Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02S3742
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: VÍTOR MESQUITA
Descritores: INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
PEDIDO
RECUPERAÇÃO DE EMPRESA
CLASSIFICAÇÃO PROFISSIONAL
CATEGORIA PROFISSIONAL
INDEMNIZAÇÃO
DANOS MORAIS
PROMOÇÃO
DIREITO AO TRABALHO
TRABALHO IGUAL SALÁRIO IGUAL
Nº do Documento: SJ200310010037424
Data do Acordão: 10/01/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 1155/01
Data: 04/08/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário : I - Verifica-se ineptidão da petição inicial por falta de pedido quando o autor, invocando que sofreu danos não patrimoniais e quantificando-os, não integrou na conclusão da sua petição inicial qualquer pedido de condenação do R. no pagamento de uma quantia a título de danos não patrimoniais.
II - Não pode confundir-se com o pedido a exposição de cariz factual e jurídico efectuada na narração do articulado.
III - Desde que haja contestação, o juiz não pode, por força do disposto no nº. 3 do artº. 193 do CPC, julgar inepta a petição por falta de indicação da causa de pedir ou do pedido se chegar à conclusão de que o réu na contestação interpretou correctamente a dita petição (ouvindo para tanto o autor, se necessário) e isto quer o mesmo réu tenha ou não suscitado a questão da ineptidão.
IV - Verificando-se que o R. apreendeu e compreendeu a pretensão indemnizatória da A. considerando como efectuado o correspondente pedido, não é possível, absolver o R. da instância quanto a este pedido por ineptidão da petição inicial.
V - Como resulta dos princípios gerais dos contratos e do artº. 22º do D.L. nº. 49.408, ainda que haja reestruturação da empresa, proíbe-se a mudança unilateral e definitiva de categoria que não corresponda a uma normal progressão ou promoção na carreira.
VI - Estando uma categoria institucionalizada - isto é, quando prevista na lei ou instrumento de regulamentação colectiva -, a entidade patronal está obrigada a observar essa institucionalização, não podendo alterar a classificação do trabalhador, ainda que esta se traduza apenas numa modificação na designação sem alteração do conteúdo funcional.
VII - Se a definição de conteúdo e designação das categorias profissionais se enquadra no âmbito dos poderes directivos e organizacionais da empresa que competem à entidade empregadora, podendo ser estabelecidas e concretizadas internamente, estes poderes têm como limite o respeito pelos citados direitos e garantias dos trabalhadores.
VIII - Dá lugar a indemnização por danos não patrimoniais o caso da violação pelo empregador do chamado direito à categoria (através da "despromoção" ou da colocação do trabalhador em inactividade) desde que se verifiquem os requisitos da obrigação de indemnizar, ou seja, a existência de um facto ilícito, culposo e danoso, bem como a existência de um nexo causal entre aquele facto e os danos (cfr. o artº. 483º do C.C.).
IX - Para que se mostre violado o princípio constitucional de que "para trabalho igual salário igual" enunciado no artº. 59º, al. a) da CRP, é necessário que as mesmas quantidades e qualidades de trabalho da mesma natureza não estejam a ser retribuídas da mesma maneira, pois não deve haver qualquer discriminação retributiva entre trabalhadores que não resulte da sua categoria profissional, tarefas executadas, etc.
X - A lei não exige a actualização salarial desde que o salário seja superior ao mínimo fixado na lei ou estipulado no instrumento de regulamentação colectiva para o nível em que se insere a categoria do trabalhador.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
1. Relatório
"A", viúva, residente na R. ..., Matosinhos, intentou a presente a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma comum, contra "B - Centro de Formação ...", peticionando se condene a R. a reconhecer a categoria de contabilista e a atribuir à A. as funções contratadas e executadas de contabilista e a pagar-lhe as diferenças salariais pedidas e vincendas com base na retribuição que devia ter sido actualizada em 1998 e em 1999 e o prémio de responsabilidade, com juros legais desde o vencimento de cada obrigação e até integral pagamento, e a ser fixada uma sanção pecuniária compulsória eficaz por cada dia de atraso no cumprimento da sentença.
Em fundamento da sua pretensão alegou, em síntese: que foi admitida ao serviço do R. em 1990 para exercer funções de contabilista, categoria profissional que lhe foi atribuída, sendo que a partir de Outubro de 1995 a R. lhe atribuiu unilateralmente a categoria de técnico especialista; que adoeceu em 10/03/97 e esteve de baixa até 17/09/98 e, na sequência da alta, foi mandada ficar em casa sob a fórmula "dispensada de comparecer ao serviço, por motivo de reestruturação"; que foi mandada retomar o serviço em 17/1/2000 e, a partir desta data, foi posta inactiva num gabinete; que com a colocação na inactividade, o réu iniciou um processo de desgaste da autora; que na altura do regresso ao serviço, o Director lhe atribuiu a gestão do arquivo e do imobilizado e deu-lhe uma informação escrita para formação, mas não lhe atribuiu qualquer tarefa para executar; que o réu pagava à autora um prémio de responsabilidade em 14 meses e deixou de processar-lhe esse prémio a partir do mês de Abril de 1997; que quanto aos seus colegas que o auferiam, o integrou no vencimento a partir de 1998; que a retribuição fixada com efeitos a Janeiro de 1997 não foi alterada nos anos de 1998 e 1999, ao contrário dos seus colegas e que a conduta do réu lhe causou danos morais, com repercussões na sua saúde e no seu agregado familiar, que lhe causaram síndroma depressivo grave, com perigo para o seu equilíbrio físico e psíquico, os quais são indemnizáveis nos termos dos artºs. 483º e 496º, nº. 1 do C. Civil.

O R. contestou a acção impugnando o alegado pela A. e invocando no seu articulado, em síntese, que pelo menos desde Março de 1997, a autora passou a ser responsável pela cabimentação, pela imputação de custos e pela informação periódica a remeter ao IEFP e à contabilidade pública; que em 1995 ocorreu no réu uma ampla reestruturação dos seus serviços, que determinou alteração nas categorias profissionais; que no caso da autora, verificou-se a sua reclassificação como técnica especialista; que nunca a autora reagiu perante o réu contra essa categoria e que o prémio de responsabilidade tinha como pressuposto o exercício efectivo de determinadas funções. Questionou ainda o fundamento da peticionada indemnização por danos não patrimoniais e concluiu pela improcedência da acção e absolvição do pedido.

A A. veio a fls. 63 a 65 apresentar resposta e aditar factos novos, alegando, em suma, que o réu se lembrou de criar nova aparência de exercício de funções, obrigando a autora a fazer deslocações a Barcelos sob o pretexto de aprender a gestão do imobilizado, que a autora não carecia de qualquer ensinamento da pretensa gestão do imobilizado e perdia grande parte do tempo na viagem e depois passava o resto do tempo útil sentada, inactiva, a ver os outros trabalhar com o computador, o que tudo lhe causa uma depressão ansiosa e reactiva, provoca o recurso a calmantes e lhe cria uma situação de instabilidade emocional, factos que em seu entender são geradores de danos não patrimoniais que completam o valor indemnizável do item 33º da petição, a arbitrar nos termos do artº. 28º do Código de Processo do Trabalho.
O R. contestou este aditamento, alegando essencialmente que as deslocações a Barcelos cabiam no âmbito da gestão do imobilizado e concluindo como na contestação.

Foi proferido despacho saneador e procedeu-se à selecção da matéria de facto assente e controvertida, objecto de reclamação, oportunamente decidida.
Em fase posterior a este despacho, veio a autora a fls. 83 a 84, aditar factos novos integrantes de nova causa de pedir, alegando, em síntese, que: no dia 9 de Janeiro de 2001, o réu encarregou a Dra. C de invectivar a autora sobre o que tinha feito; que se travou uma discussão entre ambas, pela qual a autora lhe fez ver que o jogo que estava a adoptar era incorrecto; que tal foi a pressão desse dia, acumulada com toda uma situação, que no dia 10 de Janeiro de 2001 a autora sofreu um enfarte agudo do miocárdio e teve de ser conduzida ao Hospital, onde ficou internada, e que não reúne condições para receber subsídio de doença em virtude de ter estado de baixa médica de 8 de Junho a 11 de Novembro de 2000, pelo que pede seja o réu condenado a pagar-lhe a retribuição integral dos meses de Janeiro de 2001 em diante até plena recuperação, com juros legais não o fazendo no fim de cada mês, e em melhor cálculo de indemnização por danos não patrimoniais.

O réu apresentou também contestação a este aditamento e concluiu pela improcedência do pedido nele formulado.
Ambos os aditamentos foram admitidos por despacho.
Foram determinados aditamentos à matéria de facto provada e à base instrutória, em consequência do aditamento de fls. 83-84.
Designado dia para o julgamento, a este veio a proceder-se com observância das formalidades legais, após o que foi decidida a matéria de facto em litígio e proferida sentença que julgou inepta a petição inicial no que concerne aos danos não patrimoniais invocados na petição inicial e nulo todo o processo quanto a eles, absolvendo o réu nesta parte da instância.
Decidiu ainda a mesma sentença condenar o réu:
- a atribuir à autora a execução efectiva de funções inerentes à sua categoria;
- no pagamento da quantia de Esc. 10.000$00 (dez mil escudos) por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação em que foi condenado, a título de sanção pecuniária compulsória;
- a pagar à autora a quantia de Esc. 300.000$00 (trezentos mil escudos) a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial;
- a pagar a autora o denominado "prémio de responsabilidade" actualmente no valor de Esc. 22.700$00 (vinte e dois mil e setecentos escudos) mensais;
- a pagar à autora o montante global de Esc. 610.946$00 (seiscentos e dez mil novecentos e quarenta e seis escudos) a título de "prémios de responsabilidade" em dívida desde Abril de 1997 a Maio de 2000, inclusive, acrescida de juros sobre cada uma das prestações devidas, desde as datas dos respectivos vencimentos, à razão de Esc. 22.700$00 (vinte e dois mil e setecentos escudos) mensais, calculados à taxa de 10% até 17/04/99 inclusive e de 7% a partir desta data, até integral pagamento.
Inconformada a A. recorreu de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, por douto acórdão de 8 de Abril de 2002, negou provimento ao recurso e confirmou a sentença da 1ª instância, fazendo uso da faculdade prevista no artº. 713, nº. 5 do CPC.

De novo inconformada a A., veio recorrer de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando nas alegações as seguintes conclusões:
1 - O R. é um centro de formação profissional da indústria têxtil, de seu nome, pelo que o seu objecto social ou actividade e a sua natureza estão inscritos no nome ou firma e ressaltam das actas juntas e dos articulados.
2 - A Relação deveria ter preenchido a lacuna factual aparente, firmando a actividade do R.
3 - De todo o modo, o juiz tem obrigação de conhecer o direito e, como tal, de saber que é aplicável ao R. a PRT para os trabalhadores administrativos, como a A. lhe adiantou, até por falta de indicação de uma regulamentação colectiva de trabalho específica, que deveria ter sido alegada como excepção (artº. 1, nº. 3 da PRT do BTE nº. 9/96, pgs. 135).
4 - Nos termos do artº. 2º da PRT do BTE nº. 9/96, pgs. 135, o R. tinha de classificar a A. de acordo com as funções efectivamente desempenhadas (norma geral de toda a regulamentação colectiva de trabalho), pelo que a categoria profissional que lhe atribuiu de técnica especialista é nula e deve a sentença condenar expressamente o R. na atribuição à A. da categoria de contabilista com as respectivas funções.
5 - O pedido de danos não patrimoniais foi feito na petição inicial, levado ao valor da acção, reconhecido como tendo sido feito na contestação, reforçado na resposta e nem careceu de esclarecimento nos termos do artº. 193º, nº. 3 do CPC, pelo que, pelo mero sentido da acção e confronto com os demais articulados (Ac. do STJ de 26.4.95, in CJ, 1995, tomo 1, p. 155), não é inepto e se descobre imediatamente que se trata de um lapso manifesto (artº. 249º do C.Civil - Acórdão da Relação de Lisboa de 23.4.98, in C.J. 1998, tomo 2, pgs. 130.
6 - Em 1998 e 1999 o R. procedeu a aumentos gerais e uniformes para todos os seus trabalhadores, independentemente do mérito relativo e esclareceu que não aumentou a A. nesses anos por ter estado doente parte de cada ano.
7 - Não precisava a A. de invocar porque é que não foi aumentada em contraposição aos seus colegas por ter sido um aumento geral e incondicionado, mas dúvidas não existem de que o R. a quis discriminar por virtude da doença, como ele próprio alegou, em violação da doutrina do Acórdão nº. 16/96 do STJ (in DR 1ª série I-A, nº.º 280, de 4.12.96) e do princípio da igualdade de tratamento (artº. 59º, nº. 1, al. a) da C R P).
8 - Os prémios seguem o mesmo regime da retribuição base como seguiram em relação aos seus colegas, pelo que deve o R. ser condenado a pagar as diferenças salariais pedidas e no valor actualizado da retribuição de base e dos prémios.
8 - O acórdão recorrido violou os artºs. 1º, nº. 3 e 2º da PRT do BTE nº. 9/96, pgs. 135, o artº. 249º do C.Civil e o artº. 59º, nº. 1, al. a) da CRP.

A recorrida não contra alegou.
O Exmo. Procurador Geral Adjunto emitiu nos autos douto parecer, no sentido de ser parcialmente concedida a revista.
Autora e Réu pronunciaram-se sobre este parecer (vide fls. 237 e fls. 241 e ss.).

2. Fundamentação de facto
As instâncias deram como provada a seguinte factualidade, que este STJ aceita, por se não verificar fundamento para a sua alteração:
2.1. A autora foi admitida ao serviço do réu em Julho de 1990 para, sob a sua autoridade e direcção, desempenhar funções de contabilista (alínea A).
2.2. Pelo menos até Fevereiro de 1997, a autora teve a seu cargo a elaboração da escrita do réu, o fecho da contabilidade para o "Fisco", Tribunal de Contas e Instituto do Emprego e de Formação Profissional, e a sua assinatura, como técnico de contas responsável (alínea B).
2.3. A categoria atribuída à autora foi a de contabilista, categoria profissional esta que constou dos recibos de vencimento até Setembro de 1995. (alínea C).
2.4. Em meados de 1995 ocorreu uma reestruturação nos serviços do réu que, além do mais, determinou alteração nas categorias profissionais dos seus trabalhadores (alínea C) 1).
2.5. No caso da autora, verificou-se a sua reclassificação como "técnica especialista" (alínea C) 2).
2.6. A partir do mês de Outubro de 1995, o réu fez constar dos recibos da autora a categoria de técnico especialista (alínea D).
2.7. Em 12 de Março de 1997, por decisão do Conselho de Administração do réu, à autora foram atribuídas as funções de responsável pela cabimentação, pela imputação de custos e pela informação periódica a remeter ao I.E.F.P. e à contabilidade pública, sendo então "destituída" do cargo de responsável pela secção de contabilidade (da resposta ao quesito 13º).
2.8. A autora adoeceu em 10/03/1997 e esteve em regime de baixa médica até 17/09/1998 (alínea E).
2.9. Na sequência da alta, a autora foi mandada ficar em casa, sob a fórmula "dispensada de comparecer no serviço, por motivo de reestruturação", e foi mandada retomar o serviço no dia 17/01/2000 (alínea F).
2.10. Na altura do regresso ao serviço, o Director do réu disse à autora que lhe era atribuída a gestão do arquivo e do imobilizado e deu-lhe uma informação escrita para formação (alínea G).
2.11. A partir de 17/01/2000 a autora foi posta inactiva num gabinete, juntamente com a colega Dra. D, não atribuindo o réu àquela qualquer tarefa efectiva e concreta para executar (da resposta ao quesito 2º).
2.12. A partir dessa altura, o Director do Centro exige que a autora tenha as persianas abertas e a autora não aceita: o Director manda-a abri-las e ela fecha-as (alínea H).
2.13. A autora não aceita que as persianas estejam abertas, porque o gabinete/sala em que está é envidraçado e dá para um corredor de passagem (da resposta ao quesito 3º).
2.14. Tal facto é comentado internamente (da resposta ao quesito 5º).
2.15. A autora pretendeu usar os dias 24 a 28 de Abril, entremeados com o feriado de 25 de Abril, como férias (alínea I).
2.16. Para esse efeito, o réu não exarou no impresso modelo RH autorização por escrito (da resposta ao quesito 7º).
2.17. Para os efeitos referidos em 2.15., a autora preencheu o impresso próprio RH nele não indicando como sua categoria a de "técnico especialista", antes dele fazendo constar a de "contabilista" (da resposta ao quesito 15º).
2.18. O réu pagava à autora um "prémio de responsabilidade", assim designado, em catorze meses, atribuído por deliberação do Conselho de Administração do réu de 15/11/1995 (alínea J) e documento de fls. 100 a 105).
2.19. Esse prémio era de Esc. 21.000$00 em 1995, Esc. 22.000$00 em 1996, e Esc. 22.700$00 em 1997 (alínea L).
2.20. O réu deixou de processar à autora esse prémio a partir do mês de Abril de 1997 (alínea M).
2.21. A partir de 1998, o réu integrou o prémio referido em 2.18. no vencimento dos colegas da autora que então o auferiam (da resposta ao quesito 8º).
2.22. Tal "prémio de responsabilidade", mencionado em 2.18., tinha como pressuposto o exercício efectivo de funções de responsabilidade, como eram aquelas inerentes ao cargo de responsável pela secção de contabilidade que a autora exerceu (da resposta ao quesito 16º).
2.23. Em 1997 a retribuição mensal da autora era de Esc. 248.000$00 (N).
2.24. Anualmente e com efeitos a Janeiro de cada ano, o réu procede a aumentos gerais dos vencimentos (alínea O).
2.25. A retribuição da autora de Esc. 248.000$00, fixada com efeitos a Janeiro de 1997, não foi alterada nos anos de 1998 e 1999, ao contrário da dos seus colegas (alínea P).
2.26. As retribuições mensais dos seus colegas foram aumentadas em 1998 na percentagem média de 2,75%, e em 1999 na percentagem média de 3% (alínea Q).
2.27. Em 2000 o réu fez beneficiar a autora do aumento geral de 2,5% (alínea R).
2.28. O réu determinou a autora a fazer deslocações a Barcelos, tendo-a determinado a fazer uma deslocação a essa cidade em 16/11/2000 (alínea S) e da resposta ao quesito 11º).
2.29. A autora não carecia de qualquer ensinamento da gestão do imobilizado porque fazia parte das suas funções de contabilista (alínea T).
2.30. A autora perdia o tempo da viagem e depois passava o resto do tempo útil sentada, a ver outros a trabalhar com o computador (alínea U).
2.31. Os contabilistas ou técnicos oficiais de contas .que a autora acompanhava nessa viagem, para exercício de trabalhos contratados à empresa a que pertencem, "E, Sociedade de Revisores Oficiais de Contas", nada ensinaram à autora (alínea V).
2.32. A autora enviou ao Director do réu as cartas cujas cópias constam a fls. 66 e 68 (alínea X).
2.33. O que consta em 2.11., 2.13. e 2.14., determina a que a autora ande descontrolada, com problemas do foro psiquiátrico, recorrendo a mesma por sistema a calmantes (da resposta ao quesito 9º).
2.34. A comparência ao serviço para ficar inactiva representa uma situação diária de dor, sendo objecto de comiseração dos colegas (da resposta ao quesito 10º).
2.35. Os factos mencionados em 2.29. a 2.31. agravaram à autora a situação de depressão ansiosa e reactiva e de instabilidade emocional de que a mesma padecia (da resposta ao quesito 12º).
2.36. No dia 9 de Janeiro de 2001, a Dra. C, superiora hierárquica da autora, teve com esta uma reunião de trabalho (da resposta aos quesitos 17º e 18º).
2.37. No dia 10 de Janeiro de 2001, nas instalações do réu, pelas 9.30 horas, a autora sofreu um enfarte agudo do miocárdio e teve de ser conduzida de urgência ao Hospital Pedro Hispano, onde ficou internada (alínea Z).
2.38. A autora esteve com baixa de 8 de Junho a 11 de Novembro de 2000 (alínea AA).

3. Fundamentação de Direito
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente - artºs. 690º, nº. 1 e 684º, nº. 3 do C.Processo Civil aplicáveis "ex vi" do artº. 1º, nº. 2, al. a) do C.Processo Trabalho - as questões que fundamentalmente se colocam à apreciação deste tribunal são as seguintes:
1º - a da ineptidão da petição inicial quanto à pretensão de indemnização por danos não patrimoniais;
2º - a do instrumento de regulamentação colectiva aplicável à relação laboral "sub-judice";
3º - a da categoria profissional da autora;
4º - a da quantificação da indemnização por danos não patrimoniais e;
5º - a da violação do princípio da igualdade de tratamento em matéria salarial.

3.1 Da ineptidão da petição inicial quanto à pretensão de indemnização por danos não patrimoniais.
Na sentença de 1ª instância, cuja tese foi acolhida pelo Tribunal da Relação, foi considerada inepta a petição inicial no que concerne aos danos não patrimoniais nela invocados pela A., por não ter a A. formulado na petição inicial o correspondente pedido, absolvendo-se nesta parte o R. da instância nos termos dos artºs.193, nº. 2, al. a), 494º, al. b), 495º, 493º, nº. 2, 288º, nº. 1, al. b) e 660º, nº. 1 do CPC.
Invoca a recorrente nas suas alegações de revista que formulou expressamente o pedido de indemnização por danos não patrimoniais no item 33 da petição inicial e levou-o ao valor da acção, omitindo-o por nítido lapso nas conclusões do pedido, e que o R. viu claramente que tinha formulado o pedido de indemnização por danos não patrimoniais e que, por isso, não era necessário completar a petição inicial para evitar a ineptidão nos termos do artº. 193, nº. 3 do CPC.
Defende assim que o R. deve ser condenado no valor real, querido, com os respectivos juros.
Analisando a petição inicial, verifica-se que, em matéria de danos não patrimoniais, a A. alega que o procedimento do R. põe os seus nervos em franja, anda descontrolada e com problemas do foro psiquiátrico, recorrendo a calmantes e que sofre diariamente dor moral e física, danos que imputa ao R. e que quantifica em valor não inferior a 3.000.000$00 (artºs. 30º a 33º da petição inicial).
E conclui a A. a sua petição formulando, em termos autónomos, o seguinte pedido:
"DEVE A ACÇÃO SER JULGADA PROCEDER E O R. CONDENADO A RECONHECER A CATEGORIA DE CONTABILISTA E A ATRIBUIR À A. AS FUNÇÕES CONTRATADAS E EXECUTADAS DE CONTABILISTA E A PAGAR-LHE AS DIFERENÇAS SALARIAIS PEDIDAS E VINCENDAS COM BASE NA RETRIBUIÇÃO QUE DEVIA TER SIDO ACTUALIZADA EM 1998 E EM 1999 E O PRÉMIO DE RESPONSABILIDADE, COM JUROS LEGAIS DESDE O VENCIMENTO DE CADA OBRIGAÇÃO E ATÉ INTEGRAL PAGAMENTO E SER FIXADA UMA SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA EFICAZ POR CADA DIA DE ATRASO NO CUMPRIMENTO DA SENTENÇA".

Dispõe o artº. 467º, nº. 1, do C. Processo Civil aplicável "ex vi" do artº. 1º, nº. 2, al. a) do C. Processo Trabalho , quanto aos requisitos da petição inicial, que nela o A. deve:
"d) Formular o pedido".
Como ensina Manuel de Andrade (1), o "pedido" é a enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo autor e o "objecto da acção" - e com ele o objecto da decisão e a extensão objectiva do caso julgado - é precisamente identificado através do pedido e da causa de pedir, consubstanciada esta em factos concretos (artºs. 193º, nº. 2, al. a), 497º e 498º do C. Processo Civil).
Na petição inicial deve o autor formular o pedido determinado material e processualmente, isto é, solicitar ao tribunal a providência processual que julgue adequada para tutela duma situação jurídica ou de um interesse que afirma materialmente protegido (2).
Assim, de acordo com o que prescreve o artº. 193º, nº. 2, al. a) do C. Processo Civil aplicável "ex vi" do artº. 1º, nº. 2, al. a) do C. Processo Trabalho, a petição inicial será inepta quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido, ou seja, quando nela não seja indicada, ou por meio dela não puder descobrir-se, qual a espécie de providência que o A. se propõe obter do juiz, ou qual o efeito jurídico que se propõe obter por via da acção.
Define o Prof. Alberto dos Reis (3) o pedido como sendo a "providência que o autor solicita ao tribunal". Ao invocar determinado direito, ao autor compete especificar a respectiva causa de pedir, ou seja, a fonte desse direito, os factos donde, no seu entendimento, procede tal direito, neles alicerçando, numa relação lógico-jurídica, o pedido deduzido. Este consiste, em última análise, no efeito jurídico que o A. se propõe obter com a acção e concretiza-se na espécie de providência que o autor quer receber do juiz.
E, continua o Prof. J. A. Reis (4), com muita clareza:
"A espécie de ineptidão figurada na alínea a) pode apresentar-se de duas maneiras:
1ª Falta de formulação do pedido;
2ª Formulação obscura.
O 1º caso é raro, pois mal se compreende que alguém se apresente em juízo sem dizer o que quer. O 2º é mais frequente. O autor formula o pedido; mas formula-o em termos tais, que não chega a perceber-se qual é o seu pensamento, qual é o efeito jurídico que se propõe obter".
Também da lição deste Professor (5), de Manuel de Andrade (6) e de Miguel Teixeira de Sousa (7) se extrai que a petição inicial apresentada num processo judicial contém três partes essenciais:
1º- o preâmbulo, onde se identificam as partes e se aponta a forma do processo;
2º- a narração, onde se explanam os fundamentos de facto e de direito da acção e
3º- a conclusão, onde se formula o pedido, ou seja, onde se precisa qual é a providência que o autor solicita ao tribunal, o "efeito jurídico pretendido pelo autor" (na expressão de Manuel de Andrade).
A este propósito o Prof. Antunes Varela e M. Bezerra e Sampaio Nora (8) precisam que "o pedido é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor (o reconhecimento judicial da sua propriedade sobre determinada coisa; a entrega ou restituição dessa coisa; a condenação do réu numa prestação de certo montante; etc.)" e, ainda, que "o pedido deve ser formulado na conclusão da petição, não bastando que apareça acidentalmente referido na parte narrativa dela. O autor deve no final do arrazoado, dizer com precisão o que pretende do Tribunal - que efeito jurídico quer obter com a acção".

Ora, embora na narração da petição inicial a A. tenha aludido ao sofrimento de danos não patrimoniais, tenha afirmado ser o R. responsável pela sua indemnização e os tenha quantificado, a verdade é que, cumulando vários pedidos na conclusão da mesma petição inicial, não pediu efectivamente ao tribunal a condenação do R. no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais, ou seja, não formulou tal pedido na conclusão do seu articulado inicial.
Verifica-se pois a hipótese de falta do pedido prevista no artº. 193, nº. 1, al. a) do CPC quanto aos danos não patrimoniais invocados na petição inicial, não sendo caso de aplicar singelamente o disposto no artº. 249º do C.Civil uma vez que, embora este preceito contenha um princípio geral que deverá ser também aplicável às declarações produzidas pelas partes em processos judiciais (9), é necessário que o erro invocado resulte do texto da declaração ou das circunstâncias em que ela é feita para que possa relevar nos termos nele previstos.
Nada demonstrava neste caso que a A. se houvesse esquecido de formular o pedido de indemnização por danos não patrimoniais ou que, pura e simplesmente, não o tenha querido formular e posteriormente se tenha arrependido de tal, sendo certo que se mostrava patrocinada por ilustre mandatário que seguramente não desconhece a função fundamental do pedido numa acção: delimitar o objecto do processo e balizar a actividade decisória do juiz.
Este, na verdade, não pode resolver um conflito de interesses sem que a sua resolução lhe seja pedida por uma das partes por força do que prescreve o artº. 2º, nº. 1, do CPC, nem condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir nos exactos termos previstos no artº. 661º do C. Processo Civil, ambos aplicáveis "ex vi" do artº. 1º, nº. 2, al. a) do C. Processo Trabalho, com excepção da hipótese de condenação "ultra petitum" prevista no artº. 74º do CPT, que não se verifica quanto ao direito indemnizatório em análise.
Assim, compreende-se que, usando do poder oficioso estabelecido no artº. 202º, o tribunal devesse conhecer oficiosamente da nulidade em causa no despacho liminar, já que a A. não formulou efectivamente na conclusão da petição inicial o pedido correspondente aos danos não patrimoniais que alegou, e de modo algum pode confundir-se com tal a exposição de cariz factual e jurídico efectuada na narração do articulado.
A A., invocando que sofreu danos não patrimoniais e quantificando-os, não integrou na conclusão da sua petição inicial - em que pede ao juiz o efeito jurídico que pretende obter através do órgão jurisdicional (10) -, qualquer pedido de condenação do R. no pagamento de uma quantia a título de danos não patrimoniais.

A análise desta questão não pode, contudo, quedar-se por aqui, uma vez que a nulidade em causa foi conhecida na sentença final, ou seja, após o réu ter sido ouvido nos autos e após saneada, condensada e instruída a causa.
Na verdade, e por um lado, tratando-se a nulidade em causa de uma nulidade prevista no artº. 193º do CPC, apenas poderia o juiz dela conhecer na sentença final se não houvesse lugar a despacho saneador.
Conforme prescreve o artº. 206º, nº. 2 do CPC, que determina o momento até ao qual é lícito ao juiz exercer o seu poder de conhecimento oficioso:
"As nulidades a que se referem os artºs. 193º e 199º são apreciadas no despacho saneador, se antes o juiz as não houver apreciado. Se não houver despacho saneador, pode conhecer delas até à sentença final."
Assim, comportando os presentes autos despacho saneador, que foi efectivamente proferido, aí se declarando a inexistência de nulidades (vide fls. 74) vedado estava ao juiz de 1ª instância declarar oficiosamente a nulidade parcial da petição inicial na sentença final, como veio a fazer (11).

Por outro lado ("the last but not the least"), não pode deixar de se atentar na disciplina legal da correcção do vício da petição inicial por omissão do pedido ou da causa de pedir estabelecida no nº. 3 do artº. 193º do C. Processo Civil.
Com efeito, se a ineptidão visa em primeiro lugar evitar que o juiz seja colocado na impossibilidade de julgar correctamente a causa e decidir sobre o mérito em virtude da inexistência ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir que balizam o exercício da actividade jurisdicional declaratória do direito (em face do princípio do pedido estabelecido no artº. 2º do CPC e da impossibilidade de condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido prescrita no artº. 661º do CPC), é também seu desiderato "impedir que se faça um julgamento sem que o réu esteja em condições de se defender capazmente para o que carece de conhecer o pedido contra ele formulado e o respectivo fundamento" (12).
Estabelece, assim, o nº. 3 do artº. 193º do C. Processo Civil que:
"Se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, não se julgará procedente a arguição quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial".
Impede esta regra, no caso de haver contestação e pese embora a arguição da ineptidão, que o juiz, sem ouvir o autor, decrete de imediato a ineptidão da petição inicial e a consequente nulidade do processo com a absolvição (total ou parcial) do réu da instância.
Está este normativo em consonância com aquele segundo desiderato tradicionalmente associado à figura da ineptidão da petição inicial por falta ou ininteligibilidade da causa de pedir ou do pedido.
Se a petição inicial não foi liminarmente indeferida e o réu veio a contestar, verificando-se que interpretou convenientemente o pensamento do autor, esta sua actividade supre a ineptidão por falta de indicação do pedido ou da causa de pedir ou a ininteligível formulação daquele ou desta, de modo que nem o autor fica prejudicado no pedido, nem o réu no exercício do contraditório.
Apesar de se verificar a ineptidão, esta é "suprida ulteriormente pela actividade do réu" (13).
Desta disciplina legal da correcção do vício da petição inicial por omissão do pedido ou da causa de pedir estabelecida no nº. 3 do artº. 193º resulta que o acto processual (a petição inicial) pode valer com um sentido diverso do que resulta dos seus termos se o seu destinatário (aqui, a contraparte) os apreendeu na acepção que lhes quis dar o autor (14).
É que, como doutrina Alberto dos Reis (15), "Se, apesar da obscuridade ou ambiguidade do pedido ou da causa de pedir, o réu pôde elaborar a sua contestação, isso quer dizer que lhe foi possível interpretar de certa maneira o pedido ou a causa de pedir; tudo está agora em saber se a interpretação dada pelo réu é exacta ou, noutros termos, se o sentido atribuído ao pedido ou à causa de pedir corresponde fielmente aquilo que o autor quis exprimir (...) Se, ouvido o autor, este declarar que a sua petição tem o sentido que o réu lhe atribuiu, a obscuridade ou confusão fica desfeita. O pedido ou a causa de pedir passará a ter, por acordo das partes, a significação e o alcance expresso na contestação".
Mas, se a lei é clara para os casos em que o réu contesta e argui a ineptidão da petição inicial, coloca-se a questão de saber se deve igualmente aplicar-se esta doutrina nos casos em que o réu contesta e não levanta a questão da ineptidão, como sucedeu no caso "sub-judice" .
Também seguindo a lição do Prof. Alberto dos Reis, que mantém actualidade, consideramos deverem tratar-se de modo igual as duas situações, aplicando-se por analogia o disposto no nº. 3 do artº. 193º a esta situação em que a questão da ineptidão não foi suscitada pelas partes e é objecto de análise pelo juiz, em cumprimento do dever oficioso que a lei lhe impõe.
Como refere este professor, "O que está na base do texto legal é esta ideia: se o réu pôde contestar, é porque atribuiu à petição determinado sentido; importa averiguar se esse sentido corresponde ao que o autor pretendeu exprimir; se corresponde, não há fundamento para declarar inepta a petição." (16).
Assim, e em qualquer dos casos, desde que haja contestação, o juiz não pode, por força do disposto no nº. 3 do artº. 193º do CPC, julgar inepta a petição inicial por falta de indicação da causa de pedir ou do pedido se chegar à conclusão de que o réu na contestação interpretou correctamente a dita petição (ouvindo para tanto o autor, se necessário) e isto quer o mesmo réu haja ou não suscitado a questão da ineptidão (17).

Analisando os articulados apresentados nesta acção verifica-se que a A. alega na petição inicial ter sofrido danos não patrimoniais em virtude do procedimento do R., quantificando estes em valor não inferior a 3.000.000$00 (artºs. 30º a 33º da petição inicial), embora na conclusão não inscreva o correspondente pedido, como já se viu.
Por seu turno o R., na contestação, impugna os danos não patrimoniais alegados e refere expressamente o seguinte no artigo 38º deste articulado: "não se descortina - e a A. também, com o que alega, não ajuda - qual o fundamento da peticionada indemnização (de Esc. 3.000.000$00) a título de danos não patrimoniais".
É pois inequívoco, em face desta alegação do R., que este considerou ter a A. efectuado na petição inicial um pedido de condenação do R. a pagar-lhe a indemnização de 3.000.000$00 a título de danos não patrimoniais.
O R. questiona na contestação a suficiência da alegação factual que fundamenta o pedido (ou seja, da causa de pedir), mas considera este como efectuado na petição inicial, quer porque não argui a ineptidão da petição inicial com tal fundamento, quer porque expressamente referencia a "peticionada" indemnização no artigo 38º da contestação.
A A., por seu turno, na resposta, volta a qualificar de "pedido" o que consta do artº. 33º da petição inicial e vem nos articulados subsequentes a ampliar a causa de pedir que fundamenta este pedido de indemnização por danos não patrimoniais, ampliação que foi admitida e de acordo com a qual o R. veio a ser condenado em indemnização por danos não patrimoniais (o que, diga-se, dificilmente se harmoniza com a declaração da ineptidão da petição inicial quanto a este pedido), deste modo demonstrando que o R. interpretou convenientemente a intenção da A. ao considerar efectuado na petição inicial um pedido que nela, em rigor, não foi formulado.
Deste modo, verificando-se que o R. apreendeu e compreendeu a pretensão indemnizatória da A. considerando como efectuado o correspondente pedido, não é possível, face à doutrina que se explanou, absolver o R. da instância quanto a este pedido por ineptidão da petição inicial.

Assim, e em suma, procedem as conclusões da recorrente quanto a esta questão, pois que:
- em face do que prescreve o artº. 206º do C. Processo Civil aplicável "ex vi" do artº. 1º, nº. 2, al. a) do C. Processo Trabalho não era possível ao juiz conhecer desta nulidade na sentença final e
- apesar de se considerar inepta a petição inicial quanto ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais, nunca poderia esta ineptidão ser judicialmente declarada antes do próprio despacho saneador, em face do que prescreve o nº. 3 do artº. 193º do C. Processo Civil, por ter o R. interpretado a petição inicial no sentido de considerar formulado o pedido da sua condenação em 3.000.000$00 a título de indemnização por danos não patrimoniais que nela não foi correctamente inscrito.

3.2. Do instrumento de regulamentação colectiva aplicável ao contrato de trabalho "sub-judice".
Resulta da factualidade assente nestes autos que a A. foi admitida ao serviço do R. em Julho de 1990 para, sob a sua autoridade e direcção, desempenhar funções de contabilista.
Consta também das mesma factualidade que, pelo menos até Fevereiro de 1997, a autora teve a seu cargo a elaboração da escrita do réu, o fecho da contabilidade para o "Fisco", Tribunal de Contas e Instituto do Emprego e de Formação Profissional, e a sua assinatura, como técnico de contas responsável e que a categoria atribuída à autora foi a de contabilista, categoria profissional esta que constou dos recibos de vencimento até Setembro de 1995 (vide 2.1. a 2.3.).
A PRT para os Trabalhadores Administrativos publicada pelo Governo no BTE 1ª série, nº. 9 de 96.03.08 (com alterações publicadas nos BTE 1ª série, nº. 44 de 1996, nº. 44 de 1996, nº. 35 de 1997, nº. 2 de 1999, nº. 31 de 1999, nº. 34 de 2000 e nº. 35 de 2001), estabelece no seu artº. 1º, nº. 1 que:
"A presente portaria é aplicável, no território nacional, a entidades patronais que tenham ao seu serviço trabalhadores cujas funções correspondam a profissões ou categorias profissionais constantes do anexo I, bem como a estes trabalhadores".
A PRT para os trabalhadores administrativos que estava em vigor à data da admissão da A. (publicada no BTE nº. 26 de 15 de Julho de 1979) também dispunha deste modo, o mesmo sucedendo com a que lhe sucedeu (publicada no BTE nº. 26 de 15 de Julho de 1992) e antecedeu a actualmente vigente.
Uma das profissões descritas nestas portarias é precisamente a de "contabilista", a qual no seu descritivo funcional abarca as funções supra referidas que a A. desempenhou até Fevereiro de 1997 (vide 2.2.), correspondendo também à categoria que foi atribuída pelo R. à mesma A. no início do contrato e que constou dos seus recibos de vencimento até Setembro de 1995 (vide 2.1.e 2.3.).
Mostra-se assim preenchida a hipótese do artº. 1º, nº. 1 da PRT publicada no BTE nº. 9 de 1996 - que traça o âmbito de aplicação deste instrumento de regulamentação colectiva - por corresponderem as funções exercidas pela A. a uma profissão pormenorizadamente descrita no respectivo anexo I.
Por outro lado, em face dos termos em que está regulamentada esta matéria, e como bem nota o Exmo. Procurador Geral Adjunto no seu douto parecer, constituía ónus do R. o de demonstrar que no caso se verificava alguma das situações previstas no nº. 3 do artº. 1º da aludida portaria (que descreve as situações em que é excepcionada a aplicabilidade da mesma).
Ora o R. não cumpriu este ónus, não demonstrando em especial que exerce uma actividade económica pela qual se poderia filiar numa associação patronal legalmente constituída à data da publicação da portaria, o que impede se considerem verificadas as excepções à aplicabilidade deste instrumento de regulamentação colectiva.
Deve pois concluir-se que esta PRT para os trabalhadores administrativos é aplicável à relação laboral "sub-judice", como defende a recorrente.

3.3. Da categoria profissional da recorrente
Na sua petição inicial, a A. pediu a condenação do R., além do mais, "a reconhecer a categoria de contabilista e a atribuir à A. as funções contratadas e executadas de contabilista".
A decisão recorrida, a este propósito, condenou o réu "a atribuir à autora a execução efectiva de funções inerentes à sua categoria" (sem precisar a categoria profissional a que se reportava) e condenou ainda o réu "no pagamento da quantia de Esc. 10.000$00 (dez mil escudos) por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação referida em 4.1. em que foi condenado, a título de sanção pecuniária compulsória" (fixação esta com que a recorrente se conformou).
Resulta contudo da fundamentação de tal decisão que o tribunal "a quo" considerou carecer de fundamento a pretensão da autora no sentido da condenação do réu a reconhecer-lhe concretamente a categoria de contabilista e a atribuir-lhe as funções contratadas e executadas de contabilista.
A tal propósito, quanto à reestruturação nos serviços do réu ocorrida em meados de 1995, que, além do mais, determinou alteração nas categorias profissionais dos seus trabalhadores, verificando-se então quanto à autora a sua reclassificação como "técnica especialista" é referido na sentença confirmada pelo tribunal da Relação o seguinte:
"(...) resulta da matéria de facto provada que de tal alteração não resultou qualquer modificação no conteúdo das funções que a autora exercia até então e para as quais foi contratada.
Com efeito, provou-se que pelo menos até Fevereiro de 1997, a autora teve a seu cargo a elaboração da escrita do réu, o fecho da contabilidade para o "Fisco", Tribunal de Contas e Instituto do Emprego e de Formação Profissional, e a sua assinatura, como técnico de contas responsável.
Assim sendo, concluímos que aquela alteração da classificação apenas traduziu uma modificação na sua designação e não no respectivo conteúdo funcional, tanto mais que não alegou ou provou a autora ter subsistido na estrutura do réu aquela categoria de contabilista.
Dir-se-á ainda que não obstante tenha invocado a aplicação ao contrato em apreço da PRT dos trabalhadores administrativos, não alegou a autora quaisquer factos que permitam concluir pela sua aplicabilidade, sendo certo que a definição de conteúdo e designação das categorias profissionais se enquadra no âmbito dos poderes directivos e organizacionais da empresa que competem à entidade empregadora, podendo pois aquelas ser estabelecidas e concretizadas internamente (v. neste sentido, B. Gama Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, pág. 375)".
E, quanto à atribuição das funções de gestão do arquivo e do imobilizado que teve lugar em 17 de Janeiro de 2000 quando a A. retomou o serviço após ausência por doença e ser dispensada de comparecer por motivo de reestruturação, discorre nos seguintes termos:
"(...) compete à entidade empregadora a organização e estruturação dos respectivos serviços, a definição das funções dos seus trabalhadores, bem como a fixação dos termos da prestação do trabalho, nos termos dos artºs. 39º e 43º da LCT, no uso e desenvolvimento do seu poder directivo e organizacional.
Por outro lado, é certo que o poder directivo tem como limite o respeito pelos direitos e garantias dos trabalhadores, pelo que não poderá a entidade empregadora, a pretexto de uma reestruturação da sua estrutura organizacional, violar as garantias dos trabalhadores que por ela sejam afectados, nomeadamente no que concerne à sua categoria.
Consequentemente, efectuada a reestruturação, deverão ser atribuídas aos trabalhadores funções e competências de conteúdo substancialmente equivalente ao nível da hierarquia e da remuneração por forma a respeitar a sua categoria-função (v., entre outros, além do já citado, os Ac. STJ de 6/02/91, BMJ 404º, pág. 293; Ac. Rel. de Lisboa de 19/06/91, CJ 91, 3º, 221; Ac. STJ de 1/07/92, BMJ 419º, pág. 571).
Porém, no caso concreto, entendemos que não alegou ou provou a autora, como lhe competia nos termos do artº. 342º do Código Civil, que da atribuição daquelas funções resultou a violação por parte do réu dos aludidos princípios da efectividade e irreversibilidade da sua categoria-função, por modificação substancial da sua posição na organização funcional do réu, com prejuízo para a sua evolução profissional ou constituindo uma efectiva despromoção.
Aliás, como a própria autora alegou, provou-se que a gestão do imobilizado fazia parte das suas funções de contabilista.
Acresce que a autora não invocou sequer ter sofrido um abaixamento na sua categoria com a atribuição daquelas funções, nem que tal tenha resultado aquando da atribuição da categoria de "técnico especialista".
Deste modo, não se encontrando demonstrada qualquer violação da categoria-função da autora e sendo a entidade empregadora a faculdade de organizar a sua estrutura, entendemos carecer de fundamento a pretendida condenação do réu na atribuição das funções contratadas de contabilista."

Destas considerações decorre que o tribunal "a quo" considerou não ter a A. direito à posse da categoria profissional de "contabilista", fundamentando este seu entendimento, essencialmente, nas circunstâncias de não ser aplicável ao R. a PRT para os trabalhadores administrativos, de a definição do conteúdo e designação das categorias profissionais se enquadrar no âmbito dos poderes directivos e organizacionais da entidade patronal e de a A. não ter demonstrado qualquer violação da sua categoria-função.
Discordamos, todavia, deste entendimento.
Na verdade, e como resulta do já exposto, é aplicável à relação laboral "sub-judice" a PRT para os trabalhadores administrativos invocada pela A. e, de acordo com o artº. 2º desta PRT, "os trabalhadores são classificados, de acordo com as funções efectivamente desempenhadas, numa das profissões e categorias constantes do anexo I".
Compreende-se pois que o R. tenha inicialmente atribuído à A. a categoria profissional de "contabilista", já que o descritivo funcional desta, que a PRT qualifica como uma "profissão" (18) encerra as funções que a A. desempenhou ao serviço do R. pelo menos até Fevereiro de 1997, como resulta do já exarado neste aresto.
A questão que se coloca é a de saber se seria lícito ao R. reclassificar a A. em meados de 1995 como "técnica especialista" e, também, se o R. poderia restringir as funções da A. em Janeiro de 2000 às de gestão do arquivo e do imobilizado (já que não está neste momento em questão a violação do direito à ocupação efectiva, a qual foi afirmada pelo tribunal "a quo" relativamente ao momento em que a A. foi colocada numa situação de inactividade absoluta pelo R.).
O conteúdo da prestação do trabalhador no âmbito do contrato de trabalho está sujeito a uma prática modificativa que é corolário natural do poder de direcção (poder determinativo da função e poder conformativo da prestação) do dador de trabalho.
Este poder directivo tem porém sempre como limite o respeito pelos direitos e garantias dos trabalhadores decorrentes da disciplina jurídica da relação laboral, nomeadamente os que emergem das categorias profissionais institucionalizadas em instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho (19).
A categoria profissional traduz-se basicamente num modo de identificação, por referência a uma fórmula ou a um "nomen", das funções que um trabalhador pode ser obrigado a realizar e reflecte o "compromisso" entre dois interesses distintos: o do trabalhador, na delimitação do conjunto de prestações que lhe podem ser exigidas; o do empregador, numa pelo menos relativa indeterminação do conjunto de tarefas a exigir ao trabalhador (20).
A chamada categoria-função corresponde ao essencial das funções a que o trabalhador se obrigou pelo contrato ou pelas alterações decorrentes da sua dinâmica.
Mas a categoria assume, também, a natureza de conceito normativo no sentido de que a nível legal ou nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho se circunscrevem positiva ou negativamente as funções a exercer em concreto pelo trabalhador. É o que se chama de categoria normativa ou categoria-estatuto, categoria que, correspondendo a certas funções descritas, propicia a aplicação da disciplina prevista, com repercussão em diversos aspectos da relação laboral, designadamente salarial (21).

Como ensina Meneses Cordeiro (22), a categoria corresponde aos seguintes princípios:
- da efectividade - na categoria função relevam as funções substancialmente prefiguradas e não as meras designações exteriores;
- da irreversibilidade - uma vez atribuída ou reconhecida certa categoria ao trabalhador, este não pode ser dela retirado ou despromovido (tem-se aqui em vista a categoria-estatuto do artº. 21º, nº. 1, alínea d) e 23º da L.C.T.) devendo o empregador determinar-lhe a execução de tarefas inerentes à mesma;
- do reconhecimento - através da classificação, a categoria-estatuto deve corresponder à categoria-função e daí que a própria categoria-estatuto corresponda às funções desempenhadas.

Por exprimir a posição contratual do trabalhador, a categoria profissional é objecto de protecção legal e convencional, a qual se manifesta em vários sentidos.
Assim, a lei consagra o princípio geral da correspondência entre a actividade exercida e a categoria estatuto do trabalhador no artº. 22º, nº. 1 do D.L. nº. 49.408 de 24 de Novembro de 1969. Este princípio só admite derrogações desde que se verifiquem, cumulativamente, os requisitos do nº. 2 daquele artº. 22º, pelo que o "ius variandi" previsto e admitido nesta norma tem um carácter excepcional, isto é, ele não corresponde ao conteúdo normal do poder directivo do empregador.
Por outro lado, proíbe-se a baixa definitiva ou temporária da categoria para a qual o trabalhador foi contratado ou a que foi promovido (artºs. 21º, nº. 1, al. d) e 23º do D.L. nº 49.408) e estabelece-se a obrigação de o empregador pagar a retribuição correspondente a esta categoria (através de mínimos estabelecidos em instrumento de regulamentação colectiva).
Finalmente, proíbe-se a mudança unilateral e definitiva de categoria, ainda que esta se não traduza numa baixa de categoria, como resulta dos princípios gerais dos contratos e do artº. 22º do D.L. nº. 49.408. Como escreve Jorge Leite, "a mudança de categoria que não corresponda a uma normal progressão ou promoção na carreira equivale a uma modificação substancial do contrato, modificação que só pode produzir efeitos se for aceite pelo trabalhador" (23).

No caso "sub-judice" provou-se que a autora foi admitida ao serviço do réu em Julho de 1990 para desempenhar as funções de "contabilista", sendo-lhe atribuída tal categoria.
Não obstante, o R. procedeu em meados de 1995 a uma reestruturação nos seus serviços na qual incluiu uma alteração nas categorias profissionais dos seus trabalhadores, procedendo então à reclassificação da A. passando a designá-la como "técnica especialista" (vide 2.3. a 2.6.).
Resulta, é certo, da matéria de facto que de tal alteração não resultou qualquer modificação no conteúdo das funções que a autora exercia até então e para as quais foi contratada pois que, pelo menos até Fevereiro de 1997, a autora teve a seu cargo a elaboração da escrita do réu, o fecho da contabilidade para o "Fisco", Tribunal de Contas e Instituto do Emprego e de Formação Profissional, e a sua assinatura, como técnico de contas responsável (vide as funções do "contabilista" previstas no anexo I da PRT).
Contudo, apesar de esta alteração da classificação se traduzir apenas numa modificação na designação sem alteração do conteúdo funcional, há a ter em consideração que o R. estava sujeito à PRT para os Trabalhadores Administrativos e que, como é jurisprudência uniforme, estando uma categoria institucionalizada - isto é, quando prevista na lei ou instrumento de regulamentação colectiva -, a entidade patronal está obrigada a observar essa institucionalização (24).
Compulsando a PRT aplicável, verifica-se que, por um lado, inexiste a categoria profissional de "técnica especialista" e que, por outro, não existe nela descrita uma profissão com hierarquia superior que abarque as funções que a A. continuou a desempenhar até Fevereiro de 1997 e as que lhe foram atribuídas em Março de 1997 (vide 2.7.).
É certo que a definição de conteúdo e designação das categorias profissionais se enquadra no âmbito dos poderes directivos e organizacionais da empresa que competem à entidade empregadora, podendo pois aquelas ser estabelecidas e concretizadas internamente (25).
Contudo, estes poderes têm como limite o respeito pelos citados direitos e garantias dos trabalhadores.
Deve pois concluir-se pelo bem fundado da pretensão da A. no sentido da condenação do R. a reconhecer-lhe a categoria de contabilista.

E o mesmo deverá dizer-se quanto à pretensão da A. de que o R. seja condenado a atribuir-lhe as funções contratadas e executadas de contabilista.
Na verdade, embora constitua competência da entidade empregadora (no uso e desenvolvimento do seu poder directivo e organizacional) a organização e estruturação dos respectivos serviços, a definição das funções dos seus trabalhadores, bem como a fixação dos termos da prestação do trabalho, de acordo com os artºs. 39º e 43º da LCT, não pode a entidade empregadora, a pretexto de uma reestruturação da sua estrutura organizacional, violar as garantias dos trabalhadores que por ela sejam afectados, nomeadamente no que concerne à sua categoria (26).
Como bem se afirma na sentença de 1ª instância (que o Acórdão da Relação acolheu), efectuada a reestruturação, deverão ser atribuídas aos trabalhadores funções e competências de conteúdo substancialmente equivalente ao nível da hierarquia e da remuneração por forma a respeitar a sua categoria-função.
Ora, se é certo que a gestão do imobilizado pode inscrever-se no conteúdo funcional da profissão de "contabilista", a verdade é que restringir a actividade para que a A. foi contratada ao exercício das mesmas constitui um quase esvaziamento das suas funções, esvaziamento este que depois veio a concretizar-se a partir de 17/01/2000, quando a A. foi posta inactiva num gabinete, juntamente com uma colega, não atribuindo o réu àquela qualquer tarefa efectiva e concreta para executar, o que constitui violação do dever de ocupação efectiva, é gravemente atentatório da dignidade social e laboral da A. e viola direitos legal e constitucionalmente consagrados (cfr. o artº. 59º, al. b) da Constituição da República Portuguesa e os artºs. 19º, al. c) e 43º da LCT).

Em conclusão, tendo em consideração:
- que a A. foi contratada com a categoria profissional de "contabilista";
- que o exercício das funções respectivas constitui o objecto da prestação laboral a que se obrigou;
- que adquiriu, pelo contrato e sua execução, o direito a manter tal categoria-estatuto e as funções respectivas;
- que não existe na PRT a categoria profissional ou profissão de "técnico especialista" e
- que a redução substancial e posterior eliminação quase total das tarefas que o R. passou a cometer à A. constitui uma violação manifesta do direito da A. ao exercício das funções correspondentes à sua categoria profissional, e veio a traduzir-se a partir de 17 de Janeiro de 2000 num incumprimento do dever de ocupação efectiva a que o R. está adstrito,
impõe-se o reconhecimento à recorrente da categoria profissional de "contabilista" nos termos por si propugnados e a condenação da R. a cometer-lhe o exercício das tarefas respectivas, em nome do princípio geral da correspondência entre a actividade exercida e a categoria-estatuto do trabalhador estabelecido no artº. 22º, nº. 1 da LCT.

3.4. Da indemnização por danos não patrimoniais
Concluindo-se pela improcedência da ineptidão da petição inicial quanto à indemnização por danos não patrimoniais e considerando-se a atitude da R. ilícita no que concerne à violação do dever de ocupação efectiva, há agora que apreciar a pretensão indemnizatória que resulta daquela petição.
Parte da doutrina tem sufragado o entendimento de que a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais prevista no artº. 496º do C.Civil não se deve considerar extensiva à responsabilidade contratual (27).
No ramo do direito laboral, contudo, tem-se considerado com uniformidade pelos tribunais superiores que há lugar a indemnização por danos não patrimoniais, sendo um dos casos em que os tribunais têm feito mais apelo ao artº. 496º do C.C. precisamente o caso da violação pelo empregador do chamado direito à categoria (através da "despromoção" ou da colocação do trabalhador em inactividade) (28).
Necessário é que se verifiquem os requisitos da obrigação de indemnizar, ou seja, a existência de um facto ilícito, culposo e danoso, bem como a existência de um nexo causal entre aquele facto e os danos (cfr. o artº. 483º do C.C.).
Além disso, é igualmente necessário que os danos morais assumam gravidade suficiente para se tornarem merecedores da tutela instituída no artº. 496º, nº. 1 do C.C.
Significa isto, como a doutrina e jurisprudência unanimemente aceitam, que as vulgares dores e incómodos, as indisposições e arrelias comuns, porque não atingem um grau suficientemente elevado, não conferem direito a este tipo de indemnização.
Não foi todavia isto o que sucedeu no caso vertente.
Com efeito, provou-se que a partir de 17 de Janeiro de 2000 a A. foi posta inactiva num gabinete, não lhe atribuindo a R. qualquer tarefa concreta para executar (vide 2.11.) e que o director do R. exige à A. que esta mantenha abertas as persianas do gabinete - que é envidraçado e dá para um corredor de passagem -, o que a A. não aceita, mandando o director abri-las e fechando-as ela, o que é comentado internamente (vide 2.12. a 2.14.).
Este procedimento do R. é manifestamente ilícito como resulta do já exposto e foi salientado, aliás, na sentença de 1ª instância.
Na verdade, todos os trabalhadores têm direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a sua realização pessoal em conformidade com o que estabelece o artº. 59º da Constituição da República Portuguesa.
O ordenamento jurídico-constitucional sublinha a vertente dignificante do trabalho, elegendo-o como factor de realização pessoal do trabalhador, relacionando-o com a dignidade da pessoa humana e com o direito ao bom nome e reputação, erigindo pois o trabalho como forma de desenvolvimento e afirmação pessoais (29).
Por outro lado, os artºs. 19º, al. c) e 43º da LCT impõem à entidade empregadora o dever de proporcionar ao trabalhador boas condições de trabalho, quer do ponto de vista físico, quer moral, bem como o de lhe atribuir a função mais adequada às suas aptidões e preparação profissional.
O dever de ocupação efectiva que impende sobre a entidade patronal traduz-se assim no dever de proporcionar ao trabalhador a oportunidade de exercer de forma efectiva a actividade para a qual foi contratado, na medida em que a permanência numa situação de inactividade constitui um factor de desvalorização pessoal por poder afectar a sua dignidade social, o seu bom nome e reputação (30).
Este dever foi ostensivamente violado pelo R. relativamente à A. com a colocação desta numa situação de inactividade no circunstancialismo descrito em 2.11. a 2.14., sendo óbvia a ilicitude da conduta do R.

Por outro lado, ficou também provado nestes autos que os factos referidos em 2.11., 2.13. e 2.14 determinaram que a A. andasse descontrolada, com problemas do foro psiquiátrico e recorrendo por sistema a calmantes (vide 2.34.).
Provou-se ainda que a comparência ao serviço para ficar inactiva representa uma situação diária de dor, sendo a A. objecto de comiseração dos colegas (vide 2.34.)
Ou seja, em consequência directa do procedimento ilícito do R., a A. sofreu danos não patrimoniais que devem considerar-se de relevo pois que contendem com a profissionalidade, como valor inerente à realização da pessoa humana como trabalhadora.
Tendo em atenção:
- que a A. desenvolvia já há alguns anos - desde Julho de 1990 - a sua actividade como contabilista,
- que o R., além de violar o dever de ocupação efectiva a que estava adstrito pelo contrato, quis tornar pública a situação em que colocou a A. perante os demais trabalhadores e outras pessoas que eventualmente circulassem no corredor de passagem para onde dá o gabinete em que esta se mantinha inactiva, exigindo à A. que esta mantenha abertas as persianas do gabinete, provocando a reacção desta, dando origem a comentários internos e fazendo com que a A. fosse objecto de comiseração por parte dos colegas,
afigura-se-nos que a dimensão da dor da A., ligada ao desprestígio a que foi submetida e às consequências que sofreu na sua saúde psíquica, constituem danos não patrimoniais com um relevo considerável.
Há igualmente a ter em atenção que a situação de inactividade que deu origem a estes danos não se prolongou além de Novembro de 2000 (data em que deu entrada a resposta à contestação na qual são alegados os danos relativos à actividade de que o R. incumbiu a A. relacionada com a "gestão do activo e do imobilizado", danos estes que foram já quantificados, com trânsito em julgado, pela sentença de 1ª instância).
Finalmente, deve atentar-se que as partes se conformaram com a indemnização de Esc. 300.000$00 arbitrada para compensar os danos referidos em 2.35. (agravamento da doença psíquica de que a A. padecia) decorrentes dos factos referidos em 2.28. a 2.30., ou seja, de o R. ter ordenado à A. que frequentasse formação para exercer as funções de gestão do imobilizado.
Assim, em face dos critérios estabelecidos no nº. 3 do artº. 496º do C.Civil, a quantia de € 5.000 justifica-se plenamente e adequa-se à dimensão dos danos morais sofridos em consequência do procedimento da R. (com excepção dos danos referidos em 2.35. os quais foram já contemplados com a indemnização de Esc. 300.000$00 na sentença da 1ª instância que, nessa parte, transitou em julgado).

3.5. Da actualização da retribuição
Sustenta finalmente a recorrente que deve o R. ser condenado a pagar as diferenças salariais pedidas e no valor actualizado da retribuição de base e dos prémios, invocando que em 1998 e 1999 o R. procedeu a aumentos gerais e uniformes para todos os seus trabalhadores, independentemente do mérito relativo, não aumentando a A. nesses anos por ter estado doente parte de cada ano, que a A. não precisava de invocar porque é que não foi aumentada em contraposição aos seus colegas por ter havido um aumento geral e incondicionado e que o R. a quis discriminar por virtude da doença, em violação da doutrina do Acórdão nº. 16/96 do STJ e do princípio da igualdade de tratamento.
Nos termos do preceituado no artº. 59º, al. a) da Constituição da República Portuguesa, todos os trabalhadores têm direito a retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que "para trabalho igual salário igual".
Proíbe assim a lei constitucional a discriminação salarial entre os trabalhadores em situações laborais essencialmente idênticas.
O Acórdão nº. 16/96 do Supremo Tribunal de Justiça, uniformizou a jurisprudência no sentido de "viola o princípio de para trabalho igual salário igual inscrito no artº. 59º, nº. 1, al. a) da Constituição, a entidade patronal que pratique discriminação salarial fundada em absentismo justificado por doença do trabalhador" (31).
Como decorre do preceito constitucional, para que se mostre violado o princípio constitucional de que "para trabalho igual salário igual" nele enunciado, é necessário que as mesmas quantidades e qualidades de trabalho da mesma natureza não estejam a ser retribuídas da mesma maneira, pois não deve haver qualquer discriminação retributiva entre trabalhadores que não resulte da sua categoria profissional, tarefas executadas, etc (32).
Tem que haver pois uma efectiva uniformidade de tarefas entre os trabalhadores, quer no que respeita à sua natureza (ou seja, à sua dificuldade, penosidade e perigosidade), quer no que respeita à sua qualidade (dos conhecimentos, da prática e da capacidade do trabalhador) e quantidade (ou seja, em termos de intensidade e duração), o que é também salientado no aludido acórdão uniformizador de jurisprudência.
Assim, de tal princípio não decorre uma exigência de absoluta igualdade entre todas as situações, encontrando-se legitimada a distinção objectiva entre elas. Para que ocorra a sua violação, é indispensável provar que a diferenciação de tratamento se afigura materialmente infundada por o trabalho ser igual em termos de quantidade, qualidade e natureza (33).

Ora a A. não forneceu aos autos quaisquer elementos no sentido de poder aferir-se se existiam ou não outros trabalhadores ao serviço do R. com a categoria profissional de contabilista que exercessem a sua actividade em termos, de quantidade, natureza e qualidade, idênticos aos termos em que a A. desempenhava o seu trabalho, o que impede se afirme que o R. teria que observar quanto à A. o princípio constitucional de que "a trabalho igual a salário igual", única hipótese em que recairia sobre o R. a obrigação de actualizar a remuneração desta nos mesmos termos em que, eventualmente, houvesse actualizado a remuneração daqueles trabalhadores.
Por outro lado, nada resulta da matéria fáctica apurada que permita a afirmação de que o R. não procedeu ao aumento da retribuição de base da A. e dos prémios de responsabilidade em virtude de ela ter estado ausente do serviço por doença, como alega a recorrente, nem tão pouco se infere da alegação dos artºs. 36º e 37º da contestação que o R. teria procedido a aumentos se a A. não tivesse adoecido.
Como se extrai da doutrina explanada no Ac. do STJ nº. 16/96, para haver uma discriminação nestes termos necessário seria que, o absentismo justificado da trabalhadora constituísse, ele próprio, a causa da diferenciação salarial e que - como se verificava nas decisões opostas que determinaram a uniformização de jurisprudência - os trabalhadores envolvidos, incluindo o discriminado por tal motivo, desenvolvessem "trabalho igual em natureza e qualidade nos períodos comuns de serviço efectivo".
Não pode afirmar-se, em face da factualidade apurada, ter sido essa a razão porque a A. não beneficiou de actualização salarial (quer na retribuição base, quer nos prémios de produtividade que a sentença da 1ª instância considerou terem natureza retributiva e que o R. foi já condenado a pagar à A., com trânsito em julgado) em 1998 e 1999 (34).
E também não resulta dos factos provados que cada um dos trabalhadores fosse aumentado numa percentagem igual, pois que apenas se sabe terem as retribuições mensais dos colegas da A. sido aumentadas em 1998 na percentagem média de 2,75% e em 1999 na percentagem média de 3% (vide 2.26.), o que sempre impossibilitaria a averiguação sobre se foi violado o princípio da igualdade entre eles e, em concreto, quanto à A.

Finalmente, deve salientar-se que a lei não exige a actualização salarial desde que o salário seja superior ao mínimo fixado na lei ou estipulado no instrumento de regulamentação colectiva para o nível em que se insere a categoria do trabalhador (35), sendo certo que a remuneração apurada da A. é superior à que foi estabelecida para os trabalhadores com a profissão de "contabilista" no Anexo "IV" da PRT para os trabalhadores administrativos.
Como se decidiu no douto Ac. do STJ de 2002.10.09 (36) não se encontra legalmente conferido ao trabalhador - quer constitucionalmente, quer em termos de lei ordinária - o direito à actualização anual da retribuição.
Assim, não resultando dos autos que estejam violados limites legal ou convencionalmente estabelecidos e não prescrevendo a Constituição da República nem a lei ordinária o direito à actualização anual da retribuição, não pode afirmar-se que impendesse sobre o R. a obrigação proceder ao aumento da retribuição base e dos "prémios de responsabilidade" da A. na percentagem média das actualizações a que procedeu relativamente aos colegas de trabalho desta nos anos de 1998 e 1999.

4. Decisão
Termos em que se decide conceder parcial provimento à revista e, em consequência, condena-se o R. (ora recorrido) a reconhecer à A. (ora recorrente) a categoria profissional de "contabilista", atribuindo-lhe o exercício das tarefas respectivas, e a pagar-lhe a título de indemnização pelos danos morais sofridos até à data da propositura da acção a quantia de € 5.000 (cinco mil euros), mantendo-se no mais o decidido no acórdão recorrido.
Custas por recorrente e recorrido na proporção de metade para cada um deles.

Lisboa, 1 de Outubro de 2003
Vítor Mesquita
Ferreira Neto
Manuel Pereira
_______________________
(1) in "Noções Elementares de Processo Civil", p. 127 e 320.
(2) vide Lebre de Freitas in "Introdução ao Processo Civil", Coimbra, 1996, p. 53.
(3) in "Comentário ao Código de Processo Civil", II, p. 360 e ss.
(4) in ob. cit., p. 362 e 363.
(5) in Código de Processo Civil Anotado, II vol., pp. 342 e ss.
(6) in ob. cit., p. 111.
(7) in Estudos sobre o novo Processo Civil, pp. 269 e ss.
(8) in Manual de Processo Civil, p. 234 e nota 1.
(9) neste sentido Vaz Serra, in RLJ, ano 111º, p. 383.
(10) vide Alberto dos Reis, in Com. II. cit., p. 362.
(11) vide Alberto dos Reis, in Comentário, II, p. 315.
(12) Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, vol. II, p. 220.
(13) Anselmo de Castro, in ob. cit., p. 231.
(14) Anselmo de Castro, in ob. cit., p. 234.
(15) in Comentário ao Código de Processo Civil, vol II, p. 379.
(16) in ob cit., p. 380.
(17) neste sentido, também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 89.12.19, proferido na Revista nº. 78268 da 1ª Secção e sumariado na revista Act Jur 4º, 1990, p.15.
(18) O que, para os efeitos ora em análise, se reconduz ao conceito de "categoria profissional", pois que a própria PRT equipara a noção de "categoria profissional" ao escalão dentro de cada profissão ao aludir expressamente, no mesmo item, a "categorias profissionais ou escalões" dentro de cada "profissão" como expressões equivalentes, sendo certo que na "profissão" de "contabilista" não discrimina a existência de escalões - vide pp. 138 a 143 da PRT publicada no BTE nº. 9 de 1996.
(19) vide o Acórdão da Relação de Coimbra de 4 de Fevereiro de 1999, in C.J., I, p.67.
(20) vide Jorge Leite, in Direito do Trabalho e da Segurança Social, Lições ao 3º ano da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra 1982, p. 278 e Jorge Leite e Coutinho de Almeida, in Colectânea de Leis do Trabalho, Coimbra, p. 71.
(21) vide os Acórdãos do S.T.J. de 95.2.8, in CJ, STJ, I, p. 267, de 97.1.15, in Ac. Doutrinais 428-429º, p. 1050, de 98.6.9, in CJ, STJ, II, p. 288, de 2001.05.23, proferido na Revista nº 266/01 da 4ª Secção e Monteiro Fernandes, in "Direito do Trabalho", 8ª edição, I, p. 172.
(22) in "Manual de Direito do Trabalho", p. 669.
(23) in ob. cit., p. 278.
(24) vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2001.05.16, proferido na Revista nº 707/01 da 4ª Secção e de 2000.10.25, proferido na Revista nº. 1809/00 da 4ª Secção.
(25) v. neste sentido, B. Gama Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, pág. 375, citado na decisão da 1ª instância.
(26) vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2002.10.02, proferido na Revista nº. 462/02 da 4ª Secção e de 2002.04.24, proferido na Revista nº. 567/21 da 4ª Secção.
(27) vide Pires de Lima e Antunes Varela , in "Código Civil Anotado", vol I, p. 501 e Antunes Varela, in RLJ 123º, p. 254 .
(28) cfr. os Acórdãos da Relação do Porto de 85.11.21 (in C.J., V, p. 205), do S.T.J. de 87.10.14 (in BMJ 370/445), do S.T.J. de 93.7.7 (in AD 383º, p. 1208), do S.T.J. de 93.9.22 (in AD 384º, p. 1328), do S.T.J. de 95.3.22 (in AD 403º, p. 880), do S.T.J. de 95.10.11 (in AD 413º, p. 625), do STJ de 2002.05.08 (proferido na Revista n.º 3662/01 da 4ª Secção) e do STJ de 2002.10.02 (proferido na Revista n.º 782/02 da 4ª Secção).
(29) vide o Ac. Relação de Lisboa de 99.09.26, CJ 99, 4º, pág. 166.
(30) vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 93.09.22, in CJ 93, 3º, 269.
(31) publicado no D.R., I série-A, de 4 de Dezembro de 1996.
(32) Vide Bernardo da Gama Lobo Xavier in "Curso de Direito do Trabalho, p. 401.
(33) v., entre outros, os Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 94.11.23, in CJ 94, 3º, pág. 292; 95.02.08, in CJ 95, I, pág. 269, de 2001.05.31, proferido na Revista nº. 3511/00 da 4ª Secção e de 2002.11.13, proferido na Revista nº. 3443/01 da 4ª Secção.
(34) vide no sentido de que improcede a arguição de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade salarial se o autor não prova a ocorrência de situações concretas de diferenciação de tratamento injustificada, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2002.11.27, proferido na Revista nº. 2237/02 da 4ª Secção.
(35) Vide os Acórdãos da Relação de Lisboa de 94.5.25, publicados na C.J., tomo III, p. 169 e ss. e 171 e ss., respectivamente.
(36) proferido na Revista nº. 780/02, 4ª Secção.