurso lógico naquele trilhado consentisse a ilação de que o nele ajuizado também se poderia obter por qualquer outra via. Assim, é admissível o pretendido recurso de revista por visar um acórdão da Relação que apreciou uma decisão interlocutória que recaiu unicamente sobre a relação processual, em contradição com aquele outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, sem que tenha sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme [cf. citado art. 671º, nº 2, b)]. 2. A demonstração da falsidade de depoimentos. Lembramos que a Relação, ao abrigo da alínea b) do art. 696º, determinou que o recurso fosse liminarmente admitido, com fundamento na arguida falsidade dos avocados depoimentos testemunhais – se não devesse ser rejeitado por outro motivo, não compreendido no objecto da apelação –, mas julgou a apelação improcedente na parte relativa ao indeferimento do requerimento inicial do recurso extraordinário de revisão enquanto estribado no disposto na alínea c) do mesmo artigo, ou seja, quanto aos documentos que haviam sido invocados. Ora, como é entendimento uniforme da jurisprudência sobre as regras do processamento das impugnações das decisões, o âmbito do recurso, para além dos eventuais casos julgados formados nas instâncias, é confinado pelo objecto (pedido e causa de pedir) da acção, pela parte dispositiva da decisão impugnada desfavorável ao impugnante e pela restrição feita pelo próprio recorrente, quer no requerimento de interposição, quer nas conclusões da alegação (art. 635º). Portanto, é em face do objecto da acção, do conteúdo da decisão impugnada e das conclusões da alegação do recorrente que se determinam as questões concretas controversas que importa resolver ([2]). Trata-se, pois, apenas de aferir do acerto do conteúdo da decisão impugnada em relação à questão da demonstração da falsidade de depoimentos. O recurso extraordinário de revisão previsto no art. 696º, ao contrário do recurso ordinário – que se destina a evitar o trânsito em julgado de uma decisão –, visa uma decisão judicial (revidenda) já coberta pela autoridade do caso julgado – e a sua substituição por outra que venha a ser proferida, sem a verificação da anomalia que sustentou a impugnação –, pelo que, só é admissível nas situações taxativamente indicadas e de tal modo graves que as exigências da justiça e da verdade sejam susceptíveis de ser clamorosamente abaladas, no conflito com a necessidade de segurança ou de certeza, se estas, com a inerente intangibilidade do caso julgado, prevalecessem. Com o caso julgado protege-se o interesse substancial da estabilidade da ordem jurídica, ou «uma segurança ordenadora específica e própria a que se pode dar o nome genérico de segurança jurídica. Dada a positivação do direito legislado pelas autoridades competentes e em obediência a procedimentos devidamente regulamentados, dada a mais precisa formulação das regras jurídicas legisladas e a generalidade e abstracção destas regras, dada finalmente a garantia conferida ao Direito pelo funcionamento do aparelho judicial e pelo poder coactivo do Estado, a estabilidade da vida social, as expectativas em que cada um assenta as suas decisões e os seus planos de vida resultam grandemente reforçadas (…). A segurança é, pois, uma das exigências feitas ao Direito, pelo que, em última análise, representa também uma tarefa ou missão contida na própria ideia de Direito (…). Justiça e segurança acham-se numa relação de tensão dialéctica (havendo que salientar este ponto: a segurança jurídica como tal é um atributo da juridicidade; de modo que a tensão ou conflito entre justiça material e segurança jurídica é uma tensão dialéctica permanente e indesvanecível que se situa no interior mesmo da juridicidade)» ([3]). Segundo Pinto Furtado, «se a ideia de justiça e a de certeza andam geralmente associadas, em certas circunstâncias excepcionais entram as duas em conflito, impondo-se então que a certeza abra as suas portas para deixar entrar a justiça. E a chave para o efeito é o recurso extraordinário. Ciente, porém, da necessidade de encontrar um equilíbrio entre a certeza e a justiça, o legislador elencou, de forma taxativa, na lei os casos excepcionais em que se mostra justificado o direito de desencadear o referido remédio.» ([4]). Como se reconhece, a proeminência dos interesses tutelados pelo princípio do caso julgado justifica a protecção constitucional deste, explicitada no comando contido no art. 282º, nº 3, da CRP, e alicerçada nos princípios da confiança e da segurança jurídica, decorrentes da própria ideia de Estado de Direito (cf. art. 2º também da Lei Fundamental). Assim, estamos perante um recurso ou mecanismo processual que não pode deixar de ser encarado como um remédio de aplicação extraordinária a uma comprovada ofensa ao primado da justiça, que, de tão gritante, consinta a cedência da certeza e da segurança conferidas pelo princípio do caso julgado. Posto isto, quanto à crucial questão da interpretação do art. 696º, b), aderimos, sem hesitação, à proposta formulada na decisão recorrida, à luz dos critérios normativos consagrados no art. 9º do CC, quanto à hermenêutica jurídica, para obter resultados coerentes e racionais no sistema, sem esquecer o desiderato prosseguido pelo legislador. Realmente, segundo pensamos, a aceitação da proposta interpretativa formulada neste recurso sobre a aludida norma do art. 696º b), quanto às exigências para a demonstração da falsidade de depoimentos, desrespeitaria as regras impostas pelo art. 9º do CC, porque, por um lado, não colheria na respectiva letra um mínimo de correspondência verbal e, por outro lado, contornaria os aspectos de ordem histórica e racional envolvidos, afrontando o pensamento legislativo, por desconsiderar o modo como este foi sendo consagrado nos sucessivos diplomas sobre a lei adjectiva. Na tentativa de compreensão do significado da lei é incontornável a análise da respectiva letra, por ser o ponto de partida de toda a interpretação daquela. Ora, é indubitável que a interpretação perfilhada na decisão recorrida é a que se harmoniza, abertamente, com a letra da lei. Esta, por força dos nºs 1 e 2 do citado artigo do CC, tem um valor que não pode ser ignorado pelo intérprete e que impõe dois limites: um decorrente das presunções de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e de que soube exprimir o seu pensamento em termos adequados; outro, que decorre da proibição de consideração, pelo intérprete, de um significado que, não tenha na letra da lei, um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. Por isso, não pode aceitar-se a interpretação que atinja um significado que não encontre uma correspondência mínima na letra da lei. Vejamos. Como pertinentemente registaram os Srs. Desembargadores, no anterior código, o correspondente preceito (art. 771º) tinha um conteúdo – conferido pelo DL 303/2007, de 24/08 – equivalente ao do actual normativo, o qual se mantinha – no essencial – desde que fora significativamente alterado pelo DL 38/2003, de 8/03. Todavia, tal comando, até essa modificação de 2003, tinha a seguinte redação: «A decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão … Quando se apresente sentença já transitada que tenha verificado a falsidade de … depoimento …, que possa[m] em qualquer dos casos ter determinado a decisão a rever. A falsidade de documento ou acto judicial não é, todavia, fundamento de revisão, se a matéria tiver sido discutida no processo em que foi proferida a decisão a rever.». E antes dessa substancial alteração de 2003, quanto à “Instrução”, exigia-se, coerentemente, mediante o disposto no art. 773º do mesmo Código, que no requerimento de interposição se especificasse o fundamento do recurso e com ele se apresentasse certidão da sentença em que se fundava o pedido. Ora, o dito art. 696º tem, actualmente (e, desde 2003, o correspondente art. 771º), um teor e, necessariamente, um alcance substancialmente diferentes. Com efeito, para o que aqui interessa, estatui o preceito que a decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão quando (i) se verifique a falsidade de depoimento, (ii) que possa ter determinado a decisão a rever, (iii) não tendo a matéria sido objecto de discussão no processo em que foi proferida. E, diferentemente do que sucedia com aquele art. 773º (até à alteração de 2003), também não se exige no actual art. 698º que, para “Instrução do requerimento”, se apresente certidão da sentença, o que facilmente se compreende porque, agora, a decisão transitada em julgado pode ser objecto de revisão sem que, nos termos daquele art. 696º, se faça qualquer menção a que, para tal, a verificação da falsidade do depoimento só se possa fazer mediante sentença já transitada. Ora, a sugestão de que legislador, não obstante a esgrimida alteração de 2003, continuaria a consagrar a exigência de uma sentença transitada em julgado para atestar a alegação da existência da falsidade de depoimentos está para além do significado provável da lei, por ser incompatível com sua letra, perante o diferente tratamento que esta, actualmente, oferece para tal requisito. O texto com que o legislador se exprime inculca, pois, uma resposta terminantemente negativa à questão suscitada neste recurso: como se concluiu na decisão recorrida, presentemente, já não se exige que a apreciação da falsidade de depoimento seja feita em acção autónoma e prévia ao recurso de revisão, podendo ter lugar na própria instância de recurso. O que, evidentemente, não arreda a pertinência das observações com que iniciámos a análise desta questão, quanto à natureza extraordinária deste “remédio” processual e ao decorrente grau de exigência da comprovação (i) da ofensa (chocante) ao primado da justiça, (ii) da relação de causalidade adequada entre a alegada falsidade e a decisão revidenda e (iii) de tal matéria não ter sido objecto de discussão no processo em que essa decisão foi proferida. É claro que no recurso de revisão baseado na falsidade de depoimento é necessário alegar tal falsidade, a matéria de facto para que o depoimento foi considerado e, ainda, a relevância desta matéria para a alteração da decisão recorrida. E, como é consensual, a falsidade que constitui requisito do recurso de revisão não corresponde a uma qualquer divergência entre depoimentos, antes pressupõe que o seu teor tenha sido dolosamente produzido pelos respectivos emitentes contra a realidade por eles conhecida, ou seja, que os mesmos com ele tenham pretendido influir no resultado da acção e, efectivamente, determinado a decisão a rever. Acresce que também não se justifica a revisão da decisão transitada se se apurar que a materialidade invocada no recurso de revisão já fora invocada no decurso da acção, onde só não foi considerada em virtude de deficiente desempenho da parte interessada, o mesmo é dizer, da sua imperfeita percepção do princípio da auto-responsabilidade processual. Como tal, perante os valores tutelados pelo caso julgado, a interposição e a aceitação do recurso extraordinário de revisão não pode ser suportado no mero inconformismo do recorrente relativamente ao resultado que foi judicialmente declarado e cuja modificação o mesmo não pode pretender alcançar como se de um recurso ordinário de apelação se tratasse ([5]). «Nesse contexto, a eventual injustiça material do resultado que ficou estabilizado ou o eventual desajustamento entre o que ficou decidido e a realidade litigada não são bastantes para que se perturbe aquela estabilidade. O efeito estabilizador do caso julgado tem como acréscimo a segurança jurídica e a paz social que não podem ser postas em causa pelo simples facto de existir um eventual erro de julgamento que não foi corrigido pelos meios ordinários e menos ainda quando nos deparamos com o mero inconformismo relativamente ao que foi decidido. Apenas em situações excepcionais, que correspondem a cada um dos fundamentos taxativos do recurso de revisão, se admite que possa ser retomada a instância com vista à verificação de algum dos motivos cuja gravidade foi suficiente para se sobrepor aos efeitos que emanam de decisão transitada em julgado.» ([6]). Todavia, todos esses são aspectos que, não podendo deixar de ser enfrentados nos autos, transbordam o objecto deste recurso, atendendo aos contornos que acima lhe estabelecemos no confronto com o decidido no acórdão recorrido: a admissão liminar do recurso de revisão, apenas com fundamento na pretendida falsidade dos invocados depoimentos testemunhais, se não dever ser rejeitado por outro motivo não compreendido no objecto da apelação. Por conseguinte, improcede o recurso. * Síntese conclusiva:1. O recurso extraordinário de revisão previsto no art. 696º do CPC, ao contrário do recurso ordinário – que se destina a evitar o trânsito em julgado de uma decisão –, visa uma decisão judicial (revidenda) já coberta pela autoridade do caso julgado – e a sua substituição por outra que venha a ser proferida, sem a verificação da anomalia que sustentou a impugnação –, pelo que, só é admissível nas situações taxativamente indicadas e de tal modo graves que as exigências da justiça e da verdade sejam susceptíveis de ser clamorosamente abaladas, no conflito com a necessidade de segurança ou de certeza, se estas, com a inerente intangibilidade do caso julgado, prevalecessem. 2. Assim, estamos face a um recurso ou mecanismo processual que não pode deixar de ser encarado como um “remédio” de aplicação extraordinária a uma comprovada ofensa ao primado da justiça, que, de tão gritante, consinta a cedência da certeza e da segurança conferidas pelo princípio do caso julgado. 3. Contudo, presentemente, perante o disposto nos artigos 696º, b), e 698º, do CPC, já não está consagrada a exigência de que a apreciação da falsidade de depoimento seja feita em acção autónoma e prévia ao recurso de revisão – podendo ter lugar na própria instância de recurso –, nem, portanto, de uma sentença transitada em julgado para atestar a alegação da existência dessa falsidade, ou que, para instrução do requerimento inicial, se apresente a certidão de tal sentença. * Decisão: Pelo exposto, acorda-se em negar a revista e confirmar a decisão recorrida. Custas pela recorrente. Lisboa, 12/12/2017 Alexandre Reis
Lima Gonçalves
Cabral Tavares ----------------------------------------------- [1] Diploma a que pertencem todas as normas que se mencionarem sem outra indicação. [2] E, por outro lado, os recursos são meios de obter a reponderação das questões já anteriormente colocadas e a eventual reforma de decisões dos tribunais inferiores, e não de alcançar decisões novas, só assim não acontecendo nos casos em que a lei determina o contrário, ou relativos a matéria indisponível, sujeita por isso a conhecimento oficioso. [3] J. Baptista Machado, “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, 1991, p. 55. [4] “Recursos em Processo Civil (de acordo com o CPC de 2013”), Quid Juris, Lisboa, p. 155. Também Amâncio Ferreira (“Manual dos Recursos em Processo Civil”, 9ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, pp. 324 e 325) refere que o princípio da autoridade do caso julgado não é absoluto e qualifica o recurso de revisão como o último remédio contra os erros que atingem uma decisão judicial, já insusceptível de impugnação por força dos recursos ordinários: o prestígio da função jurisdicional do Estado seria fortemente afectado se uma decisão judicial, só por ter transitado em julgado, não pudesse jamais ser reformada, apesar de ser patente que ele se obteve de modo fraudulento, flagrantemente contrário ao Direito. [5] Aparentemente, foi o que se constatou no caso apreciado no acima citado acórdão proferido por este Tribunal em 14-07-2016 (p. nº 241/10.2TVLSB.L1-A.S1): «Ao cabo e ao resto o que os Recorrentes querem afrontar com este expediente processual, sob o manto de um recurso extraordinário de revisão, são as respostas que foram dadas à matéria de facto controvertida aquando do primeiro julgamento, onde foi proferida a sentença revidenda, porque com as mesmas não concordam, o que aliás se mostra sobejamente espelhado ao longo da variada actividade recursiva expendida por aqueles». |