Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5817/07.2TBOER.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM
CASO JULGADO
ESTADO
TRIBUNAIS PORTUGUESES
INADMISSIBILIDADE
Data do Acordão: 07/04/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISÃO
Decisão: NÃO CONHECER, POR FALTA DE FUNDAMENTO LEGAL, DO OBJETO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE REVISÃO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / ADMISSIBILIDADE DO RECURSO.
Doutrina:
- Armando Rocha, O Contencioso dos Direitos do Homem no Espaço Europeu. O Modelo da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2010, 111 e ss..
- Elisabeth Lambert Abdelgawad, «L' exécution des arrêts de la Cour européenne des Droits de l' Home», Éditions du Conseil de L'Europe, Dossiers sur les droits de l' home, nº 19, English edition, The execution of judgments of the European Court of Human Rights ISBN 978-92-871-6373-8.
- Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, II, 2015, Almedina, 615 e nota (1293).
- Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes, “Código de Processo Civil” Anotado, Volume 3.º, TI, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, 229.
- Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, com a colaboração do Prof. Ntunes Varela, Nova edição, revista e atualizada pelo DR. Herculano Esteves, Coimbra Editora, 1976, 312, 313 e 77.
- Remédio Marques, Acção Declarativa À luz do Código Revisto, 2ª edição, Coimbra Editora, 2009, 671 e 672.
- Santos Cabral, «A relação entre as decisões dos tribunais internacionais e as decisões dos tribunais supremos-efeito directo e reabertura do processo», Conferência realizada no STJ, em 20-04-2017, citando Maria José Rangel de Mesquita, 14, www.dgsi.pt .
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 696.º, ALÍNEA F).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 29.º, N.º 6.
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM (CEDH): - ARTIGOS 10.º, 35.º, N.º 1, 41.º, 46.º, N.º 1.
Jurisprudência Internacional:
JURISPRUDÊNCIA DO TEDH:

- ACÓRDÃO CHÓRZÓW, DO TRIBUNAL PERMANENTE DE JUSTIÇA INTERNACIONAL DE 13-9-1928, PUBLICATIONS DE LA COUR PERMANENTE DE JUSTICE INTERNATIONALE, SÉRIE-A, Nº 17, DE 13-9-1928.
- ACÓRDÃO CLAES E OUTROS CONTRA BÉLGICA, DE 02-06-2005; ACÓRDÃO LUNGOCI CONTRA ROMÉNIA, DE 26-01-2006, Pº Nº 62710/00.
- ACÓRDÃO ÖCALAN CONTRA TURQUIA, DE 12-5-2005, Pº Nº 46221/99.39; ACÓRDÃO GENCEI CONTRA TURQUIA, DE 24-03-2004, Pº Nº 53431/99; ACÓRDÃO CELAN CONTRA TURQUIA, DE 11 DE OUTUBRO DE 2005, Pº Nº 23556/941.
Sumário :

I - Sendo titulares dos interesses contrapostos, o particular ou entidade nacionais interessados de um Estado-membro da CEDH, parte vencida num processo que correu termos pelos seus tribunais, por um lado, e o estado, alegadamente, violador da Convenção, por outro, não importa, de acordo com a tramitação própria do mecanismo do direito de queixa, fazer intervir a outra parte na ação onde foi proferida a decisão revidenda, sem prejuízo de a mesma poder atuar, exercendo o direito ao contraditório, no recurso de revisão, em defesa dos seus interesses, prevenindo um eventual exercício do direito de sub-rogação do Estado infrator contra a mesma.
II - O reexame do caso judicial suscitado no recurso de revisão, interposto, tão-só, por um dos réus, não é atentatório do princípio constitucional da intangibilidade do caso julgado, relativamente ao outro, a quem não é oponível, por se tratar do caso julgado «secundum eventum litis», em que se conjugam os institutos da legitimidade processual com o do caso julgado e a oponibilidade deste em relação a terceiros.
III - O conceito de decisão definitiva promovido pelo TEDH não contende com uma eventual omissão da defesa, pelo Estado português, ao conformar-se com a decisão proferida pela mesma entidade jurisdicional, não requerendo a devolução do caso ao Tribunal Pleno, inexistindo, assim, uma situação de paralelismo com o conhecimento pelo TEDH do mecanismo de queixa acionado pelos particulares ofendidos, que depende do esgotamento de todas as vias de recurso internas.
IV - Não sendo o TEDH uma instância internacional de recurso, entendida como um tribunal, hierarquicamente, superior aos tribunais nacionais, com a finalidade de anular, modificar ou revogar atos jurídicos de direito interno, com base em erro de julgamento ou de procedimento, é, porém, uma entidade internacional vinculativa para o Estado Português, que tem obrigação de cumprir os acórdãos proferidos pelo mesmo, embora faculte ao Estado a escolha dos meios a utilizar para cumprir a obrigação que decorre do artigo 46.º, n.º 1, da CEDH, ou seja, de respeitar e executar as sentenças definitivas do TEDH, nos litígios em que forem partes os Estados signatários, reparando as consequências da violação constatada.
V - O caráter inconciliável do conteúdo que tem de assumir a decisão proferida pela instância internacional vinculativa para o Estado Português com a decisão nacional revidenda verifica-se quando esta última se opuser, em virtude de desconformidade, por ação ou omissão, a algo afirmado, enquanto pressuposto lógico necessário, na decisão internacional, e que deixe sem tutela o direito ou situação jurídica regulada por aquela decisão jurisdicional internacional.
VI - A reabertura ou reexame do processo interno, mediante a interposição de um recurso extraordinário de revisão de sentença, como princípio da restauração natural e fonte primária da cessação da ilicitude, cumpre as exigências de uma adequada reparação da violação do direito, mas só se revela indispensável, perante a verificação de duas condições cumulativas, ou seja, a constatação pelo TEDH que a decisão interna que suscitou o recurso é, quanto ao mérito, contrária aos princípios fundamentais da CEDH, ou violadora do «iter» procedimental e das respetivas garantias processuais, e cuja gravidade seja manifesta e, simultaneamente, que a parte lesada continue a sofrer, na sequência da decisão nacional, consequências negativas, particularmente, graves, que não possam ser compensadas com a reparação razoável arbitrada pelo TEDH, mas que, apenas, sejam suscetíveis de ser alteradas com o reexame ou a reabertura do processo, isto é, mediante a «restitutio in integrum».
VII - O TEDH tem entendido a reabertura do processo como uma medida próxima das exigências da «restitutio in integrum», de acordo com o princípio primário da restauração natural, mas, no âmbito da solução alternativa entre a reabertura do processo ou o pagamento de uma satisfação equitativa, em conformidade com o princípio da subsidiariedade da restauração por equivalente.
VIII - Sempre que a decisão do TEDH funciona como justiça substitutiva, resolvendo a questão, em termos finais, como acontece quando condena o Estado Português a pagar ao recorrente uma determinada quantia, acrescida dos montantes que sejam devidos, a título de imposto, por danos materiais e por custas e despesas, rejeitando o pedido de reparação razoável relativamente ao restante, não se está perante duas decisões inconciliáveis, mesmo quando a decisão nacional tenha julgado que não houve violação dos direitos consagrados pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem e a decisão do TEDH haja declarado o contrário, em virtude de a parte lesada não continuar a sofrer, em consequência da mesma, consequências negativas, particularmente graves, porquanto as mesmas já foram compensadas com a reparação razoável arbitrada pelo TEDH, em termos de danos patrimoniais, não exigindo a reparação do direito violado, com vista à reposição integral do “status quo ante’, para além da compensação financeira determinada, a medida complementar da reapreciação do caso judicial.
IX - Não se mostrando verificados, na fase rescindente, os requisitos formais para a abertura do processo de revisão, designadamente, com vista a determinar se a sentença nacional se opõe a algo afirmado, enquanto pressuposto lógico necessário, na decisão internacional visada, não se conhece, por falta de fundamento legal, do recurso extraordinário de revisão interposto.


* Sumário elaborado pelo(a) relator(a)
Decisão Texto Integral:

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]:

“AA, S.A.”, com sede na ..., veio interpor recurso extraordinário de revisão do acórdão proferido, em 14 de fevereiro de 2012, pela 1.ª Secção, deste Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo nº 5817/07.2TBOER.L1.S1[2], em que eram recorrentes BB e “CC, LDA.” e recorrido DD, ao abrigo do disposto pelos artigos 696.º, n.º 1, f) e 697.º, n.os 1 e 2, b), ambos do Código de Processo Civil (CPC), pedindo que, na sua procedência, seja revogado o acórdão recorrido, que deverá ser substituído por outro que julgue a revista procedente e, em consequência, a ação improcedente, por não provada, atento o preceituado pelo artigo 701º, n.º 1, b), do CPC), formulando as seguintes conclusões que, em seguida, se transcrevem, integralmente:

A) Em 29 de Dezembro de 2016 a CC – Sociedade Jornalística e Editorial Lda. foi extinta por meio de fusão, através da transferência global do respectivo património, com transmissão dos direitos e obrigações para a AA, S.A. que é, por isso, parte legítima, nos termos do disposto no artigo 631.º, n.º 1, do CPC, devendo passar a ocupar a posição de Recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 269.º, n.º 2, do CPC.

B) Por entender que a expressão “delírio provocado por consumo de drogas duras”, constante do artigo de opinião de autoria do Réu BB, publicado na edição de 07 de Outubro de 2004 da revista “...”, propriedade da Recorrente, era imputada à pessoa do Autor, Dr. DD, que na altura desempenhava as funções de Primeiro-Ministro de Portugal e que, assim sendo, o referido artigo de opinião lançava a suspeita de que o mesmo era um potencial consumidor de drogas duras, não se tratando, por isso, de uma crítica objetiva mas sim pessoal ao Autor e, portanto, ilícita, foi proferido acórdão em 14 de Fevereiro de 2012 pela 1ª Secção desse Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo 5817/07.2TBOER.L1.S1, que confirmou as decisões anteriores, tendo a Recorrente e o seu jornalista BB sido solidariamente condenados ao pagamento de €30.000,00 (trinta mil euros) a título de indemnização por danos morais ao (então recorrido) Dr. DD.

C) Não se conformando com tal condenação a Recorrente apresentou queixa no TEDH, à qual foi atribuído o n.º 55442/12, no âmbito da qual foi proferido acórdão em 30 de Agosto de 2016, a ...ª Secção do TEDH, que admitiu a queixa e declarou que houve violação do artigo 10.º da CEDH, condenando o Estado Português a pagar à Recorrente o montante de €30.000,00 (trinta mil Euros), acrescido de juros, por danos materiais e o montante de €8.919,00 (oito mil novecentos e dezanove Euros) acrescido de juros, a título de custos e despesas.

D) Em tal acórdão o TEDH decidiu que a condenação da Recorrente, máxime os fundamentos da negação da Revista pelo STJ, constitui uma ingerência ao direito à liberdade de expressão da Recorrente que não era necessária numa sociedade democrática, pelo que não cumpre os requisitos previstos no parágrafo 2 do artigo 10º, da CEDH.

E) O TEDH considerou que as expressões do artigo de opinião em causa, apesar de serem caracterizadas por um certo grau de provocação, não podem ser consideradas um ataque pessoal e gratuito contra o ex-Primeiro Ministro, configurando crítica sobre questão de interesse público no âmbito da actividade jornalística.

F) Pelo que, o acórdão proferido em 14 de Fevereiro de 2012 pela 1ª Secção desse Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo 5817/07.2TBOER.L1.S1 é inconciliável com o mencionado acórdão do TEDH, que se tornou definitivo em 30 de Novembro de 2016, sendo obrigatório e tendo força vinculativa, nos termos do artigo 8º da CRP e do artigo 46.º da CEDH.

G) Encontrando-se assim, reunidos os fundamentos para que se proceda à sua REVISÃO, nos termos da alínea f) do artigo 696.º do Código de Processo Civil.

H) O presente recurso é tempestivo e encontra-se instruído com os elementos necessários, nos termos do disposto nos artigos 697.º, nºs 1 e 2, alínea b), e 698.º, nºs 1 e 2 do CPC.

I) Devendo admitir-se o recurso de revisão, por se encontrarem verificados os pressupostos e requisitos previstos nos artigos 696.º, n.º 1, alínea f), 697.º e 698.º, todos do CPC, fazendo consignar nos autos que a AA, S.A. assume, para todos os efeitos legais, a qualidade de parte activa em substituição da presentemente extinta CC - ..., Lda. ao abrigo do disposto no artigo 269.º, n.º 2, do CPC.

Na sua resposta, o recorrido DD conclui no sentido de que deve negar-se provimento ao recurso, e, em consequência, improcederem os pedidos formulados, com vista à revogação do acórdão recorrido, considerando, nomeadamente, que:

1. O Recorrido não foi parte no processo que correu termos no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), não tendo sido ouvido e/ou chamado a pronunciar-se sobre o mesmo, o que se mostraria essencial na ponderação dos direitos em causa – maxime, direito ao bom-nome, imagem e reputação versus direito à liberdade expressão –, atenta a sua natureza e na medida em que o “direito ao bom-nome e reputação consiste, essencialmente, no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social, mediante imputação feita por outrem” (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4ª edição, revista, 2007, 464 e 466);

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18. Ora, antes de mais, não poderá deixar de referir-se que, ao contrário do que se faria esperar, a defesa do Estado português conformou-se com a decisão proferida pelo TEDH, ao não requerer a devolução do assunto ao Tribunal Pleno, conforme resulta do doc. 4 junto ao recurso de revisão, permitindo que o mesmo se tornasse definitivo – o que ocorreu a 30 de novembro de 2016.

19. Quem apresentou queixa junto do TEDH contra o Estado Português para denunciar violação da “sua” liberdade de expressão foi a CC, LDA. (ora AA, S.A.) e não o jornalista BB, cuja alegada violação do direito à respetiva liberdade de expressão – este sim – poderia eventualmente suscitar-se nesta sede para efeitos de sindicância sobre a inconciliabilidade das duas decisões.

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21. De facto, foi BB, Réu nos presentes autos, quem escreveu o artigo em questão.

22. Mas, BB não apresentou naquela instância internacional qualquer queixa visando ofensa a alegado direito infringido!

23. O que significa que este Réu conformou-se com a decisão que lhe imputou uma ofensa ilícita à reputação do visado, ora Recorrido, aceitando-a.

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25. Foi entendimento unânime nas instâncias nacionais que o Réu BB com a referência “Será um delírio provocado pelo consumo de drogas duras (…)”, resvalou para a ofensa gratuita à pessoa do Autor, ora Recorrido, de forma perfeitamente descontextualizada e sem qualquer substrato opinativo ou informativo, que o legitimasse, o que fez através de um meio particularmente abrangente e merecedor de grande credibilidade por parte da maioria do público leitor.

26. O reexame do caso judicial ora suscitado pelo recurso de revisão interposto relativamente ao Réu/jornalista em questão é atentatório do princípio constitucional da intangibilidade do caso julgado relativamente a este, que o aceitou.

29. A reabertura de processos só se revela indispensável perante sentenças em que o TEDH constate que a decisão interna que suscitou o recurso é, quanto ao mérito, contrária à Convenção, ou quando constate a ocorrência de uma violação da Convenção em virtude de erros ou falhas processuais de uma gravidade tal que suscite fortes dúvidas sobre a decisão e, simultaneamente, a parte lesada continue a sofrer consequências particularmente graves na sequência da decisão nacional, que não podem ser compensadas com a reparação razoável arbitrada pelo TEDH e que apenas podem ser alteradas com o reexame ou reabertura do processo, isto é, mediante a restitutio in integrum”.

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31. E a verdade é que, quanto à violação do direito do ora Recorrente, o TEDH já avaliou a responsabilidade do Estado Português a essa luz, e conclui no sentido de condená-lo a pagar-lhe a indemnização que entendeu adequada à reparação de tais prejuízos – precisamente a correspondente ao valor em que foi solidariamente responsável com o autor do artigo dos autos.

32. Assim, foi já a parte lesada devidamente ressarcida, inexistindo, por isso, consequências particularmente graves na sequência da decisão nacional que torne necessária e imprescindível a presente revisão, atendendo, ainda, à circunstância, conforme referido, que esta sempre ofenderia o caso julgado relativamente ao Réu BB.

            DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISÃO

                                                   [I]

Alega o recorrido que importava ter sido ouvido e/ou chamado a pronunciar-se no processo que correu termos, pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), onde não foi parte, com vista a defender o seu direito ao bom-nome, imagem e reputação «versus» direito à liberdade de expressão.

De acordo com o disposto no artigo 35º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), o Tribunal Europeu só pode ser solicitado a conhecer de uma causa, depois de esgotadas todas as vias de recurso internas, porquanto o mecanismo de queixa tem carácter subsidiário, confiando-se ao Estado, em primeira linha, o poder de resolução do conflito subsistente, que deve harmonizar a sua decisão com a aludida Convenção e a respetiva jurisprudência do TEDH.

O mecanismo do direito de queixa, consagrado no artigo 34º, do CEDH, permite ao TEDH receber petições de uma pessoa singular, de uma organização não governamental ou de grupo de particulares, com base numa violação dos direitos reconhecidos pela Convenção ou pelos seus protocolos, por qualquer Alta Parte Contratante, dentro de um período de seis meses, após a data da decisão interna definitiva, prossegue o respetivo artigo 35º, nº 1, contra um Estado que tenha violado algum dos direitos, sendo, assim, titulares dos interesses contrapostos, o particular ou entidade nacionais interessados de um Estado-membro da CEDH, parte vencida num processo que correu termos pelos seus tribunais, por um lado, e o Estado, alegadamente, violador da Convenção, por outro.

Por isso, não importa, de acordo com a tramitação própria do mecanismo do direito de queixa, fazer intervir a outra parte na ação onde foi proferida a decisão revidenda, a qual, como é óbvio, pode atuar, exercendo o direito ao contraditório, como aconteceu, no presente recurso de revisão, em defesa dos seus interesses, prevenindo um eventual exercício do direito de sub-rogação do Estado infrator contra a sua pessoa.

                                                                   [II]

Alega ainda o recorrido que o reexame do caso judicial suscitado pelo recurso de revisão interposto pela recorrente “AA, S.A.”, é atentatório do princípio constitucional da intangibilidade do caso julgado, relativamente ao réu/jornalista BB, que escreveu o artigo em questão, mas que aceitou o acórdão do TEDH, não apresentando nesta instância internacional qualquer queixa visando a ofensa do seu eventual direito infringido.

O acórdão revidendo negou a revista da ré “EE, Ldª”, entretanto, substituída, por ato de fusão, pela “CC, Ldª”, e do réu BB, e, em consequência, confirmou, inteiramente, o douto acórdão recorrido do Tribunal da Relação de Lisboa que, por sua vez, manteve a sentença de 1ª instância, que julgara a ação, parcialmente, procedente, condenando os réus a pagar, solidariamente, ao autor DD, a quantia de €30.000,00, a título de danos morais, tendo esta última decisão transitado em jugado.

Porém, apenas, a ré “CC Ldª”, e não o réu BB, veio agora interpor o presente recurso extraordinário de revisão, o que convoca a questão dos limites subjetivos do caso julgado, que contende com as pessoas abrangidas pela sua imodificabilidade.

Deste modo, encontrando-se ambos os réus vinculados pelo caso julgado formado com base na decisão revidenda, a eventual procedência deste recurso de revisão produzirá, tão-só, efeitos quanto à ré “CC, Ldª”, e não quanto ao co-réu BB, protegido que está pelo princípio da eficácia relativa do caso julgado, que tem por finalidade evitar que terceiros sejam prejudicados na consistência jurídica ou no conteúdo do seu direito, sem terem oportunidade de se defender.

Contudo, no âmbito dos terceiros, juridicamente, interessados, destaca-se a situação daqueles que são titulares de situações jurídicas concorrentes, ou seja, de relações de conteúdo único, isto é, o mesmo daquela que foi objeto da ação, que não podendo cindir-se, nem subsistir senão entre todos os interessados, ou a lei exige a presença de todos eles, em termos de litisconsórcio necessário, em que a falta de qualquer um é motivo de ilegitimidade, ou, então, se a lei não exige a participação de todos, a sentença entre as partes tem de vincular os outros interessados, em razão da inexistência a da incompatibilidade pratica da situação, embora podendo haver contradição teórica[3].

Nestas situações, o caso julgado formado na ação em que não intervêm todas as partes aproveita a todas elas, mesmo às que não estão na lide, mas não lhes é oponível, tratando-se do caso julgado «secundum eventum litis»[4], em que se conjugam os institutos da legitimidade processual com o do caso julgado e a oponibilidade deste em relação a terceiros[5].

Deste modo, o reexame do caso judicial suscitado pelo recurso de revisão interposto pela recorrente “AA, S.A.”, não é atentatório do princípio constitucional da intangibilidade do caso julgado, relativamente ao co-réu Filipe Luís.
                                        [III]

O DL nº 303/2007, de 24 de agosto, introduziu um novo fundamento de admissibilidade de recurso extraordinário de revisão, hoje, inserto na alínea f), do artigo 696.º, do Código de Processo Civil (CPC), nos termos da qual uma decisão transitada em julgado pode ser objeto de revisão quando “seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português”, que o preâmbulo daquele diploma justifica como forma de permitir que «a decisão interna transitada em julgado possa ser revista quando viole a Convenção Europeia dos Direitos do Homem ou normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte», isto é, por forma a possibilitar a execução jurisdicional da decisão do TEDH, através do instituto da revisão da decisão nacional, transitada em julgado, visando, fundamentalmente, dar resposta à falta de meios internos de execução das decisões do TEDH.

A solução passa pelo mecanismo do recurso de revisão que transponha a decisão proferida, a nível internacional, para a ordem interna, para assegurar o respeito devido ao primado do Direito Internacional, sendo que este instrumento de recurso é, desde logo, permitido pelo artigo 29º, nº 6, da Constituição da República Portuguesa, que prevê que “os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão de sentença e à indemnização pelos danos sofridos”, de modo a que todo o regime esteja mais ajustado, quer à CEDH, quer às decisões e normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais em que Portugal se integra.

Importa, assim, definir a amplitude dos três requisitos em que se desdobra o texto legal deste novo fundamento de admissibilidade de recurso extraordinário de revisão, ou seja, a natureza do que se considera uma decisão definitiva [1], a sua proveniência de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português [2] e o caráter inconciliável do conteúdo que tem de assumir a decisão proferida pela instância internacional vinculativa para o Estado Português com a decisão nacional revidenda [3].

O conceito de decisão definitiva promovido pelo TEDH não contende com uma eventual omissão da defesa, pelo Estado português, ao conformar-se com a decisão proferida pela mesma entidade jurisdicional, não requerendo a devolução do caso ao Tribunal Pleno, inexistindo, assim, uma situação de paralelismo com o conhecimento pelo Tribunal Europeu do mecanismo de queixa acionado pelos particulares ofendidos, que depende do esgotamento de todas as vias de recurso internas, de acordo com o disposto pelo artigo 35º, nº 1, da CEDH.

Relativamente à questão da proveniência da decisão de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português, que contende com o âmbito das decisões suscetíveis de fundamentar um recurso de revisão, a nova previsão legal constante da alínea f), do artigo 696.º, do CPC, abrange, desde logo, as decisões emanadas do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, tendo-se os Estados signatários da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais [Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH)] obrigado a respeitar e executar as sentenças definitivas do TEDH, nos litígios em que forem partes, em conformidade com o preceituado pelo artigo 46.º, nº 1, da CEDH, reparando as consequências da violação constatada.

Ora, não sendo o TEDH uma instância internacional de recurso, entendida como um tribunal, hierarquicamente, superior aos tribunais nacionais, com a finalidade de anular, modificar ou revogar atos jurídicos de direito interno, com base em erro de julgamento ou de procedimento, é, porém, uma entidade internacional vinculativa para o Estado Português, que tem obrigação de cumprir os acórdãos proferidos pelo mesmo, embora faculte ao Estado a escolha dos meios a utilizar para cumprir a obrigação que decorre do artigo 46º, nº 1, da CEDH, ou seja, de respeitar e executar as sentenças definitivas do TEDH, nos litígios em que forem partes os Estados signatários, reparando as consequências da violação constatada.

No que respeita, por fim, à questão da incompatibilidade ou inconciliabilidade, esta só se produz quando a decisão a rever se opuser a algo afirmado, enquanto pressuposto lógico necessário da decisão internacional, pois que o TEDH não é competente para anular as decisões ou legislações nacionais, mas, apenas, para declarar que foi cometida uma violação e conceder uma reparação razoável, podendo a reparação do direito violado exigir, para além da eventual reparação financeira, a reapreciação do caso judicial.

Com efeito, as decisões do TEDH não são constitutivas do direito, visando antes por fim a uma situação de incerteza na ordem jurídica, tratando-se de um contencioso de legalidade e não de anulação.

Na verdade, são os Estados que se encontram obrigados a executar as decisões do TEDH, indemnizando as vítimas de violação da CEDH, e não os tribunais portugueses, que não se encontram vinculados pelas decisões daquele órgão, que não é um tribunal de recurso que profira decisões revogatórias das decisões nacionais[6].

Com efeito, sendo competente para executar as decisões do TEDH o Comité de Ministros do Conselho da Europa, sobretudo para assegurar o pagamento das eventuais compensações financeiras, impostas como forma de reparação dos prejuízos sofridos pelos particulares, pela violação dos seus direitos, existem situações em que a reposição integral do “status quo ante” não se basta com a mera compensação financeira determinada pelo TEDH, reclamando ainda a adoção de medidas complementares com vista à sustação do direito violado.

Da responsabilidade imputável ao Estado de executar as decisões proferidas pelo TEDH que declarem a violação da Convenção resultam três consequências, ou seja, a obrigação de cessação do ilícito, a obrigação de reparação dos efeitos do facto ilícito e a obrigação de evitar a repetição do ilícito[7].

A obrigação de reparação é o sistema primário, de acordo com o princípio da «restitutio in integrum», destinado a restaurar a situação que existia antes da violação, pois só em caso de impossibilidade jurídica ou material se deve recorrer à indemnização, sem prejuízo de o Tribunal admitir que a simples constatação de uma violação constitui, só por si, uma satisfação equitativa para o requerente.

A propósito da «reparação razoável», dispõe o artigo 41º, da CEDH, que “se o Tribunal declarar que houve violação da Convenção ou dos seus protocolos e se o direito interno da Alta Parte Contratante não permitir senão imperfeitamente obviar às consequências de tal violação, o Tribunal atribuirá à parte lesada uma reparação razoável, se necessário”.

Este normativo legal assenta no princípio primário da restauração natural, pressupondo, como é óbvio, o princípio da subsidiariedade da restauração por equivalente, tendo o TEDH considerado a reabertura do processo como uma medida próxima das exigências da «restitutio in integrum», apontando para uma solução alternativa entre a reabertura do processo ou o pagamento de uma satisfação equitativa[8].

Efetivamente, a reabertura do processo só se revela indispensável, perante a verificação de duas condições cumulativas, ou seja, a constatação pelo TEDH que a decisão interna que suscitou o recurso é, quanto ao mérito, contrária à CEDH, violadora do fundo, ou que nela existem erros ou falhas processuais que infringem a Convenção e as garantias processuais, e cuja gravidade seja manifesta, suscitando dúvidas sobre a condução e entendimento seguidos no processo nacional, e, simultaneamente, que a parte lesada continue a sofrer consequências negativas, particularmente, graves, na sequência da decisão nacional, que não possam ser compensadas com a reparação razoável arbitrada pelo TEDH, mas que, apenas, sejam suscetíveis de ser alteradas com o reexame ou a reabertura do processo, isto é, mediante a «restitutio in integrum»[9].

O Governo, na contestação ao direito de queixa da ora recorrente a uma reparação por danos materiais, reiterando a sua tese da não violação do artigo 10.º, da CEDH, defendeu, a título subsidiário, que sendo reconhecida pelo Tribunal a aludida violação, o citado normativo estabelece que a recorrente terá possibilidade de interpor um recurso de revisão, de forma a retificar a violação do seu direito, através de um acórdão transitado em julgado.

Porém, o acórdão do TEDH condenou o Estado Português a pagar à ora recorrente a quantia de €30 000,00, acrescidos do montante que seja devido, a título de imposto, por danos materiais, e a quantia de €8919,00, acrescidos do montante que seja devido, a título de imposto, pela mesma, por custas e despesas, rejeitando o pedido de reparação razoável relativamente ao restante.

Assim sendo, a reabertura ou reexame do processo interno, mediante a interposição de um recurso extraordinário de revisão de sentença, como princípio da restauração natural e fonte primária da cessação da ilicitude, cumpre as exigências de uma adequada reparação da violação do direito[10] quando, cumulativamente, a decisão interna é contrária aos princípios fundamentais da CEDH ou violadora do «iter» procedimental e das respetivas garantias processuais, apresentando estas violações gravidade manifesta, e a parte lesada continua a sofrer, por efeito da mesma, consequências negativas, particularmente, graves, que não podem ser compensadas com a reparação razoável arbitrada pelo TEDH.

Nas hipóteses em que a decisão do TEDH funciona como justiça substitutiva, resolvendo a questão, em termos finais, como sucedeu, no caso «sub judice», não se está perante duas decisões inconciliáveis, mesmo quando a decisão nacional tenha julgado que não houve violação dos direitos consagrados pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem e a decisão do TEDH haja declarado o contrário.

Efetivamente, para a afirmação da natureza inconciliável da decisão proferida pela instância internacional com a decisão nacional revidenda, importa que “o teor material da decisão jurisdicional interna seja desconforme, por acção ou omissão, com uma decisão jurisdicional de uma instância jurisdicional internacional … e que deixe sem tutela o direito ou situação jurídica regulada por aquela decisão jurisdicional internacional”[11].

Sendo o teor material da presente decisão revidenda violadora, por ação, de decisão jurisdicional definitiva de uma instância jurisdicional internacional vinculativa para o Estado Português, a recorrente “AA, S.A.”, enquanto parte lesada, não continua a sofrer, em consequência da mesma, consequências negativas, particularmente, graves, porquanto as mesmas já foram compensadas com a reparação razoável arbitrada pelo TEDH, em termos de danos patrimoniais, a qual funcionou, igualmente, como justiça substitutiva, resolvendo a questão, em termos finais, porquanto alterando a decisão interna, por a reputar violadora do artigo 10º, da CEDH, ele próprio a substituiu por uma outra.

Face a todo o exposto, não se mostram verificados, nesta fase rescindente, os requisitos formais para a abertura do processo de revisão, designadamente, com vista a determinar se a sentença nacional se opõe a algo afirmado, enquanto pressuposto lógico necessário, na decisão internacional visada, hipótese em que, em caso afirmativo, e, em fase rescisória, se deveria proferir uma nova sentença, em execução da decisão do TEDH.

É que só perante uma decisão inconciliável do TEDH, o tribunal nacional reexamina a sua anterior decisão, podendo vir a revogá-la[12].

Pelo exposto, não se conhece, por falta de fundamento legal, do objeto do recurso extraordinário de revisão interposto pela recorrente “AA, S.A.”.

CONCLUSÕES:

I – Sendo titulares dos interesses contrapostos, o particular ou entidade nacionais interessados de um Estado-membro da CEDH, parte vencida num processo que correu termos pelos seus tribunais, por um lado, e o Estado, alegadamente, violador da Convenção, por outro, não importa, de acordo com a tramitação própria do mecanismo do direito de queixa, fazer intervir a outra parte na ação onde foi proferida a decisão revidenda, sem prejuízo de a mesma poder atuar, exercendo o direito ao contraditório, no recurso de revisão, em defesa dos seus interesses, prevenindo um eventual exercício do direito de sub-rogação do Estado infrator contra a mesma.

II - O reexame do caso judicial suscitado no recurso de revisão, interposto, tão-só, por um dos réus, não é atentatório do princípio constitucional da intangibilidade do caso julgado, relativamente ao outro, a quem não é oponível, por se tratar do caso julgado «secundum eventum litis», em que se conjugam os institutos da legitimidade processual com o do caso julgado e a oponibilidade deste em relação a terceiros.

III - O conceito de decisão definitiva promovido pelo TEDH não contende com uma eventual omissão da defesa, pelo Estado português, ao conformar-se com a decisão proferida pela mesma entidade jurisdicional, não requerendo a devolução do caso ao Tribunal Pleno, inexistindo, assim, uma situação de paralelismo com o conhecimento pelo TEDH do mecanismo de queixa acionado pelos particulares ofendidos, que depende do esgotamento de todas as vias de recurso internas.

IV - Não sendo o TEDH uma instância internacional de recurso, entendida como um tribunal, hierarquicamente, superior aos tribunais nacionais, com a finalidade de anular, modificar ou revogar atos jurídicos de direito interno, com base em erro de julgamento ou de procedimento, é, porém, uma entidade internacional vinculativa para o Estado Português, que tem obrigação de cumprir os acórdãos proferidos pelo mesmo, embora faculte ao Estado a escolha dos meios a utilizar para cumprir a obrigação que decorre do artigo 46º, nº 1, da CEDH, ou seja, de respeitar e executar as sentenças definitivas do TEDH, nos litígios em que forem partes os Estados signatários, reparando as consequências da violação constatada.

V – O caráter inconciliável do conteúdo que tem de assumir a decisão proferida pela instância internacional vinculativa para o Estado Português com a decisão nacional revidenda verifica-se quando esta última se opuser, em virtude de desconformidade, por ação ou omissão, a algo afirmado, enquanto pressuposto lógico necessário, na decisão internacional, e que deixe sem tutela o direito ou situação jurídica regulada por aquela decisão jurisdicional internacional.

VI - A reabertura ou reexame do processo interno, mediante a interposição de um recurso extraordinário de revisão de sentença, como princípio da restauração natural e fonte primária da cessação da ilicitude, cumpre as exigências de uma adequada reparação da violação do direito, mas só se revela indispensável, perante a verificação de duas condições cumulativas, ou seja, a constatação pelo TEDH que a decisão interna que suscitou o recurso é, quanto ao mérito, contrária aos princípios fundamentais da CEDH, ou violadora do «iter» procedimental e das respetivas garantias processuais, e cuja gravidade seja manifesta, e, simultaneamente, que a parte lesada continue a sofrer, na sequência da decisão nacional, consequências negativas, particularmente, graves, que não possam ser compensadas com a reparação razoável arbitrada pelo TEDH, mas que, apenas, sejam suscetíveis de ser alteradas com o reexame ou a reabertura do processo, isto é, mediante a «restitutio in integrum».

VII – O TEDH tem entendido a reabertura do processo como uma medida próxima das exigências da «restitutio in integrum», de acordo com o princípio primário da restauração natural, mas, no âmbito da solução alternativa entre a reabertura do processo ou o pagamento de uma satisfação equitativa, em conformidade com o princípio da subsidiariedade da restauração por equivalente.

VIII – Sempre que a decisão do TEDH funciona como justiça substitutiva, resolvendo a questão, em termos finais, como acontece quando condena o Estado Português a pagar ao recorrente uma determinada quantia, acrescida dos montantes que sejam devidos, a título de imposto, por danos materiais e por custas e despesas, rejeitando o pedido de reparação razoável relativamente ao restante, não se está perante duas decisões inconciliáveis, mesmo quando a decisão nacional tenha julgado que não houve violação dos direitos consagrados pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem e a decisão do TEDH haja declarado o contrário, em virtude de a parte lesada não continuar a sofrer, em consequência da mesma, consequências negativas, particularmente, graves, porquanto as mesmas já foram compensadas com a reparação razoável arbitrada pelo TEDH, em termos de danos patrimoniais, não exigindo a reparação do direito violado, com vista à reposição integral do “status quo ante”, para além da compensação financeira determinada, a medida complementar da reapreciação do caso judicial.

IX - Não se mostrando verificados, na fase rescindente, os requisitos formais para a abertura do processo de revisão, designadamente, com vista a determinar se a sentença nacional se opõe a algo afirmado, enquanto pressuposto lógico necessário, na decisão internacional visada, não se conhece, por falta de fundamento legal, do recurso extraordinário de revisão interposto.

DECISÃO[13]:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em não conhecer, por falta de fundamento legal, do objeto do recurso extraordinário de revisão interposto pela recorrente “AA, S.A.”.

                                                     *

Custas pela recorrente “AA, S.A.”.

                                                                *

Notifique.

Helder Roque (Relator) *
Roque Nogueira
Alexandre Reis

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[1] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Roque Nogueira; 2º Adjunto: Conselheiro Alexandre Reis.
[2] Revista extraída dos autos de ação de processo ordinário n.º 5817/07.2TBOER, do 3.º Juízo de Competência Cível (extinto 5.º Juízo de Competência Cível) do Tribunal Judicial de Oeiras (extinto).
[3] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, com a colaboração do Prof. Ntunes Varela, Nova edição, revista e atualizada pelo DR. Herculano Esteves, Coimbra Editora, 1976, 312, 313 e 77.
[4] Remédio Marques, Acção Declarativa À luz do Código Revisto, 2ª edição, Coimbra Editora, 2009, 671 e 672.
[5] Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, II, 2015, Almedina, 615 e nota (1293).
[6] Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º, TI, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, 229.
[7] Elisabeth Lambert Abdelgawad, L' exécution des arrêts de la Cour européenne des Droits de l' Home, Éditions du Conseil de L'Europe, Dossiers sur les droits de l' home, nº 19 English edition The execution of judgments of the European Court of Human Rights ISBN 978-92-871-6373-8; Armando Rocha, O Contencioso dos Direitos do Homem no Espaço Europeu. O Modelo da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2010, 111 e ss; Acórdão Chórzów, do Tribunal Permanente de Justiça Internacional de 13-9-1928, Publications de la Cour Permanente de Justice Internationale, série-A, nº 17, de 13-9-1928.
[8] Acórdão Claes e outros contra Bélgica, de 02-06-2005; Acórdão Lungoci contra Roménia, de 26-01-2006, Pº nº 62710/00.
[9] Elisabeth Lambert Abdelgawad, L' exécution des arrêts de la Cour européenne des Droits de l' Home, Éditions du Conseil de L'Europe, Dossiers sur les droits de l' home, nº 19, English edition, The execution of judgments of the European Court of Human Rights ISBN 978-92-871-6373-8.
[10] Acórdão Öcalan contra Turquia, de 12-5-2005, Pº nº 46221/99.39; Acórdão Gencei contra Turquia, de 24-03-2004, Pº nº 53431/99; Acórdão Celan contra Turquia, de 11 de outubro de 2005, Pº nº 23556/941.
[11] Santos Cabral, A relação entre as decisões dos tribunais internacionais e as decisões dos tribunais supremos-efeito directo e reabertura do processo, Conferência realizada no STJ, em 20-04-2017, citando Maria José Rangel de Mesquita, 14, www.dgsi.pt
[12] Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º, TI, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, 229, citado.
[13] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Roque Nogueira; 2º Adjunto: Conselheiro Alexandre Reis.