Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08P437
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: RAÚL BORGES
Descritores: MEDIDA DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
CULPA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
FUNDAMENTAÇÃO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
AGRAVANTE
IDADE
ATENUANTE
Nº do Documento: SJ20080305004373
Data do Acordão: 03/05/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I - Com a 3.ª alteração ao CP, operada pelo DL 48/95, de 15-03, entrada em vigor em 01-10-1995, o legislador assumiu, precipitando no art. 40.º do CP, os princípios ínsitos no art. 18.º, n.º 2, da CRP (princípios da necessidade da pena e da proporcionalidade ou da proibição do excesso) e o percurso doutrinário, afirma Figueiredo Dias (in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, págs. 65-111), resumindo assim a teoria penal defendida:
1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial;
2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa;
3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico;
4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.
II - Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena que vai constar da decisão o juiz serve-se do critério global contido no art. 71.º do CP (preceito que a alteração introduzida pela Lei 59/2007, de 04-09, deixou intocado, como, de resto, aconteceu com o art. 40.º), estando vinculado aos módulos/critérios de escolha da pena constantes do preceito.
III - Como se refere no acórdão do STJ de 28-09-2005 (in CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 173), na dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do art. 71.º do CP têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõem maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente. Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar.
IV - O dever jurídico-substantivo e processual de fundamentação da medida da pena (art. 375.º, n.º 1, do CPP) visa justamente tornar possível o controlo – total no caso dos tribunais de relação, limitado às «questões de direito» no caso do STJ, ou mesmo das relações quando se tenha renunciado ao recurso em matéria de facto – da decisão sobre a determinação da pena.
V - A intervenção deste Supremo Tribunal em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, sendo entendido dforma uniforme e reiterada que «no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras de experiência, ou a sua desproporção da quantificação efectuada».
VI - Estando em causa a prática de um crime de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos arts. 171.º, n.º 2, e 177.º, n.º 1, al. a), do CP, e tendo em consideração que:
- a menor AF foi sexualmente abusada entre os 6 e os 9 anos de idade, sendo, por isso, muito intensas a ilicitude dos factos e a culpa do arguido;
- a proximidade do arguido em relação à menor AF, sua neta e com quem vivia, tornava esta extremamente vulnerável – situação de que o arguido tirou proveito para concretizar os abusos sexuais;
- o arguido revelou chocante baixeza de carácter ao revelar-se indigno da confiança que os pais da AF nele depositaram quando lhe confiaram a sua guarda;
- o arguido manteve conduta criminosa durante cerca de três anos – período muito longo, que não pode ter deixado de implicar assinalável sofrimento para a menor e grave prejuízo para o seu normal desenvolvimento –, e, durante tal período, usou e abusou da menor como lhe apeteceu, tirando partido do facto de se tratar de criança muito jovem, inocente e incapaz de se defender;
- o comportamento do arguido implicou para a AF sintomatologia ansiosa e depressiva, com grande vulnerabilidade emocional, dificuldades de sono, pesadelos, ideias recorrentes de imagens com o arguido, instabilidade emocional (com períodos de agressividade e descontrolo), o que levou a medicação com ansiolítico; entretanto a situação da menor melhorou, para o que terá contribuído a ausência de contacto com o arguido e a integração familiar e escolar; a conduta do arguido é adequada a causar depressão, tendências autolesivas, inibição sexual ou comportamentos desviantes;
- as razões e necessidades de prevenção geral positiva ou de integração – que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação ou mesmo reforço da norma jurídica violada, dando corpo à vertente da protecção de bens jurídicos, finalidade primeira da punição – são muito elevadas, impostas pelo alarme social, maxime nos últimos cinco anos, em que estas questões passaram a assumir muito maior visibilidade;
- o arguido não tem antecedentes criminais, e a sua conduta criminosa decorreu há cerca de três anos, tendo deixado de haver contacto entre o mesmo e a menor AF;- «a provecta idade não pode traduzir-se em prémio de comportamentos criminosos, sobretudo quando a maturidade do agente já atingiu (ou devia ter atingido) a sua plenitude, no respeito pelos bens jurídicos, maxime pelos bens fundamentais à manutenção e desenvolvimento da sociedade, os bens jurídico-criminais. O avançar da idade do delinquente não corresponde necessariamente a uma diminuição dos fins ressocializadores e de defesa da ordem jurídica e social que a aplicação das penas visam, uma vez que não há – nem pode haver – um limite etário de validade e eficácia do ordenamento jurídico; a duração da vida é incerta e, apesar do avançar da idade, o idoso, imbuído de propósito criminoso, pode continuar a praticar crimes», mas o facto de o arguido contar actualmente 77 anos de idade tem peso atenuativo, nos termos gerais do art. 71.º, n.º 2, do CP, na vertente «condições pessoais do agente» constante da sua al. d);
o quantum de pena fixado na decisão recorrida (6 anos de prisão) não ofende as regras de experiência comum e não é desproporcionado, situando-se em medida próxima do limite mínimo.
Decisão Texto Integral:
No âmbito do processo comum colectivo nº 39/04.7GJBJA, do Tribunal da Comarca de Ferreira do Alentejo foi submetido a julgamento o arguido AA, casado, reformado, nascido em 05-04-1930, na freguesia e concelho de Aljustrel, residente na Rua ….., nº …., em Jungeiros, Ferreira do Alentejo,
Por acórdão do Colectivo do Círculo Judicial de Beja de 28 de Setembro de 2007, foi o arguido condenado:
Como autor material de um crime de abuso sexual de crianças, p. p. pelos artigos 171º, nº 2 e 177º, nº 1, alínea a), do Código Penal, na pena de seis anos de prisão;
Como autor de um crime de detenção ilegal de arma de defesa, p. p. pelo artigo 6º, nº 1, da Lei nº 22/97, de 27-06, na pena de quatro meses de prisão;
Em cúmulo, na pena única de seis anos e dois meses de prisão.

Inconformado, o arguido interpôs recurso, apresentando a motivação de fls. 510 a 515, que remata com as seguintes conclusões:
1°. - A douta sentença recorrida condenou o Arguido na pena de SEIS ANOS E DOIS MESES de prisão;
2°. - A razão do recurso reporta-se tão somente à medida da pena, nomeadamente no que respeita ao crime de abuso sexual de crianças;
3°. - No que respeita à matéria de facto dada como provada o Recorrente nada tem a reclamar porque é o resultado fiel da prova produzida em audiência de julgamento e nos autos;
4°. - Em face da matéria de facto dada como provada e não provada entendemos que o douto acórdão violou, por erro de interpretação, o disposto nos artºs 71°, 171°, nº 2 e 177°, nº 1 al. a) todos do Código Penal;
5°. - Nos termos do artº 171°, nº 2 e 177°, nº 1 al. a), a moldura penal para o crime de abuso sexual de crianças é de 4 a 13 anos e 4 meses de prisão;
6°. - A determinação da medida da pena far-se-á em função da culpa do agente e das exigências da prevenção – artº 71° nº 1, do C.P;
7°. - Ponderando a matéria de facto dada como provada, entendemos que a pena aplicada não levou em consideração as circunstâncias em que os factos ocorreram, assim como as condições familiares, sociais e económicas do Arguido;
8°. - O Arguido é primário e goza de boa reputação na vizinhança;
9°. - Tem actualmente 77 anos dei idade e só na recta final da sua vida se deixou arrastar por instintos que não conseguiu dominar;
10°. - Acresce que o Arguido é pessoa de humilde condição social e está integrado social e familiarmente;
11°. - A prevenção geral e a reintegração do Arguido na sociedade se poderá fazer de forma mais equilibrada, mediante uma pena menos gravosa;
12°. - Tudo ponderado, ao abrigo do disposto no artº 71°, 171°, nº 2 e 177°, nº 1, al. a), todos do Código Penal, entendemos adequada a aplicação ao Arguido de uma pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
13°. - Como o Arguido foi também condenado na pena de quatro meses de prisão pelo crime de detenção de arma de defesa, cuja pena não nos oferece qualquer reparo - o mesmo deverá ser condenado, em cúmulo, na pena única de QUATRO ANOS E OITO MESES DE PRISÃO;
14°. - Além disso, é nosso entendimento que a pena deverá ser suspensa por um período de TRÊS ANOS.
No provimento do recurso pede a alteração do acórdão no sentido proposto.

Respondeu o MºPº conforme fls. 536 a 540, concluindo:
1 - A pena aplicada mostra-se perfeitamente adequada face ao comportamento do arguido, à personalidade demonstrada no momento anterior e posterior à prática dos factos, aos critérios elevados de prevenção geral e especial;
2 - São prementes as exigências de prevenção geral nos crimes contra a autodeterminação sexual de crianças, face aos valores que se visa proteger e às consequências nefastas para a criança;
3 - Atendendo-se à culpa do agente e as exigências de prevenção geral e especial positivas, afigura-se-nos não existir razão ao recorrente, tendo sido feita, no acórdão uma correcta interpretação dos factos e uma correcta interpretação e aplicação das normas.
Pede a manutenção do acórdão recorrido.

Neste Supremo Tribunal a Exma. Procuradora-Geral Adjunta a fls. 597 apôs visto.

O presente recurso foi interposto, bem como a decisão recorrida proferida foi já no domínio da nova redacção dada ao CPP pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, entrada em vigor em 15-09-2007, sendo que não foi requerida audiência.
Passou a dispor o n.º 5 do artigo 411º, do CPP: “No requerimento de interposição de recurso o recorrente pode requerer que se realize audiência, especificando os pontos da motivação que pretende ver debatidos”.
Não tendo sido requerida audiência, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos do artigo 419º, n.º 3, alínea c), do CPP.

Como é pacífico e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente retira da motivação apresentada, na qual resume as razões do pedido (artigo 412º, nº 2 do CPP), que se fixa e delimita o objecto do recurso.

Questão a resolver

A única questão a decidir prende-se com a redução da medida da pena aplicada pelo crime de abuso sexual de criança, com o natural reflexo na pena conjunta.

Factos Provados
Estão provados os seguintes factos, que são de ter por definitivamente assentes, por não ocorrer qualquer vício decisório nem nulidade de conhecimento oficioso.
a)
BB nasceu a 18 de Maio de 1994 e é filha de DD e de CC.
O Arguido é pai de DD e avô da menor BB.
b)
O casal composto por DD e CC tem uma outra filha, EE, cerca de cinco anos mais velha que a BB.
c)
O DD é guardador de gado.
Actividade em que tem sido auxiliado pela CC.
Tal actividade profissional leva a que o DD e a CC passem temporadas fora de casa e em locais diversos.
Com o propósito de proporcionarem às filhas um ambiente familiar estável e a frequência regular da escola, o DD e a mulher, CC, colocaram-nas à guarda e cuidados de seus avós paternos.
Assim, entre data não determinada de 1997 e final de Fevereiro de 2004, a menor BB e sua irmã EE viveram na companhia dos seus avós paternos, na Rua …., nº …, em Jungeiros, concelho de Ferreira do Alentejo.
Nesta residência, a menor BB e a EE passavam a semana. Regularmente, aos fins-de-semana, deslocavam-se para a companhia dos pais, habitando casa sita no Monte dos Narizes, concelho de Aljustrel, ou a caravana que os mesmos usavam quando acompanhavam o gado que guardavam.
d)
O Arguido é proprietário da casa acima referida, sita na Rua …., e de uma outra casa, também localizada em Jungeiros, na Rua do Castanheiro, nº 15.
Esta última casa, que estava destinada à habitação dos pais da menor BB, não era usada há vários anos.
A casa da Rua …. era diariamente frequentada pelo Arguido ou pela sua mulher, com o propósito de regarem as plantas aí existentes e de a arejarem – abrindo as suas janelas de manhã e fechando-as à tarde.
e)
Em data não concretamente apurada, mas situada pouco antes de a menor BB começar a frequentar a escola primária, quando completou seis anos de idade, o Arguido levou-a à casa acima referida, sita na Rua …..
Num dos quartos de tal casa, o Arguido acariciou a zona do peito da menor BB e, de seguida, despiu as calças e baixou as cuecas que usava e retirou à neta as calças e cuecas que a mesma usava.
De seguida, deitou a menor numa cama e friccionou o seu pénis na zona vulvar da menor BB.
f)
Desde então, quando o Arguido se dirigia à casa sita na Rua …., apenas acompanhado pela menor BB, praticava actos idênticos aos acabados de descrever.
Também nessas ocasiões, o Arguido dava beijos na boca à menor BB, introduzindo a sua língua na boca desta.
Com frequência, o Arguido obrigava a menor a agarrar o seu pénis e a friccioná-lo na sua zona vulvar.
Tais práticas finalizavam quando o Arguido ejaculava.
Por diversas vezes, o Arguido masturbou-se em frente à menor BB e obrigou-a a segurar o seu pénis com a mão, friccionando-o, até que ejaculasse.
Também por diversas vezes, o Arguido colocou o seu pénis na boca da menor BB.
Por duas ou três vezes, o Arguido procurou introduzir o seu pénis na vagina da menor BB.
A reacção da BB a tal prática do Arguido, mexendo-se e revelando dor, apenas permitiu a este a introdução de parte do seu pénis na vagina da menor.
Em todas estas ocasiões, o Arguido ejaculou.
g)
Actos como os que acabam de se descrever foram também praticados pelo Arguido na casa sita na Rua …, em algumas ocasiões em que o mesmo se encontrava a sós com a menor BB – por a irmã menor se encontrar na escola e a esposa do Arguido ter ido às compras ou ao médico, a Beja.
h)
A EE começou a reparar que o seu avô a tratava de forma diversa daquela que tratava a irmã BB – oferecendo a esta última mais prendas.
Reparou também que a irmã BB se queixava com frequência de dores de barriga e que, na companhia do avô, passava muito tempo na casa da Rua ….
No final do mês de Fevereiro de 2004, em dia não concretamente apurado, a EE, introduziu-se na casa da Rua …., onde antes haviam entrado o seu avô e irmã.
Aí viu o Arguido despir-se, despir a menor BB e esfregar o seu pénis na zona vulvar da irmã.
A EE deu a conhecer a sua mãe os factos que acabam de se descrever, que, de imediato, retirou ambas as filhas de casa dos avós paternos.
i)
Após agir da forma que acaba de se descrever, o Arguido dizia à menor BB que nada contasse a ninguém, prometendo-lhe pancada ou a morte de sua mãe, caso o fizesse.
j)
O Arguido levou a cabo o comportamento acabado de descrever de forma regular – pelo menos, duas vezes por semana.
Apenas quando esteve doente, por um período de cerca de quinze dias, o Arguido não manteve trato sexual com a menor BB.
l)
Agiu o Arguido de forma voluntária, com o propósito de obter satisfação do seu desejo sexual.
Sabia o Arguido que o seu comportamento era proibido e punido por lei.
m)
No decurso de busca realizada na residência do Arguido, no dia 14 de Janeiro de 2005, foi encontrada pistola (de alarme de 8 mm.) adaptada a 6,35 mm, de cor preta, de marca Reck Gaz, Pistole PE6, e vinte munições de calibre 6,35 mm.
Esta arma não se encontra manifestada nem registada.
Pertencia ao Arguido, que a havia adquirido há já vários anos, e que conhecia as suas características.
n)
O Arguido não era titular de licença de uso e porte de arma de defesa e sabia que por tal razão não podia ter em seu poder a referida pistola.
o)
Agiu o Arguido de forma deliberada, livre e consciente.
Sabia o Arguido que o seu descrito comportamento era proibido e punido por lei.
p)
Nada consta do certificado do registo criminal do Arguido.
q)
As pessoas que o conhecem e que com ele privam, por relações de vizinhança, consideram o Arguido pessoa com comportamento normal.
r)
O Arguido apresenta quadro cognitivo consentâneo com a normalmente designada zona de inteligência limítrofe (70 Q.I. 80). Revela capacidade de análise e de síntese de situações.
A sua capacidade afectiva é básica.
Conserva racionalidade suficiente para interagir de modo adequado com a realidade. Revela controlo e esforço de adaptação à realidade, sem que se detectem traços, ao nível da personalidade, que predisponham a um funcionamento desadequado da realidade.
s)
Desde o final de Fevereiro de 2004 que a menor BB deixou de manter qualquer tipo de contacto com o Arguido.
t)
O Arguido vive na companhia da mulher.
Encontram-se ambos reformados.
u)
Na sequência do descrito comportamento do Arguido, a menor BB revelava sintomatologia ansiosa e depressiva, com grande vulnerabilidade emocional, dificuldades de sono, pesadelos, ideias recorrentes de imagens com o Arguido, instabilidade emocional – com períodos de agressividade e descontrolo emocional.
O que levou a medicação com ansiolítico.
Entretanto, a situação da menor BB melhorou, para o que terá contribuído a ausência de contacto com o Arguido, e a integração familiar (com pais e irmã) e escolar.
O descrito comportamento do Arguido é adequado a causar depressão, tendências auto-lesivas, inibição sexual ou comportamentos desviantes.


Apreciando.



Medida da pena –Redução?

A pretensão do recorrente cinge-se à medida da pena imposta pelo crime de abuso sexual de crianças, pugnando pela aplicação da pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
A moldura abstracta cabível ao crime em causa é de quatro anos a treze anos e quatro meses de prisão.

No domínio da versão originária do Código Penal de 1982, alguma jurisprudência dizendo basear-se em posição do Prof. Eduardo Correia (Actas das Sessões, p. 20) segundo a qual o procedimento normal e correcto dos juízes, em face do novo Código, seria o de utilizar, como ponto de partida, a média entre os limites mínimo e máximo da pena correspondente em abstracto ao crime, adoptou tal orientação, de que é exemplo o acórdão de 15-02-1984, BMJ 334, 274.
Posteriormente e ainda antes de 1995, partindo da ideia de que a culpa é a medida que a pena não pode ultrapassar nem mesmo lançando apelo às necessidades de prevenção, mesmo que acentuadas, começou a considerar-se incorrecta a utilização, na graduação da medida da pena, do ponto médio entre os limites mínimo e máximo da pena, como vinha sendo entendido, salientando-se que a determinação da medida da pena não depende de critérios aritméticos. Neste sentido, o acórdão de 09-06-1993, BMJ 428, 284.
E no acórdão de 27-02-1991, A. J., nº 15/16, p. 9 (citado no acórdão de 15-02-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, 216), decidiu-se que na fixação concreta da pena não deve partir-se da média entre os limites mínimo e máximo da pena abstracta. A determinação concreta há-de resultar de a adaptar a cada caso concreto, liberdade que o julgador deve usar com prudência e equilíbrio, dentro dos cânones jurisprudenciais e da experiência, no exercício do que verdadeiramente é a arte de julgar.
Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, p. 1194, diz: “o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena”.
Definindo o papel que cabe à culpa na determinação concreta da pena, nos termos da teoria da margem de liberdade (Claus Roxin, Culpabilidade y Prevención en Derecho Penal, 94-113) é ele o seguinte: a pena concreta é fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa), limites esses que são determinados em função da culpa do agente e aí intervindo dentro desses limites os outros fins das penas (as exigências da prevenção geral e da prevenção especial).

A partir de 1995 foram alterados os dados do problema, passando a pena a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena.
Figueiredo Dias, em Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, no tema Fundamento, Sentido e Finalidades da Pena Criminal, págs. 65 a 111, diz que o legislador de 1995 assumiu, precipitando no artigo 40º do CP, os princípios ínsitos no artigo 18º, nº 2 da CRP, (princípios da necessidade da pena e da proporcionalidade ou da proibição do excesso) e o percurso doutrinário, resumindo assim a teoria penal defendida: 1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.

A terceira alteração ao Código Penal operada pelo Decreto-Lei 48/95, de 15 de Março, entrado em vigor em 1 de Outubro seguinte, proclamou a necessidade, proporcionalidade e adequação como princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental, introduzindo a inovação constante do artigo 40º, ao consagrar que a finalidade a prosseguir com as penas e medidas de segurança é «a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade».
Com esta reformulação do Código Penal, como se explica no preâmbulo do diploma, não prescindiu o legislador de oferecer aos tribunais critérios seguros e objectivos de individualização da pena, quer na escolha, quer na dosimetria, sempre no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional, de que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa, dispondo o nº 2 que «Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa».
Em consonância com estes princípios dispõe o artigo 71º, n.º 1, que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”; o n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, dispondo o n.º 3, que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, injunção com concretização adjectiva no artigo 375º, nº 1 do CPP, ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada. (Em sede de processo decisório, a regulamentação respeitante à determinação da pena tem tratamento autónomo relativamente à questão da determinação da culpabilidade, sendo esta tratada no artigo 368º, e aquela prevista no artigo 369º, com eventual apelo aos artigos 370º e 371º do CPP).
Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena que vai constar da decisão o juiz serve-se do critério global contido no referido artigo 71º do Código Penal (preceito que a alteração introduzida pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, deixou intocado, como de resto aconteceu com o citado artigo 40º), estando vinculado aos módulos - critérios de escolha da pena constantes do preceito.
Como se refere no acórdão de 28-09-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, 173, na dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do art. 71º do C. Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar.
O referido dever jurídico-substantivo e processual de fundamentação visa justamente tornar possível o controlo - total no caso dos tribunais de relação, limitado às «questões de direito» no caso do STJ, ou mesmo das relações quando se tenha renunciado ao recurso em matéria de facto – da decisão sobre a determinação da pena.
Estando a cognoscibilidade em recurso de revista limitada a matéria de direito, coloca-se a questão da controlabilidade da determinação da pena nesta sede.
Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, p. 196/7, § 255, após dar conta de que se revela uma tendência para alargar os limites em que a questão da determinação da pena é susceptível de revista, afirma estarem todos de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Defende ainda estar plenamente sujeita a revista a questão do limite ou da moldura da culpa, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, e relativamente à determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, esta será controlável no caso de violação das regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.
A intervenção do Supremo Tribunal em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras de experiência, ou a sua desproporção da quantificação efectuada”- cfr. acórdãos de 09-11-2000, in Sumários; de 23-11-2000, processo 2766/00-5ª; de 09-05-2002, CJSTJ 2002, tomo 2, 193; de 16-05-2002, proceso 585/02-5ª; de 14-11-2002, processo 3316/02-5ª; de 30-10-2003, CJSTJ 2003, 3, 208; de 11-12-2003, processo 3399/03-5ª; de 04-03-2004, processo 456/04-5ª, in CJSTJ 2004, tomo 1, 220; de 07-12-2005 e de 15-12-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, 229 e 235; de 29-03-2006, CJSTJ 2006, tomo 1, 225; de 15-11-2006, processo 2555/06-3ª; de 14-02-2007, processo 249/07-3ª; de 08-03-2007, processo 4590/06-5ª; de 12-04-2007, processo 1228/07-5ª; de 19-04-2007, processo 445/07-5ª; de 10-05-2007, processo 1500/07-5ª.
Ainda de acordo com o mesmo Professor, nas Lições ao 5º ano da Faculdade de Direito de Coimbra, 1998, p. 279 e seguintes: «Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo de medida (sentido estrito ou de «determinação concreta») da pena.
As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Assim, pois, primordial e essencialmente, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, protecção que assume um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena».
Anabela Miranda Rodrigues, O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, nº 2, Abril/Junho de 2002, pág. 147 e ss., como proposta de solução defende que a medida da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e que será definida e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização; a pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Apresenta três proposições em jeito de conclusões e da seguinte forma sintética:
“Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas”.
E termina: “É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposta pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente”.

Volvendo ao concreto.

O acórdão recorrido justificou as penas do seguinte modo:
“- a menor Andreia Filipa foi sexualmente abusada entre os seis e os nove anos de idade – a ilicitude dos factos e a culpa do arguido são, por isso, muito intensas;
- a proximidade do arguido em relação à menor Andreia Filipa, sua neta e com quem vivia, tornava esta extremamente vulnerável – situação de que o arguido tirou proveito para concretizar os abusos sexuais;
- o arguido revelou chocante baixeza de carácter ao revelar-se indigno da confiança que os pais da Andreia Filipa nele depositaram quando lhe confiaram a sua guarda;
- o arguido manteve conduta criminosa durante cerca de três anos - trata-se de período muito longo e que não pode ter deixado de implicar assinalável sofrimento para a menor e grave prejuízo para o seu normal desenvolvimento; durante tal período, o arguido usou e abusou da menor como lhe apeteceu, tirando partido do facto de se tratar de criança muito jovem, inocente e incapaz de se defender”.
O acórdão recorrido teve ainda em atenção a ausência de antecedentes criminais, a idade (o arguido conta actualmente 77 anos de idade) e a conduta criminosa do arguido ter decorrido há cerca de três anos e ter deixado de haver contacto entre o mesmo e a menor Andreia.
O recorrente avança com os seguintes argumentos:
Ser primário; gozar de boa reputação na vizinhança; ter actualmente 77 anos de idade e só na recta final da sua vida se deixou arrastar por instintos que não conseguiu dominar e que culminou com este processo; ser pessoa de humilde condição social e estar integrado social e familiarmente, vivendo na companhia da mulher e encontrarem-se ambos reformados.
No que toca a primariedade, como resulta da alínea p) dos factos provados, nada consta do certificado de registo criminal.
No que concerne à boa reputação na vizinhança, vale o que consta da alínea q) dos factos dados por provados.
Como resulta da alínea t) o arguido vive com a mulher, sendo ambos reformados.

A idade do arguido

Na dialéctica da vida em que o respectivo termo é anunciado de modo incerto, mas com certeira afirmação quanto ao sucesso em si, marcada a vivência humana, porque a vida é bem finito, por um inexorável, irremediável e incontornável «certus an, incertus quando», na abordagem da questão da idade em termos de tratamento jurídico-penal espelha-se a diferença determinada por naturais considerações que têm a ver com as naturais diferenças próprias da antinomia, que separa o velho do novo.
E assim não será de espantar que, em homenagem à mesma dialéctica, o manto proteccionista, ou compreensivo da ordem jurídica cubra o jovem, enquanto prevaricador, e o idoso, enquanto vítima.
A idade do arguido em termos penais é especialmente prevista apenas no segmento jovem, jovem/adulto, como decorre do artigo 9º do Código Penal, para maiores de 16 anos e menores de 21, a quem são aplicáveis as disposições constantes do Decreto-Lei nº 401/82, de 23-09, com a adopção preferencial de medidas correctivas e com vista a conferir maior flexibilidade na aplicação das medidas de correcção que permitam que a um jovem imputável até aos 21 anos possa ser aplicada tão só uma medida correctiva, e com a possibilidade, no caso de ser aplicável pena de prisão, de atenuação especial da mesma, o que se compreende por estar em causa uma zona de passagem, de transição, da fase da adolescência para a idade adulta, para um outro patamar em que assumem imputabilidade penal (artigo 19º do Código Penal), entrando no domínio do Código Penal, em vez da Lei Tutelar Educativa.
A lei não contempla em contraponto um regime especial para os delinquentes idosos.
No Código Penal de 1886, no artigo 39º, estava prevista como circunstância atenuante, a par da menoridade de 14 (sendo punível), 18 e de 21 anos, a de “ser maior de 70 anos”, não havendo hoje norma equivalente, podendo o facto de ser idoso ser tomado como atenuante, atento o carácter exemplificativo do actual artigo 71º, nº 2, do Código Penal, na vertente «condições pessoais do agente» constante da alínea d).
A excepção àquela regra é recente – introduzida com a alteração ao Código Penal com a Lei nº 59/07, de 04-09 - e circunscrita ao cumprimento de penas curtas de prisão até ao limite máximo de 2 anos para arguidos com idade superior a 65 anos, com o recente estabelecimento do regime de permanência na habitação, nos termos do artigo 44º, nº 1 e 2, alínea b), do Código Penal.
A excepção é única em termos de previsão no Código Penal de situação de idoso enquanto demandado criminalmente.
A perspectiva dominante é - como não poderia deixar de ser , arriscar-nos-íamos a afirmar – de sinal contrário, não no plano do agente criminoso (aqui com uma excepção), mas no plano da protecção do idoso enquanto potencial vítima de comportamento criminoso, na perspectiva de protecção de vítima especialmente indefesa.
Neste sentido, pode apontar-se a qualificativa da actual alínea c) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal - alínea b) na redacção anterior - introduzida pela Lei nº 65/98 (é susceptível de revelar especial censurabilidade ou perversidade a circunstância de o agente “ praticar o facto contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez).
Versando uma situação de especial desamparo da vítima, Sousa Brito propusera aquando da reforma de 1995, uma reformulação da alínea a), onde se contemplava agravativa tendo em conta um conjunto de situações enquadráveis naquele exemplo. A proposta não logrou acolhimento então, tendo Teresa Serra, em Homicídios em Série, (Jornadas de Direito Criminal, 1995/6, II Volume) a fls. 154/5, expendido a propósito da proposta: o homicídio cometido contra crianças, idosos, deficientes ou grávidas, em virtude do especial desamparo e da vulnerabilidade em que estas pessoas, pela sua própria natureza, se encontram, configura-se como particularmente insidioso e, por isso, revelador de uma personalidade especialmente perversa. Com efeito, estamos a referir-nos a pessoas que, quer pela sua idade, quer pela sua constituição, quer pelo seu estado, são ou estão por natureza ingénuas, no sentido de desprevenidas: umas porque o são de forma inerente (as crianças e os deficientes mentais), outras, porque se crêem ingenuamente ao abrigo de agressões em virtude da sua idade, da sua condição ou do seu estado (os idosos, os deficientes físicos e as grávidas).
Estas considerações revestirão actualidade face à nova alínea introduzida, como se disse, em 1998, e que actualmente constitui o exemplo-padrão contido na alínea c) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal.
Nesta perspectiva, pode ver-se o que resulta da Lei nº 51/2007, de 31 de Agosto de 2007, entrada em vigor em 15 de Setembro de 2007, que define os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2007-2009, em cumprimento da Lei nº 17/2006, de 23 de Maio, que aprova a Lei Quadro da Política Criminal.
De acordo com o artigo 1º são objectivos gerais da política criminal prevenir, reprimir e reduzir a criminalidade, promovendo a defesa de bens jurídicos, a protecção da vítima e a reintegração do agente do crime na sociedade.
No artigo 2º afirma-se constituírem objectivos específicos da política criminal, para além do mais - alínea b) - a promoção da protecção de vítimas especialmente indefesas, incluindo crianças e adolescentes, mulheres grávidas e pessoas idosas, doentes e deficientes (sublinhámos).
No artigo 5º, na prevenção e investigação dos crimes lesivos da componente pessoal, promove-se, em particular, a protecção de vítimas especialmente indefesas, incluindo crianças, mulheres grávidas, pessoas idosas, doentes, deficientes e imigrantes (voltámos a sublinhar).
No Anexo onde se enuncia a fundamentação das prioridades e orientações da política criminal consta o seguinte: “Os crimes violentos contra as pessoas e contra o património merecem tratamento prioritário. Nas últimas décadas, a concentração urbana, as migrações, o crescimento dos níveis de consumo e o aumento da criminalidade de massa fizeram subir as taxas gerais de criminalidade e aumentaram, em simultâneo, os sentimentos de insegurança. As pessoas especialmente indefesas - crianças, mulheres grávidas, pessoas idosas, doentes, deficientes e imigrantes - são os alvos mais fáceis desta criminalidade e justificam o desenvolvimento de programas de prevenção específicos (tornámos a sublinhar).
No capítulo III, dedicado a orientações sobre a pequena criminalidade, no artigo 14º têm-se em vista os arguidos e condenados em situação especial, incumbindo-se o Mº Pº - sempre sob o que resultar da superior aprovação de directivas e instruções genéricas do Procurador-Geral da República - da promoção preferencial de medidas de tratamento mais favorável, quer a nível processual (artigo 12º), quer no plano já da aplicação de penas não privativas de liberdade impostas pela prática de crimes previstos no artigo 11º (artigo 13º) , a arguido ou condenado pela prática de crimes puníveis com pena de prisão não superior a 5 anos, que se encontre numa de várias circunstâncias, prevendo-se na alínea b) a situação dos arguidos ou condenados com idade inferior a 21 ou superior a 65 anos.
Do cotejo desta disposição com o que resultou da alteração ao Código Penal (Lei nº 59/2007), verifica-se que a lei penal quedou-se por patamar de concretização proteccionista inferior ao que anunciado era no diploma enunciador da política criminal para o biénio previsto, o que poderá dever-se à prática simultaneidade de publicação dos dois diplomas legais.
De todo o modo, atendendo à pena aplicada, e mesmo à perspectivada pelo recorrente, nunca seria caso de aplicação do citado artigo 14º e menos ainda do regime previsto no artigo 44º, n.ºs 1 e 2, alínea b), do Código Penal.

Como consta do acórdão de 07-11-2007, processo 3990/07-3ª, “a provecta idade não pode traduzir-se em prémio de comportamentos criminosos, sobretudo quando a maturidade do agente já atingiu (ou devia ter atingido) a sua plenitude, no respeito pelos bens jurídicos, maxime, pelos bens fundamentais à manutenção e desenvolvimento da sociedade, os bens jurídico-criminais.
O avançar da idade do delinquente não corresponde necessariamente a uma diminuição dos fins ressocializadores e de defesa da ordem jurídica e social que a aplicação das penas visam, uma vez que não há - nem pode haver - um limite etário de validade e eficácia do ordenamento jurídico, a duração da vida é incerta, e, apesar do avançar da idade, o idoso, imbuído de propósito criminoso, pode continuar a praticar crimes”.

Retomando o caso concreto.
Como diz o recorrente na motivação, é avô paterno da menor que lhe foi entregue, para dela cuidar, e que deveria assegurar a protecção, educação e formação da neta. Mas ao invés, acabou por abusar sexualmente dela…
Sendo suposto proporcionar às suas netas um ambiente familiar estável, acolhedor e protector, na ausência de seus pais determinada por necessidades do seu trem de vida, o arguido não se mostrou merecedor desse capital de confiança nele depositado por seu filho e nora, traindo essa confiança, deteriorando o relacionamento intra familiar e delapidando o património de ingenuidade, recato e alegria próprias das crianças de tal idade, suprimindo o direito à tranquilidade, à despreocupação e o que é mais, à inocência da BB.
No nosso caso o arguido não foi ancião (pessoa idosa, sabedora, respeitável e de bom conselho, a quem Camilo, em Boémia, se referia dizendo “Ouviram-se os anciãos da terra, os sábios e inclusive dous frades”, apud Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa, Verbo, I Volume).
Foi apenas idoso e, por o ser, não deixou de vitimizar a neta de tenra idade, abusando da mesma e da confiança que nele havia sido depositada pelos progenitores.
A idade do arguido não deixará, contudo, de ter peso atenuativo nos termos gerais.
Como se vê do facto provado constante da alínea i) o recorrente dizia à menor que não contasse nada a ninguém, prometendo-lhe pancada ou ameaça de morte de sua mãe, caso o não fizesse.
Na alínea u) narram-se as nefastas consequências para a menor, resultantes da acção predadora e prolongada do recorrente.
As razões e necessidades de prevenção geral positiva ou de integração - que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação ou mesmo reforço da norma jurídica violada, dando corpo à vertente da protecção de bens jurídicos, finalidade primeira da punição - são muito elevadas, impostas pelo alarme social, maxime, nos últimos cinco anos em que estas questões passaram a assumir muito maior visibilidade.
Por tudo o que vem exposto, afigura-se-nos que o quantum encontrado e fixado na decisão recorrida não ofende as regras de experiência comum e não é desproporcionado, situando-se em medida próxima do limite mínimo.
Improcede, assim esta pretensão do recorrente.

Suspensão da execução da pena

Na conclusão 14ª, defendendo que deverá ser condenado na pena conjunta de 4 anos e 8 meses de prisão, pede o recorrente a suspensão da execução da pena por um período de três anos.
Face à pena fixada não é possível a aplicação de tal pena de substituição, por falta do pressuposto formal definido no artigo 50º do Código Penal - ter a pena aplicada o limite máximo de cinco anos - o que não ocorre no caso, sendo que face ao disposto no nº 5 do artigo 50º nunca poderia ser concedido o tempo de suspensão preconizado, sendo a pretensão neste particular formulada contra legem.

Pelo exposto, acordam no Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso, mantendo-se o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente, nos termos dos artigos 513º, nº 1 e 514º, nº 1 do CPP e artigos 74º, 87º, nº 1, alínea a) e 89º do CCJ, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC.

Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94º, n.º 2, do CPP.

Lisboa, 5 de Março de 2008

Raul Borges
Henriques Gaspar