Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2839/19.4T8LRA.C1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
INTERMEDIÁRIO
BANCO
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
INCUMPRIMENTO
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
ÓNUS DA PROVA
DANO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
APLICAÇÃO FINANCEIRA
VALORES MOBILIÁRIOS
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :
I - Se o Banco BPN, intermediário financeiro, que propôs a subscrição de uma obrigação SLN Rendimento Mais 2004, no valor de € 50 000,00, informou o cliente de que tal produto era idêntico nas suas condições a um depósito a prazo e que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio banco, prestou, nesse caso, uma informação que não era verdadeira, susceptível de influenciar a decisão desse investidor (art. 7.º, n.º 1 do CVM).

II - O autor logrou demonstrar o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano de não reembolso do capital investido se provou que “só se dispôs” a fazer a aplicação em causa “porque lhe foi afiançado pelo gestor que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio Banco, uma vez que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo, com semelhantes características”.

Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:



*


AA e mulher, BB, contribuintes fiscais n.º ...72 e n.º ...80, respetivamente, residentes na Rua ..., lugar e freguesia ..., concelho ..., comarca ..., interpuseram a presente acção declarativa condenatória contra  a Ré BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., pessoa coletiva n.º ..., com sede na Avenida ..., ..., freguesia ..., na cidade e comarca ..., pedindo que o Banco réu seja condenado a restituir e a pagar aos autores a quantia de €57.873,97 (cinquenta e sete mil oitocentos e setenta e três euros e noventa e sete cêntimos), acrescida de juros à taxa supletiva legal, contados sobre €50.000,00 (cinquenta mil euros), desde a citação e até integral e efetivo pagamento, bem como em custas e em procuradoria condigna”.

Em síntese, alegam que como clientes da ré (então BPN) na sua agência de ... subscreveram um produto financeiro, a conselho dos funcionários da ré, nessa agência, que lhes foi descrito como sendo totalmente seguro, idêntico nas suas condições a um depósito a prazo, e que lhe permitia auferir uma taxa de juro superior. Caso soubessem da possibilidade de perda do capital os autores não teriam subscrito tal aplicação financeira. Por insolvência da SLN os autores não foram reembolsados do capital investido, tendo recebido, unicamente, os juros semestrais até Setembro de 2015. Invocam os autores que a ré “não deu cumprimento aos deveres acessórios de conduta que sobre ele impendiam” pois que “A informação prestada pelo Banco, reportada à data em que foi prestada, no que respeita à venda das obrigações da SLN, não era completa, verdadeira, clara nem objetiva”.

Contestou a ré excecionando a ineptidão da petição inicial, a prescrição e, ainda, que sem o discriminar, o abuso de direito. Impugna os factos alegados quanto à veracidade e licitude das informações prestadas aos autores.

A excepção de ineptidão da petição inicial foi julgada improcedente e remetida a apreciação das restantes para depois do julgamento.

Após julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido.

Não se conformando com o decidido, os AA. interpuseram recurso de apelação, que foi julgado improcedente.

Novamente inconformados, interpuseram então recurso de revista excepcional, formulando a final as seguintes conclusões:

“A. O Venerando Tribunal recorrido não deu cumprimento ao disposto no artigo 662.º do C.P.C., pois não teve em devida conta o depoimento do funcionário do Banco réu que vendeu o produto dos autos ao autor marido (a testemunha CC), nem de igual modo, valorou um documento fundamental para a economia do processo – o documento n.º 13 da p.i..

B. O documento n.º 13 da p.i., não foi impugnado pelo Banco réu, pelo que tinha forçosamente de ter sido valorado, segundo as regras do artigo 376.º do C.C.

C. Nomeadamente, tinha de ter sido atribuída força de prova plena às declarações atribuídas ao Banco réu, seu autor – artigo 376.º, n.º 1 do C.C., in fine.

D. Nos termos do disposto no artigo 674.º, n.º 3 do C.P.C., o erro na apreciação das provas e na afixação dos factos materiais da causa pode ser objeto de recurso de revista quando se verifique a ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

E. Começando por apreciar a impugnação da matéria de facto, mais concretamente os factos não provados sob as alíneas a) e b) e o pedido de aditamento à lista de factos provados que “Se o autor marido tivesse sido devidamente informado acerca das características da obrigação SLN Rendimento Mais 2004 que lhe foi vendida pelo Banco réu, nunca teria aceitado proceder à sua subscrição”, o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, considerou improcedente a impugnação deduzida pelos recorrentes, mantendo a fixada pela 1.º instância.

F. Após tanta tinta gasta, tanta notícia publicada, tanto espaço televisivo ocupado ,tanta turbação indignada, não pode deixar de se considerar que o esquema levado  a cabo pelo Banco réu para se financiar não integre o conceito de facto público e notório, sobretudo quando foi tornado público que o falecido DD, o chefe da quadrilha, cabeça da SLN e do BPN, foi condenado a 15 e a 12 anos de prisão e que EE, o número dois do BPN e o gestor da área financeira da SLN, foi condenado a 8 anos e seis meses e doze anos de prisão, ambos em dois processos diferentes, pela prática, entre outros, dos crimes de burla qualificada e de falsificação de documentos, nomeadamente contas.

G. Sendo certo que não existem processos ou «casos» iguais, neles assomando diversas realidades e uma multiplicidade de questões de facto e de direito, certo é também que é já um facto conhecido do público em geral a situação económica e financeira da SLN aquando da subscrição das obrigações SLN Rendimento Mais 2004 e SLN 2006 e o modus operandi utilizado pelo Banco réu para as comercializar, aos seus balcões.

H. Se tais factos são de notoriedade geral, dados como certos pela generalidade dos cidadãos portugueses, sê-lo-ão, forçosamente, de notoriedade judicial, atento o extenso número de casos já levados a tribunal, nos quais, como o dos autos, se pede a condenação do Banco réu no pagamento de uma indemnização, equivalente ao capital investido por seus clientes, na aquisição de produtos que lhes eram vendidos como meros sucedâneos de depósito a prazo, mobilizáveis a qualquer tempo, com eventual perda de juros, o que na realidade não correspondia à verdade.

I. Independentemente de estarem em causa, do lado ativo, diferentes sujeitos e de serem diversos os factos alegados em cada caso já levado a tribunal, ou até da variedade de factos provados e não provados, em função quer dos meios de prova apresentados, quer da diversidade de tribunais que os apreciam em diversas circunscrições e instâncias judiciais, o certo é que todos eles se reportam à forma como eram comercializadas as obrigações SLN aos balcões do Banco réu, originada pela situação financeira que a mesma então atravessava.

J. Pelo que, de facto, tal facto é um facto notório, de conhecimento geral e, necessariamente, de conhecimento judicial.

K. O tribunal recorrido incorre em total falta de lógica ao decidir manter a al. a) dos factos não provados no elenco dos factos não provados, uma vez que a testemunha CC, funcionário do Banco réu, que vendeu a obrigação dos autos ao autor marido, quando confrontada com o Doc. 13 da p.i., o Boletim de Subscrição da obrigação SLN Rendimento Mais 2004 dos autos, referiu que: Sim. A letra, aparentemente, é a minha, sim. Sim, sim” (pág. 20 da transcrição, 16:23) e quando questionada se entregou a ficha técnica do produto ao autor marido quando lhe deu a assinar o referido Boletim de Subscrição da obrigação, respondeu que: “Provavelmente não terei entregue” (pág. 21 da transcrição, 17:11).

L. Como se retira do depoimento das testemunhas CC e do depoimento de parte do autor marido, a nota informativa da Obrigação SLN Rendimento Mais 2004 dos autos não foi mostrada a este último, não lhe foi sequer falado em obrigação, não lhe foi explicada a característica da subordinação e foi-lhe dito que o Banco era o responsável pela emissão daquele produto, o qual lhe foi apresentado como um produto do Banco, semelhante a um depósito a prazo.

M. A al. a) dos factos não provados deveria ter sido dada como provada, atentas as declarações da testemunha CC, o depoimento de parte do autor marido e o Doc. 13 da p.i..

N. O autor marido, como os demais clientes do Banco réu, acabou por aceitar e subscrever tal produto porque acreditava e confiava plenamente nos funcionários do Banco réu que o aconselhavam quanto ao melhor destino a dar ás suas poupanças, tudo foi feito praticamente “ás cegas”, com base nessa mesma confiança, pelo que o tribunal deveria ter concluído que o autor marido nunca aceitaria fazer tal subscrição, se as verdadeiras características do produto em causa lhe fossem mostradas e devidamente explicadas.

O. E ainda que à data da subscrição não se previsse a possibilidade de ocorrer a insolvência da entidade emitente, que nunca sequer se tivesse falado em insolvência de Bancos ou de outras instituições financeiras, se acreditasse que tanto o Banco réu como a sua dona eram, de facto, entidades seguras, ainda assim não se pode de boa-fé concluir que o autor marido foi devida e convenientemente informado pelo Banco réu (como devia) e que a característica da subordinação da obrigação dos autos era de somenos importância para a sua tomada de decisão.

P. Só quando uma pessoa é cabalmente esclarecida e informada sobre as características do produto que lhe é proposto subscrever, advertida dos riscos e dos benefícios que tal produto lhe poderá trazer, é que se poderá dar por devidamente informada nos termos previstos no artigo 312.º do CVM.

Q. A característica da subordinação não era de somenos importância, mas de importância crucial para a aquisição daquele tipo de produto financeiro.

R. Uma coisa é adquirir-se um produto com risco Banco, que seria pago pelo Banco, com quem, no fundo, se estava (ou pensava estar) a contratar; outra é adquirir-se um produto de uma entidade que, na altura, nem se sabia bem o que era; uma coisa é adquirir-se um produto com um risco semelhante a um depósito a prazo, julgando-se estar sempre garantido pelo Banco; outra é adquirir-se um produto de uma entidade que se desconhece e que, ainda que seja muito pouco provável a sua insolvência, que até à data nunca sequer se tenha cogitado tal hipótese, se tal vier a acontecer, ainda que por mera suposição, só se receberá alguma coisa depois de todos os credores comuns terem recebido a totalidade dos seus créditos.

S. Uma coisa é julgar estar a adquirir-se um produto efetivamente seguro e garantido pelo próprio Banco, outra é adquirir-se um produto que, afinal, de seguro nada tem e que existe sempre um risco, ainda que longínquo, de se perder nele as poupanças de uma vida.

T. A questão da subordinação não foi efetivamente explicada ao autor marido e tal questão não é de somenos importância, mas de importância capital para uma tomada de decisão livre e informada.

U. O tribunal recorrido deveria ter também dado por provada a alínea b) dos factos não provados e deveria ter aditado aos factos provados que: “Se o autor marido tivesse sido devidamente informado acerca das características da obrigação SLN Rendimento Mais 2004 que lhe foi vendida pelo Banco réu, nunca teria aceitado proceder à sua subscrição”.

V. A prolação do douto acórdão recorrido vai contra a jurisprudência constante e quase uniforme do próprio Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, bem como deste Colendo Tribunal.

W. O Venerando Tribunal recorrido prolatou, entre muitos outros, o Acórdão de 12/02/2019 (Vítor Amaral – 2.ª Secção), proferido no processo n.º 1613/17.7T8LRA.C1; o Acórdão de 19/12/2018 (Sílvia Pires – 3.ª Secção), proferido no processo n.º 2259/17.5T8LRA.C1; o Acórdão de 23/01/2018 (Fernando Monteiro – 2.ªSecção), proferido no processo n.º 4327/16.1T8VIS.C1; o Acórdão de 23/01/2018 (Luís Cravo – 2.ª Secção), proferido no processo n.º 3246/16.6T8VIS.C2; o Acórdão de 16/01/2018 (Fonte Ramos – 2.ª Secção), proferido no processo n.º 3906/16.1T8VIS.C1; o Acórdão de 12/09/2017 (Moreira do Carmo – 2.ª Secção), proferido no âmbito do processo n.º 821/16.2T8GRD.C1 e o Acórdão de 12/09/2017 (Luís Cravo – 2.ª Secção), proferido no processo n.º 986/16.3T8GRD.C1, em sentido completamente oposto ao agora professado, em causas da mesma natureza e basicamente com os mesmos intervenientes (de um lado, lesados pela venda de obrigações da SLN aos balcões do BPN e do outro o ora réu e recorrido, o Banco BIC).

X. Por sua vez, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa prolatou, entre muitos outros, o Acórdão de 19/04/2018 (Manuel Rodrigues – 6.ª Secção), proferido no processo n.º 6779/16.0T8LSB.L1 (Acórdão fundamento); o Acórdão de 29/05/2018 (Dina Maria Monteiro – 7.ª Secção), proferido no processo n.º 34086/15.9T8LSB.L1; o Acórdão de 19/09/2017 (Maria do Rosário Gonçalves – 1.ª Secção), proferido no processo n.º 753/16.2T8LSB.L1; o Acórdão de 22/03/2018         (Jorge Leal – 2.ª Secção), proferido no processo n.º 14202/16.4T8LSB.L1; o Acórdão de 15/03/2018 (Manuel Rodrigues – 6.ª Secção), proferido no processo n.º 20403/16.8T8LSB.L1; o Acórdão de 20/02/2018 (Luís Espírito Santo – 7.ª Secção), proferido no processo n.º 13809/16.4T8LSB.L1 e o Acórdão de 18/01/2018 (António Valente – 8.ª Secção), proferido no processo n.º 3858/15.5T8LRA.L1, todos eles também em sentido completamente oposto ao agora professado, em causas da mesma natureza e basicamente com os mesmos intervenientes (de um lado, lesados pela venda de obrigações da SLN aos balcões do BPN e do outro o ora réu e recorrido, o Banco BIC).

Y. Em todos os acórdãos suprarreferidos se discute a mesma questão fundamental de direito: aquilatar da existência de culpa levíssima ou, pelo contrário, de culpa grave, quando, num caso como o dos autos, o intermediário financeiro vende a um cliente seu obrigações subordinadas da empresa sua dona, instruindo os seus funcionários a entrarem em contacto com os seus melhores clientes, que tivessem dinheiro bastante, para os convidar a subscrever obrigações “SLN” (Rendimento Mais 2004 ou 2006) e, posteriormente, a dizerem aos clientes que o produto, não sendo um depósito a prazo, era como se de um depósito a prazo se tratasse, não explicando que se tratava de obrigações subordinadas e nem sequer entregando aos mesmos a nota informativa da operação; aquilatar se, na presença de um acordo entre um Banco e um seu cliente, se deverá presumir a existência de nexo de causalidade entre a ilicitude figurada pela inobservância dos deveres contratuais, nomeadamente, pela violação do dever de informação por parte do 1.º e o dano sofrido pelo 2.º, pela falta de reembolso do capital e dos juros e, por último, aquilatar se, no âmbito da responsabilização do intermediário financeiro por violação grosseira dos seus deveres de informação, incide ou não sobre o mesmo o ónus de demonstrar que o dano teria ocorrido ainda que os deveres tivessem sido escrupulosamente cumpridos.

Z. O entendimento professado no douto acórdão agora recorrido colide frontalmente com aquele professado no acórdão fundamento, de 19/04/2018. – Doc. 1

AA. Existe uma identidade total entre as causas: obrigações SLN (no acórdão fundamento, SLN 2006 e no acórdão recorrido, SLN Rendimento Mais 2004), vendidas pelo BPN, nos seus vários balcões espalhados de norte a sul do país.

BB. O douto acórdão recorrido está ainda em frontal contradição com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29/05/2018 (Dina Maria Monteiro – 7.ª Secção), proferido no processo n.º 34086/15.9T8LSB.L1, em tudo também idêntico ao dos autos, bem como com o douto acórdão deste Colendo Tribunal, datado de 10/04/2018, (Fonseca Ramos), proferido no âmbito do Processo n.º 753/16.4TBLSB.L1.S1, e com o douto acórdão também deste Colendo Tribunal, datado de 18.09.2018, (Salreta Pereira), proferido no âmbito do Processo n.º 20329/16.5T8LSB.L1.S1.

CC. Foi rotundamente falsa a informação prestada pelo Banco réu ao autor marido, tendo, assim, violado o dever de informação leal e verdadeira, não correspondendo aos ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, assinalados no n.º 1 do artigo 304.º do C.V.M..

DD. Foi omitida ao autor marido relevante informação que os factos demonstraram ser crucial: o produto não era um depósito a prazo, como aquele pretendia, não era seguro, nem o Banco réu, ante a insolvência da SLN, reembolsou os autores, que perderam o valor investido, o que exprime o prejuízo sofrido de €50.000,00.

EE. O tribunal não teve presente que os autores, com pouco instrução e de humilde condição social, agiram sempre de boa-fé, permanecendo enganados pelos seus interlocutores do Banco, em quem confiavam.

FF. O iter logico percorrido pelo tribunal recorrido é revelador de uma completa insensibilidade (diríamos mesmo desvirtuamento) às regras da boa-fé e ao princípio da proteção do consumidor em geral e do investidor não qualificado em particular.

GG. Quanto à verificação do nexo de causalidade, que no caso sub judice se considerou não existir, incorreu o douto acórdão recorrido em manifesta e ostensiva contradição com o entendimento professado no acórdão fundamento.

HH. Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

II. A relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro exige deste um elevado padrão de conduta, com lealdade e rigor informativo pré-contratual e contratual: informação completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, tendo em conta que, entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a contraparte. O não cumprimento dos deveres de informação é sancionado, no quadro da responsabilidade civil contratual, impendendo sobre o intermediário financeiro ou Banco, que age nessa veste, presunção de culpa, nos termos do art. 799.º, n.º 1 do Código Civil, sendo claro o n.º 2 do art. 304.º-A do C.V.M. quando estatui – “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado por violação de deveres de informação”.

JJ. Na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente, a falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade. Assim, numa situação de tipo obrigacional, a mera falta de informação do beneficiário responsabiliza, automaticamente, o obrigado.

KK. Pese embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro se, no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente, assumir, em nome desse relacionamento contratual, também o reembolso do capital investido.

LL. Tendo o Banco réu violado o dever de prestar ao autor marido a informação completa, leal e diligente – que os seus deveres profissionais impunham – é ele responsável pela obrigação de indemnizar o prejuízo causado; não só o réu não ilidiu a presunção de culpa que sobre si impendia, como ficou plenamente demonstrada nos autos a sua culpa efetiva.

MM. Existindo ilicitude, culpa e dano, consubstanciado este na não recuperação do valor investido que, afinal, não foi garantido pelo Banco, bem como o nexo de causalidade entre a atuação culposa e inadimplente do Banco réu, estão preenchidos os requisitos da obrigação de indemnizar, nos termos do disposto no artigo 483.º, n.º 1 do C.C..

NN. O ónus probatório deve ser distribuído, não por causa da função que os factos desempenham no processo, mas antes em função do conceito de prova mais fácil, atribuindo-o, especificamente, à parte que está casuisticamente em posição mais favorável de o demonstrar.

OO. Este entendimento faz todo o sentido, uma vez que só deste modo, se estimula a efetiva produção de prova e a procura da verdade material, onerando a parte com maior facilidade probatória, bem como se promove a igualdade material entre as partes, dando a ambas maior igualdade na possibilidade de fazerem valer a posição em juízo.

PP. De facto, a parte com maior facilidade probatória pode sempre demonstrar a versão do facto que lhe aproveita e a parte contrária, apesar de ter menor facilidade em provar, pode sempre beneficiar de uma decisão de ónus da prova, caso a outra parte não consiga realizar a prova.

QQ. No plano de direito substantivo, só desta forma será possível repor a equivalência subjetiva entre a prestação e a contraprestação contratualmente fixada pelas partes.

RR. Por sua vez, no plano do direito adjetivo, só deste modo será possível garantir a prossecução do princípio da efetividade, do dever de verdade processual e da justa composição do litígio em prazo razoável, enquanto corolários do princípio da celeridade e da economia processuais.

SS. Cabe ao investidor lesado em virtude do incumprimento de um dever de informação por parte do intermediário financeiro, demonstrar a existência desse dever, enquanto sobre o intermediário financeiro recai o ónus da prova de que cumpriu cabalmente o dever de informar, de acordo com os padrões enunciados nos artigos 7.º e 312.º do CVM.

TT. A decisão agora posta em crise, para além de consubstanciar uma flagrante injustiça, procede a uma autêntica lavagem, se não mesmo derrogação, do regime da responsabilidade do intermediário financeiro.

UU. Cabe ao Banco algum esforço probatório demonstrativo da irrelevância da omissão do dever de informação na produção dos danos sofridos pelo credor. De outro modo, alimentar-se-ia uma lógica perversa de transferência do risco do negócio do próprio Banco para terceiros a ele alheios; à margem de qualquer vontade livre e esclarecida, situação que o legislador de todo não visou.

VV. O legislador não visou a instalação da indiferença perante a observância ou a inobservância dos deveres contratuais do Banco.

WW. Na prática, a decisão recorrida alimenta uma lógica perversa de transferência do risco do negócio do próprio Banco para os clientes, investidores não qualificados, e instala a indiferença perante a observância ou a inobservância dos deveres contratuais do Banco.

XX. O douto acórdão recorrido, contornando ostensivamente factos notórios vem passar uma esponja e branquear todo um conjunto de crimes perpetrados pelo falecido DD e companhia.

YY. A informação prestada pelo Banco/réu, reportada à data em que foi prestada, no que respeita à venda das obrigações da SLN, afinal não era completa, verdadeira, clara nem objetiva, em virtude de já em 2004 a situação do grupo SLN/BPN se encontrar em rutura financeira e os elementos económico-financeiros que apresentavam e serviram de base para a subscrição da emissão de obrigações da SLN eram falsos, estarem viciados e não traduzirem a verdadeira situação económico-financeira do grupo SLN/BPN.

ZZ. O impacto da realidade informal, a sua inclusão nas contas da SLN, implicavam capitais próprios negativos, ou seja, o grupo estava tecnicamente falido na data em que foram emitidas as obrigações dos autos.

AAA. Tanto o acórdão recorrido como o suprarreferido acórdão se debruçam sobre a mesma questão fundamental de direito:

A de saber se existirá culpa levíssima ou, pelo contrário, culpa grave, quando, num caso como o dos autos, o intermediário financeiro vende a um cliente seu obrigações subordinadas da empresa sua dona, instruindo os seus funcionários a entrarem em contacto com os seus melhores clientes, que tivessem dinheiro bastante, para os convidar a subscrever obrigações “SLN 2006”e, posteriormente, a dizerem aos clientes que o produto, não sendo um depósito a prazo, era como se de um depósito a prazo se tratasse, não explicando que se tratava de obrigações subordinadas e nem sequer entregando aos mesmos a nota informativa da operação.

Coloca-se ainda a questão de saber se, na presença de um acordo entre um Banco e um seu cliente, se deverá presumir a existência de nexo de causalidade entre a ilicitude figurada pela inobservância dos deveres contratuais, nomeadamente, pela violação do dever de informação por parte do 1.º e o dano sofrido pelo 2.º, pela falta de reembolso do capital e dos juros.

Assim como se coloca também a questão de saber se, no âmbito da responsabilização do intermediário financeiro por violação grosseira dos seus deveres de informação, incide ou não sobre o mesmo o ónus de demonstrar que o dano teria ocorrido ainda que os deveres tivessem sido escrupulosamente cumpridos.

Por último, coloca-se ainda a questão de saber se faz sentido afirmar-se, como se fez no douto acórdão recorrido, que, “no caso em análise, como é notório, o alegado dano ocorreu em consequência da insolvência da emitente (circunstância anómala e não previsível, à data da subscrição das obrigações) e não devido a qualquer violação de deveres de informação ou de obrigação contratual a que o Banco estivesse, porventura, vinculado.

BBB. Os Venerandos Desembargadores que prolataram o acórdão agora posto em crise responderam de modo negativo, enquanto outros, do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa responderam de modo positivo.

CCC. Deve presumir-se a existência de nexo de causalidade entre o facto ilícito figurado pela inobservância dos deveres contratuais, nomeadamente, pela violação do dever de informação por parte do Banco e o dano decorrente da falta de reembolso do capital investido e dos juros ao cliente.

DDD. Num caso como o dos autos (em que temos de um lado um Banco que exerce a intermediação financeira com profissionalidade e, do outro, clientes, investidores não qualificados), as partes, atentos os interesses em jogo e a respetiva condição, não podem ser colocadas em igualdade de posições, no que tange ao esforço probatório de cada uma.

EEE. O douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 581.º, nºs 3 e 4; 607.º, n.ºs 3, 4 e 5 e 662.º, n.º 1 do CPC; 342.º; 344.º, 376º, n.º 1; 483.º, n.º 1; 563.º e 799.º do Código Civil e nos artigos 7.º; 304.º, n.º 2; 304.º-A; 306.º, 309.º, 310.º, 312.º, 314.º, n.ºs 1 e 2 e 324.º, nº 2, do CVM.

Nestes termos, deverão V. Exas julgar procedente o presente recurso e, em consequência, revogar o douto acórdão recorrido, substituindo-o por outro que, julgando a ação procedente, condene o recorrido no pedido (…)”

O R. contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso.

Cumpre decidir.

Após impugnação que indeferiu, a Relação deu como provados os seguintes factos:

“1. A ré é um Banco comercial que girava anteriormente sob a denominação “BPN – Banco Português de Negócios, S.A.”. Até à nacionalização do “BPN - Banco Português de Negócios, S.A.”, operada pela Lei n.º 62-A/2008, de 11-11, a totalidade do capital social do Banco em causa era detida, na íntegra, pela sociedade “BPN, SGPS, S.A.”, a qual, por sua vez, era detida, também na íntegra, pela sociedade então denominada “SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.”.

2. O Banco réu, para além de ser, até à data da nacionalização do seu capital, uma instituição de crédito, era também um intermediário financeiro em instrumentos financeiros, estando, como tal, registado na Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), desde, pelo menos, o ano de 1993.

3. Os autores não tinham realizado naquele Banco quaisquer “operações de volume significativo nos mercados de valores mobiliários, com a frequência média de, pelo menos, 10 operações por trimestre ao longo dos últimos 4 trimestres”, nem tinham “uma carteira de valores mobiliários de montante superior a €500.000,00”, nem tinham, por último, “prestado funções, pelo menos durante 1 ano, no setor financeiro, numa posição profissional em que seja exigível o conhecimento do investimento em valores mobiliários”.

Os AA. subscreveram, antes e depois da aplicação financeira em causa, Unidades de Participação em Fundos de Investimento.

4. Os autores são, há mais de 15 anos, clientes do Banco réu, através da agência de ... e tinham, em outubro de 2004, um depósito a prazo numa Instituição bancária, de €23.537,66 (vinte e três mil quinhentos e trinta e sete euros e sessenta e seis cêntimos) e um depósito a prazo no Banco réu, de €26.462,24 (vinte e seis mil quatrocentos e sessenta e dois euros e vinte e quatro cêntimos).

5. No início do mês de outubro de 2004, o autor marido foi contactado pelo seu gestor de conta, funcionário do Banco réu, dizendo-lhe que o Banco tinha um novo produto totalmente seguro, idêntico nas suas condições a um depósito a prazo, e que lhe permitia auferir uma taxa de juro superior.

Mais lhe referiu o sobredito funcionário que se tratava de um produto com muita procura, o qual lhe proporcionaria um rendimento bem superior ao de um depósito a prazo que tinha ali no Banco, pelo que lhe aconselhava a compra de 1 obrigação SLN Rendimento Mais 2004, no valor de €50.000,00 (cinquenta mil euros).

6. O autor marido autorizou a operação sugerida, subscrevendo a compra de uma obrigação SLN Rendimento Mais 2004, no valor de €50.000,00 (cinquenta mil euros, em 11 de outubro de 2004.

7. Para a concretização de tal subscrição, no dia 21 de outubro de 2004, o autor marido resgatou o suprarreferido depósito a prazo, no valor de €23.537,66 (vinte e três mil quinhentos e trinta e sete euros e sessenta e seis cêntimos), que tinha noutra Instituição bancária, e depositou-o na sua conta de depósitos à ordem no Banco réu. E no dia 25 de outubro de 2004, foi resgatado o já referido depósito a prazo de €26.462,24 (vinte e seis mil quatrocentos e sessenta e dois euros e vinte e quatro cêntimos), que os autores tinham no Banco réu, e transferido para a sua conta de depósitos à ordem no Banco réu.

Nesse mesmo dia 25 de outubro de 2004, tais montantes foram aplicados na aquisição de uma obrigação SLN Rendimento Mais 2004.

8. O autor marido só se dispôs a aplicar o seu dinheiro na obrigação sugerida pelo Banco réu por que lhe foi afiançado pelo seu gestor de conta, funcionário do mesmo, que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio Banco, uma vez que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo, com semelhantes características.

9. Foi assegurado ao autor marido que, não obstante tratar-se de uma obrigação a dez anos, este poderia, querendo, resgatá-la a qualquer altura, com o que apenas sofreria, como sucede nos depósitos a prazo, uma penalização nos juros.

10. O autor marido tinha plena confiança nos seus interlocutores do Banco, por achar que eram pessoas íntegras e de palavra, que se preocupavam com os interesses dos clientes do Banco e que, especialmente no que toca ao seu gestor de conta, lhe prestava aconselhamento profissional quanto à gestão das suas poupanças.

11. O referido título encontra-se, ainda hoje, depositado na carteira de títulos dos autores, junto do Banco réu.

12. A “SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.” não pagou as obrigações SLN RENDIMENTO MAIS 2004 na data do seu vencimento, em 24 de Outubro de 2014.

Ainda assim, pagou, todavia, os juros semestrais até Setembro de 2015.

13. A “SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.”, hoje denominada “G..., SGPS, S.A.” apresentou, no Tribunal da comarca ..., um Processo Especial de Revitalização, o qual correu seus termos pela ... Secção de Comércio - J..., com o número 22922/15...., tendo sido logo proferido o despacho a que alude o artigo 17.º-C, n.º 3, al. a) do C.I.R.E. e tendo já sido proferida sentença que, declarando encerrado o processo negocial, sem aprovação do Plano de Recuperação, determinou o encerramento do Processo de Revitalização, nos termos do disposto no artigo 17.º-G, n.º 1 e n.º 4 do C.I.R.E..

14. A “Galilei, SGPS, S.A.” foi, entretanto, declarada insolvente por sentença, de 29/06/2016, proferida pelo Tribunal da comarca ..., ... Secção de Comércio-J4, no âmbito do processo número 23449/15.....

15. O A. recebeu sempre um extrato mensal onde lhe aparecia essa obrigação como integrando a sua carteira de títulos, não apenas devidamente identificadas, como separadas das restantes aplicações, nomeadamente DP’s.

16. Foi informado ao A. marido, que a única forma de obter liquidez, no caso da subscrição de obrigações, e se pretendida antes da data do respetivo reembolso, era vender as mesmas endossando-as a um terceiro.”

Por sua vez, foram dados como não provados os seguintes factos

“a. Para a dita subscrição, foi colocado na frente do autor marido um documento, denominado “Boletim de Subscrição”, sem qualquer numeração, um mero impresso válido para qualquer operação junto do Banco réu, já preenchido à mão, e aquele limitou-se a assiná-lo, julgando que se tratava de uma variante de um depósito a prazo, só que mais bem remunerado.

b. Ao subscrever aquele produto, nunca passou pela cabeça do autor marido – nem tal lhe foi alvitrado – de que o empréstimo só poderia ser reembolsado a partir de outubro de 2014.

c. De facto, nas suas relações com o Banco réu, o autor marido deixou sempre transparecer a preocupação em ter o dinheiro sempre disponível, para faz face a qualquer aperto financeiro súbito. “

O Direito.

Os autores pretendiam que fosse dada como provada a al. a) dos factos não provados e o facto de que “se o autor marido tivesse sido devidamente informado acerca das características da obrigação SLN Rendimento Mais 2004 que lhe foi vendida pelo Banco Réu nunca teria aceitado proceder a sua subscrição”, com recurso à notoriedade pública ( inocando, ainda, relativamente à al. a) a violação do art. 662º do CPC) mas proferiu-se um primeirto acórdão que lhe negou essa pretensão, deixando intocada a matéria de facto, inclusive em relação às al.b) e c), que também pretendiam impugnar.

Admitido, pela formação, o recurso de revista excepcional, cumpre deste conhecer.

Para tanto, importa ter em atenção que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 8/2022, publicado no DR I Série, nº 212, uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos:

“1- No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto -Lei n.º 357 -A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2 – Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” -  informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM.

3 – O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4 – Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.”

Da ilicitude e da culpa.

De acordo com a 1ª instância, a Relação entendeu que “A afirmação de que um produto financeiro era de “capital garantido” não traduz omissão de qualquer informação relevante ou informação “não verdadeira”, sendo expressão corrente para explicar ao cliente, sem especiais conhecimentos, que se tratava de um produto seguro e que os riscos, na prática, não divergiam em muito dos riscos de um depósito a prazo”. É uma expressão que pretende adjetivar um produto em que, no final do respetivo prazo de investimento, o capital é reembolsado ao investidor na sua totalidade, ao invés de o montante a reembolsar ser incerto e estar dependente da valorização ou desvalorização que o produto sofreu, ao longo do seu tempo de vida, no mercado financeiro.”

Sustentam os recorrentes que foi rotundamente falsa a informação prestada pelo Banco réu ao autor marido, tendo, assim, violado o dever de informação leal e verdadeira, não correspondendo aos ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, assinalados no n.º 1 do artigo 304.º do C.V.M. e ainda que foi omitida ao autor marido relevante informação que os factos demonstraram ser crucial: o produto não era um depósito a prazo, como aquele pretendia, não era seguro, nem o Banco réu, ante a insolvência da SLN, reembolsou os autores, que perderam o valor investido, o que exprime o prejuízo sofrido de €50.000,00.

Relativamente à ilicitude da informação, aqui se reproduz, o seguinte trecho do AUJ:

“(…) Como atrás se referiu, o intermediário financeiro está vinculado a um conjunto de deveres de entre os quais se destaca o dever de informação, que é decorrente do princípio da conduta transparente e leal. E esse dever de informação implica informar com clareza, lealdade e transparência os clientes acerca dos elementos caracterizadores dos produtos financeiros propostos para que os investidores possam tomar uma decisão de investimento esclarecida (artigo 7.º do CVM), sendo que a informação deve ser mais aprofundada quanto menor for o conhecimento do investidor, sendo certo que o intermediário financeiro tem o dever de prestar todas as informações de que tenha sobre um produto financeiro, tomando a iniciativa do esclarecimento das características do produto financeiro, e não de prestar somente os esclarecimentos solicitados pelo investidor.

Ora, se o intermediário financeiro equipara simplesmente a subscrição de obrigações subordinadas a um depósito a prazo, viola esse dever de informação, porquanto existem diferenças assinaláveis e muito significativas entre os dois produtos, que aqui resumidamente se apontam:

- As obrigações representam um direito de crédito sobre a entidade emitente (artigo 348.º do Código das Sociedades Comerciais), o que implica que é a entidade emitente que fica obrigada a restituir ao titular da obrigação (credor obrigacionista) quer o montante que lhe é mutuado quer os juros respetivos, quando convencionados, restituição que dependerá sempre da solidez financeira da entidade emitente. A subscrição de uma obrigação é um investimento e, através da sua aquisição, os investidores aplicam as suas poupanças visando uma remuneração do capital investido mais elevada, embora com mais riscos do que aqueles que resultariam de outras aplicações do capital, designadamente, através dos depósitos a prazo. As entidades emitentes colocam no mercado, pelo melhor preço que consigam obter, os valores mobiliários que emitem no intuito de conseguirem formas alternativas de financiamento da sua atividade sem os custos do recurso ao crédito bancário.

- Os depósitos a prazo são exigíveis no fim do prazo por que foram constituídos, podendo as instituições de crédito conceder aos seus depositantes, nas condições acordadas, a sua mobilização antecipada (artigo 1.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 430/91, de 2 de novembro).

Como se refere no acórdão de 5/12/2019, no contrato de depósito bancário, o Banco (depositário) tem a obrigação de restituir quantia idêntica à depositada, findo o prazo do depósito, acrescido de juros, caso hajam sido convencionados. No depósito bancário o valor depositado será sempre disponibilizado quando solicitado pelo cliente, não obstante a eventual perda dos frutos do depósito, mesmo nos casos de depósito a prazo não mobilizáveis antecipadamente. E quando os depósitos da instituição de crédito se tornam indisponíveis, o reembolso dos depósitos é garantido pelo Fundo de Garantia de Depósitos até ao valor global dos saldos em dinheiro de cada depositante, em conformidade com o limite estabelecido na lei.

- o Fundo de Garantia de Depósitos encontra -se regulado nos artigos 154.º e ss. Do Regime Geral das Instituições de Crédito. A garantia de depósitos foi regulada pela Diretiva n.º 94/19/CE, do Parlamento e do Conselho, de 30 de maio de 1994 e foi transposta para a ordem jurídica interna pelo Decreto-Lei n.º 246/95, de 14 de setembro.

- Assim, as informações não serão verdadeiras se se proceder a essa equiparação, porquanto as obrigações não são um produto equivalente aos depósitos a prazo e constituem um investimento com riscos superiores aos dos depósitos a prazo, não podendo o capital investido e respetivos juros serem levantados quando o cliente assim o desejar.

Retomando a linha de pensamento já afirmada, compete ao intermediário financeiro o dever de esclarecer sobre as reais características das obrigações e sobre os riscos que a operação envolve (mesmo sem olvidar que nos depósitos bancários também há o risco de insolvência da entidade depositária, mas esse risco sempre é atenuado pela existência do Fundo de garantia de devolução de depósitos, pelo menos, parcialmente).

Por outro lado, exige -se que o intermediário financeiro preste uma informação detalhada e verdadeira sobre o tipo de investimento que propõe ao investidor, designadamente, dando-lhe conta de a restituição, quer do montante investido, quer dos juros contratados depender sempre da solidez financeira da entidade emitente e que não há fundo de garantia nem mecanismos de proteção contra eventos imprevisíveis.

Isto significa que o intermediário financeiro deve informar o investidor que o risco de não retorno do capital investido corre por conta do cliente (investidor), não estando o Banco obrigado a restituir-lhe o valor investido nem a pagar-lhe os juros respetivos, com capitais próprios, tendo sempre em mente que para certo tipo de cliente (investidor) a garantia do reembolso do capital investido é essencial.

Deve, ainda, o intermediário financeiro informar o cliente que não poderá levantar o capital e respetivos juros quando assim entender, tornando claro o sentido do endosso como mecanismo de transmissão — desmobilização do investimento — do produto.

Não menos relevante: o intermediário financeiro deve informar o cliente (investidor) da sua relação com a sociedade emitente das obrigações, na medida em que possa estar em causa um potencial conflito de interesses.

Por outro lado, o intermediário financeiro deve esclarecer o cliente (investidor) no que consistem as “obrigações subordinadas”, isto é, informar que, em caso de insolvência do emitente, os obrigacionistas apenas serão reembolsados depois dos demais credores de dívida não subordinada.

Com tudo o que se referiu, não se pretende afirmar que, para prestar um melhor esclarecimento ao cliente (investidor) — atendendo ao seu nível de conhecimento —, o intermediário financeiro não possa socorrer -se de outras figuras ou produtos financeiros, comparando-os, desde que esclareça as respetivas diferenças.

Deste modo, é forçoso concluir que o intermediário financeiro que não informa o cliente (investidor não profissional) dos riscos do reembolso do capital investido, ou a sua perda significativa, sabendo que esse reembolso depende da solidez financeira do emitente das obrigações, bem como não esclarece o que sejam obrigações subordinadas, viola os seus deveres de informação (…).

Este comportamento do Réu, consubstanciado na prestação de um esclarecimento pouco rigoroso sobre o produto financeiro, induzindo o cliente (inexperiente e sem conhecimentos do mercado mobiliário e prudente na gestão do seu dinheiro) em erro uma vez que garantiu que se tratava de uma aplicação segura, equivalente a um depósito a prazo, deve ser censurado como culpa grave, não sendo, por esse motivo, aplicável o prazo de prescrição de dois anos previsto no artigo 324.º, n.º 2 do C.V.M. “

Revertendo ao caso sub judice, verifica-se que ficou provado que:

“5. No início do mês de outubro de 2004, o autor marido foi contactado pelo seu gestor de conta, funcionário do Banco réu, dizendo-lhe que o Banco tinha um novo produto totalmente seguro, idêntico nas suas condições a um depósito a prazo, e que lhe permitia auferir uma taxa de juro superior. (…)

8. O autor marido só se dispôs a aplicar o seu dinheiro na obrigação sugerida pelo Banco réu por que lhe foi afiançado pelo seu gestor de conta, funcionário do mesmo, que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio Banco, uma vez que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo, com semelhantes características.

9. Foi assegurado ao autor marido que, não obstante tratar-se de uma obrigação a dez anos, este poderia, querendo, resgatá-la a qualquer altura, com o que apenas sofreria, como sucede nos depósitos a prazo, uma penalização nos juros.”

Assim, e como decorre do AUJ, ao equiparar a subscrição de obrigações a um depósito a prazo (“idêntico nas suas condições a um depósito a prazo”) e ao informar que “o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio Banco”, o Banco prestou informação não verdadeira e, por isso, ilícita. E também culposa (com culpa grave), nos termos conjugados do art. 799º, nº 1 do CC e do art. 324º, nº 2 do CVM.

Nexo de causalidade:

Referiu o acórdão da Relação que “no caso em análise, como é notório, o alegado dano ocorreu em consequência da insolvência da emitente (circunstância anómala e não previsível, à data da subscrição das obrigações) e não devido a qualquer violação de deveres de informação ou de obrigação contratual a que o Banco estivesse, porventura, vinculado (…)”.

Sustentam os recorrentes, por sua vez, que “na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente, a falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade”; e que  “deve presumir-se a existência de nexo de causalidade entre o facto ilícito figurado pela inobservância dos deveres contratuais, nomeadamente, pela violação do dever de informação por parte do Banco e o dano decorrente da falta de reembolso do capital investido e dos juros ao cliente”.

Porém, o AUJ é claro : a presunção de culpa prevista no art. 314º do CVM não inclui presunções de ilicitude e de causalidade; é ao investidor que cabe o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, sendo que para estabelecer o referido nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.

E foi isso que os autores lograram fazer: provar efectivamente o nexo de causalidade. Com efeito, ficou provado que “o autor marido só se dispôs a aplicar o seu dinheiro na obrigação sugerida pelo Banco réu por que lhe foi afiançado pelo seu gestor de conta, funcionário do mesmo, que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio Banco, uma vez que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo, com semelhantes características.” (itálico nosso). Ora, dizer que o autor “só se dispôs” a fazer a dita aplicação “porque lhe foi afiançado pelo gestor que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio Banco, uma vez que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo, com semelhantes características” equivale a dizer que se lhe fosse prestada a informação correcta, ele não teria tomado a decisão de investir.

O recurso tem, assim, de proceder, por estar provado (efectivamente e não por presunção) o pressuposto do nexo de causalidade

Sumário (art. 663º, nº7 do CPC):

“1. Se o Banco BPN, intermediário financeiro, que propôs a subscrição de uma obrigação SLN Rendimento Mais 2004, no valor de €50.000,00, informou o cliente de que tal produto era idêntico nas suas condições a um depósito a prazo e que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio Banco, prestou, nesse caso, uma informação que não era verdadeira, susceptível de influenciar a decisão desse investidor (art. 7º, nº 1 do CMV);

2. O autor logrou demonstrar o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano de não reembolso do capital investido se provou que “só se dispôs” a fazer a aplicação em causa “porque lhe foi afiançado pelo gestor que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio Banco, uma vez que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo, com semelhantes características”.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em conceder a revista e, com fundamentação distinta:

a) revogar o acórdão recorrido;

b) condenar o Banco réu e a pagar aos autores a quantia de € 57.873,97 acrescida de juros à taxa supletiva legal, contados sobre €50.000,00, desde a citação até integral e efectivo pagamento.

Custas pelos recorridos.


*


Lisboa, 28 de Fevereiro de 2023

           

António Magalhães (Relator)

Jorge Dias

Jorge Arcanjo