Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
347/19.2PAPVZ-E.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: HELENA MONIZ
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
NOVOS MEIOS DE PROVA
INQUÉRITO
TRÂNSITO EM JULGADO
INJUSTIÇA DA CONDENAÇÃO
Data do Acordão: 10/21/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Não sendo o declarado no outro processo dado como facto provado, aquelas outras declarações não têm a virtualidade de permitir fundamentar a admissibilidade de uma revisão da decisão agora recorrida, por não se integrar em nenhum dos casos previstos no art. 449.º, do CPP.
II - A nova testemunha apresentada, que segundo o recorrente teria estado no local e no momento dos factos, não tinha ainda sido identificada aquando do julgamento (cf. conclusão J), pelo que não poderia ter sido apresentada naquele momento, parecendo estar cumprido o pressuposto do art. 453.º, n.º 2, do CPP, e constituindo um novo meio de prova que não poderia ter sido conhecido aquando do julgamento; porém, dado que aquelas declarações foram proferidas no âmbito de um processo a correr a fase de inquérito, sem que nada ainda tenha sido provado, e uma vez que a testemunha foi chamada a estes autos para prestar declarações, são estas que constituem o novo elemento que nos pode (ou não) permitir que se suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
III - Quaisquer dúvidas que o Tribunal a quo possa ter tido aquando da prolação da decisão revidenda (e antes das declarações integradas naquele outro processo), como alega o recorrente, poderiam ter sido fundamento de recurso ordinário por violação do princípio do in dubio pro reo, mas não são fundamento legalmente admissível do pedido de revisão, nos termos do art. 449.º, do CPP; estas dúvidas, a existirem, teriam agora que ser avivadas por novas declarações ou quaisquer outros novos meios de prova que suscitassem no julgador dúvidas sérias sobre a justiça da decisão.
IV - Não tendo sido apresentadas quaisquer provas que possam levar o julgador a questionar o decidido — dado que a testemunha nestes autos afirmou nada saber nem quanto aos factos, nem quanto às pessoas, nem quanto ao local, e as declarações prestadas na fase de inquérito sem que tenha sido provada a matéria factual subjacente não podem valer nestes autos — e nada mais sabendo para além do que foi provado em audiência de discussão e julgamento, não tendo sido apresentadas quaisquer provas sobre a autoria diversa da prática dos factos provados, não podemos concluir pela admissibilidade da revisão do acórdão em apreço.
Decisão Texto Integral:


­­ Proc. n.º 347/19.2PAPVZ-E. S1


Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

I
Relatório
1. No Tribunal Judicial da Comarca  ….. (Juízo Central Criminal ..........., Juiz ..), no âmbito do processo n.º 347/19.2PAPVZ, por acórdão de 15.07.2020, transitado em julgado a 10.12.2020 (cf. certidão junta aos autos), o arguido AA foi condenado pela prática, como reincidente, de um crime de ofensa à integridade física grave, nos termos dos arts. 75.º, n.º 1, 143.º, e 144.º, als. a) e b), todos do Código Penal (CP) na pena de prisão (efetiva) de 4 anos e 4 meses.
2. O condenado vem agora interpor recurso extraordinário de revisão, nos termos do art. 449.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Penal (CPP), terminando a sua motivação com as seguintes conclusões:
«A. É humilde convicção do arguido / recorrente / condenado que estão reunidos os pressupostos para ser autorizada a realização de um novo julgamento, na decorrência do julgamento procedente do recurso de revisão, por este libelo impetrado.
B. Efectivamente, verifica-se in casu os pressupostos constitucionais consignados no art. 29.º, n.º 6; bem como os requisitos da Lei ordinária fixados no art. 449.º, al. d) do CPP.
C. Da conjugação dos factos novos – acompanhados de novas provas – trazidos aos autos, nos termos da al. d) do art. 449.º do CPP, permite-nos concluir que o acórdão da 1.ª Instância, datado de 15/07/2020, proferido nos presentes autos, cometeu uma injustiça clamorosa, ao ter condenado o arguido pelo crime de ofensas corporais.
D. No acórdão a rever foram julgados provados os seguintes factos:
•Facto 7) «Quando BB já se encontrava no exterior do estabelecimento, eclodiu uma contenda entre ele e o arguido AA, no decurso do qual este atingiu aquele com socos no rosto.»
•Facto 10) «O arguido AA agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta, face à forma como atingiu BB na face e à força que empregou, era apta a provocar-lhe as lesões e demais consequências acima descritas, com o que se conformou.»
•Facto 11) «Mas sabia o arguido AA que a sua conduta era proibida e punida por lei.»
E. Importará que tais factos depois de analisados os novos factos e provas venham a ser declaradas “não provados”.
F. Essa alteração de factos impõe-se porque, sabe o condenado/Recorrente que no dia 15 de Abril de 2021, o cidadão de nome CC, nascido em 1995, solteiro, com a profissão - …………., natural …..; e, naquela cidade residente, na …...
G. Mais aconteceu que, o referido CC terá confessado a autoria material do crime pelo qual o recorrente se acha condenado.
H. Acredita o Recorrente que, tais declarações confessórias serão valoradas como verdadeiras, porque as mesmas correspondem à veracidade dos factos e espelham tudo quanto sucedeu nas circunstâncias de tempo, modo e lugar, no que concerne ao “filme” vivido em 08/04/2019, no Bar denominado “B………”, na ................
I. Convém recordar que o Tribunal Colectivo, que procedeu ao julgamento da questão de facto, no âmbito do processo supra identificado, e que condenou o Recorrente, teve dúvidas quanto à autoria das ofensas corporais, concretamente, no que tange à verdadeira mão que perpetrou o “soco” (ou, “os socos”) na vista (olho) do queixoso BB.
J. O Tribunal Colectivo que julgou e condenou o recorrente, não pôde contar com o depoimento de CC que estava no local da agressão e perpetrou a ofensa, porque não foi identificado; e, por virtude de tal facto, logrou passar incólume no processo que se pretende rever.
K. Só mesmo a consciência pesada de CC, autor da actividade criminosa, que soube “a posteriori” estar um INOCENTE (o recorrente) a cumprir pena de prisão efectiva por actos por si praticados;
L. Permitiu a impetração do presente recurso de revisão, através do qual o Recorrente pretende que se reponha a justiça do caso concreto, através da sua absolvição, porquanto NÃO foi o autor, das agressões, conforme reconheceu o queixoso na Audiência de Julgamento, ao não conseguir identificar ao certo a autoria do crime.
M. Sabe que a autoria material do crime pelo qual o condenado se acha a cumprir pena de prisão, foi perpetrado por outro individuo que não o condenado.
N. Em suma: esta é a verdadeira razão da impetração do presente recurso extraordinário: REPOSIÇÃO DE JUSTIÇA MATERIAL!
O. Tendo em consideração que resultará provado ter sido outra pessoa a perpetrar os factos criminosos pelos quais o recorrente se acha condenado; outra solução não existirá que não seja a sua ABSOLVIÇÃO integral.
P. Pois, de facto, o recorrente não cometeu o crime pelo qual está a cumprir pena, INJUSTAMENTE!...
IX Formulação do pedido
Termos em que, ao abrigo dos arts. 29.º, n.º 6 da CRP; bem como art. 449.º, al. d) do CPP; e depois da instrução perfunctória e informação, quanto ao mérito do pedido, elaboradas pelo Tribunal de 1.ª Instância; deverá o presente recurso extraordinário de revisão ser remetido ao Supremo Tribunal de Justiça, por apenso ao processo principal; e, uma vez chegado ao mais Alto Tribunal da Ordem Judicial, que é o STJ, deverá o recurso, ora impetrado, ser julgado provado e procedente; e, nos termos do art. 457.º do CPP, deverá ser concedida a autorização para revisão do julgamento do processo, ao nível da 1ª Instância; ordenando-se o reenvio dos autos, para novo julgamento, nos termos do art. 460.º do CPP.».
Requereu ainda:
- «Requerimento probatório»
«1. No dia 15 de Abril de 2021, foi constituído arguido o cidadão CC, melhor identificado supra no item 48.
2. Tal constituição de arguido, deu origem a abertura de inquérito que – supõe o Recorrente – deverá estar a correr na Procuradoria respectivamente competente.
3. Nesse inquérito constam as declarações do, agora, arguido CC, as quais se presumem corresponderem ao relatado supra nos itens 48 a 52.
4. Talvez, tenham sido, até, praticados já outros actos probatórios que o aqui Recorrente desconhece.
5. De qualquer modo, revela-se determinante para a descoberta da verdade material; e, sobretudo, para a admissibilidade do presente recurso; que, o mesmo, seja instruído com certidão completa dos autos que foram abertos na sequência da constituição de arguido supra identificada, cujo número o Recorrente desconhece; bem como, não sabe onde o processo está a ser tramitado.
6. Todavia, o Meritíssimo Juiz com jurisdição sobre os presentes autos, tem poderes oficiosos para ordenar seja oficiado, junto do Ministério Público da Procuradoria da República competente, para identificar os Autos nos quais o referido CC foi constituído arguido; e, ordenar seja extraída certidão completa dos mesmos para instruir o presente recurso extraordinário de revisão.
7. O Recorrente formula o presente recurso, com fundamento no art. 451.º n.º 3 do CPP.
Nestes  termos, requer-se V.ª  Ex.ª ordene sejam identificados os Autos supra referidos; e, mais determine, seja emitida certidão de tais Autos, ordenando-se que a mesma seja junta ao presente processo, para instrução deste recurso.»
- «Requerimento (a que aluda o artigo 457.º, n.º 2 do CPP
«1. Conforme se encontra vertido no corpo das alegações, o Recorrente encontra-se a cumprir pena de prisão efectiva, por um crime não cometeu.
2. Da prova perfunctória que agora foi junta aos presentes autos, e se coligiu, nos termos do art. 453.º do CPP, resulta claro que não foi o Recorrente que praticou o crime de ofensas corporais pelo qual se acha condenado.
3. Em face do sucedido, e tendo em consideração que suscitam-se “graves dúvidas sobre a condenação” do Recorrente (artigo 457.º n.º 2 do CPP), é entendimento dos defensores do condenado que a execução da pena deverá ser imediatamente suspensa.
Termos em que se requer a Vossas Excelências, Venerandos Conselheiros, que ordenem a suspensão imediata da execução da pena, determinando-se que o Recorrente aguarde novo julgamento sujeito a TIR.»
3. Por despacho de 28.05.2021, foi admitido o recurso e foi ainda deliberado que:
«(...) No caso em apreço, o recorrente fundamenta o seu pedido na alínea d) do artigo 449.o do Código do Processo Penal, alegando, em suma, que no dia 15 de Abril de 2021, o cidadão de nome CC, nascido em 1995, solteiro, com a profissão - ……………, natural de …..; e, naquela cidade residente, na ............, ….., deslocou-se, junto do Órgão de Polícia Criminal competente e, aí, terá confessado a autoria material do crime pelo qual o recorrente se acha condenado, motivando que, na sequência, tivesse sido constituído arguido e tivesse sido aberto inquérito, “para apurar a veracidade das suas declarações confessórias”.
Porque se entende que não compete a este tribunal de primeira instância sindicar a pertinência ou a bondade da alegação do recorrente, mas tão-só do cumprimento dos formalismos previstos no artigo 451.º do Código do Processo Penal, afigura-se ser de admitir liminarmente o recurso.
De todo o modo, como o fundamento da revisão é o previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º, face ao disposto no n.º 1 do artigo 453.º, cumpre a este tribunal decidir quais as diligências indispensáveis para a descoberta da verdade a que deve proceder.
No caso em apreço, o recorrente não ofereceu qualquer prova documental ou testemunhal, apenas tendo requerido, sim, que este tribunal diligenciasse “...junto do Ministério Público da Procuradoria da República competente, para identificar os Autos nos quais o referido CC foi constituído arguido; e, ordenar seja extraída certidão completa dos mesmos para instruir o presente recurso extraordinário de revisão”.
Sucede que não se afigura minimamente decisivo para a decisão do recurso de decisão apurar quais os desenvolvimentos que se possam verificar no âmbito de um determinado processo de inquérito que possa estar pendente. Com efeito, os factos novos a que alude a alínea d) do artigo 449.º do Código do Processo Penal devem constituir realidade que, desde já, possa ser considerada e ponderada para efeitos da apreciação do mérito do recurso de revisão e não - como decorre da diferente formulação das alíneas a), b) e c) do mesmo artigo 449.º - uma qualquer factualidade cuja efectiva existência esteja ainda a ser determinada no âmbito de um processo judicial e que só apenas depois da prolação de decisão final desse processo pode, eventualmente, suscitar graves dúvidas sobre a prova em que se fundamentou a condenação colocada em crise pelo recurso de revisão, ou sobre a justiça desta condenação.
Como tal, e porque o tribunal apenas deve ordenar a realização de diligências que se mostrem indispensáveis para a descoberta da verdade entende-se que a diligência requerida pelo arguido/recorrente não cumpre tal requisito.
De todo o modo, face àquilo que o recorrente alega quanto ao cidadão de nome CC, entende-se que, no âmbito da instrução do presente recurso, dever haver lugar à audição do mesmo.
Nos termos e pelos motivos expostos, decido:
a) admitir o presente recurso extraordinário de revisão interposto pelo arguido;
b) indeferir o requerimento do arguido a peticionar que o tribunal diligencie pela junção aos presentes autos de certidão do processo que refere ter sido aberto na sequência de declarações confessórias prestadas junto de OPC por DD;
c) designar o próximo dia 17 de Junho de 2021, às 14.30 horas para inquirição, neste tribunal, de CC, melhor identificado no artigo 48.º do requerimento de recurso do arguido.»
4.1. Após diversas diligências, a testemunha CC foi ouvida a 28.07.2021. Após audição da gravação integrada no Citius verifica-se que:
- a testemunha negou conhecer o arguido/condenado (1:06), negou conhecer qualquer um dos intervenientes nos factos dos autos (1:19 e 1:34), negou conhecer os factos, pois nunca esteve na …………… (3:20 e 3: 46 e ss, e volta a dizê-lo a 4: 55), não conhece o local onde ocorreram os factos (3:39), não conhece as pessoas (5:10), não conhece o requerimento apresentado (5:32), não sabendo porque veio a este processo (6:03);
- confirmou que é arguido num outro processo (6:39) que corre em ..... (7:05) e diz respeito a factos ocorridos em ..... (7:23); confirma que em abril de 2019 foi a uma esquadra em ..... (8:30), e foi a partir daí que se originou o processo que corre naquela localidade (8:49), mas neste outro processo não fez qualquer declaração (8:49), justificando que foi à esquadra porque foi notificado (9:10);
- reafirmou que não sabe de nada acerca do julgado nestes autos, nem conhece as pessoas (9:59-10:01), reafirmando que não conhece mesmo quando o Senhor Procurador o questiona referindo-se aos intervenientes através de outras designações pelos quais seriam conhecidos (AA 25, EE 25, FF 25); também não conhece nenhuma empresa relacionada com estas pessoas (12:00) e também não conhece empresas de segurança ou pessoas que trabalhem em empresas de segurança ou serviços de vigilância a centros comerciais (12:19/12:20).
4.2. Após estas declarações, o arguido veio requerer (28.07.2021) a “junção aos autos das declarações prestadas pela testemunha, no dia 15/04/2021, perante a PSP ….…..”.
4.3. Por despacho de 29.07.2021, foi o requerido indeferido porquanto:
«(...) conforme explanado no despacho oportunamente proferido em 28-05-2021, não se afigura minimamente decisivo para a decisão do recurso de decisão apurar quais os desenvolvimentos que se possam verificar no âmbito de um determinado processo de inquérito que possa estar pendente. Com efeito, os factos novos a que alude a alínea d) do artigo 449.º do Código do Processo Penal devem constituir realidade que, desde já, possa ser considerada e ponderada para efeitos da apreciação do mérito do recurso de revisão e não, como decorre da diferente formulação das alíneas a), b) e c) do mesmo artigo 449.º, uma qualquer factualidade cuja efectiva existência esteja ainda a ser determinada no âmbito de um processo judicial e que só apenas depois da prolação de decisão final desse processo podem, eventualmente, suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação colocada em crise pelo recurso de revisão, ou sobre a prova em que se fundamentou esta condenação.»
5. O Meritíssimo Juiz do Tribunal Judicial da Comarca  ….. (Juízo Central Criminal ..........., Juiz ..) apresentou a informação a que alude o art. 454.º, do CPP, nos seguintes termos:
«AA veio interpor recurso extraordinário de revisão da decisão proferida no âmbito dos autos principais que, por força da confirmação pelo Tribunal da Relação  ….. do acórdão que havia sido proferido em primeira instância, o condenou pela prática, como reincidente, de um crime de ofensa à integridade física grave, previsto e punido pelos artigos 75º, nº 1, 143º e 144º, alíneas a) e b), do Código Penal na pena de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão efectiva.
Sendo o fundamento da revisão o previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do Código do Processo Penal, o tribunal, após admitir o recurso, decidiu (pelos motivos expressos no despacho de 28-05-2021 - Referência: ……..58), nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 453.º do Código do Processo Penal, indeferir o requerimento probatório que o arguido apresentou a peticionar que se diligenciasse pela junção aos presentes autos de uma certidão de um processo alegadamente aberto na sequência de declarações confessórias prestadas junto de OPC por CC, antes determinando que se procedesse à inquirição como testemunha do mencionado CC.
Tendo sido colhido o depoimento determinado (cf. acta de 28-07-2021 - Referência: ……..62) e não se afigurando haver outras diligências probatórias a desenvolver que assumam relevo para a descoberta da verdade, cumpre agora observar o disposto no artigo 454.º do Código de Processo Penal. Nessa conformidade informa-se que, feita uma análise crítica das declarações da testemunha ouvida, se entende que não emergem neste recurso quaisquer elementos probatórios adicionais em relação àqueles que foram considerados ao nível da condenação do arguido oportunamente decidida nos autos, pelo que, consequentemente, não se vislumbra haver fundamento para que o pedido de revisão mereça procedência.».
6. Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta, ao abrigo do disposto no art. 455.º, n.º 1, do CPP, manifestou-se no sentido de não ser autorizada a revisão, nos seguintes termos:
«(...)4.1.2. Alicerçando o fundamento invocado, o recorrente aduz, em síntese: No dia 15 de Abril de 2021, CC, deslocou-se, junto do OPC competente e, aí, terá confessado a autoria material do crime pelo qual o recorrente se acha condenado, na decorrência do que foi constituído arguido e aberto inquérito, "para apurar a veracidade das suas declarações confessórias". (...)
(...) no caso vertente, o requerente indicou novos meios de prova que demonstrou ter estado impedido de produzir no decurso da audiência. Com efeito, o meio de prova que o recorrente agora indica é novo no sentido de desconhecido do tribunal e do arguido ao tempo do julgamento (que teve lugar em 2020), já que, segundo o que alega o recorrente, só em 15 de Abril de 2021 é que CC se teria deslocado a um OPC confessando ter praticado os factos pelos quais o recorrente teria sido condenado. E devido a esse desconhecimento teria resultado a não apresentação oportuna deste meio de prova. Estamos assim perante um novo meio de prova. (...)
No caso vertente, apesar do tribunal ter indeferido o requerimento probatório que o arguido apresentou peticionando que se diligenciasse pela junção aos presentes autos de uma certidão de um processo alegadamente aberto na sequência de alegadas declarações confessórias prestadas por CC, determinou que se procedesse à inquirição como testemunha, do mesmo, o que sucedeu. Cf. informação.
Ora, resulta do depoimento daquele (cf. acta de 28-07-2021) em síntese, que o mesmo declarou que nunca esteve na ..............., não conhece o bar «B.......» e, no dia 8 de Abril de 2019 (à noite) não se encontrava junto do referido estabelecimento comercial. Não sabe nada sobre nenhumas agressões na ............... entre AA e BB. É arguido num processo  ….. por factos ocorridos em ......
Assim, atento o teor do depoimento de CC, constata-se que do mesmo, combinado com a prova produzida na audiência de julgamento, não resultam graves dúvidas sobre a justiça da condenação. É que, os alegados «factos/meios de prova», não têm qualquer virtualidade para pôr em causa o acervo fáctico em que assentou a condenação do recorrente ou para afectar de forma relevante os fundamentos em que se estribou a convicção do Tribunal. Na verdade, a condenação do recorrente assentou num juízo valorativo da prova produzida e examinada no qual está afastada toda a dúvida razoável sobre a existência dos factos que perfectibilizam o crime pelo qual foi condenado.
Ora, como já referimos, para ser admissível o recurso de revisão com fundamento em novos factos ou meios de provas, estes deverão revelar-se tão seguros e (ou) relevantes – pela manifesta oportunidade e originalidade na invocação, pela isenção, verosimilhança e credibilidade, das provas ou pelo significado inequívoco dos novos factos ou por outros motivos aceitáveis – que o juízo rescidente que neles se venha a apoiar não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato, o que reclama do requerente do pedido a invocação de um quadro de facto “novo” ou a exibição de “novas” provas que, sem serem necessariamente isentos de toda a dúvida, a comportem, pelo menos, em bastante menor grau do que aquela em que se fundamentou a decisão a rever.
Ora, como é obvio no caso vertente tal não sucede.
4.1.4. – Assim e, uma vez que não se mostram reunidos, os fundamentos para considerar o caso sub judice abrangido pela previsão normativa do artigo 449 º, n.º 1 alínea d), do Código de Processo Penal – e/ou de qualquer dos demais segmentos do mesmo preceito –impõe-se, a negação da pretendida revisão.
Somos assim de parecer, que a revisão deve, em conferência ser denegada-ut CPP455º, n º 3 e 456º.»
7. Notificado o recorrente deste parecer, em cumprimento do princípio do contraditório, não respondeu.
8. Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II
Fundamentação
            A. Matéria de facto
1. Segundo o acórdão recorrido, é a seguinte a matéria de facto provada[1]:
«1) Os arguidos AA e EE e FF são irmãos, conhecendo todos eles há mais de 10 anos BB, pessoa com quem mantinham uma relação amigável.
2) Na noite do dia 8 de Abril de 2019, BB e FF combinaram encontrar-se no estabelecimento comercial de bar denominado “B.......”, sito na Rua ............, na ..............., o que veio a acontecer já depois das 00.00 horas do dia 9 de Abril de 2019.
3)BB e FF entraram no bar, conjuntamente com GG (que acompanhava BB) e HH e II (que acompanhavam FF).
4) Por motivos não concretamente apurados, os dois arguidos decidiram dirigir‑se até àquele estabelecimento, sabendo que FF ali se encontrava.
5) Depois de ali chegarem por volta da 01h00 do dia 9 de Abril de 2019, o arguido EE, ao ver o irmão FF, dirigiu-se a ele aos gritos, chamando-o para junto de si e do irmão AA.
6) Nessa altura, BB, que momentos antes havia estado na casa de banho do estabelecimento, abeirou-se dos arguidos para tentar pôr cobro à exaltação existente, tendo, depois de uma troca de palavras, saído para o exterior do estabelecimento comercial.
7) Quando BB já se encontrava no exterior do estabelecimento, eclodiu uma contenda entre ele e o arguido AA, no decurso do qual este atingiu aquele com socos no rosto.
8) Após o sucedido, BB ficou com o seu olho esquerdo a sangrar.
9) Em consequência directa e necessária dos socos com que foi atingido, BB:
            a) sofreu rotura traumática do seu globo ocular esquerdo, com extrusão de úvea (pela ferida escloral) e descolamento total da retina, bem como a fractura do pavimento da órbita esquerda e, ainda, laceração cutânea na região malar esquerda;
b) foi sujeito a 3 intervenções cirúrgicas (em 9-04, em 17-04 e em 22-04);
c) esteve internado durante os 14 dias iniciais, período durante o qual teve afectação total da sua capacidade de trabalho geral e profissional;
d) nos 46 dias subsequentes a esses primeiros 14 dias, manteve afectação total da sua capacidade de trabalho profissional e afectação acentuada da sua capacidade de trabalho geral;
e) após, continuou com a sua capacidade de trabalho geral e profissional afectada (ainda que com níveis de gravidade progressivamente decrescentes) até 26-11-2019, data da consolidação médico-legal das lesões, face à estabilização das sequelas funcionais resultantes das mesmas;
f) ficou, sob o ponto de vista funcional, com uma hipovisão grave à esquerda de carácter permanente, resultante da perda total da visão do olho esquerdo;          
g) ficou com uma assimetria notória da região orbitária a distância social, com ptose da pálpebra superior do olho esquerdo, ligeira diminuição do volume do globo ocular à esquerda, íris com pontos de sutura na sua periferia (de tonalidade heterogénea, com zonas esbranquiçadas e opacificadas) e pupila indiscernível, sequelas desfigurantes da face com carácter permanente.
10) O arguido AA agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta, face à forma como atingiu BB na face e à força que empregou, era apta a provocar-lhe as lesões e demais consequências acima descritas, com o que se conformou.
11) Mas sabia o arguido AA que a sua conduta era proibida e punida por lei.
12) BB viria a denunciar os factos em que esteve envolvido às autoridades.
________
13) No dia 11 de Julho de 2019, pelas 7.35 horas, na sequência de busca efectuada ao Café ……., sito na Estrada Nacional …, ……, ……, em ……., foi apreendida uma munição de arma de fogo - 7.62 x 51 mm, com a marca FNM, que se encontrava no interior de uma bolsa, na cozinha do estabelecimento.
14) Nesse mesmo dia, na sequência de busca domiciliária realizada à habitação sita na Rua …….., em ..................., onde residia o arguido AA, foi apreendida no quarto deste uma embalagem de aerossol de defesa, de marca PFEFFER – KO, com princípio activo oleoresin capsicum com uma concentração inferior a 5%.
15) O arguido EE não era titular de licença de uso e porte de arma, nomeadamente da classe C, e não se encontrava autorizado a deter munições da classe C.
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16) Os arguidos EE e AA descendem de agregado familiar de modesta condição socioeconómica, composto pelos progenitores, …………, e cinco descendentes, um já falecido.
17) O processo de crescimento e de socialização de ambos decorreu no seio desse agregado, em ambiente familiar perturbado por condutas disfuncionais do progenitor e pelo seu escasso envolvimento na sustentabilidade económica do agregado.
18) Nesse contexto, a progenitora constituiu-se como figura parental de referência afectiva e educativa, assumindo a mesma a gestão do quotidiano da família.
19) O arguido AA abandonou a formação escolar depois de completar o 2.º ciclo, iniciando após o desempenho das funções de servente de construção civil.
20) Posteriormente trabalhou em espaços de diversão nocturna durante cerca de ano e meio, passando de seguida a trabalhar em espaços de restauração/café propriedade de um irmão.
21) Afectivamente, constituiu duas relações, de curta duração, das quais teve duas descendentes, as quais se encontram entregues aos cuidados das respectivas progenitoras, ainda que mantendo contactos com o pai.
22) Foi preso em 18.10.2008, mantendo-se no estabelecimento prisional até 03.09.2018, data em que foi colocado em liberdade condicional, situação em que se encontrava aquando dos factos em causa nos presentes autos.
23) Nesse período de liberdade condicional, passou a viver com JJ, constituindo com a mesma um agregado autónomo, no qual se integravam ainda os dois descendentes da companheira.
24) Residia num apartamento de tipologia 3 situado na freguesia ……, dotado de condições de habitabilidade e conforto que, sendo propriedade da irmã mais velha e madrinha do recluso (emigrada em França), foi cedido gratuitamente por esta para habitação do arguido e respectivo agregado familiar.
25) Trabalhava com a companheira no café que esta explora nas imediações da residência, explorando com ela também um outro espaço de restauração pertencente à irmã mais velha do arguido.
26) Mantinha um quotidiano voltado para a família e para a actividade laboral e denotava uma atitude de colaboração com a equipa de reinserção social que acompanhava a liberdade condicional e de empenho na execução dos objectivos determinados.
27) Em situação de prisão preventiva à ordem dos presentes autos desde 11 de Julho de 2019, o arguido AA desenvolve em meio prisional um comportamento adequado sem registo de medidas disciplinares.
28) Por causa de problemas vasculares de que padece, foi submetido a cirurgia no Hospital ......... durante a prisão preventiva.
29) Beneficiou de visitas regulares por parte da companheira e ocasionais por parte das descendentes, mas tais visitas foram suspensas devido à pandemia por Covid 19.
30) Os seus projectos de vida passam pelo regresso ao agregado constituído e à retoma da actividade laboral que desenvolvia com a companheira.
31) Continua a beneficiar de apoio incondicional da companheira e da família, muito especialmente da mãe e da irmã mais velha e madrinha.
32) No meio comunitário de origem, onde são conhecidos os motivos da sua actual reclusão, não são percebidos sentimentos de rejeição.
33) Este arguido tem os seguintes antecedentes criminais:
a) condenação em 2005 numa pena de multa pela prática, em 11-01-2004, de um
crime de condução sem habilitação legal
b) condenação em 2006 numa pena de multa pela prática, em 13-08-2004, de um
crime de posse de substâncias explosivas ou análogas e armas;
c) condenação em 2006 numa pena de prisão, substituída por multa, pela prática,
em 18-09-2005, de um crime de condução sem habilitação legal;
d) condenação em 2006 numa pena de multa pela prática, em 13-04-2004, de um crime de detenção ilegal de arma;
e) condenação, por acórdão proferido no Processo Comum Colectivo n.º 797/08....... do então denominado .. Juízo da Comarca ............ (actual Juízo Central Criminal ........ – J..) e que transitou em julgado em 15.07.2009, numa pena única de 13 anos de prisão pela prática, em 23-08- 2008, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c) da Lei n.º 5/2006, de 23.02, e de um crime de homicídio, p. e p. pelo art. 131.º do C.Penal;
34) Esteve preso preventivamente à ordem do processo n.º 797/08....... acima referido desde 16.10.2008 até 15.07.2009, data em que continuou à ordem desse processo, agora em cumprimento de pena, situação que se manteve até 10.11.2009.
35) Em 10.11.2009, e até 29.01.2010, passou a estar preso à ordem do processo com o n.º 158/04......., do …. Juízo de Competência Especializada Criminal ........., para cumprimento de 80 dias de prisão subsidiária, pela prática de um crime de detenção ilegal de arma.
36) De 29.01.2010 até 03.12.2018, o arguido AA passou outra vez a estar preso ininterruptamente à ordem do processo n.º 797/08......., tendo sido colocado em liberdade condicional por decisão de 3.12.2018, transitada em julgado em 3.01.2019. (...)».

B. Matéria de direito
1. O presente recurso, interposto pelo arguido com base no disposto no art. 449.º, als. d) do CPP, tem por objeto o acórdão de 15.07.2020, que o condenou pela prática de um crime violação da integridade física grave. O “facto novo” que agora o recorrente pretende apresentar é o resultante de umas declarações  (prestadas a 15.04.2021) que uma testemunha — CC — terá apresentado num outro processo (que ainda corre os seus termos na fase de inquérito), e onde terá confessado (segundo o agora recorrente) a prática dos factos descritos nestes autos; estas declarações constituirão, segundo o recorrente, o facto novo que fundamenta este pedido de revisão, e por isto entende que os factos provados 7, 10 e 11 devem ser tidos como não provados.
2. Comecemos por referir que o recorrente requereu a junção aos autos de tais declarações, o que, no entanto, foi indeferido pelo Tribunal a quo.
Entendeu o Tribunal que uma qualquer factualidade no âmbito de um outro processo judicial apenas se torna relevante após “prolação de decisão final desse processo” (cf. despacho de 28.05.2021, transcrito supra).
Na verdade, nos termos do art. 453.º, n.º 1, do CPP, o Tribunal apenas procede às diligências que entenda como sendo indispensáveis para a descoberta da verdade. E assim procedeu o Tribunal dado que, apesar de não ter solicitado os elementos pretendidos pelo recorrente, não deixou de inquirir a testemunha.
E concorda-se com o decidido uma vez que quaisquer declarações prolatadas no âmbito de outro processo, ainda na fase de inquérito, e sem que os factos tenham sido ainda considerados provados, não seriam relevantes em sede deste processo de revisão. Isto porque a admissibilidade deste recurso de revisão depende de causas taxativamente previstas na lei. Ora, por força da lei, ou existe uma decisão (transitada em julgado) que considere falsos os meios de prova nos quais se baseou a decisão recorrida, ou os factos que estão na base da decisão passam a ser inconciliáveis com os provados em outra sentença.
Porém, no caso destes autos, não há (ainda) factos provados noutro processo, uma vez que aquele outro processo se encontra na fase de inquérito. Assim sendo, a realização da inquirição da mesma testemunha foi a decisão mais acertada.
É certo que a testemunha veio declarar, sob juramento, que não conhece nada dos autos — nem os factos, nem as pessoas, nem o local. Porém, e ainda que por absurdo tais declarações (proferidas no âmbito deste recurso de revisão) sejam completamente opostas às proferidas no âmbito do outro processo (na fase de inquérito), apenas poderão servir de fundamento a eventual crime de falsas declarações; não sendo o declarado no outro processo dado como facto provado, aquelas outras declarações não têm a virtualidade de permitir fundamentar a admissibilidade de uma revisão da decisão agora recorrida, por não se integrar em nenhum dos casos previstos no art. 449.º, do CPP. E sendo assim concorda-se com o indeferimento do requerimento do arguido quando, após as declarações de CC nestes autos, voltou a requerer a junção a estes autos de tais declarações proferidas na fase de inquérito do outro processo.
Analisemos, agora, o recurso de revisão apresentado.
3.1. O recurso extraordinário de revisão de sentença transitada em julgado, com consagração constitucional no artigo 29.º, n.º 6, da Lei Fundamental, e no art.º 4.º, n.º 2, do protocolo adicional n.º 7 à Convenção Europeia dos Direitos Humanos, constitui um meio processual vocacionado para reagir contra clamorosos e intoleráveis erros judiciários ou casos de flagrante injustiça, fazendo prevalecer o princípio da justiça material sobre a segurança do direito e a força do caso julgado. Estes princípios essenciais do Estado de Direito cedem perante novos factos ou a verificação da existência de erros fundamentais de julgamento adequados a porem em causa a justiça da decisão.
No entanto, procurando um harmonioso equilíbrio com o instituto do caso julgado, cujos valores de segurança, certeza e previsibilidade jurídica também são cruciais para o sistema de justiça e funcionamento de um Estado de Direito Democrático, o recurso de revisão é qualificado como “extraordinário”. Justamente porque tem um carácter excecional. Por isso, apenas circunstâncias imperiosas, tipificadas no art. 449.º, n.º 1, do CPP, e únicas admitem a quebra do caso julgado.
O recurso não é, nem se pode transformar, num recurso ordinário.
Não é sua função apreciar erros de julgamento, de facto ou de direito que, alegadamente, contenha a decisão condenatória, cuja reação processual é reservada para os recursos ordinários — artigo 412.º, do CPP — com sindicância de eventuais inconstitucionalidades perante o Tribunal Constitucional. Para o recurso de revisão ficam reservadas as situações que o legislador entendeu demonstrativas de uma condenação intoleravelmente injusta.
A tutela constitucional conferida pelo art. 29.º, n.º 6, da CRP não consagra um direito de revisão ilimitado. A CRP assinala que o direito de revisão dos cidadãos “injustamente condenados” existe “nas condições que a lei prescrever”.
Atendendo ao carácter excecional que qualquer alteração do caso julgado pressupõe, o Código de Processo Penal prevê, de forma taxativa[2], nas alíneas a) a g) do artigo 449º, as situações que podem, justificadamente, permitir a revisão da sentença penal transitada em julgado, assegurando um equilíbrio entre a salvaguarda do caso julgado e as exigências de justiça. Conforme realça Germano Marques da Silva[3], o “princípio da justiça exige que a verificação de determinadas circunstâncias anormais permita sacrificar a segurança que a intangibilidade do caso julgado exprime, quando dessas circunstâncias puder resultar um prejuízo maior do que aquele que resulta da preterição do caso julgado”. A regra é a verificação dos efeitos do trânsito em julgado na sua plenitude (art. 467.º, n.º 1, do CPP), sendo que a revisão reveste uma “natureza excepcional”[4], pelo que, enquanto normas excecionais, não comportam aplicação analógica ou extensiva (art. 11.º CC).
As condições excecionais elencadas de forma taxativa na lei são:
-  a falsidade dos meios de prova, verificada por sentença transitada em julgado;
- uma sentença injusta decorrente de crime cometido por juiz ou por jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;
- a inconciliabilidade entre os factos que servirem de fundamento à condenação e os dados como provados noutra sentença, suscitando-se graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
- a descoberta de novos factos ou meios de prova que, em si mesmos ou conjugados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
- a condenação com fundamento em provas proibidas;
- a declaração pelo Tribunal Constitucional, com força obrigatória geral, de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que haja servido de fundamento à condenação; ou
- uma sentença de instância internacional, vinculativa para o Estado Português, inconciliável com a condenação ou que suscite graves dúvidas sobre a sua justiça.
3.2. O recorrente pretende a revisão do acórdão por entender que os factos provados 7, 10 e 11, e que estiveram na base da sua condenação, não foram por si praticados, mas sim por CC, que terá assumido a autoria dos factos em outro processo. Todavia, não estando provada a sua participação nos factos, nem havendo decisão a declarar falsos os meios de prova usados nestes autos, e não tendo o recurso de revisão sido interposto, nem ao abrigo da al. a), nem ao abrigo da al. c), do n.º 1, do art. 449.º, do CPP, não pode ser o recurso admitido com base nestes fundamentos.
O recurso foi interposto ao abrigo do disposto no art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, mas, como veremos, os elementos trazidos aos autos não suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação.   
Mas, dados os fundamentos aduzidos na motivação do recurso, importa salientar que ao Supremo Tribunal de Justiça não compete julgar a causa.
Não é desiderato do recurso de revisão aferir se existiram erros de julgamento ao nível da matéria de facto ou da prova.
A competência circunscreve-se em aferir da (in)verificação das alíneas do n.º 1 do art. 449.º do CPP nos quais os recorrentes fundamentam a sua pretensão. E, caso tal suceda, apenas incumbe a este Tribunal ordenar a revisão da decisão condenatória, sopesando os referidos novos meios de prova entretanto apresentados.
3.2.1. O pedido de revisão teve por base o disposto no art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP — a descoberta de novos factos ou novos meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. Estabelecem-se, assim, duas condições cumulativas para que se verifique o estatuído na referida alínea: a) novidade dos factos ou meios de prova; b) graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
O primeiro pressuposto é, como referido, a novidade dos factos e meios de prova. Novidade que, igualmente, se menciona no art. 4.º, n.º 2, do protocolo n.º 7 à CEDH, que apenas admite a “reabertura do processo, nos termos da lei e do processo penal do Estado em causa, se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afectar o resultado do julgamento.” Na compatibilização entre a segurança jurídica e o caso julgado, como assinala o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 376/00, de 13.07.2000, “os factos novos do ponto de vista processual e as novas provas, aquelas que não puderam ser apresentadas e apreciadas antes, na decisão que transitou em julgado, são o indício indispensável para a admissibilidade de um erro judiciário carecido de correcção”. De outro modo, como refere Paulo Pinto de Albuquerque[5], o recurso de revisão, de natureza excecional, transformar-se-ia numa «apelação disfarçada», o que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos tem vindo a censurar, enquanto violador da garantia do caso julgado. Na realidade, a contestação da matéria de facto agora apresentada parece pretender reintroduzir a discussão sobre a matéria de facto sem os pressupostos do art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, estejam preenchidos.
A lei exige que os novos factos ou meios de prova descobertos sejam de molde, por si ou em conjugação com os que foram apreciados no processo, a suscitar “graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.
A generalidade da doutrina tem entendido que são novos os factos ou os meios de prova que não tenham sido apreciados no processo que levou a condenação do agente, por não serem do conhecimento da jurisdição na ocasião em que ocorreu o julgamento, pese embora pudessem ser do conhecimento do condenado no momento em que foi julgado.
Entendimento que o Supremo Tribunal de Justiça partilhou durante largo período de tempo, de jeito que podia considerar-se pacífico[6].
Mas, a jurisprudência do STJ foi sendo alterada, tendo avançado, posteriormente, para uma jurisprudência que impõe que a novidade também se refira ao desconhecimento, pelo arguido, dos factos e meios de prova que pretende chamar à colação para rever a decisão condenatória, apelando, nomeadamente, ao princípio da lealdade processual. E nesta jurisprudência atual, ainda se destaca, uma interpretação mais ampla do direito de revisão, definindo-se como “novo” “o facto ou meio de prova que, para além do tribunal, também o arguido desconhecia na altura do julgamento ou que, conhecendo, estava impedido ou impossibilitado de apresentar, justificação[7].
Ou seja, nos últimos tempos, a jurisprudência sofreu uma limitação, de modo que, pelo menos maioritariamente, passou a entender-se que, por mais conforme à natureza extraordinária do recurso de revisão e mais adequada a busca da verdade material e ao respetivo dever de lealdade processual que recai sobre todos os sujeitos processuais, só são novos os factos e/ou os meios de prova que eram desconhecidos do recorrente aquando do julgamento e que, por não terem aí sido apresentados, não puderam ser ponderados pelo tribunal [8]. Algo de semelhante ocorre quando o Código de Processo Penal, no art. 453.º, n.º 2, determina que nos casos em que o recorrente queira indicar testemunhas “não possa indicar testemunhas que não tenham sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estavam impossibilitadas de depor”.
Mas, não basta a novidade, ou seja, a existência de factos ou meios de prova novos. Estes, por si só, ou combinados com os que foram apreciados no processo, terão de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação. Este requisito é demonstrativo do carácter excecional do recurso de revisão e procura evitar uma desmesurada fratura no caso julgado que redundaria em múltiplos recursos para tentar inverter uma condenação. A fronteira é, justamente, a tutela dos casos que são ostensivamente injustos. A gravidade da dúvida sobre a justiça da condenação aponta, assim, para uma forte probabilidade de que os novos factos ou meios de prova, se introduzidos de novo em juízo, e submetidos ao crivo do contraditório de uma audiência pública, venham a produzir uma absolvição, em virtude da prova de inocência ou do funcionamento do in dubio por reo. É uma gravidade séria, acentuada e exigente.
3.2.2. No caso dos autos, a nova testemunha apresentada, que segundo o recorrente teria estado no local e no momento dos factos, não tinha ainda sido identificada aquando do julgamento (cf. conclusão J), pelo que não poderia ter sido apresentada naquele momento, parecendo estar cumprido o pressuposto do art. 453.º, n.º 2, do CPP, e constituindo um novo meio de prova que não poderia ter sido conhecido aquando do julgamento. Porém, dado que aquelas declarações foram proferidas no âmbito de um processo a correr a fase de inquérito, sem que nada ainda tenha sido provado, e uma vez que a testemunha foi chamada a estes autos para prestar declarações, são estas que constituem o novo elemento que nos pode (ou não) permitir que se suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
Porém, das declarações prestadas pela testemunha, agora aquando deste recurso, nada sabemos quanto à autoria dos factos, pois relativamente aos factos destes autos nada disse.
Pelo que, quaisquer dúvidas que o Tribunal a quo possa ter tido aquando da prolação da decisão revidenda (e antes das declarações integradas naquele outro processo), como alega o recorrente, poderiam ter sido fundamento de recurso ordinário por violação do princípio do in dubio pro reo, mas não são fundamento legalmente admissível do pedido de revisão, nos termos do art. 449.º, do CPP.
Estas dúvidas, a existirem, teriam agora que ser avivadas por novas declarações ou quaisquer outros novos meios de prova que suscitassem no julgador dúvidas sérias sobre a justiça da decisão. Como se escreve no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (de 28.02.2019[9]), “questões relacionadas com a fundamentação da matéria de facto, quer no acórdão condenatório quer na sentença absolutória não têm de ser convocadas em sede de recursos de revisão. Por um lado, porque não constam da matéria de facto estando ipso facto excluídas do objecto deste processo. Por outro porque as eventuais incongruências ou dúvidas que as mesmas pudessem suscitar foram (ou poderiam ter sido) colocadas em sede de recurso ordinário, ficando desde então precludida a possibilidade do seu conhecimento.”
Assim, não tendo sido apresentadas quaisquer provas que possam levar o julgador a questionar o decidido — dado que a testemunha nestes autos afirmou nada saber nem quanto aos factos, nem quanto às pessoas, nem quanto ao local, e as declarações prestadas na fase de inquérito sem que tenha sido provada a matéria factual subjacente não podem valer nestes autos — e nada mais sabendo para além do que foi provado em audiência de discussão e julgamento, não tendo sido apresentadas quaisquer provas sobre a autoria diversa da prática dos factos provados, não podemos concluir pela admissibilidade da revisão do acórdão em apreço.  
Em suma, não se verifica o fundamento da alínea d) do n.º 1 do art. 449.º, do CPP, chamado à colação pelo recorrente, pelo que deve ser negada a revisão.



III
Conclusão  
     Nos termos expostos, acordam, na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em conferência, em negar a revisão do acórdão que nos autos condenou o recorrente.

Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) unidades de conta, nos termos dos artigos 513.º e 514.º, do CPP, e artigo 8.º e tabela III, do Regulamento das Custas Processuais.

Supremo Tribunal de Justiça, 21 de outubro de 2021
Os juízes conselheiros,

Helena Moniz (Relatora)

Eduardo Loureiro

António Clemente Lima

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[1] Apenas se transcreve a matéria de facto relevante para o aqui recorrente.
[2] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, 4.ª ed., Lisboa: UCP, 2011, art. 449.º/ n. 2 p. 1206.
[3] Direito Processual Penal Português, Vol. III, Lisboa: UCP, 2014, p. 368.
[4] Maria João Antunes, Direito Processual Penal, 3.ª ed., Coimbra: Almedina 2021, p. 238.
[5] Cf. Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª ed., Lisboa: UCP, 2011, p. 1212 e ss.
[6] Assim, neste sentido, cf., entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11.03.93, Processo n.º 43.772; de 03.07.97, Processo n.º 485/97; de 10.04.2002, Processo n.º 616/02, todos da 3.ª Secção ou de 01.07.2009, Processo n.º 319/04.1 GBTMR-B.S1.
[7] Cf. entre outros, ac. do STJ de 05.06.2019, Rel. Cons. Belo Morgado, 05.06.2019, Proc. n.º 3155/12.8TAFUN-A.S1.
[8] Veja-se, por todos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20.06.2013, Processo nº 198/l0.0TAGRD-A.S1 e de 02.12.2013, Processo n.º 478/12.0PAAMD-A.Sl, ambos da 5.ª Secção ou de 25.06.2013, Processo n.º 51/09.0PABMAI-B.Sl, da 3.ª Secção
[9] Rel. Cons. Júlio Pereira, Proc. n.º 23/15.5GCFLG-E.S1.