Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1240/05.1TBALQ.L2.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO (CRIMINAL)
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
SOLOS
VALOR DE MERCADO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 12/10/2020
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA, REVOGADO O ACÓRDÃO RECORRIDO E FIXADA INDEMNIZAÇÃO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário : I – Em processo de expropriação, o recurso de revista interposto com fundamento em contradição efectiva entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, quanto à forma de calcular a indemnização de terrenos expropriados classificados como “solos para outros fins”, deve ser admitido – artigo 629º nº 2, alª d) do CPC.

II - Mostrando-se provado que o solo é classificado como “solo para outros fins”, o cálculo da indemnização atende preferencialmente ao critério do valor de mercado, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 23º nº 5 e 27º nº 1 do Código das Expropriações.

III - O proprietário do terreno expropriado recebe como indemnização um valor por metro quadrado igual àquele que será obtido pelo proprietário do prédio contíguo ou vizinho não expropriado, se este resolver vendê-lo, desde que as características naturais de ambos os terrenos sejam idênticas.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I - RELATÓRIO 


Nos presentes autos de acção especial de expropriação por utilidade pública é expropriante BRISA AUTO-ESTRADAS DE PORTUGAL, SA, a quem foi adjudicada a concessão do sublanço Al/..... da denominada A...., ...., IC.., e são expropriados AA, BB e mulher CC, DD, EE, FF, GG e mulher HH, II e marido, JJ, KK, LL e MM.

Em 28 de Março de 2005 procedeu-se ao Auto de Vistoria “Ad Perpetuam Rei Memoriam” – fls 112 a 113.

A entidade expropriante tomou posse administrativa da parcela de terreno em 05 de Maio de 2005 – fls 40.

No relatório de avaliação de 25 de Julho de 2005, por unanimidade, os árbitros fixaram em € 42.289,82 a indemnização devida pela expropriação da parcela de terreno em causa, quantia que se mostra depositada – Vol II, fls 238 a 244.

Por despacho de 16 de Setembro de 2005, foi adjudicada ao Estado Português a propriedade da parcela – Vol II, fls 249 a 252 e 274.

Os expropriados recorreram da decisão arbitral (Vol II, fls 327 a 360), alegando, em síntese, que os árbitros não ponderaram a muito próxima e efetiva capacidade edificativa da parcela, que tem diversos acessos rodoviários e se situa na confluência de 3 núcleos urbanos em crescente expansão urbanística na periferia de Lisboa (a saber: ......, ...... e ......). A parcela situa-se igualmente a cerca de 1.250 metros de edifícios destinados a habitação dotados de infraestruturas urbanísticas, existentes na Quinta …, prédio em que se integra e também a cerca de 1.250 metros de terrenos do mesmo prédio arrendados à empresa Peri. Fica a cerca de 1 km da ....., a cerca de 550 metros do núcleo urbano da ...., a cerca de 750 metros do núcleo urbano da .... e a cerca de 1.250 metros da Estrada Nacional …, numa zona classificada no PDM de … como zona industrial e no PDM de .... como zona urbana. O terreno situa-se em zona edificada, urbanizada e infraestruturada, em expansão urbanística, sendo constantes as autorizações administrativas e pareceres favoráveis para a utilização urbanística e edificativa de terrenos classificados como Reserva Agrícola Nacional, para fins industriais e tendo a própria Câmara Municipal de … anunciado já a revisão do seu PDM no sentido do alargamento do perímetro urbano de … e do …, concretizando a intenção de propor que a zona onde se insere a parcela seja reclassificada no novo PDM como Espaço Urbano de Utilização Programada.

Invocam ainda o carácter lucrativo da actividade para a qual foi determinada a expropriação. Sustentam assim que o índice de construção no local será de 0,48 e o valor de mercado dos terrenos situados na zona é não inferior a € 50,00 por metro quadrado, sendo que o valor da construção igualmente por metro quadrado é de € 584,35 e o índice fundiário é de 20%.

Pugnam ainda pela indemnização das parcelas sobrantes, face à desvalorização derivada da construção da autoestrada e concluem que a justa indemnização a fixar pela expropriação do terreno em causa nos autos deverá ser fixada em € 540.880,00, acrescido da desvalorização da parcela sobrante. Peticionam ainda a actualização de tal indemnização, desde a data do Despacho de Utilidade Pública até ao efetivo e integral pagamento das indemnizações devidas, de acordo com os índices de inflação publicados e a publicar pelo INE.

Respondeu a entidade expropriante (Vol IV, fls 889 a 892), sustentando que o acórdão arbitral fixa uma indemnização justa, atentas as características, potencialidades e classificação da parcela expropriada, porquanto o terreno, à data da vistoria ad perpetuam rei memoriam, tinha apenas aptidão agrícola, mostrando-se classificado pelo PDM de … como espaço integrado na RAN e na REN, pelo que apenas poderá ser considerado como terreno rústico e, consequentemente, “solo para outros fins”. Acresce que a indemnização não visa compensar o benefício alcançado pelo expropriante mas apenas cobrir o prejuízo sofrido pelo lesado com a privação da coisa.

Pugna pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão arbitral.

Procedeu-se à avaliação em Janeiro de 2008 (Vol V, fls 969 a 976), após o que dois dos peritos do tribunal e o perito da entidade expropriante, conjuntamente, calcularam o montante da indemnização em € 53.912,50. O outro perito do tribunal votou vencido, calculando o montante da indemnização em € 70.978,00 (Fls 977 a 980).

O perito dos expropriados nada disse.


Os expropriados alegaram (Fls 1123 a 1196), pugnando pela fixação da justa indemnização num dos diversos montantes indicados, conforme a aptidão que se considerasse para o solo.

A expropriante não apresentou alegações.

Em 14.97.2011 foi proferida sentença (Fls 1372 a 1390), na qual se fixou o valor da justa indemnização em € 53.912,50, sendo € 50.707,50 respeitantes ao valor da parcela, € 760,00 atinentes às benfeitorias e € 2.445,00 correspondentes à depreciação da fração sobrante, devendo o primeiro dos montantes ser actualizado.

Interposto recurso da sentença e do despacho que havia mandado dar cumprimento ao disposto no art.º 64.º do Código das Expropriações sem que o perito dos expropriados houvesse emitido relatório pericial, em 29.11.2012 (Vol VI, fls 1499 a 1518), foi proferido acórdão que determinou a anulação de todo o processado posterior àquele despacho (incluindo a sentença proferida).

Em obediência a tal acórdão, procedeu-se a nova avaliação, após o que os peritos do tribunal e o perito da expropriante, conjuntamente, calcularam o montante da indemnização em € 53.912,50.

O perito dos expropriados calculou o montante da indemnização em € 243.396,00 - (Vol VI, fls 1564 a 1577).

Os expropriados alegaram novamente (Fls 1609 a 1676), pugnando pela fixação da justa indemnização em € 243.396,00.

A entidade expropriante não ofereceu alegações.


Em 21.12.2013, foi proferida SENTENÇA (Fls. 1686 a1701) a com o seguinte dispositivo:

“Julgo parcialmente improcedente o recurso interposto pelos expropriados e,

consequentemente, fixo em € 53.912,50 (cinquenta e três mil, novecentos e doze euros e cinquenta cêntimos) o valor da indemnização a pagar pela expropriante aos expropriados em consequência da expropriação da parcela em causa nos autos, a actualizar no que concerne à quantia de € 29.881,82 (vinte e nove mil, oitocentos e oitenta e um mil euros e oitenta e dois cêntimos), desde 12 de Março de 2006 até à presente data, em função do índice de preços no consumidor com exclusão de habitação mensalmente fixado pelo I.N.E. e relativo à zona em que se inclui o município de .... .

(…)

Para concretização do supra decidido e obviar a dúvidas ou erros no cumprimento da indemnização ora fixada, diligencie a Secção pelo cálculo da atualização daquela quantia (€ 29.881,82) considerando o período de 12.03.2006 a 06.01.2014 e os índices mensais de preços no consumidor com exclusão de habitação para a área em que se insere o Município de Alenquer, utilizando para tanto o simulador disponibilizado pelo Instituto Nacional de Estatística em http://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ipc, juntando aos autos o respetivo comprovativo”.


Os expropriados apelaram (Fls 1726 a 1793), pugnando pela fixação da justa indemnização em € 243.396,00.

A entidade expropriante não apresentou contra-alegações.


Por decisão sumária de 29 de Julho de 2016 (Vol VII, fls 1855 a 1883), proferida no Tribunal da Relação de Lisboa, foi julgada improcedente a apelação dos expropriados, e mantida a sentença recorrida.

Os recorrentes vieram reclamar para a Conferência ao abrigo do artigo 652° nº 3 do CPC (Fls 1891 a 1900).

Por ACÓRDÃO de 08 de Junho de 2017 foi julgada improcedente a apelação e mantida a decisão sumária (Fls 1911 a 1940).

Por acórdão proferido em 21 de Maio de 2020, em Conferência, foi julgada “improcedente a arguição de nulidades e a pretensão de reforma do julgado” (Fls 1979 a 1991).

Os expropriados interpuseram recurso de revista (Vol VIII, fls 1999 a 2035), invocando o disposto no artigo 629º nº 2 a) e d), do CPC, a dois títulos:

a. Nos termos da alínea a) desse preceito, invoca-se a violação de caso julgado, mais precisamente da autoridade de caso julgado;

b. Ao abrigo da sua alínea d), entende-se que se verifica uma oposição de acórdãos.


E formularam as seguintes CONCLUSÕES:

1ª - Os expropriados, no essencial, defendem que, ao fixar o valor da justa indemnização devida pela expropriação por utilidade pública de um terreno integrado na RAN e/ou na REN, o tribunal deve considerar os valores pelos quais outros terrenos da mesma propriedade e com as mesmas características essenciais e igualmente integrados na RAN e/ou na REN foram transaccionados no mercado pelos próprios expropriados na mesma específica zona do terreno expropriado.

Em concreto, os expropriados peticionam que a indemnização devida pela expropriação que nos ocupa deve ser fixada em € 18/m2 (ou € 17,73/m2), por ter sido esse, precisamente, o valor pelo qual venderam à Rede Elétrica Nacional, SA uma parcela de terreno deste mesmo prédio, situada a cerca de 150 m da parcela que aqui nos ocupa.

Na verdade, apesar de terem junto aos autos 6 escrituras públicas (de compra e venda e de expropriação amigável) de terrenos situados na imediata envolvência da parcela expropriada (entre 500 m. e 1.000 m.), também integrados na RAN e/ou na REN, de onde resultam valores de transacção entre € 18/m2 e € 67/m2, os expropriados só peticionam aqui que seja adoptado o menor desses valores (€ 18/m2).

E o dever de considerar esse valor de mercado de € 18/m2 demonstrado nos autos sai reforçado pelo facto de já em 2 anteriores Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa assim ter sido expressamente decidido, com trânsito em julgado.

De facto, nos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 07.06.2018 e de 10.05.2018 fixou-se a justa indemnização devida pela expropriação de 3 terrenos deste mesmo prédio da parcela expropriada e para este mesmo projeto rodoviário, também integrados na RAN e na REN e situados na imediata envolvente da parcela expropriada (a parcela nº 39 decidida num desses acórdãos, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07.06.2018, margina mesmo com a parcela aqui expropriada, este douto Tribunal decidiu expressamente o seguinte:

a. que na indemnização devida aos expropriados deve ser considerado o valor pelo qual os mesmos venderam em 2002 à Rede Eléctrica Nacional, SA uma parcela de terreno deste mesmo prédio, pelos referidos € 18/m2;

b. que a indemnização devida aos expropriados deve corresponder ao valor de mercado de terrenos situados nesta zona também integrados na RAN e na REN e que esse valor de mercado é de € 18/m2.

2ª - Recurso por oposição de acórdãos: a decisão proferida no acórdão recorrido no sentido que na indemnização aqui devida aos expropriados não deve ser considerado o valor de € 18/m2 pelo qual os mesmos venderam em 2002 à Rede Elétrica Nacional, SA uma parcela de terreno deste mesmo prédio, também integrado na RAN e na REN, está em oposição com a decisão proferida sobre a mesma questão no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07.06.2018 – artº 629º nº 2 d) do CPC.

2ª.1 - No processo onde foi proferido o acórdão fundamento discutia-se a indemnização devida pela expropriação de uma parcela de terreno (parcela 39) (i) constituída por um terreno rústico, (ii) confinante com a parcela aqui expropriada, (iii) integrado no mesmo prédio da parcela aqui expropriada, (iii) servido pelas mesmas infraestruturas e às mesmas distâncias dos núcleos urbanos envolventes, (v) com o mesmo regime jurídico-urbanístico da parcela expropriada nestes autos (integração na RAN e na REN), e (v) expropriado para o mesmo projecto rodoviário, a construção do Nó do …. A…/A...., tendo-se decidido neste acórdão fundamento que no cálculo indemnizatório se impõe atender ao valor pelo qual os expropriados venderam um terreno do mesmo prédio onde se integrava a parcela aí expropriada por € 17,73/m2.

2ª. 2 - A questão aqui em causa e sobre a qual se constata uma oposição de decisões é a seguinte: ao fixar o valor da justa indemnização devida pela expropriação por utilidade pública de uma parcela (i) rústica, (ii) integrada num determinado prédio, (iii) servida por determinadas infraestruturas e a uma determinada distância de núcleos urbanos envolventes e (iv) com um determinado regime urbanístico (integração na RAN e na REN), deverá ou não atender-se ao valor pelo qual os mesmos expropriados venderam dois anos antes dessa declaração de utilidade pública expropriativa (i) uma outra parcela rústica,(ii) integrada no mesmo específico prédio, (iii) servida pelas mesmas infraestruturas e situada às mesmas distâncias de núcleos urbanos envolventes e (iv) com o mesmo regime urbanístico (integração na RAN e na REN)?

2ª.3 - Relativamente a esta questão já sabemos a decisão proferida no acórdão recorrido. Essa decisão foi no sentido de não se poder considerar neste processo o valor pelo qual os expropriados tinham vendido dois anos antes à Rede Elétrica Nacional, SA (i) uma outra parcela rústica,(ii) integrada no mesmo específico prédio, (iii) servida pelas mesmas infraestruturas e situada às mesmas distâncias de núcleos urbanos envolventes e (iv) com o mesmo regime urbanístico (integração na RAN e na REN).

2ª.4 - Pelo contrário, o acórdão fundamento, com veemência, decidiu que o valor da venda que os expropriados fizeram à Rede Elétrica Nacional, SA dessa outra parcela não podia deixar de ser tomado em consideração na indemnização devida pela parcela aí expropriada, até porque esse valor de venda (para além das outras escrituras públicas de compra e venda e de expropriação amigável que foram juntas aos autos) demonstra o valor de valor de mercado deste tipo de terrenos nesta específica zona.

2ª.5 - O núcleo essencial das circunstâncias de facto relevantes é o mesmo na parcela aqui expropriada e na parcela expropriada no acórdão fundamento.

2ª.6 - A afirmação do acórdão recorrido quanto à diferente área (‘tamanho’) e localização da parcela aqui expropriada e da parcela vendida pelos expropriados à Rede Elétrica Nacional, para além de ser errada, assenta num equívoco sobre os pressupostos.

a. É uma afirmação errada porque (i) essas duas parcelas integram-se no mesmo prédio – a “Quinta .... e …”: cfr. Facto 9, ponto nº 9, pág. 15 do Acórdão recorrido), e, (ii) factor essencial, as duas parcelas em causa distam 150 m. uma da outra (Facto 9, ponto nº 9 da pág. 15 do acórdão recorrido), facto este que o acórdão recorrido ignorou de todo. Assim, a necessária constatação que 2 terrenos que distam entre si 150 m. têm a mesma localização.

b. É uma afirmação que enferma num equívoco sobre os pressupostos, pois, se é verdade que a área do terreno vendido à Rede Elétrica Nacional, SA pelos expropriados (74.000 m2 – pág. 12 do Acórdão recorrido) é superior à área da parcela aqui expropriada (13.522 m2 – facto assente 1), também não pode ser ignorado que essas diferentes áreas reforçam a posição dos expropriados e o valor defendido de € 18/m2, pois, facto notório, quanto maior é a área de um terreno, menor é o seu valor unitário por m2 (economia de escala).

Assim, se na venda efectuada à Rede Elétrica Nacional, SA foi adoptado um valor unitário de € 18/m2 para uma área de 74.000 m2, na venda da parcela expropriada com 13.522 m2 o preço unitário por m2 seria superior a esses € 18/m2 (quanto maior é a área, menor é o valor/m2; quanto menor é a área, maior é o valor/m2).

2ª.7 - Os dois acórdãos em oposição foram proferidos ao abrigo da mesma

legislação/regime, o Código das Expropriações de 1999, sobre a mesma questão fundamental de direito e de facto (cfr., supra, nºs. 5 e ss.) e sobre a questão em causa não existe jurisprudência uniformizada por este Venerando Supremo Tribunal, sendo que a interpretação/decisão que deve prevalecer é a que foi sufragada no já transitado acórdão fundamento.

3ª O acórdão recorrido viola o caso julgado, mais precisamente na sua função positiva, exercida através da autoridade de caso julgado, de dois acórdãos do Tribunal da Relação Lisboa: o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07.06.2018, proferido, com trânsito em julgado, no processo nº 1231/05.2TBALQ.L2, cuja cópia vai junta como Anexo I a estas alegações (e que constituiu o acórdão fundamento da 1ª parte deste recurso) e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10.05.2018, proferido, com trânsito em julgado, no âmbito do processo nº 1242/05.8TBALQ.L2, cuja certidão de trânsito em julgado vai junta a alegações como Anexo II.


Terminam, pedindo que o presente recurso deve ser julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido e, nos termos do art. 682º nº 1 do CPC, por constarem dos autos todos os elementos necessários para o efeito, ser fixada a justa indemnização devida por esta expropriação nos termos que acabam de ser peticionados, isto é, a € 18/m2.


Não houve contra-alegações.


Colhidos os vistos, cumpre decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO


A) Fundamentação de facto

Com base no auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam, respostas dos árbitros e dos peritos aos quesitos apresentados pelos recorrentes e pela recorrida, e demais prova pericial e documental junta aos autos, estão demonstrados os seguintes factos:

- Pelo despacho do Senhor Secretário de Estado Adjunto e das Obras Públicas n.º 3402/2005, de 5 de Janeiro de 2005, publicado no Diário da República, II.ª Série, de 16 de Fevereiro de 2005, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, além do mais, de uma parcela de terreno denominada como parcela 1, com a área global de 13.522 m2, destinada à construção do sublanço A..-…. da Auto-Estrada A.....

- A parcela referida em 1º é constituída por 2 sub parcelas, separadas por uma estrada municipal, a saber:

• Subparcela 1: com a área de 7.610 m2, que se destina à construção da autoestrada;

• Subparcela 1.1 com a área de 5.912 m2, que se destina igualmente à construção da autoestrada.

- Tal parcela de terreno é a destacar do prédio misto designado “Quinta .... e …”, sito no lugar do …., inscrito na matriz rústica sob os artigos 1 e 2 da Secção AM e 1 das Secções AO, AO 1 e AO 2 e na matriz urbana sob os artigos 31 e 32 da freguesia de ...., descrito na Conservatória do Registo Predial de .....sob o n.º ...../.... da freguesia do ...., que confronta do norte com ...., do sul com o rio …, do nascente com …., … e … e do poente com …, rio de … e Estrada Nacional n.º …, com a área total (rústica) original de 1.911.320 m2 e, à data da DUP, de 417.400 m2.

- A expropriação da parcela em causa nos autos gera uma parcela sobrante, de 815 m2, que não disporá de viabilidade de aproveitamento económico após a expropriação.

- A parcela referida em 1º confronta do norte com ...., do sul com o rio …., do nascente com … e do poente com …  e Rio da …. e é constituída por solos da Classe A de Capacidade de Uso, de origem aluvionar, funcos, férteis, que gozam de possibilidades de rega e possuem elevada produtividade e, pela sua versatilidade, prestam-se a uma grande variedade de culturas, que compreendem vasta gama de cerealíferos, pomares e hortas. À data da vistoria ad perpetuam rei memoriam, apresentava-se a subparcela 1. cultivada com cereal e a subparcela 1.1. simplesmente lavrada.

- À data da mesma vistoria, encontravam-se implantadas na parcela 8 oliveiras médias e existia uma vedação com 120 metros de comprimento, constituída por 4 fiadas de arame farpado, fixadas em postes de madeira tratada, em precário estado de conservação.

- Sempre à data daquela vistoria, a parcela era atravessada por uma estrada municipal de pavimento em asfalto e em bom estado de conservação e era também servida por rede de energia elétrica de média tensão. Não se integrava em aglomerado urbano nem existiam a menos de 500 metros construções habitacionais ou industriais, com excepção da Central Termoeléctrica do Carregado.

- De acordo com o PDM de ...., à data da vistoria ad perpetuam rei memoriam, a parcela estava localizada em espaços ou áreas integrantes da Reserva Agrícola Nacional e da Reserva Ecológica Nacional e não era permitida, segundo o mesmo PDM, a urbanização da parcela.

- A parcela expropriada localiza-se:

• a cerca de 1 km da ....;

• a cerca de 1250 metros dos terrenos da Quinta .... arrendados à empresa Peri para armazenamento e depósito ao ar livre de materiais de construção;

• a cerca de 550 metros do limite do Núcleo Urbano ...;

• a cerca de 1250 metros de edifícios destinados a habitação existentes na Quinta ....;

• a cerca de 1.250 metros da Estrada Nacional n.º ..;

• a 550 metros de edifícios e infra-estruturas industriais à superfície implantadas no prédio em que se integra pela Transgás – Sociedade Portuguesa de Gás Natural, S. A.;

• a cerca de 750 metros da ....;

• a cerca de 250 metros da Central Termoeléctrica e de Ciclo Combinado do ….;

• a cerca de 150 metros de projetos executados pela REN (Rede Elétrica Nacional) em terrenos do prédio em que se integra e adquiridos pela mesma REN.

10º - Na parte edificada do prédio onde se integra a parcela expropriada existem, entre outras, as seguintes edificações, servidas por todas as infra-estruturas urbanísticas (acesso rodoviário, energia elétrica, saneamento, telefone e água):

• Casa de habitação constituída por 70 divisões, com 1.709 m2 de área e por um pátio com 1.100 m2;

• Casa de habitação com 408 m2 de área e logradouro com 4.270 m2;

• Casa de habitação com 191 m2 de área e logradouro com 1.239 m2;

• Casa de habitação constituída por rés-do-chão e primeiro andar, com 791 m2 e pátio com 2.040 m2.

B) Fundamentação de direito 

A questão colocada e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável por força do seu artigo 5º nº 1, em vigor desde 1 de Setembro de 2013, consiste em saber, pela invocação do disposto no artigo 629º nº 2 alª a) e d) daquele código, se houve ofensa de caso julgado e se o acórdão da Relação de Lisboa (acórdão recorrido) está em contradição com o da mesma Relação de 07.06.2018 (acórdão fundamento[1]).

Comecemos pela alínea d) do nº 2 do artigo 629º do CPC que, definitivamente, resolve a situação colocada pela recorrente.

O nº 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil preceitua que:

Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso:

a) Com fundamento na violação das regras de competência internacional, das regras de competência em razão da matéria ou da hierarquia, ou na ofensa de caso julgado;

b) (…)

c) (…)

d) Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

Cumpre, antes de mais, analisar e aferir do preenchimento da alínea d) do nº 2 daquele artigo, atentos os fundamentos do recurso interposto, ou seja, se o acórdão recorrido está em contradição com este último acórdão sobre a mesma questão fundamental de direito.

Primeiramente há que definir a questão e depois determinar o que sobre ela decidiram os citados acórdãos em causa.

Analisemos, então as apontadas contradições (ou a falta delas) que justificam a invocação da admissibilidade do recurso mencionada na alínea d) do nº 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil.

O acesso especial ao Supremo que foi reposto pelo CPC de 2013 depende de pressupostos que devem ser apreciados com rigor, obstando a que, de modo enviesado, se consiga aceder ao terceiro grau de jurisdição em casos que extravasam o âmbito do preceito legal[2].

E o mesmo autor, no que se refere à identidade, refere que “ deve verificar-se uma relação de identidade entre a questão apreciada no acórdão da Relação que é objecto de recurso e no outro aresto (acórdão da Relação ou do Supremo que serve de contraponto), não bastando que neles se tenha abordado o mesmo instituto jurídico; tal pressupõe que os elementos de facto relevantes para a ratio da regra jurídica sejam coincidentes, isto é que, a subsunção jurídica feita em qualquer das decisões contraditórias tenha operado sobre os mesmo núcleo factual, sem se atribuir qualquer relevo a elementos de natureza acessória”[3].

A contradição de julgados no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, para efeitos de recurso, pressupõe também a coincidência dos mesmos factos em ambas as decisões[4].

A contradição aqui equacionada e que releva como conditio da admissibilidade do recurso de revista pressupõe, além de mais, pronúncia sobre a mesma questão fundamental de direito, sendo que a questão de direito fundamental só é a mesma quando a subsunção do mesmo núcleo factual seja idêntica (ou coincidente), mas tenha, em termos de interpretação e aplicação dos preceitos legais sido feita de modo diverso. Além disso, a oposição terá de ser frontal e incidir sobre decisões expressas relativamente a concreta questão, não abrangendo os argumentos ou fundamentos utilizados, nem sendo suficiente a oposição meramente tácita ou sequer uma diversidade implícita ou pressuposta.

A presente revista tem por fundamento precisamente a oposição de julgados, impondo-se, por isso, verificar se ocorre essa condição de admissibilidade do recurso.

Posto isto, cotejemos, o acórdão recorrido e o acórdão fundamento (o proferido pela Relação de Lisboa em 07.06.2018, no processo n.º 1231/05.2TBALQ.L1), a fim de neles descortinar razões de identidade que, a ser aplicável a alínea d) do nº 1 do artigo 629º do CPC, levarão à admissão do recurso.

No acórdão recorrido, os factos em relação à parcela 1em causa são os que constam da Fundamentação de facto e que estão inseridos nas páginas 11 a 13 do presente acórdão.

No acórdão fundamento o núcleo essencial do quadro factual considerado está assim elencado:

1º - Pelo despacho do Senhor Secretário de Estado Adjunto e das Obras Públicas n.º 23110-A/2004, de 14 de Outubro de 2004, publicado no Diário da República, nº 264, II.ª Série, de 10 de Novembro de 2004 e por delegação do Senhor Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, foi declarada de utilidade pública, com carácter de urgência, a expropriação das parcelas de terreno destinadas à construção do sublanço ….  – … (A…) da A...., constantes do mapa de expropriações e da planta anexos, em que se inclui a parcela objecto dos presentes autos, designada “PARCELA 39”, com a área global de 62.603 m2.

2º - A parcela referida em 1º é constituída por 5 subparcelas, a saber:

(…).

Subparcela 39.4: com a área de 20.429 m2, dos quais 5.814 m2 se destinam à construção de estabelecimento, a confrontar do norte com restante prédio, do sul com restante prédio e Estrada da ....., do nascente com os próprios e do poente com Estrada da .... [correspondente às parcelas designadas 4) e 6) no quadro da DUP].

3º - Tal parcela de terreno é a destacar do prédio misto designado “Quinta .... e Regateira”, sito no lugar do …, inscrito na matriz rústica sob os artigos 1 das Secções AO,AO1 e AO2, e 1 da Secção AM e 2 da Secção AV, e na matriz urbana sob os artigos 31 e 32 da freguesia de ...., descrito na Conservatória do Registo Predial de .....sob o n.º ..../... da freguesia do ...., que confronta do norte com ...., do sul com o rio …, do nascente com …, … e … e do poente com …, rio de …. e Estrada Nacional n.º …, com a área total (rústica) original de 1.911.320 m2.

4º - A expropriação da parcela em causa nos autos gera 3 parcelas sobrantes, que ficam separadas entre si e também do restante prédio onde se situa o assento de lavoura e outras construções, a saber:

o Sobrante a), com a área de 4.128 m2;

o Sobrante b), com a área de 2.345 m2;

o Sobrante c), com a área de 12.763 m2;

5º - A parcela em causa apresenta terreno praticamente plano e é constituída por solos da Classe A/B de Capacidade de Uso, com boa aptidão para a produção de culturas agrícolas de regadio, intercaladas com culturas de cereais. À data da vistoria ad perpetuam rei memoriam, apresentava-se em parte cultivada com trigo e em parte em pousio.

6º - À data da mesma vistoria, encontravam-se implantadas na parcela 28 oliveiras grandes/médias, 1 oliveira pequena e 6 salgueiros médios e existia uma   vedação com 335 metros de comprimento, constituída por 5 fiadas de arame farpado, apoiada em postes de madeira tratada, distanciados entre si de 3 metros, em regular estado de conservação.

7º - A parcela não possuía infra-estruturas urbanísticas, mas apenas acessos através do prédio de onde ia ser destacada e através das Estradas da ...., com a qual confrontam as subparcelas 39.3 e 39.4

8º - As construções habitacionais e outras existentes no prédio eram servidas por uma via asfaltada a partir da ...., dispondo o prédio de energia eléctrica em baixa tensão, abastecimento domiciliário de água ligado à rede geral de telefone e de iluminação pública.

9º - A via pública que confrontava com as principais construções do prédio a expropriar dispunha de todas as infra-estruturas urbanísticas.

10º - A parcela encontrava-se, à data da vistoria ad perpetuam rei memoria, integrada, segundo o PDM de ...., em “Classe de Espaços Agrícolas” incluídos na Reserva Agrícola Nacional e na Reserva Ecológica Nacional.

11º - A parte edificada do prédio referido em 3º encontra-se integrada no limite do aglomerado urbano do …; porém, a parcela referida em 1º encontra-se fora de tal limite.

12º - A parcela expropriada localiza-se:

o A 220 da ....;

o A 400 metros da empresa Peri;

o A cerca de 300 metros da .... (classificada como núcleo urbano Tipo B pelo PDM de .... e servida por todas as infra-estruturas urbanísticas);

o A 400 metros de moradias existentes na Quinta ....., com algumas estruturas urbanísticas e servidas por estrada em terra batida;

o A 300 metros da Estrada Nacional nº ..;

o A 40 metros de edifícios e infra-estruturas industriais à superfície implantadas no prédio em que se integra pela Transgás-Sociedade Portuguesa de Gás Natural, SA;

o A cerca de 80 metros da ...., classificada como Núcleo Urbano Classe A pelo PDM de .... e servida por todas as infra-estruturas urbanísticas;

o A cerca de 150 metros da Central Termoeléctrica e de Ciclo Combinado do Carregado;

o A cerca de 200 metros de projectos executados pela REN em terrenos do prédio em que se integra e adquiridos pela mesma REN;

13º - A parcela referida em 1º tem acesso através de uma estrada em terra batida existente no prédio, que entronca directamente na ....;

14ª – Na parte edificada do prédio onde se integra a parcela expropriada existem, entre outras, as seguintes edificações, servidas por todas as infra-estruturas urbanísticas (energia eléctrica, saneamento, telefone, água e gás natural):

o Casa de habitação constituída por 70 divisões, com 1.709 m2 de área e por um pátio com 1.100 m2;

o Casa de habitação com 408 m2 de área e logradouro com 4.270 m2;

o Casa de habitação com 191 m2 de área e logradouro com 1.239 m2;

o Casa de habitação constituída por rés-do-chão e 1º andar, com 791 m2 e pátio com 2.040 m2.



**


Podemos desde já afirmar que a situação de facto que subjaz a cada uma das situações é idêntica, havendo mesmo coincidência dos mesmos factos em ambas as decisões e que poderá ter repercussões no respectivo enquadramento jurídico.

A entidade expropriante é a mesma e são os mesmos os expropriados.

Quanto ao aspecto jurídico, imposta apreciar se, no caso em análise, sobre a mesma questão fundamental de direito, se verifica contradição jurisprudencial entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento.

O acórdão recorrido, em síntese, referiu que “a parcela não tem qualquer aptidão urbanística ou edificativa. A envolvente possui aptidão urbanística, mas a parcela não.

A parcela é apenas uma pequena parte do prédio de onde foi destacada, não estando concretamente provado, por esse motivo, qualquer elemento a considerar, que leve a decidir de outro modo.

O laudo pericial maioritário está fundamentado de facto, cumpre os dispositivos legais  aplicáveis,  é  claro nos  considerandos  e  seguro nas conclusões.

A sentença recorrida está criteriosamente fundamentada, e ancora-se na coerência técnica e científica do Laudo Pericial maioritário, o que se revela acertado e conforme ao direito.

O método comparativo utilizado pelo Senhor Perito indicado pelos Expropriados para o cálculo do valor da parcela comparou preços de prédios muito diferentes, quer em tamanho, quer em localização. Temperou o resultado obtido com o preço por m2 de prédio vendido pelos Expropriados -e através do emprego de médias aritméticas, que não está de todo justificado, chegou ao valor que propôs, sem nunca ensombrar a valia do Laudo Pericial maioritário. Estamos em crer que as operações levadas a cabo pelo Senhor Perito indicado pelos Expropriados revelam falta de elementos fiáveis e não se respeitaram os critérios dos artigos 27°, 1 e 26°, 2 do CE”.

O acórdão recorrido decidiu não atender aos valores praticados no mercado em transacções de terrenos localizados na zona das parcelas expropriadas e também integrados na RAN e na REN.

O acórdão recorrido, tal como a sentença de primeira instância, seguiu o laudo da maioria dos peritos que considerou o solo da parcela expropriada valorado como “solo apto para outros fins”, e ponderando os rendimentos que possam potencialmente ser gerados face a essa utilização – Vol VI, fls 1510.

Assim classificado o solo e considerando na avaliação o rendimento fundiário médio anual referentes às culturas mais utilizadas na zona, com destaque para uma rotação de 4 anos, aplicando ao valor de rendimento uma taxa de capitalização adequada ao tipo de propriedade, pressão na zona sobre a terra e risco das actividades possíveis de explorar, ou seja, de 4%, obtiveram como valor do terreno o de “€ 31.250,00 por hectare, ou seja, € 3,125/m2.

Assim, “sendo o valor unitário de 3, 75 € m2 os peritos avaliam o terreno expropriado, com 13.522 m2 em: 13.522 m2 x (3,75 € m2) = 50.707,50 €” – Fls 1573 e 1574.

Como já deixámos dito, as questões de facto são as mesmas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, mas foi diferente a solução jurídica num e noutro encontradas.

A questão de direito decidida nos dois acórdãos é exactamente a mesma.

O que importa decidir em ambos os processos é a atribuição da justa indemnização tendo em atenção o cálculo do valor do solo para outros fins, conforme vem regulado nos artigos 23º nºs 1 e 5 e 27º do Código das Expropriações.

Sendo assim, qual a interpretação que deve prevalecer? A do acórdão recorrido ou a sufragada no acórdão fundamento?

O acórdão fundamento, o da Relação de Lisboa de 07.06.2018, mostra-se assim sumariado:

“- Apesar dos acórdãos de Uniformização de Jurisprudência não serem vinculativos para os tribunais, diferentemente do que sucedia com os anteriores assentos, a lei atribui-lhes um especial relevo, só em condições muito especiais devendo afastar-se a doutrina pelos mesmos fixada;

  - Assim, na sequência do Acórdão Uniformizador do STJ nº 6/2011, de 07.04.2011, as parcelas expropriadas integradas em Reserva Agrícola Nacional (RAN), por força do PDM vigente à data da DUP, não podem ser classificadas como solo apto para construção, ainda que preenchendo os requisitos do artigo 25º nº 1 alª a) e 2 do C.E.

  - Tendo em conta a classificação legal dos solos prevista no artº 25º do C.E., deve, por isso, o solo de tais parcelas considerar-se como apto para outros fins;

  - Por não procederem as mesmas razões justificativas, não é de fazer aplicação analógica do nº 12 do artº 26º do C.E. à expropriação de terrenos integrados na RAN, sendo a indemnização devida calculada em conformidade com os critérios definidos pelo artigo 27º do C.E., sem ter em conta qualquer aptidão construtiva dos mesmos” – Vol VIII, fls 2085.

Como bem referem os expropriados, no acórdão fundamento discutia-se a indemnização devida pela expropriação de uma parcela de terreno (parcela 39) (i) constituída por um terreno rústico, (ii) confinante com a parcela aqui expropriada, (iii) integrado no mesmo prédio da parcela aqui expropriada, (iii) servido pelas mesmas infraestruturas e às mesmas distâncias dos núcleos urbanos envolventes, (v) com o mesmo regime jurídico-urbanístico da parcela expropriada nestes autos (integração na RAN e na REN), e (v) expropriado para o mesmo projecto rodoviário, a construção do Nó do ……… A…/A.....

Nesse acórdão fundamento foi decidido que no cálculo indemnizatório se impõe atender ao valor pelo qual os expropriados venderam um terreno do mesmo prédio onde se integrava a parcela aí expropriada por € 17,73/m2.

No acórdão recorrido, a decisão foi no sentido de não se poder considerar neste processo o valor pelo qual os expropriados tinham vendido dois anos antes à Rede Eléctrica Nacional, SA (i) uma outra parcela rústica,(ii) integrada no mesmo específico prédio, (iii) servida pelas mesmas infraestruturas e situada às mesmas distâncias de núcleos urbanos envolventes e (iv) com o mesmo regime urbanístico (integração na RAN e na REN).

O acórdão fundamento decidiu que o valor da venda que os expropriados fizeram à Rede Eléctrica Nacional, SA dessa outra parcela não podia deixar de ser tomado em consideração na indemnização devida pela parcela aí expropriada, até porque esse valor de venda (para além das outras escrituras públicas de compra e venda e de expropriação amigável que foram juntas aos autos) demonstra o valor de valor de mercado deste tipo de terrenos nesta específica zona.

Em concreto e ainda segundo o acórdão fundamento:

“Assim, parece que não podemos deixar de atentar na posição defendida pelos expropriados. Uma vez que, os peritos não apuraram as avaliações fiscais em média antes e depois, tinham os valores das expropriações efectuadas naquela altura e nos anos anteriores e seguintes e não ponderaram esses elementos. E neste contexto, continuaram a fazer a avaliação no rendimento agrícola anual e a sua valorização, pela localização” (…).

Estando provado nos autos que a venda de terrenos da Quinta .... pelos expropriados em 2002 pelo preço de €17,73 à REN parece que não podemos deixar de atender esse valor. Aliás seria até um violação do dever de equidade se em 2002 o valor do m2 dos mesmos terrenos baixassem tanto por m2 como se fez nesta avaliação sem alternativa em (2004). Aliás basta consultar que houve aquisições por preços mais elevados ainda como consta da matéria de facto. A lei manda considerar os valores unitários de aquisições ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados. Não sendo possível apurar o valor das avaliações fiscais sempre teria de ser considerado os valores unitários de aquisições, naquela data”- Fls 2078. 

E continua o mesmo acórdão:

“Na verdade, impõe-se tratar da mesma maneira situações iguais, se a REN pagou um preço para fins semelhantes aos da Brisa não seria justo nem equitativo que o preço a pagar não fosse igual, uma vez que estamos perante terrenos com as mesmas características e dos mesmos proprietários. Ficcionando uma venda seguramente que os expropriados não venderiam pelo valor encontrado pelos peritos do tribunal e da expropriante, após terem vendido por preço bem superior à REN parte da quinta que estava junto destes terrenos e com as mesmas condicionante abrangidos pela REN e RAN, em data anterior em 2002.

No caso vertente, nem seria necessário ficcionar, para se concluir pela justeza da posição dos expropriados. Temos elementos que impõem outra decisão e até pelo valor mais baixo do que se encontrava provado, houve vendas de terrenos como consta nos autos a mais de €40 e €50 o m2. Assim o valor será de 62.603m2 x €17,73 o que perfaz o valor de €1.109.951,19” – Fls 2084.

No Relatório de Avaliação Pericial de Junho de 2013 (Vol VI fls 1564 a 1577), o perito dos expropriados Engº NN, fundamentou a indemnização aí calculada nos seguintes termos:

“Como já ficou referido, os proprietários desta parcela venderam em 2002 à empresa Rede Eléctrica Nacional, SA (REN) terrenos desta Quinta ..., situados a cerca de 150 m desta parcela, classificados no PDM de .... como Reserva Agrícola Nacional e Reserva Ecológica Nacional (com área cinco vezes superior à da parcela expropriada - 74.000 m2) para aí construir novas instalações ligadas à produção e distribuição de energia eléctrica pelo valor de € 17,73/m2” –.

(…).

“Assim, atendendo (a) aos valores de mercado pesquisados, (b) às condicionantes da parcela expropriada e ao facto de o aproveitamento deste terreno sempre exigir (c) custos administrativos, (d) intervenções no terreno (infra-estruturação) e que (e) os Expropriados venderam, cerca de 3 anos antes desta DUP, um terreno a cerca de 150 m. desta parcela e com a mesma classificação urbanística, para a implantação de infra-estruturas de electricidade, pelo valor de € 18/m2, considera-se que este valor unitário corresponderá ao valor de mercado do terreno considerado nas suas actuais condições.

Deste modo, um montante indemnizatório calculado com base no valor de mercado de € 243.396 (€ 18/m2 x 13.522 m2)” - Vol VI, fls 1576.

Recorde-se que os restantes peritos haviam atribuído o valor da justa indemnização em (3,125€/m2), no total de € 50.707,50, ou seja, 13.522 m2 x (3,75€/m2) = 50.707,50 € - Vol VI, fls 1574.

Por outro lado, como bem argumentam os expropriados, ora recorrentes, se é verdade que a área do terreno vendido à Rede Elétrica Nacional, SA pelos expropriados (74.000 m2 - pág. 12 do acórdão recorrido) é superior à área da parcela aqui expropriada (13.522 m2 – facto assente 1), também não pode ser ignorado que essas diferentes áreas  reforçam a posição dos expropriados e o valor defendido de € 18/m2, pois, facto notório, quanto maior é a área de um terreno, menor é o seu valor unitário por m2 (economia de escala).

Assim, se na venda efetuada à Rede Elétrica Nacional, SA foi adoptado um valor unitário de € 18/m2 para uma área de 74.000 m2, na venda da parcela expropriada com 13.522 m2 o preço unitário por m2 seria superior a esses € 18/m2 (quanto maior é a área, menor é o valor/m2; quanto menor é a área, maior é o valor/m2).

Ora, os dois acórdãos em confronto decidiram em sentidos opostos a mesma questão fundamental de direito que os mesmos expropriados apresentaram em cada um dos processos.

Desde já adiantaremos que a interpretação que deve prevalecer é a que foi sufragada pelo acórdão fundamento, transitado em julgado, pelas razões que que vêm referidas no mesmo ( Fls 2038 a 2086).

O acórdão da Relação de Lisboa de 10.05.2018, proferido no âmbito do processo nº 1242/05.8TBALQ.L2, (Fls 2092 a 2167) decidiu a mesma questão jurídica nos exactos termos do acórdão fundamento e no sentido aqui peticionado pelos recorrentes.

Efectivamente, neste acórdão de 10.05.2018 também se fixou a justa indemnização devida pela expropriação da vizinha parcela 40 (vizinha da parcela 1 que aqui se discute e vizinha da parcela 39 do acórdão fundamento), (i) também

integrada nesta mesma propriedade, Quinta ...., onde se integram a parcela 1 que aqui se discute e a parcela 39 do Acórdão fundamento, (ii) expropriada para o mesmo projecto rodoviário que fundamentou a expropriação da parcela que aqui nos ocupa e a expropriação da parcela do acórdão fundamento, a construção do Nó do … da A…./A...., e (iii) igualmente integrada na RAN e na REN.

Quanto à mesma questão que se decidiu no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, este acórdão de 10.05.2018 decidiu o seguinte com relevância para o presente recurso:

“Serve isto a dizer que, mesmo quando não se apura a totalidade das transacções, muito longe do pensamento do legislador está determinar, como primeiro e único referencial, que o apuramento da justa indemnização para solos aptos para outros fins, integrados na RAN e na REN, tenha de ser feito apenas com recurso à potencialidade agrícola ou ecológica dos referidos solos.

Ora, parecendo-nos que o laudo pericial maioritário sofre dum pré juízo relativamente a outra solução que não esta, encontrada está a razão pela qual o tribunal pode dele divergir.

De resto, e procurando alguma conexão com a realidade material enquanto fundamento do Direito, se já ao tempo da DUP era evidente que a zona em causa há muito perdera, até em termos ecológicos, a plena capacidade ou vinculação agrícola, se é relativamente incoerente falar em ecologia relativamente a parcelas adjacentes à principal auto-estrada do País, não tem particular justificação calcular indemnizações em função duma potencialidade que é residual” – Fls 2161.

(…)

“Repare-se que o fundamental é encontrar o critério, independentemente da possibilidade ou impossibilidade prática do mecanismo legalmente previsto: se o critério aponta para a comparação em termos de valores de mercado para solos equiparáveis, se o mais exacto desses valores resultaria do apuramento fiscal da totalidade das transacções, não é porque não se logra alcançar este valor que podemos descartar o critério, até porque, nada impede, segundo o princípio dispositivo, que mesmo não tendo vindo aos autos a informação fiscal, por mão da expropriante ou do tribunal, os expropriados não desenvolvam actividade processual destinada a aportar o maior número de casos comparáveis que conhecem. Por isso, renova-se, devemos agora ponderar se os factos provados nos autos nos permitem alguma conclusão diversa do laudo pericial maioritário” – Fls 2161-2162.

“Ora, temos apurado que relativamente à própria Quinta .... e …., com a qual se relaciona a Várzea da Condessa onde se destaca a parcela expropriada, e pertencente aos mesmos donos, a “Rede Eléctrica Nacional LA. adquiriu em 2002 aos aqui expropriados uma parcela rústica com a área de 74.000 metros quadrados, integrada na RAN e na REN, a desanexar do prédio rústico situado na Quinta .... e …, pelo preço global de 1.311.839 euros, ou seja, ao preço unitário por metro quadrado de €17,72” e que relativamente à mesma Quinta ...., “por Sentença do Tribunal Judicial de Alenquer de 21.12.2000, num processo de expropriação da parcela O com a área total de terreno com 4.760 m2 situada na Quinta .... (processo nº 284/95, 12 Juízo), sita na Quinta .... e …, freguesia de ....., …., concelho de …, integrada na RAN, sendo a DUP de 1977, foi fixado um valor indemnizatório que, actualizado a 2005, monta a pelo menos 11.261$00/m2, isto é, € 56,17/m2”. O primeiro caso revela um preço de mercado, com bastante valia comparativa até pelas áreas envolvidas e pela sua localização, não sendo particularmente distantes no tempo, ambos os solos integrados, ao menos, na RAN, o segundo não, porque não procede directamente duma transacção, mas ainda assim ajuda a compreender o tipo de valorização do terreno.

Mais temos apurado que “No processo 357/1999.L1, sendo apelantes OO e outros e apelada Galp — Gás Natural, SA., designação actual de Transgás, S.A., e estando em causa a deliberação da Comissão Arbitral que se pronunciara sobre a indemnização devida pela constituição de servidão administrativa de gás natural sobre duas parcelas com as áreas de 15.719 metros quadrados e 163 metros quadrados, integrantes do prédio denominado “Quinta da ....”, sito na freguesia da ...., …, sendo a publicação da oneração das referidas parcelas datada de 1994, o Tribunal de Relação de Lisboa fixou a indemnização em € 808.510,00, correspondendo pois a € 50,90 por metro quadrado”, ou seja, numa tradicional Quinta vizinha da … e …, se considerou justa a indemnização ali fixada, e finalmente que “Por escritura pública celebrada em Agosto de 2002, foi adquirido um terreno rústico, composto de cultura arvense, com 90.000 m2, sito na freguesia de …, do concelho de ...., pelo valor de €3.740.984,23, o que corresponde a € 41,5 7/m2”, sendo que não estando demonstrado que o referido prédio estivesse integrado na RAN e na REN, todavia está provado que era um terreno rústico, situado noutro concelho embora, mas sendo que os limites de …, para o norte, se situam muito perto da parcela expropriada.

São estes casos e valores suficientes para estabelecer um termo comparativo?

Entendemos que sim, sendo porém que a média que resultaria dos valores destes quatro casos, à conta do princípio dispositivo, tem de se limitar àquela com que se conformaram os expropriados e que foi atribuída pelo perito minoritário, ou seja, €18,00. E por outro lado, atendendo à não alteração da decisão sobre a matéria de facto no que toca à inutilização da parcela sobrante 40a, esta parcela não entrará para o cômputo da indemnização. Nestes termos, multiplicando €18,00 por 17.065 metros quadrados (factos provados 1 e 6.1 a 6.4) obtemos €307.170,00 (trezentos e sete mil e cento e setenta euros), que fixamos assim como o valor da justa indemnização devida pela expropriação de que tratam os presentes autos” - Fls 2163/2164.

Umas breves referências à jurisprudência.

O acórdão do Tribunal Constitucional nº 641/2013 de 07.10.2013[5]:  

“Decisivo para o juízo que se vier a fazer sobre aquela interpretação normativa, afigura-se a consideração do respeito pelo princípio da igualdade perante os encargos públicos, que o princípio da "justa indemnização" postula. Ora, neste contexto, o princípio da igualdade desdobra-se em dois níveis de comparação, a saber: no âmbito relação interna e no domínio da relação externa. No âmbito da relação interna, o princípio da igualdade obriga o legislador a estabelecer critérios uniformes de cálculo da indemnização, que evitem tratamentos diferenciados entre os particulares sujeitos a expropriação. No domínio da relação externa, comparam-se os expropriados com os não expropriados, devendo a indemnização por expropriação ser fixada de tal forma que impeça um tratamento desigual entre estes dois grupos”.

Ainda o acórdão do Tribunal Constitucional nº 84/2017 de 16.02.2017[6]:

“Como afirmado no Acórdão n.º 315/2013:

«(...) [O] critério geral de valorização dos bens expropriados, como medida do ressarcimento do prejuízo sofrido pelo expropriado, numa sociedade de economia de mercado como a nossa, é, em regra, o do seu valor corrente, ou seja, o seu valor venal ou de mercado, numa situação de normalidade económica.

Como escreveu Alves Correia “... a indemnização calculada de acordo com o valor de mercado, isto é, com base na quantia que teria sido paga pelo bem expropriado se este tivesse sido objecto de um livre contrato de compra e venda, é aquela que está em melhores condições de compensar integralmente o sacrifício patrimonial do expropriado e de garantir que este, em comparação com outros cidadãos não expropriados, não seja tratado de modo desigual e injusto (em “O plano urbanístico e o princípio da igualdade”, pág. 546, da ed. de 1989, da Almedina).

Mas a exigência da atribuição de uma indemnização “justa”, também obriga que este valor de mercado não atenda a situações especulativas e deva sofrer algumas correções impostas nas alíneas do n.º 2, e o n.º 3, do artigo 23.º, do Código das Expropriações), donde resultará um “valor normativo”. É a obtenção deste valor referencial que deve orientar a escolha dos critérios determinantes da avaliação dos bens expropriados para o efeito de fixação da respetiva indemnização a receber pelos expropriados.

Isto não significa que o legislador não disponha de uma significativa margem de liberdade para definir esses concretos critérios, cabendo ao Tribunal Constitucional apenas a missão de censurar aqueles que se revelem não serem adequados à obtenção de valores que se enquadrem no parâmetro da “justa indemnização”.

O legislador ordinário, no Código das Expropriações de 1999, em que se inscreve o sentido normativo sindicado, elegeu como critério geral de valoração dos bens expropriados o do seu valor real e corrente, como resulta expresso no artigo 23.º do diploma. Diz o nº 1 do preceito, sob a epígrafe justa indemnização, que a indemnização a conceder ao expropriado visa “ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo e possível numa utilização económica normal à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data”. E, estipula o n.º 5 do mesmo artigo, que “o valor dos bens calculado de acordo com os critérios referenciais constantes dos artigos 26.º e seguintes deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, podendo a entidade expropriante e o expropriado, quanto tal se não verifique requer, ou o tribunal decidir oficiosamente, que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor”.

E continua o mesmo acórdão:

“Na verdade, sempre que não se verificar uma correspondência entre o valor dos bens calculado de acordo com o critério normativo sindicado e o “valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado”, nomeadamente por o valor indemnizatório apurado se apresentar, à evidência, como desajustado face às características da parcela, é viável, ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 23.º do CE, atender a “outros critérios para alcançar aquele valor” – é o que ALVES CORREIA qualifica como “válvula de escape” ou “cláusula de segurança” (ob. cit., p. 128)”.

No caso dos autos, sabe-se que a parcela de terreno se enquadra no “solo apto para outros fins”, mostrando-se dessa forma classificada nos autos unanimemente.

Sendo assim, o cálculo do valor do solo terá de atender ao critério legal estatuído no artigo 27º nº 3 do Código das Expropriações. Em que a base de cálculo se funda no rendimento efectivo ou possível.

Ou seja: os árbitros devem atender ao que é efectivamente produzido e àquilo que é possível produzir[7].

E há que atender também àquilo que, em condições óptimas de aproveitamento, o prédio pode produzir em função do estado existente.

Por fim, o valor dos bens deverá também corresponder ao valor real e corrente numa situação normal de mercado – Cfr artigo 23º nº 5 do C.E. 

Neste sentido se pronunciou Fernando Alves Correia[8]: “O princípio da igualdade, como elemento normativo inderrogável que deve presidir à definição dos critérios de indemnização por expropriação, desdobra-se em duas dimensões ou em dois níveis fundamentais de comparação: o princípio da igualdade no âmbito da relação interna e o princípio da igualdade no domínio da relação externa da expropriação.(…)

No domínio da relação externa da expropriação, comparam-se os expropriados com os não expropriados, devendo a indemnização por expropriação ser fixada num montante tal que impeça um tratamento desigual. A observância do "princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos" na expropriação por utilidade pública exige que esta seja acompanhada de uma indemnização integral (volle Entschädigung) ou de uma compensação integral do dano infligido ao expropriado. Aquele princípio impõe que a indemnização por expropriação possua um "carácter reequilibrador" em benefício do sujeito expropriado, objectivo que só será atingido se a indemnização se traduzir numa "compensação séria e adequada" ou, noutros termos, numa compensação integral do dano suportado pelo particular”.

O acórdão da Relação de Lisboa de 15.05.2007[9] decidiu:

“Assim, o critério do valor de mercado aparece como sendo o mais adequado para cumprir os fins constitucionais da indemnização, na medida em que, sendo esta calculada com base na quantia que teria sido paga pelo bem expropriado se este tivesse sido objecto de um livre contrato de compra e venda, está em melhores condições de compensar integralmente o sacrifício patrimonial do expropriado e de garantir que este, em comparação com outros cidadãos não expropriados, não seja tratado de modo desigual e injusto. De facto, o proprietário do terreno expropriado recebe como indemnização um valor por metro quadrado igual àquele que será obtido pelo proprietário do prédio contíguo ou vizinho não expropriado, se este resolver vendê-lo, desde que, claro está, as características naturais de ambos os terrenos sejam idênticas”.

E ainda o acórdão da Relação de Guimarães de 16.02.2005[10]:

“O dano patrimonial suportado pelo expropriado é ressarcido de forma integral e justa, se a indemnização corresponder ao valor comum do bem expropriado, ou, por outras palavras, ao respectivo valor de mercado ou ainda ao seu valor de compra e venda . Este critério do "valor venal" ou do "justo preço", isto é a quantia que teria sido paga pelo bem expropriado se tivesse sido objecto de um livre contrato de compra e venda, é seguido pela quase generalidade dos ordenamentos jurídicos. Alves Correia-As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública - pág. 129. Igualmente a indemnização para ser justa terá de corresponder ao valor normal do mercado. Meneses Cordeiro e Teixeira de Sousa; Colect. Jurisp.; Ano XV; 1990; Tomo V; pág. 23 e segs.

O princípio da justa indemnização tem de ser visto em concreto e à luz dos diferentes interesses a conjugar, devendo o expropriado receber aquilo que conseguiria obter pelos seus bens se não tivesse havido expropriação, não devendo acrescer ao preço assim delineado qualquer contrapartida pelo eventual inconveniente daí resultante atinente à alienação não querida pelo proprietário. A norma constitucional que admite a expropriação é, simultaneamente, uma norma de autorização e uma norma de garantia: - a norma constitucional, por um lado, confere aos poderes públicos o poder expropriatório, autorizando-o a proceder à privação da propriedade ou de outras situações patrimoniais dos administrados; por outro lado, reconhece ao cidadão um sistema de garantias que inclui designadamente os princípios da legalidade, da utilidade pública e da indemnização. Gomes Canotilho e Vital Moreira; Constituição da República Portuguesa Anotada; I; pág. 336.

Por outro lado, os critérios definidos por lei e destinados a encontra a justa indemnização têm de respeitar os princípios materiais da Constituição - igualdade e proporcionalidade - não podendo conduzir a indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas à perda do bem expropriado”.

É esta a tese que deve prevalecer, a do acórdão fundamento e bem resumida nas alegações dos expropriados, resulta da própria lei que expressamente reconhece que o valor de mercado é o critério essencial de avaliação de qualquer bem expropriado: (i) o artigo 23º nº 1, do Código das Expropriações, prescreve

expressamente que a justa indemnização corresponde ao valor real e corrente dos bens expropriados e (ii) o artigo 23º nº 5, do Código das Expropriações determina que a justa indemnização “deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos [dos bens expropriados], numa situação normal de mercado”.

É este o princípio geral e fundamental da justa indemnização devida em expropriações por utilidade pública, qualquer que seja a natureza/qualificação dos terrenos expropriados.

E que tão bem foi tratado no acórdão fundamento de acordo com os excertos que deixámos transcritos.

 Terminando, para concluir, como nas alegações dos expropriados/recorrentes, o acórdão fundamento da Relação de Lisboa de 07.06.2018, decidiu que:

o que na indemnização devida aos expropriados pela parcela aí expropriada deve ser considerado o valor pelo qual os mesmos venderam em 2002 à Rede Eléctrica Nacional, SA uma parcela de terreno deste mesmo prédio, pelos referidos € 18/m2;

o que a indemnização devida aos expropriados pela expropriação dessa  parcela deve corresponder ao valor de mercado de terrenos situados nesta zona também integrados na RAN e na REN e que esse valor de mercado é de € 18/m2.

É este o valor que os expropriados (os mesmos dos processos da Relação de Lisboa nºs 1231/05 e 1242/05) peticionam nos presentes autos e que lhes será atribuído a título de justa indemnização.

Podemos assim concluir que se verifica uma evidente oposição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito, no âmbito da mesma factualidade e ao abrigo da mesma legislação (o Código das Expropriações de 1999).

Nesta conformidade, havendo a apontada contradição (que se mostrou verdadeiramente decisiva para a obtenção de cada um dos resultados) nos termos do disposto na alínea d) do nº 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil, procedem as conclusões das alegações dos recorrentes, conforme acabámos de decidir e,  por isso mesmo, essa decisão prejudica a apreciação da questão do caso julgado conforme a conclusão 3ª das alegações da revista.

SUMÁRIO

– Em processo de expropriação, o recurso de revista interposto com fundamento em contradição efectiva entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, quanto à forma de calcular a indemnização de terrenos expropriados classificados como “solos para outros fins”, deve ser admitido – artigo 629º nº 2, alª d) do CPC.

- Mostrando-se provado que o solo é classificado como “solo para outros fins”, o cálculo da indemnização atende preferencialmente ao critério do valor de mercado, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 23º nº 5 e 27º nº 1 do Código das Expropriações.

- O proprietário do terreno expropriado recebe como indemnização um valor por metro quadrado igual àquele que será obtido pelo proprietário do prédio contíguo ou vizinho não expropriado, se este resolver vendê-lo, desde que as características naturais de ambos os terrenos sejam idênticas.


III - DECISÃO

Atento o exposto, concede-se total provimento à revista e, revogando-se o acórdão recorrido, fixa-se a justa indemnização devida pela expropriação em € 18,00/m2.

Custas pela recorrida/expropriante.

Lisboa, 10 de Dezembro de 2020


Ilídio Sacarrão Martins (Relator)

(Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15º-A do Decreto-Lei nº 20/20, de 01 de Maio, atesto que, não obstante a falta de assinatura, o Senhor Juiz Conselheiro Adjunto Dr Ferreira Lopes deu o correspondente voto de conformidade.

O Senhor Juiz Conselheiro Adjunto Dr Nuno Manuel Pinto Oliveira apresentou voto de vencido nos seguintes termos:

“Vencido quanto à questão da admissibilidade. Entendo que não há contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Junho de 2018, proferido no processo n.º 1231/05.2TBALQ.L1, deduzido como acórdão-fundamento. A diferença entre as duas decisões parece-me resultar essencialmente de uma distinta avaliação dos laudos periciais, como mais ou menos fiáveis — e não de uma distinta resolução de questões fundamentais de direito. Em consequência, não admitiria o recurso”.


Nuno Manuel Pinto Oliveira

Ferreira Lopes

___________

[1] Proferido no procº nº 1231/05.2TBALQ.L1, junto aos autos e que constitui fls 2038 a 2086.
[2] António Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª Edição, Almedina, 1918, pág 61
[3] Loc cit pág 61.
[4] Ac STJ de 02-02-2017, Procº n.º 393/15.5YRLSB.S1, in www.dgsi.pt/jstj
[5] DR nº 218/2013, Série II de 11.11.2013
[6] http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20170084.html
[7] Proença Fouto e Victor de Sá Pereira in “Código das Expropriações” – Anotado, Ed. Rei dos Livros, pág. 104.
[8] O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade", pág. 532 e ss.
[9] Procº nº 4327/2006-7, in www.dgsi.pt/jtrl
[10] Procº nº 213/05-1, in www.dgsi.pt/jtrg