Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08P481
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SERRA BAPTISTA
Descritores: GRAVAÇÃO DA PROVA
NULIDADE
RECURSO
TRANSCRIÇÃO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
ALEGAÇÕES DE RECURSO
CONCLUSÕES
REJEIÇÃO DE RECURSO
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Nº do Documento: SJ20080417004812
Data do Acordão: 04/17/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Sumário :
1ª – Conhecida no Tribunal de 1ª instância a nulidade arguida pelo recorrente, devido aos depoimentos gravados serem, quanto a ele, imperceptíveis, e transitado em julgado tal despacho, no sentido da sua improcedência, não deve mais essa matéria ser suscitada ou conhecida;

2ª – O pedido de transcrição dos depoimentos gravados em cassetes áudio, indeferido pelo Tribunal da Relação, não é susceptível de recurso;

3ª – Dá cumprimento aos ónus impostos pelo art. 690º-A do CPC, o recorrente que, ao impugnar a decisão sobre a matéria de facto, especifica os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (mencionando os quesitos que, a seu ver, estão viciadamente respondidos) e quais os concretos meios de prova constantes da gravação que impunham decisão diversa (indicando os depoimentos das testemunhas respectivas).
Não sendo causa de rejeição do recurso pela Relação o simples facto de o recorrente, que transcreveu os aludidos depoimentos, não fazer, quanto a eles, referência ao assinalado na acta quanto ao seu início e final.
Podendo em tal caso, se assim for entendido pela mesma Relação, ser o recorrente convidado a suprir tal deficiência.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


AA e mulher BB vieram intentar acção, com processo ordinário, contra CC e mulher DD, pedindo que se declare nulo, por simulado, o contrato que o autor marido celebrou com o réu marido no sentido de este financiar a construção de um prédio de apartamentos levada a cabo pelo primeiro, e que se condenem os réus a entregar-lhes a fracção G do mesmo prédio, bem como a quantia de 16.031.161$00, acrescida de juros de mora vencidos desde a citação até pagamento.

Alegando, para tanto, e em suma:
Tendo o autor dificuldades económicas e problemas de ordem fiscal, chegou a acordo com o réu marido, no sentido deste lhe facultar meios para prosseguir a construção do imóvel em questão, transferindo para o mesmo, no âmbito de tal acordo, a propriedade do terreno onde o prédio estava a ser construído, através de escritura de compra e venda, com intenção de iludir o fisco.
Tendo-se o réu obrigado a transferir novamente para o autor a propriedade do imóvel, logo que este lhe pagasse o montante da dívida.
O que sucedeu, através da venda das respectivas fracções prediais, tendo sobejado a fracção G e a quantia de 16.031.000$00, que o réu se recusa a entregar.

Contestaram os réus, alegando, também em síntese:
A transacção efectuada entre ambos, teve em vista pagar parte do débito do autor para com uma sociedade comercial que se dedica á venda de materiais de construção civil e de que o réu é sócio-gerente, assumindo este a obrigação de fazer reverter a propriedade do aludido terreno quando o réu liquidasse o montante da dívida.
Como o autor não o pagasse, o réu decidiu construir no aludido terreno.

Replicaram os autores, mantendo a sua posição inicial.

Foi proferido despacho saneador, tendo sido fixados os factos tidos por assentes e organizada a base instrutória.

Realizado o julgamento, foi proferida a sentença, que julgou a acção improcedente.

Inconformados, vieram os autores, sem êxito, interpor recurso de apelação.

De novo irresignados, vieram, agora, pedir revista, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões:

1ª - Os registos dos depoimentos encontram-se mal gravados e imperceptíveis nos termos descritos no depoimento e recurso de apelação quanto à nulidade invocada.
2ª - A nulidade mantém-se e deve ser conhecida no tribunal de revista por afectar a defesa dos Recorrentes.
3ª - Requerida oportunamente a documentação das declarações prestadas em audiência, a sua documentação em acta, por transcrição, deve ser efectuada no prazo mais curto possível; a falta de transcrição verificada depois da subida do Recurso constitui irregularidade insanável (mesmo que a prova esteja gravada) que afecta o julgamento determinando a sua anulação (ac. da RC de 6.l1.1996:BMJ, 461° - 532°);
4ª - Ainda em ordem a assegurar uma decisão equitativa e justa deveria dar cumprimento ao previsto no art. 690-A do CPC no seu nº 5, considerando para o efeito necessária a transcrição dos depoimentos a realizar por entidade externa.
5ª - Consequentemente, a invocada nulidade mantêm-se devendo os autos baixar à Relação, revogando-se o acórdão e permitindo o correcto julgamento da matéria de facto.
6ª - 0s AA./Apelantes não violaram o preceituado no art. 690° -A, indo muito além do mesmo ao transcrever na íntegra os depoimentos nos quais basearam a versão dos factos que entenderam não deverem serem dados por provados.
7ª - Na realidade o consubstanciado nos arts. 690º-A, nº 2 e nº 3 e nº 5, e art. 522º-C do CPC resulta em alteração produzida pelo DL nº 183/2000 de10-8, destinando-se a facilitar as partes a possibilidade de obviarem a uma transcrição integral dos depoimentos produzidos em julgamento.
8ª - Da indecisão da Relação quanto aos factos colocados em crise pelos Apelantes é óbvio que se trata de um mero lapso de escrita e onde se diz: I a 25, pretende ser dito de 14 a 25 (fls. 1021 do Douto Acórdão)
9ª - Do depoimento de parte sustentado pela transmissão integral desse mesmo depoimento feito AA./ Recorrentes resulta sem margem para dúvida que o negócio foi simulado, que o intuito era enganar terceiros (sendo que aí também se pode incluir a Sociedade da qual o R. é sócio) e que a simulação era absoluta e não relativa - nunca houve intenção de vender o que quer que fosse. O depoimento de parte traduzido na confissão de que, ainda que com divergências quanto ao montante, assim que se mostrasse paga a divida o prédio voltaria à posse do AA não deixa qualquer dúvida.
10ª- Consequentemente e nos termos do art. 356° nº2 do C.C. o depoimento de parte é havido como confissão quando tal facto lhe seja como é desfavorável.
11ª- O Supremo Tribunal de Justiça actuando em matéria de revista conhece da matéria de facto em dois casos:
O primeiro para a hipótese de o Tribunal recorrido ter dado como provado um facto sem que se tenha produzido a prova que, segundo a lei, é indispensável para demonstrar a sua existência.
12ª- O segundo, quando se tenha desrespeitado as normas que regulam a força probatória dos vários meio de prova admitidos no nosso sistema jurídico. É também este o caso da declaração negocial produzida pelo R. 13ª- É o R. que produz esta declaração e fá-la em função do valor de cerca de 12.000 mil contos e não outro valor que este mesmo confessa no depoimento de parte. A conta corrente não é uma divida dos AA à firma, nem esta é, ou foi, R. neste processo, daí que a própria conta não inclua compras à sociedade
14ª- O facto provado sob o nº 47 -" devido aos problemas financeiros e fiscais do A. não podia já trabalhar como empreiteiro em nome individual.... "
Deste facto conjugado com a matéria assente sob o nº 1 resulta evidente o intuito de simular e escamotear uma realidade nomeadamente em relação "Fisco"
15ª- Construído o prédio não podia concluir-se que o seu custo foi de 82.285.095$00 (facto 57 ­Provado.)
16ª- A este montante ter-se-ia que abater a divida de 12 mil contos porquanto resulta do exposto não ser um custo de obra mas anterior e levar a crédito o valor da fracção "G" por vender.
17ª- Há assim um raciocínio viciado que constitui contradição evidente entre os artigos 59°, 56°, 36° e 5° e art. 57°.
18ª- A divida evidentemente não seria paga pela respectivo produto da venda do terreno mas pelo produto final da venda do imóvel, desde que se respeitassem os valores reais de venda das fracções, que os juros fossem reduzidos a um valor adequado á natureza do negócio, não comercial (o empréstimo era entre A e R.) o juro é civil.
19ª- Enferma de um outro erro de raciocínio o Acórdão em crise, desta feita no penúltimo parágrafo de fls. 1023. É que o documento de fls. 21 tem em conta uma divida de 12 mil contos sem que a este montante esteja já abatida a quantia de 8 mil contos. Assim a 12 mil contos teremos que abater 8 mil contos mais 7 mil contos. Ou seja, o A./Recorrente passaria a credor em 1991. Esta conclusão resulta clara para quem ouve o registo fonográfico, ainda que, insiste-se, deficientemente.
20ª- O saldo favorável resultaria da mera contabilização ajustada dos eventuais juros devidos. Sendo que estes sucessivos mútuos não reduzidos a escrito estariam sujeitos às regras do Código Civil e não do Código Comercial, art. 1143 do C.C.

Contra-alegaram os recorridos, pugnando pela manutenção do decidido.

Corridos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.


Vem dado como PROVADO:

O A. marido exercia a actividade de empreiteiro, como empresário em nome individual e no exercício de tal actividade no ano de 1989 sofreu diversos revezes económicos (aI. A) da matéria assente).

Efectivamente, os autores entre letras e encargos com as reformas, mais juros, deviam aos RR., a quantia de esc. 8.542.776$00 das letras e esc. 3.264.159$00 de encargos com reformas e juros e havia que garantir o seu crédito (aI. B) da matéria assente).

Em 08.11.89, AA. e Réu realizaram a escritura de compra e venda de um terreno destinado a construção no lugar de Vila Chã, com a área de 110m2 descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n° 00795/231189 (aI. C) da matéria assente).

Nessa mesma data, autor marido e réu celebraram o acordo que se encontra na declaração de fls. 21 cujo teor se dá por integralmente reproduzido (aI. D) da matéria assente).

Em 20.06.91 o autor entregou ao réu a quantia de sete milhões de escudos através da entrega de um cheque sacado sobre o C.P.P. com o n° ... (al. E) da matéria assente).

O réu registou a seu favor o prédio mencionado em C), mediante apresentação de 23.11.89 (aI. F) da matéria assente).

Com data de 04.05.89 foi concedida ao autor marido licença para obras, com a validade até 16.01.91, com o nº 822 (al. G) da matéria assente).

Deu entrada na Câmara Municipal de V.N. de Gaia um projecto apresentado pelo réu marido a que corresponde o alvará de licença na 1348 de 26.08.91, tendo tal projecto sido aprovado por despacho de 01.07.91 por aquela entidade camarária e paga a respectiva guia de receita em 26.08.91, conforme fls. 132 a 152 (al. H) da matéria assente).

Em 16.02.94 no Cartório Notarial de Sta Maria da Feira foi constituída propriedade horizontal relativa ao prédio identificado em C), facto apresentado a registo em 28.02.94 (ai. I) da matéria assente).

Em 13 de Setembro de 1994 a C.M. de V.N. de Gaia emitiu licença para publicidade comercial a favor de António Ferreira Pinho relativamente a uma rampa com 3 metros de comprimento para acesso a habitação na Rua da Corja – Arcozelo (al. J) da matéria assente).

A Câmara Municipal de V.N. de Gaia em 07.09.94 concedeu licença de habitabilidade ao prédio destinado a habitação sito na Rua da Corja na ... e ... – Arcozelo (al. K) da matéria assente).

Deu entrada na C.M. de V.N. de Gaia um projecto junto a fls. 174 a 178 no qual consta como requerente AA e é relativo à construção na Rua da Corja – Arcozelo, datado de Abril de 82 e que veio a ser deferido por despacho do Presidente da Câmara de V. N. de Gaia em 13.09.83 (al. L) da matéria assente).

Dá-se por integralmente reproduzido o teor do documento junto a fls. 163 e 164 (al. M) da matéria assente).

Dá-se por integralmente reproduzido o teor do documento junto a fls. 165 e 166 (al. N) da matéria assente).

Dá-se por integralmente reproduzido o teor do documento junto a fls. 167 e 168 (al. O) da matéria assente).

Dá-se por integralmente reproduzido o teor do documento junto a fls. 169 e 170 (al. P) da matéria assente).

Dá-se por integralmente reproduzido o teor do documento junto a fls. 171 e 172 (al. Q) da matéria assente).

Em virtude do termo de transacção cuja cópia se acha a fls. 173 os aqui réus entregaram, a título de indemnização por defeitos das fracções que constituem o edifício sito na Rua da Corja, com entrada pelo nº ... e ..., em Arcozelo e pelo montante de cinco milhões e cem mil escudos (al. R) da matéria assente).

Entre autor e réu foi acordada a elaboração de uma conta corrente que foi levada a cabo pelo aqui réu e cuja cópia se acha a fls. 11 a 16, 22 e 23 (al. S) da matéria assente).

Em 08.11.89 no terreno mencionado em C) existiam já construídas as fundações e a cave do edifício cuja construção para aí estava projectada (al. T) da matéria assente).

As despesas com a escritura e venda do referido terreno foram respectivamente de 99.490$00 e de 38.900$00 e lançado na conta corrente do autor (resp. ao quesito 10°).

As despesas com as custas do processo a nível de projectos, licenças e o próprio pagamento da sisa foram atribuídos ao autor (resp. ao quesito 11º).

No decurso da construção do edifício, o réu efectuou o pagamento de empregados, subempreiteiros e diversos materiais (resp. ao quesito 12°).

Tais importâncias foram sendo levadas à conta corrente do autor a débito (resp. ao quesito 13°).

Durante o mencionado período, foram lançados na conta corrente, a favor do réu, juros (resp. ao quesito 24°).

O Réu marido é sócio gerente da sociedade "A. F... de P... & Filhos, Lda.", sociedade que se dedica à venda de materiais de construção (rezo. ao quesito 26°).

O autor marido era cliente dessa empresa enquanto empreiteiro (resp. ao quesito 27°).

No âmbito de tais relações comerciais o autor marido adquiriu à sociedade mencionada materiais de construção tais como ferro, britas e cimento (rezo. ao quesito 28°).

Por virtude de dificuldades financeiras o autor marido em meados de 1989 era devedor à empresa mencionada, da quantia de 11.806.935$00 (resp. ao quesito 29°).

O autor marido foi interpelado várias vezes ao pagamento de tal quantia (resp. ao quesito 30°).

Depois de efectivadas algumas reuniões nos escritórios da dita empresa o autor propôs ao réu marido vender-lhe o prédio mencionado em C) por forma a pagar parcialmente a dita dívida (resp. ao quesito 31°).

Por acordo entre autor e réu foi atribuído àquele prédio o valor da quantia de 8.000.000$00 (resp. ao quesito 32°).

Foi igualmente acordado que tal montante seria imputado ao pagamento de parte do débito do autor (resp. ao quesito 33°).

Após tal proposta apresentada pelo autor, o réu marido decidiu construir naquele terreno (resp. ao quesito 34°).

O objecto social da firma "A. F... de P... & Filhos, Lda." não contempla a comercialização de terrenos e construção de prédios (resp. ao quesito 35°).
Após a realização da escritura pública referida em C) o réu marido entregou à sociedade aludida o montante de 8.000.000$00 (resp. ao quesito 36º).

Desde a data de tal escritura que o réu marido agiu como dono do mencionado prédio, qualidade que lhe era reconhecida pela generalidade das pessoas (resp. ao quesito 37°).

Aquando da celebração da dita escritura os autores solicitaram ao réu a emissão da declaração referida em D) (resp. ao quesito 38°).

Os autores previam a curto prazo obter fundos necessários para liquidarem a dívida que haviam contraído junto de "A. F... de P... & Filhos, Lda.", pretendendo dessa forma reaver o dito terreno (resp. ao quesito 39º).

O réu acedeu a emitir tal declaração porque pretendia que a dívida do autor à referida sociedade fosse paga (resp. ao quesito 40°).

Atendendo a que pretendia levar a cabo construção no terreno aludido é que o réu fez entrar na Câmara Municipal de V. N. de Gaia o projecto, cuja cópia se acha a fls. 132 a 152 (resp. ao quesito 41°).

Em 08.11.89 estava projectada a construção no aludido terreno de edifício com cave, R/C e 1º andar com o total de 4 apartamentos (resp. ao quesito 42°).

Após os autores terem verificado que não mais tinham possibilidade de reaverem o mencionado terreno, no início do ano de 1990 o R. decidiu construir naquele terreno um edifício em propriedade horizontal (resp. ao quesito 43°).

Para o efeito fez entrar na Câmara Municipal de V. N. de Gaia os projectos juntos a fls. 132 a 152 (resp. ao quesito 44°).

Quando o réu iniciou a obra o autor insistiu para que lhe fosse dada empreitada da mesma (resp. ao quesito 45°).

A empreitada da construção foi adjudicada, a solicitação do autor, ao seu enteado de nome EE (resp. ao quesito 46°).

Devido aos problemas financeiros e fiscais o autor não podia já trabalhar como empresário em nome individual, tendo por isso de constar o nome de EE (resp. ao quesito 47°).

Durante o decurso da obra o réu pagou os trabalhos de empreiteiro executados pelo autor, na pessoa de EE (resp. ao quesito 48°).

Os materiais necessários para a construção do edifício na obra de pedreiro foram fornecidos pela sociedade "A .. F... de P... & Filhos, Lda." (resp. ao quesito 49°).

Quando iniciou a construção o réu contraiu um empréstimo bancário no valor de 12.000.000$00 (resp. ao quesito 50°).

De forma a controlar os custos do imóvel o réu elaborou uma conta corrente (resp. ao quesito 51°).

Nessa conta corrente foram lançados os juros que o réu pagou por ter recorrido ao crédito bancário e junto de particulares (resp. ao quesito 52°).

Nessa mesma conta corrente eram lançados os valores entregues pelo réu ao autor destinados ao pagamento das despesas com a construção da obra quer para pagamento das despesas com a construção da obra, quer para pagamento de serviços, quer de materiais (resp. ao quesito 53°).

Os materiais fornecidos pela "A. F... de P... & Filhos, Lda.", não foram contabilizados na conta corrente (resp. ao quesito 54°).

Os montantes económicos mencionados nos documentos de fls. 163 a 172 e aí referidos como entregues a título de sinal e princípio de pagamento foram entregues directamente ao réu pelos promitentes compradores das fracções aí descritas (resp. ao quesito 55°).

A entrega do montante referido em E) destinava-se à liquidação do valor de 3.806.935$00, mais os juros entretanto vencidos e da responsabilidade do autor junto da sociedade "A. F... de P... & Filhos, Lda." (resp. ao quesito 56°).

Com a construção do prédio o réu desembolsou a quantia de 82.285.095$00 (resp. ao quesito 57°).

Tal valor não contempla o valor dos materiais de construção fornecidos pela "A. F... de P... & Filhos, Lda." (resp. ao quesito 58°).
Com a venda de todas as fracções que constituem o prédio sito na Rua da Corga, ...a..., com excepção da fracção "G" o réu arrecadou a quantia de 67.100.000$00.
*
Como é bem sabido, as conclusões da alegação dos recorrentes delimitam o objecto do recurso – arts 684º, nº 3 e 690º, nº 1 e 4 do CPC (sendo deste diploma legal todas as disposições a seguir citadas sem referência expressa), bem como jurisprudência firme deste Supremo Tribunal.
Sendo, pois, as questões atrás enunciadas e que pelo recorrente nos são colocadas que cumpre apreciar e decidir.

*

Desde já se podendo, e em suma, enunciar as seguintes:
a) A nulidade resultante da imperceptibilidade de parte da gravação dos depoimentos prestados em audiência;
b) A nulidade resultante da falta de transcrição dos depoimentos gravados;
c) A não violação dos ónus impostos pelo art. 690º-A.

Comecemos pela primeira:

Já em sede de alegações de recurso para o Tribunal da Relação do Porto, vieram os recorrentes invocar a “nulidade do depoimento de testemunhos, por os mesmos não se encontrarem devidamente gravados nas fitas magnéticas, impossibilitando, assim, o exame da causa, e condicionando o autor na reacção contra a decisão proferida em matéria de facto” (sic).

Por despacho de fls 981, após informação a propósito prestada por empresa que costuma efectuar as transcrições nos processos crimes (fls 967), entendeu o senhor Juiz a quo nada haver a fazer face à comprovada boa qualidade das gravações efectuadas.
Cabendo ao Tribunal de recurso, caso pretenda ouvir as cassetes e verificar que as mesmas não são devidamente audíveis, tomar a atitude que entender.
Tal despacho transitou em julgado.

Voltaram os recorrentes, notificados que do mesmo despacho foram, a dizer que continuam imperceptíveis alguns dos depoimentos prestados
Invocando nova nulidade, nos termos do art. 201º, já que tal vício, influindo no exame ou decisão da causa, condicionou a reacção do autor contra a decisão proferida em matéria de facto.

Proferido novo despacho (fls 998), com trânsito em julgado, foi indeferida a arguida nulidade.

Por acórdão proferido no Tribunal da Relação do Porto (fls 1004 e ss), nele se alude expressamente que foram ouvidas todas as gravações efectuadas em sede de julgamento na 1ª instância, tendo-se verificado que as mesmas se ouvem na íntegra e que se entendem as perguntas feitas e os depoimentos prestados, sem que se detecte qualquer falta.
Pelo que também aí se julgou improcedente a arguida nulidade.

Assim, para além de tal questão se dever entender já definitivamente decidida na 1ª instância, por despacho transitado em julgado, que, como tal, não admite reapreciação – não se trata de qualquer das nulidades previstas no art. 668º, sujeita a especial regime de arguição e conhecimento – sempre se dirá, que tendo de se aceitar neste Tribunal serem as cassetes em questão bem audíveis, nenhuma irregularidade terá sido cometida.
Sempre improcedendo a arguida nulidade.

Passemos, de seguida, à segunda questão atrás enunciada:

Determina o citado art. 690º-A, no seu nº 5 que, no caso da gravação da prova e da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, poderá o tribunal de recurso proceder à audição dos depoimentos indicados pelas partes, excepto se o juiz relator considerar necessária a sua transcrição, que então será realizada por entidades externas para tanto contratadas pelo tribunal.
Trata-se de um poder discricionário do relator, que pode ser objecto de reclamação para a conferência, sem possibilidade de recurso – Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. 3º, p. 55.
Podendo qualquer dos juízes adjuntos, caso tal o entenda necessário, para uma correcta apreciação do recurso, sugerir também a transcrição dos depoimentos gravados – art. 708º.

Assim, não tendo o Tribunal da Relação recorrido entendido necessária a transcrição ora em apreço, não pode este Tribunal sindicar tal decisão.
Nenhuma nulidade tendo sido praticada a tal respeito.

Agora, a terceira questão:

Os recorrentes, no início do seu recurso para o Tribunal da Relação, vêm impugnar a decisão sobre a matéria de facto.
Referindo nas suas alegações que se devem considerar provados os quesitos 1º a 9º, 12º na íntegra, 14º a 23º e 25º. E não provados os quesitos 26º a 43º.
Aludindo na última das suas extensas conclusões que “impunham decisão diversa todos os quesitos, mas nomeadamente:
- o quesito 1º a 25º” (sic).
Tendo, na mesma alegação, procedido à transcrição dos depoimentos de CC, FF, GG, GG.
O que fizeram de fls 570 a 654.
Por certo, com o único intuito de procurar corroborar a sua impugnação da decisão da matéria de facto que defendem ter sido mal decidida na 1ª instância.

Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto ora recorrido, foi rejeitada a referida impugnação dos recorrentes, com a improcedência do recurso nessa parte, fundamentalmente perlas seguintes razões:
O facto de terem, inicialmente, impugnado as respostas dadas aos quesitos 1º a 9º, 12º, 14º a 23º e 25º e depois (nas conclusões), as respostas aos quesitos 1º a 25º (sem exclusão das respostas dadas aos quesitos 10º, 11º, 13º e 24º), gera incerteza sobre o verdadeiro âmbito da impugnação.
Também os recorrentes não indicam os concretos meios probatórios em que fundamentam a sua pretensão.
Ainda não fazem referência ao assinalado na acta relativamente aos depoimentos gravados, tal como exige o nº 2 do art. 690º-A.

Vejamos:

Preceitua a propósito, sobre os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão de facto, o citado art. 690º-A:
“1 – Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 522º-C.
3 - ……………………………………………………………………………….”

Determinando o citado nº 2 do art. 522º-C:
“Quando haja lugar a registo áudio ou vídeo, deve ser assinalado na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento”.

Ora, é sabido que este Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido (art. 729º, nº 1), não conhecendo, consequentemente, da matéria de facto, salvo o caso excepcional previsto no art. 722º, nº 2 (art. 729º, nº 2).
Que aqui não se verifica.

Podendo, no entanto, mandar ampliar a matéria de facto em ordem, desde logo, a constituir base suficiente para a decisão de direito (art. 729º, nº 3), já aqui se tendo decidido que não tendo a Relação reapreciado a matéria de facto impugnada, nos termos legalmente estabelecidos, se estará no âmbito de aplicação do mencionado art. 729º, nº 3, pois a necessidade de ampliação da matéria de facto poderá passar não só pela averiguação de factos não apurados, mas ainda pela reapreciação de factos que tenham sido deficientemente julgados.
Sendo certo que, havendo violação da lei processual na rejeição da pretendida impugnação, sempre este Tribunal deverá julgar a respectiva matéria do recurso, por se reportar a matéria de direito – Ac. do STJ de 30/4/2002, revista nº 917/02-1 (Sumários 4/2002), bem como Ac. proferido na revista nº 1530/07-1 (Cons. Moreira Alves), cuja data se ignora.

Acrescendo, ainda, poder o Tribunal da Relação modificar a decisão de facto proferida pelo Tribunal de 1ª instância, nos específicos casos previstos no artº 722º, nomeada e precisamente também na hipótese de ter sido impugnada, nos termos do art. 690º-A, a decisão prestada com base nos depoimentos prestados e gravados.
Reapreciando, então, a Relação as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações do recorrente e do recorrido (o sublinhado é nosso), sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento á decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados (art. 712º, nº 2).

Sempre se devendo ainda dizer que o DL 39/95, de 15 de Fevereiro – e que aditou ao CPC o citado art. 690º-A (agora com a redacção que lhe foi dada pelo DL 183/2000, de 10 de Agosto) – pretendeu consagrar a garantia de um efectivo duplo grau de jurisdição em matéria de facto em articulação com o registo da prova efectuado nas audiências.
Fazendo incumbir ao recorrente – assim procurando tornar praticável uma verdadeira reapreciação dos concretos pontos de facto controvertidos, sem desmedidos custos em termos de morosidade na apreciação dos recursos – aquele especial ónus de alegação atrás falado, o qual, aliás, decorre dos princípios da cooperação, da lealdade e da boa fé processuais – Linhas Orientadoras, pags 59 a 61 e Lebre de Freitas, ob. e vol. cit., p. 52 e 53.

Tendo o mencionado DL 183/2000 eliminado a exigência da transcrição dactilografada das passagens da gravação em que o recorrente se funda, assim se possibilitando à parte a impugnação da decisão da matéria de facto com base na simples referência ao assinalado na acta – a qual, como já dito, refere o início e o termo da gravação de cada depoimento – devendo o tribunal de recurso proceder à respectiva audição a não ser que julgue necessário a transcrição dos depoimentos em causa.

Ora, a verdade é que – e sendo certo que o recorrente poderia ter sido mais rigoroso e cuidadoso na elaboração da sua alegação e respectivas conclusões – especificou o mesmo, no corpo da sua alegação – crendo-se ser aí que as aludidas especificações têm necessariamente que ser feitas (Lebre de Freitas, ob. e pags cit. e Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, p. 117) - quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e quais os concretos meios probatórios, com indicação dos depoimentos em que se funda.
Apenas não os referindo ao assinalado na acta, nos termos do citado art. 522º-C, nº 2.
Sendo certo que, a tal não estando obrigado, procedeu à transcrição dos depoimentos que, em seu entender, exigem decisão diferente sobre os pontos de facto impugnados.
Por eles se conseguindo ver, com toda a facilidade, pela consulta das actas, onde começaram, nas fitas magnéticas, e onde terminaram.
Julgando-se excessiva a sanção da rejeição do recurso, afinal pelo simples facto de, encontrando-se os depoimentos visados transcritos no corpo da alegação do recorrente, não ter sido formalmente indicado o início e o termo da respectiva gravação tal como consta das respectivas actas.
Não se devendo corroborar tal desmedida exigência.

E havendo divergência entre o corpo da alegação e a respectiva conclusão, deverá tal deficiência ser apenas mandada corrigir pelo relator, tal como se determina no nº 4 do art. 690º.
Sem que o recurso, por tal vício, deva ser rejeitado.

Bem podendo, in casu, e na hipótese de o Tribunal da Relação entender absolutamente necessária a indicação dos aludidos depoimentos, por reverência ao assinalado na acta, mandar suprir tal deficiência que, como já dito, e só por si (sendo certo que os questionados depoimentos estão todos transcritos pelo recorrente na sua alegação) não pode fundamentar a rejeição do recurso.

A procedência desta parte do recurso prejudica necessariamente a apreciação das demais questões suscitadas quanto ao seu mérito.

Devendo, antes disso, o Tribunal da Relação, proceder, nos termos atrás melhor explanados, ao julgamento da impugnação da decisão da matéria de facto ora em causa.
O que acarretará a anulação da parte da decisão recorrida que apreciou o mérito da causa, com novo julgamento da apelação, se possível pelos mesmos juízes (Amâncio Ferreira, ob. cit., pag. 198), com efectiva reapreciação da matéria de facto impugnada, sem prejuízo de, se assim for entendido, se convidar os recorrentes a reformular as conclusões da sua alegação.

Concluindo:

1ª – Conhecida no Tribunal de 1ª instância a nulidade arguida pelo recorrente, devido aos depoimentos gravados serem, quanto a ele, imperceptíveis, e transitado em julgado tal despacho, no sentido da sua improcedência, não deve mais essa matéria ser suscitada ou conhecida;

2ª – O pedido de transcrição dos depoimentos gravados em cassetes áudio, indeferido pelo Tribunal da Relação, não é susceptível de recurso;

3ª – Dá cumprimento aos ónus impostos pelo art. 690º-A do CPC, o recorrente que, ao impugnar a decisão sobre a matéria de facto, especifica os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (mencionando os quesitos que, a seu ver, estão viciadamente respondidos) e quais os concretos meios de prova constantes da gravação que impunham decisão diversa (indicando os depoimentos das testemunhas respectivas).
Não sendo causa de rejeição do recurso pela Relação o simples facto de o recorrente, que transcreveu os aludidos depoimentos, não fazer, quanto a eles, referência ao assinalado na acta quanto ao seu início e final.
Podendo em tal caso, se assim for entendido pela mesma Relação, ser o recorrente convidado a suprir tal deficiência.

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Face a todo o exposto, acorda-se nesta Supremo Tribunal de Justiça em se julgarem, desde já, improcedentes as arguidas nulidades, concedendo-se revista quanto à questão suscitada do julgamento devido pela Relação quanto à decisão da matéria de facto impugnada, anulando-se a decisão ora recorrida, com a remessa dos autos ao mesmo Tribunal para, se possível com os mesmos juízes, se proceder à efectiva reapreciação da matéria de facto impugnada, nos termos atrás melhor explanados.
Não se conhecendo, para já, do mérito do recurso.
Custas pela parte que decair a final.

Supremo Tribunal de Justiça, 17 de Abril de 2008

Serra Baptista (Relator)
Duarte Soares
Santos Bernardino