Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
240/11.7TBVRM.G1.S1
Nº Convencional: 6ª. SECÇÃO
Relator: JOSÉ RAINHO
Descritores: SEGURO DE VIDA
SEGURO DE GRUPO
CRÉDITO BANCÁRIO
INVALIDEZ
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
NULIDADE
BOA FÉ
EQUILÍBRIO DAS PRESTAÇÕES
Data do Acordão: 09/27/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DOS SEGUROS - DEVERES DE INFORMAÇÃO / SEGURO DE GRUPO.
DIREITO DO CONSUMO - CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO.
Doutrina:
- Almeida e Costa e Menezes Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais, Anotação ao Decreto-Lei nº 446/85, 17, 39.
- Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, 261.
- Araújo de Barros, Cláusulas Contratuais Gerais, Decreto-Lei nº 446/85 Anotado, 172.
- José Vasques, Contrato de Seguro, 31, 355.
- Luís Poças, O Dever de Declaração Inicial do Risco no Contrato de Seguro, 636 e 637.
- Oliveira Ascensão, Teoria Geral do Direito Civil, vol. III, 364.
- Sousa Ribeiro, O Problema do Contrato, as Cláusulas Contratuais Gerais e o Princípio da Liberdade Contratual, 570 e 579 a 583.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 280.º, 286.º.
D.L. N.º 446/85: - ARTIGOS 1.º, 12.º, 15.º, 16.º.
D.L. N.º 176/95: - ARTIGO 4.º.
Legislação Comunitária:
DIRETIVA N.º 93/13/CEE: - ARTIGO 6.º
Referências Internacionais:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA:
-DE 21 DE FEVEREIRO DE 2013, DISPONÍVEL EM HTTP://WWW.CURIA.EUROPA.EU/
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
-DE 26 DE MARÇO DE 2007, PROCESSO Nº 0654478, WWW.DGSI.PT .

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 10 DE JULHO DE 2008, PROCESSO Nº 08B1846, EM WWW.DGSI.PT
-DE 14 DE ABRIL DE 2015, PROCESSO Nº 294/2002.E1.S1, EM WWW.DGSI.PT
-DE 18 DE SETEMBRO DE 2014, PROCESSO N.º 2334/10.7TBGDM.P1.S1, EM WWW.DGSI.PT
-DE 5 DE ABRIL DE 2016, PROCESSO Nº 36/12.9TBALD.C1-A.S1, EM WWW.DGSI.PT
Sumário :
I. As condições especiais de um contrato de seguro, pré-elaboradas e destinadas a ser adotadas por interessados indeterminados, não deixam de ser cláusulas contratuais gerais, e, como tal, estão submetidas aos ditames do DL nº 446/85.

II. O caráter abusivo de uma cláusula contratual geral, por atentatória do vetor da boa-fé, pode e deve ser conhecido oficiosamente pelo tribunal, precedendo o cumprimento do contraditório.

III. Tal conhecimento oficioso é permitido pelo ordenamento jurídico nacional e foi especialmente pretendido pela Diretiva 93/13/CEE, sendo esta a orientação do Tribunal de Justiça da União Europeia.

IV. É abusiva (por atentatória do vetor da boa-fé), proibida e nula a cláusula especial constante das condições de contrato de seguro de grupo destinado ao pagamento do saldo de um empréstimo por crédito à habitação em caso de invalidez absoluta e definitiva do aderente, que exige acrescidamente para a caracterização desse estado de invalidez que o aderente fique na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efetuar os atos ordinários da vida corrente.

V. Tal cláusula introduz um significativo desequilíbrio contratual entre as partes (na prática esvazia largamente a utilidade do seguro), na medida em que o fim precípuo do dito seguro é obrigar o segurador a pagar ao banco mutuante no caso do aderente ficar impossibilitado de o fazer por si, e esta finalidade satisfaz-se com a própria impossibilidade e sem necessidade do aderente ficar também dependente da referida assistência permanente.

VI. É de entender, face ao que se dispunha no art. 4º do DL 176/95, que era sobre o tomador de seguro, e não sobre a seguradora, que competia obrigatoriamente comunicar ao aderente ao seguro de grupo as coberturas e exclusões constantes das condições gerais e especiais do contrato.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

I - RELATÓRIO

AA e mulher BB demandaram oportunamente, pelo Tribunal Judicial de Vieira do Minho e em autos de ação declarativa com processo na forma ordinária, SEGURO CC, S.A. (que se passara já a denominar SEGURO DD, S.A. e que, entretanto, se passou a denominar SEGURO EE, S.A.) peticionando a condenação desta:

a) A pagar ao BANCO FF, S.A, a parte do capital mutuado que ainda estiver em divida na data da liquidação, e que ascendia ao montante de €30.438,37;

b) A restituir aos Autores a quantia que se vier a apurar até à instauração da ação, resultante de penhora do vencimento da Autora no âmbito de execução instaurada pelo BANCO FF, S.A. contra os Autores;

c) A restituir aos Autores o montante que se vier a liquidar a partir da data da instauração da ação, correspondente aos valores que venham a pagar em virtude de prosseguimento da execução.

Alegaram para o efeito, em síntese, que em 1998 celebraram com o BANCO FF, S.A. um contrato de mútuo com hipoteca para aquisição de habitação própria, a amortizar mensalmente ao longo de 30 anos. Associado a esse contrato, celebraram os Autores com a Ré um contrato de seguro do ramo vida, sendo os Autores as pessoas seguras e o beneficiário o referido Banco. O seguro destinava-se a garantir, entre o mais, o pagamento do capital em dívida em caso de invalidez absoluta e definitiva das pessoas seguras. Sucede que em 2006 o Autor foi acometido de doença incapacitante, o que o obrigou a cessar a sua atividade profissional de pedreiro, não tendo desde então condições ou possibilidades para exercer outra atividade, ficando assim comprometida total e irreversivelmente a sua capacidade de ganho. Deste modo, verificado que está o sinistro cujas consequências se procurou neutralizar através do contrato de seguro, é devido ao BANCO FF, S.A. o pagamento da parte do capital mutuado ainda em dívida. Sucede que a Ré, incumprindo o contrato de seguro celebrado, recusa-se a proceder a esse pagamento.

Mais alegaram que a perda da capacidade de ganho do Autor implicou para os Autores a impossibilidade de pagamento das mensalidades devidas pelo mútuo, razão pela qual o Banco mutuante instaurou contra eles execução judicial, no âmbito da qual foi ordenada penhora sobre o vencimento da Autora. Assim, compete à Ré restituir aos Autores o valor, a liquidar oportunamente, das quantias retiradas e a retirar do vencimento da Autora.

Alegaram ainda que somente em 25 de maio de 2011 é que lhes foram comunicadas as cláusulas contratuais gerais do contrato de seguro, desconhecendo até então o respetivo teor.

Contestou a Ré, concluindo pela improcedência da ação.

Para além de impugnar parte da factualidade articulada pelos Autores, alegou que estes deixaram entretanto (2010) de pagar os prémios do seguro, na sequência do que o contrato foi resolvido e se extinguiram os seus efeitos, e daqui que nada tenha a pagar aos Autores. Mais alegou que, de acordo com as condições especiais do contrato de seguro a sua obrigação de pagamento fundada na invalidez absoluta e definitiva exigia também que o segurado tivesse ficado na necessidade de recurso à assistência permanente de uma terceira pessoa para efetuar os atos ordinários da vida corrente, não sendo este, porém, o caso do Autor. Alegou ainda que na data da celebração do contrato de seguro foi entregue aos Autores exemplar das respetivas condições, bem como nota informativa sobre as condições donde constava a indicação e definição das coberturas, bem ainda como lhes foi dado tempo razoável para a leitura e compreensão dessa nota informativa, não tendo sido solicitada à Ré a prestação de quaisquer esclarecimentos suplementares.

Replicaram os Autores, concluindo pela inexistência de qualquer declaração de resolução do contrato.

Seguindo o processo seus termos, veio a final a ser proferida sentença que julgou improcedente a ação.

Inconformados com o assim decidido, apelaram os Autores.

Fizeram-no com pleno êxito, pois que o Tribunal da Relação de Guimarães decidiu o seguinte:

«- declarar nula, por ser abusiva, a cláusula do artigo 7.1 das Condições Especiais do mencionado contrato de seguro, apenas na parte que exige a obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar os actos ordinários da vida corrente.

«- condenar a Ré a pagar ao “BANCO FF, S.A”, a parte do capital mutuado que ainda estiver em dívida na data da liquidação, o que na data em que foi interposta a acção ascendia ao montante de €30.438,37 (trinta mil quatrocentos e trinta e oito Euros e trinta e sete cêntimos);

«- condenar a Ré a restituir aos Autores a quantia que se vier a apurar até à instauração da presente acção, resultante de penhora do vencimento da Autora, no âmbito de Execução instaurada pelo BANCO FF, S.A, identificada nos autos;

«- condenar a Ré a restituir aos Autores o montante que se vier a liquidar a partir da data da instauração da presente acção, correspondente aos valores que estes venham a pagar em virtude de prosseguimento de penhora sobre o vencimentoda Autora, no âmbito daqueles autos de Execução.»

Inconformada com o assim decidido, é agora a vez de a Ré pedir revista.

Da respetiva alegação extrai a Recorrente as seguintes conclusões:

1ª. No acórdão recorrido declarou-se a nulidade do artigo 7.1 das condições especiais do seguro de vida referido nos autos.

2ª. A questão da nulidade do artigo 7.1 das condições especiais do seguro de vida referido nos autos, não foi invocada pelos recorridos na petição inicial.

3ª. Na petição inicial os recorrentes não invocaram a falta de informação e de comunicação do artigo 7.1 das condições especiais do seguro de vida referido nos autos.

4ª. A questão da nulidade do artigo 7.1 das condições especiais do seguro de vida referido nos autos, não é de conhecimento oficioso.

5ª. No acórdão recorrido ao declarar-se a nulidade do artigo 7.1 das condições especiais do seguro de vida referido nos autos, tomou-se conhecimento de questão de que não cumpria conhecer.

6ª. O acórdão recorrido é nulo por excesso de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil).

7ª. O seguro de vida titulado pela apólice nº 00/000/000002 foi celebrado antes da entrada em vigor do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo decreto - lei nº 72/2008, de 16 de abril.

8ª.O seguro de vida titulado pela apólice nº 00/000/000002 constitui seguro de grupo em que o BANCO GG figura como tomador de seguro.

9ª. O dever de informar os recorridos das coberturas contratadas e as suas exclusões, as obrigações e os direitos em caso de sinistro, bem como sobre as alterações do contrato, de acordo com um espécimen elaborado pela recorrente SEGURO EE, compete exclusivamente ao BANCO GG, na qualidade de tomador de seguro.

10ª. No seguro de vida titulado pela apólice nº 00/000/000002 não se prevê que o dever de informação incumba á recorrente SEGURO EE.

11ª. O Regime Jurídico do Contrato de Seguro, como lei especial que é, sobrepõe-se às normas que regulam as cláusulas contratuais gerais, na parte referente ao ónus de esclarecimento e informação.

12ª. Não existe fundamento para a exclusão da cláusula 7.1 do seguro de vida titulado pela apólice nº 00/000/000002.

13ª. A cláusula 7.1 do seguro de vida titulado pela apólice nº 00/000/000002 não se enquadra em nenhum dos casos previstos nas alíneas a) a l) do artigo 18° do decreto - lei nº 446/85, de 25 de outubro.

14ª. A cláusula 7.1 do seguro de vida titulado pela apólice nº 00/000/000002 não se enquadra em nenhum dos casos previstos nas alíneas a) a i) do artigo 19° do decreto - lei nº 446/85, de 25 de outubro.

15ª. A cláusula 7.1 do seguro de vida titulado pela apólice nº 00/000/000002 não se enquadra em nenhum dos casos previstos nas alíneas a) a h) do artigo 21° do decreto - lei nº 446/85, de 25 de outubro.

16ª. A cláusula 7.1 do seguro de vida titulado pela apólice nO 00/000/000002 não se enquadra em nenhum dos casos previstos nas alíneas a) a o) do número 1 do artigo 22º do decreto - lei nº 446/85, de 25 de outubro.

17ª. A cláusula 7.1 do seguro de vida titulado pela apólice nº 00/000/000002 não é nula, nem absolutamente proibida, nem relativamente proibida.

18ª. Os recorridos subscreveram a proposta respeitante ao contrato de seguro do ramo vida titulado pela apólice nº 00/000/000002.

19ª. A recorrente aceitou em 01/07/1998 a celebração do referido contrato de seguro do ramo vida.

20ª. O referido contrato de seguro do ramo vida submetia-se às respetivas condições particulares, gerais e especiais.

21ª. Consta do artigo 4° das condições particulares do contrato de seguro do ramo vida titulado pela apólice nº 00/000/000002:

“Este seguro garante durante o prazo de amortização do empréstimo, e no máximo até aos 70 anos de idade para a cobertura de morte ou até aos 65 anos de idade par a cobertura de invalidez, o pagamento do capital em divida, no momento em que ocorra uma das seguintes situações:

d)Morte do Segurado / Pessoa Segura por doença ou acidente;

e)Invalidez absoluta e definitiva do Segurado / Pessoa Segura por doença

f)Invalidez total e permanente do Segurado / Pessoa Segura por acidente”.

22ª. O recorrido não sofreu qualquer acidente.

23ª. Não se verificam os pressupostos da cobertura de invalidez total e permanente.

24ª. Consta do artigo 7.1 das condições especiais do contrato de seguro do ramo vida titulado pela apólice nº 00/000/000002:

“Para efeito deste seguro complementar qualquer segurado/pessoa segura é considerado em estado de invalidez absoluta e definitiva quando por consequência de doença ou acidente fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer atividade remunerada e na obrigação de recorrer á assistência permanente de uma terceira pessoa para efetuar os atos ordinários da vida corrente.

Não é de forma alguma prova conclusiva para o funcionamento desta cobertura a concessão de reforma por invalidez ou a classificação como "grande inválido" atribuídas pela segurança social ou por qualquer outro regime facultativo ou obrigatório que a substitua ou complemente”.

25ª. O recorrido mantém capacidade para, por si próprio, tomar as suas refeições, para se vestir e despir, para cuidar da sua higiene e para se deslocar no interior da sua residência.

26ª. Não se verificam os pressupostos da cobertura de invalidez absoluta e definitiva.

27ª. A recorrente não se encontra, pois, obrigada ao pagamento do capital seguro emergente do seguro de vida titulado pela apólice nº 00/000/000002.

28ª. Nem se encontra obrigada a restituir aos recorridos as quantias por eles pagas ao BANCO GG ou ao BANCO HH relativas ao contrato de mútuo associado ao seguro de vida.

29ª. No acórdão recorrido ao decidir-se pela condenação da recorrente no pedido, violou-se o disposto nos artigos 236º, 238º, 239º, 342º e 406º todos do Código Civil, 1º, 5º, 6º, 8º, 9º, 10º e 11º, 18º, 19º, 21º e 22º do Decreto-Lei nº 446/85, de 16 de outubro, artigos 4º do Decreto - Lei nº 176/95, de 29 de julho, e 78º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo decreto - lei nº 72/2008, de 16 de abril.

30ª. Termos em que, conceder-se provimento ao presente recurso de revista, e em consequência, anular-se o acórdão recorrido por excesso de pronúncia e revogar-se o acórdão recorrido, substituindo-se o mesmo por acórdão em que se decida absolver a recorrente dos pedidos.

                                                           +

Os Autores contra alegaram, concluindo pela improcedência do recurso.

                                                           +

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

                                                           +

II - ÂMBITO DO RECURSO

Importa ter presentes as seguintes coordenadas:

- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;

- Há que conhecer de questões, e não das razões ou fundamentos que às questões subjazam;

- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.

                                                           +

São questões a conhecer:

- A da nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia;

- A da obrigação da Ré quanto à comunicação das cláusulas gerais do contrato de seguro em causa;

- A da obrigação da Ré a pagar ao Banco beneficiário e aos Autores o que estes pedem.

                                                           +

III - FUNDAMENTAÇÃO

Fundamentação de facto:

Estão provados os factos seguintes, como tal descritos no acórdão recorrido:

1. Por escritura pública celebrada no dia 24/09/1998 junto do Cartório Notarial de Vieira do Minho, os Autores celebraram com o BANCO FF S.A., com sede na …, em …, um contrato de mútuo com hipoteca para aquisição de habitação própria e permanente, no valor de € 7.000.000$00 (€34.915,85), no regime de crédito bonificado.

2. Associado a esse contrato, os Autores celebraram com a Ré um contrato de seguro do ramo vida, sendo os Autores as pessoas seguras e tomadora ou beneficiário o BANCO FF, S.A., pelo prazo de trinta anos (360 meses).

3. O Seguro destinava-se a garantir o pagamento do capital máximo em divida, em cada anuidade, no caso de morte, invalidez total e permanente, por acidente ou invalidez absoluta e definitiva, por doença, ocorrida à pessoa segura, segundo as condições da apólice n.º 00/000/000002, constante de fls, 33 e seguintes, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

4. No artigo 9.1 das condições gerais do contrato de seguro referido em B) e C) consta o seguinte: "O não pagamento do prémio dentro dos 30 dias posteriores ao seu vencimento concede à seguradora nos termos legais a faculdade de após pré-aviso em carta registada com pelo menos 8 dias de antecedência proceder à anulação do certificado individual".

5. No artigo 4.° das condições particulares do contrato de seguro referido em B) e C) consta o seguinte: "Art.4.º -GARANTIAS Este seguro garante durante o prazo de amortização do empréstimo e no máximo até aos 70 anos de idade para a cobertura de Morte, ou até aos 65 anos para a cobertura de Invalidez, o pagamento do capital em divida, no momento em que ocorra uma das seguintes situações: a) Morte do Segurado/Pessoa Segura por Doenças ou Acidente; b) Invalidez Absoluta e Definitiva do Segurado/Pessoa Segura por Doença; c) Invalidez Total e Permanente do Segurado/Pessoa Segura, por Acidente.".

6. No artigo 2.2 das Condições Especiais do mencionado contrato, sob a epígrafe "Definição de Invalidez Total e Permanente (ITP)", consta o seguinte: "O Segurado/Pessoa Segura é considerado em estado de Incapacidade Total sempre que, em consequência de uma Doença ou Acidente, se encontre totalmente incapaz de exercer a sua profissão ou qualquer outra actividade lucrativa de acordo com os seus conhecimentos e aptidões."

7. No artigo 7.1 das Condições Especiais do mencionado contrato, sob a epígrafe "Seguro Complementar de Invalidez Absoluta e Definitiva", consta o seguinte: "Para efeito deste seguro complementar qualquer segurado/pessoa segura é considerado em estado de invalidez absoluta e definitiva quando por consequência de doença ou acidente fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada e na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar os actos ordinários da vida corrente. Não é de forma alguma prova conclusiva para o funcionamento desta cobertura a concessão de reforma por invalidez ou a classificação como «grande inválido» atribuídas pela segurança social ou por qualquer outro regime facultativo ou obrigatório que a substitua ou complemente".

8. O Centro Regional de Saúde Pública do Norte declarou, em 18/03/2008, a Incapacidade Permanente Global de 64% do Autor marido por decisão de Junta Médica de Avaliação de Incapacidade Multiuso.

9. Essa Incapacidade foi confirmada pela mesma entidade, em 26/10/2010, por decisão de Junta Médica de Avaliação de Incapacidade Multiuso.

10. Em virtude do circunstancialismo descrito em 8) e 9) foi atribuída ao Autor marido uma pensão por invalidez que, actualmente, se cifra em €246,36/mês.

11. Aquando da celebração do contrato referido em 2) e 3) os Autores ficaram cientes que, em caso de invalidez total ou permanente para o exercício da profissão habitual ou qualquer outra profissão por motivos de doença tinham direito a accionar as coberturas do seguro.

12. Em virtude do circunstancialismo descrito em 8) a 11), os Autores accionaram o seguro, requerendo à Ré que esta assumisse perante o BANCO FF, S.A. o pagamento do capital mutuado, na parte que ainda estivesse em dívida, recusando-se aquela a assumir tal responsabilidade.

13. Com fundamento no incumprimento do contrato mencionado em 1), o BANCO FF, S.A. instaurou contra os aqui Autores a execução comum para pagamento de quantia certa que corre termos neste Tribunal sob o n.º 47/09.1 TBVRM.

14. No âmbito de tais autos de Execução o capital mutuado vem sendo amortizado por meio de penhora efectuada ao vencimento que a aqui Autora mulher aufere junto da Santa Casa da Misericórdia de Vieira do Minho.

15. A patrona dos Autores enviou à Ré a carta que consta de fls. 50, datada de 23.05.2012, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

16. Em resposta à missiva mencionada na alínea anterior a Ré enviou à patrona dos Autores a carta que consta de fls. 31, datada de 26.05.2011, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, acompanhada de cópia da proposta de subscrição e respectivas condições particulares, gerais e especiais do contrato mencionado em 2) e 3).

17. Foi ajustado que os prémios de seguro emergentes do contrato mencionado em 2) e 3) teriam periodicidade mensal.

18. Os Autores não pagaram até ao presente momento os seguintes prémios de seguro relativos ao contrato mencionado em 2) e 3), i) € 16,50, vencido em 01.02.2010; ii) € 16,45, vencido em 01.03.2010; iii) € 16,40, vencido em 01.04.2010; iv) € 16,34, vencido em 01.05.2010; v) € 16,29, vencido em 01.06.2010; vi) € 16,23, vencido em 01.07.2010.

19. A Ré enviou aos Autores a carta de fls. 115, por estes recebida, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

20. O Autor marido mantém capacidade para, por si próprio, tomar as suas refeições, para se vestir e despir, para cuidar da sua higiene e para se deslocar no interior da sua residência.

21. No mês de Julho do ano 2006 foi diagnosticada ao Autor marido a doença de sarcoidose e diabetes iatrogénica pela corticoterapia, com alterações radiológicas pulmonares e insuficiência respiratória hipoxémica.

22. Doença que lhe determinou uma incapacidade para o exercício da sua profissão de pedreiro.

23. Assim como para todas as actividades profissionais que exijam esforço físico.

24. Sendo tais sequelas irreversíveis.

25. Desde a data em que lhe foi diagnosticada tal doença, o Autor marido cessou a sua actividade profissional de pedreiro.

26. Profissão que vinha exercendo desde sempre nunca tendo exercido qualquer outra.

27. De acordo com o seu índice cultural, o Autor marido nenhuma profissão sabe exercer para além daquela que desempenhava.

28. Os Autores cumpriram os pagamentos do contrato mencionado em 1) até final do ano de 2006.

Factos não provados (como mencionado na sentença da 1ª instância):

- Na data da celebração do contrato de seguro foi entregue aos Autores um exemplar das respetivas condições, particulares, gerais e especiais;

- Aos Autores foi entregue nessa altura nota informativa sobre tais condições da qual constava, de forma expressa, a indicação das coberturas; que lhes foi concedido tempo para a leitura e compreensão da nota informativa e das condições;

- Nessa altura a Ré se colocou à disposição dos Autores para prestar os esclarecimentos necessários à efetiva compreensão das ditas condições; e

- Nenhuns esclarecimentos complementares foram solicitados.

Fundamentação de direito

Quanto à matéria das conclusões 1ª a 6ª:

Argui-se aqui a nulidade do acórdão recorrido, com o fundamento de que não podia ter-se ocupado da questão da invalidade (em parte) da cláusula 7.1 das condições especiais do contrato de seguro.

Mas o dito vício imputado ao acórdão não existe.

Diga-se desde já, e conforme melhor se explicitará abaixo, que as condições especiais não deixam de constituir cláusulas contratuais gerais para todos os efeitos, estando assim submetidas às regras do DL nº 446/85.

Ora, na perspetiva do acórdão recorrido a cláusula era abusiva, por contrária ao vetor da boa-fé. Como tal, tratava-se de cláusula proibida, logo nula (art.s 12º, 15º e 16º do DL nº 446/85 e art. 280º do CCivil).

Sucede que a nulidade é de conhecimento oficioso (art. 286º do CCivil), exigindo-se apenas, como condicionante desse conhecimento, que o tribunal dê prévia oportunidade de pronúncia às partes (o que foi rigorosamente cumprido pelo tribunal recorrido). Aliás, e para sermos exatos, a questão da nulidade da cláusula fora até suscitada no recurso de apelação dos Autores, logo tratava-se de questão a conhecer mandatoriamente pelo tribunal recorrido. Anote-se que a questão podia ser suscitada, como foi, no recurso de apelação, precisamente porque era passível de ser conhecida oficiosamente (a inadmissibilidade de levantar questões novas nos recursos não se coloca relativamente às questões de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas). Neste sentido, cite-se o acórdão deste Supremo Tribunal de 10 de julho de 2008, (processo nº 08B1846, www.dgsi.pt), onde se pode ler que “Numa acção de indemnização deduzida contra uma seguradora pela respectiva segurada, a Relação pode, em recurso de apelação, conhecer da nulidade de cláusulas do respectivo contrato de seguro, apesar de só nas alegações da apelante tal nulidade ser levantada, por apesar de se tratar de questão nova, ser do conhecimento oficioso, nos termos do art. 286º do Cód. Civil”.

Acresce dizer, e se dúvidas houvesse (que não há), que o art. 6º da Diretiva 93/13/CEE - cujos ditames enformam, por via do DL nº 220/95, o regime legal das cláusulas contratuais gerais (DL nº 446/85) - determina que os Estados-membros porfiem legislativamente na respetiva ordem interna de modo a que, imperativamente, as cláusulas abusivas não vinculem os consumidores, e é assim que deve ser interpretado o DL nº 446/85. Ocorre que este propósito não poderia ser alcançado convenientemente se acaso os consumidores se vissem sempre na obrigação de invocar eles mesmos o caráter abusivo das cláusulas. Por isso o Tribunal de Justiça da União Europeia tem reiteradamente decidido, em sede de reenvio prejudicial, que é dever dos tribunais nacionais suscitar oficiosamente a questão[1].

Assim, o tribunal recorrido podia e devia ter conhecido oficiosamente da questão da natureza abusiva da cláusula em causa.

O que significa que improcede a arguição da nulidade da decisão.

No que tange ao que se afirma na conclusão 3ª, é de dizer que se trata de afirmação errática. Pois que os Autores alegaram na respetiva PI (artigos 5º e 6º) que as condições gerais não lhes foram comunicadas e, repete-se, as condições especiais não deixam de constituir condições gerais nos termos e para os efeitos do DL nº 446/85 (v. neste sentido o acórdão da RP de 26 de março de 2007, processo nº 0654478, www.dgsi.pt, e doutrina concordante aí referida).

Improcede, pois, a arguição da nulidade, com o que improcedem também as conclusões 2ª a 6ª.

Quanto à matéria das conclusões 7ª a 11ª:

Sustenta nestas conclusões a Recorrente - temática que de todo em todo omitiu na sua contestação e na sua contra alegação na apelação, mas que, por se resolver em matéria de conhecimento oficioso (matéria de direito), podia ser suscitada no recurso e neste deve ser conhecida - que quem poderia responder perante os Autores era o tomador do seguro (BANCO GG, S.A.), não a Recorrente.

Isto porque, estando-se perante um seguro de grupo, quem estava obrigado a informar os segurados sobre as coberturas e exclusões previstas no contrato era o tomador do seguro.

Invoca, a propósito, o art. 4º do DL nº 176/95, em vigor à data da contratação do seguro.

Ora, não duvidamos que no caso de seguro de grupo é o tomador do seguro, e não o segurador, o imediato obrigado (ou seja, o obrigado em primeira linha) a comunicar aos aderentes o que a estes interessa, a começar pelas coberturas e exclusões do contrato. Era o que se estabelecia no art. 4º nº 1 do DL nº 176/95, vigente à data da adesão ora em causa.

Sobre esta temática reiteramos o entendimento[2] que deixámos (mesmo relator e mesmos adjuntos) expresso no acórdão deste Supremo Tribunal de 5 de abril de 2016 (proferido no processo nº 36/12.9TBALD.C1-A.S1, disponível em www.dgsi.pt), que aqui nos limitamos a reproduzir:

«Como se aponta no acórdão deste Supremo Tribunal de 14 de abril de 2015 (proferido no processo nº 385/12.6TBBRG.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt), o Supremo Tribunal de Justiça teve já a ocasião de se pronunciar diversas vezes sobre a questão de saber sobre quem recai a obrigação de informação das cláusulas de exclusão de riscos ao segurado que adere a um contrato de seguro de grupo contributivo. Assim sucedeu nos acórdãos de 25 de Junho de 2013, proc. º 24/10.0TBVNG.P1.S1, de 22 de Janeiro de 2009, proc. nº 08B40491, de 20 de Janeiro de 2010, proc. nº 294/06.8TBOAZ.P1, de 7 de Outubro de 2010, proc. 651/04.4TBETR.P1.S1, de 12 de Outubro de 2010, proc. nº 646/05.0TBAMR.G1.S1, de 1 de Janeiro de 2011, proc. nº 1443/04.6TBGDM.P1.S1, de 29 de Maio de 2012, proc. nº 7615/06.1TBVNG.P1.S1, de 21 de Fevereiro de 2013, proc. nº 267710.6TBBCL.G1.S1, de 27 de Março de 2014, proc. nº 2971/12.5TBBRG.G1.S1, de 9 de Julho de 2014, proc. nº 841/10.0TVPRT.L1.S1 ou de 18 de Setembro de 2014, proc. nº 2334/10.7TBCDM.P1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt. Nestes acórdãos decidiu-se no sentido de que resultava expressamente do nº 1 do 4º do Decreto-Lei nº 176/95 que era ao tomador que incumbia o dever de informação dos segurados quanto às coberturas e exclusões contratadas, cabendo-lhe igualmente o ónus da prova de ter fornecido estas informações. (…)

A questão deve, pois, ser vista como a viu o acima aludido acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 25 de junho de 2013, e passamos a citar:

“É incontroverso que tal dever de esclarecimento do aderente recai sobre o banco/tomador de seguro; é este o regime que decorre expressamente do estatuído no art. 4º do DL. 176/95: nos seguros de grupo, salvo convenção em contrário, o tomador de seguro deve obrigatoriamente informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas e as obrigações e direitos em caso de sinistro, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora, cabendo-lhe o ónus da prova de ter fornecido estas informações; por sua vez, deve a seguradora facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efectiva compreensão do contrato.

Note-se que este regime legal continua a vigorar, no essencial, no âmbito do DL 72/08 (art. 78º), apesar da preocupação, bem expressa no preâmbulo, de tutela acrescida dos aderentes no âmbito da regulamentação do seguro de grupo contributivo, ao afirmar-se: «Nos contratos de seguro de grupo em que os segurados contribuem para o pagamento, total ou parcial, do prémio, a posição do segurado é substancialmente assimilável à de um tomador de seguro individual. Como tal, importa garantir que a circunstância de o contrato de seguro ser celebrado na modalidade de seguro de grupo não constitui um elemento que determine um diferente nível de protecção dos interesses do segurado e que prejudique a transparência do contrato». (…) saliente-se que este regime especial, fundado na peculiar natureza e estrutura da figura do seguro de grupo, envolvendo uma relação triangular entre os interessados, se sobrepõe naturalmente (precisamente como regime especial que é) ao regime regra das cláusulas contratuais gerais, que impõe ao outro contraente (nos casos normais, que não tenham subjacente um seguro de grupo, obviamente a própria seguradora) a obrigação de comunicar e explicitar as cláusulas ao aderente; porém, no caso do seguro de grupo, este dever de comunicação e informação está legalmente posto a cargo do tomador de seguro, pelo que, em primeira linha, ele não incide sobre a seguradora, a menos que algo diferente resulte das estipulações das partes.”

No sentido (no essencial) do entendimento que defendemos, refiram-se ainda os acórdãos deste Supremo Tribunal de 20 de maio de 2015 (proferido no processo nº 17/13.5TCGMR.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt) e de 3 de março de 2016 (proferido no processo nº 137/11.0TBALD.C1.S1, igualmente disponível em www.dgsi.pt, e cujos Autores e Ré são, aliás, os mesmos do presente processo).»

E, sendo assim, não constando do contrato de seguro celebrado entre a ora Ré e o respetivo Tomador (SEGURO DD, S.A.) que a obrigação de comunicação impendia sobre a primeira, podemos assentar em que a Ré não responderia perante os Autores em decorrência da não comunicação das coberturas e exclusões. Ou seja, os Autores não se poderiam fazer prevalecer contra a Ré pelo facto das condições não lhes terem sido por ela comunicadas.

Simplesmente, importa observar que também não foi em decorrência da não comunicação das coberturas e exclusões que a Recorrente acabou condenada no acórdão recorrido. Efetivamente, a questão da falta de informação ou comunicação das condições gerais e especiais do contrato foi tida por prejudicada (v. p. 34 do acórdão). O que é dizer, o acórdão recorrido não valorizou contra a ora Recorrente a não comunicação das condições.

O que significa que toda a argumentação da Recorrente vertida a propósito da falta de obrigação sua de comunicar as coberturas e exclusões aos Autores é claramente espúria e inconsequente.

O que significa também que o que consta das conclusões em destaque, sendo embora exato, não retira só por si ou necessariamente aos Autores o direito que vieram exercer contra a Ré. Improcedem pois tais conclusões com o sentido (de obviar ao direito dos Autores) que lhes empresta a Recorrente.

Na realidade, a Recorrente foi considerada responsável por uma razão bem a montante da questão da temática da comunicação: foi considerada responsável pela circunstância de certo segmento da cláusula a que se apega a mesma Recorrente não poder ser atendido, antes dever ser excluído do âmbito da adesão feita operar pelos Autores. Isto por tal segmento constituir uma condição abusiva.

Decidiu-se bem neste conspecto?

É o que passa a examinar-se.

Quanto à matéria das conclusões 12ª a 28ª:

Sustenta a Recorrente nestas conclusões que o segmento da cláusula 7.1 considerado abusivo e excluído pelo acórdão recorrido é, todavia, inteiramente válido.

E como os Autores não alegaram nem provaram os factos constitutivos integrantes de tal segmento, inexistiria o direito que vieram atuar.

Mas a Ré carece de razão.

Vejamos:

No artigo 7.1 das Condições Especiais do mencionado contrato, sob a epígrafe “Seguro Complementar de Invalidez Absoluta e Definitiva”, consta o seguinte, na parte que interessa: “Para efeito deste seguro complementar qualquer segurado/pessoa segura é considerado em estado de invalidez absoluta e definitiva quando por consequência de doença ou acidente fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada e na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar os actos ordinários da vida corrente (…)”.

Como acima já referido, a cláusula em questão, epitetada como condição especial, vale para todos os efeitos como condição ou cláusula geral. Efetivamente, são cláusulas contratuais gerais, de acordo com a orientação aduzida no artigo 1º do DL nº 446/85, aquelas que são elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respetivamente, a subscrever ou a aceitar, e aquelas que são inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar. É o caso.

E segundo Almeida e Costa e Menezes Cordeiro (Cláusulas Contratuais Gerais, Anotação ao Decreto-Lei nº 446/85, p. 17), as cláusulas contratuais gerais caracterizam-se em função de três elementos cumulativos: pré - elaboração, indeterminação e rigidez. É também o caso.

Aliás, como refere José Vasques (Contrato de Seguro, p. 31) “Condições gerais são as que se aplicam a todos os contratos de seguro de um mesmo ramo ou modalidade. Condições especiais são as que, completando ou especificando as condições gerais, são de aplicação generalizada a determinados contratos de seguro do mesmo tipo”. É igualmente o caso.

Como se aponta em doutrina corrente que aqui seria ocioso citar, os contratos em que um dos contraentes, não tendo a menor participação na preparação das respetivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado, designam-se de contratos de adesão, os quais costumam ser caracterizados por uma defesa exaustiva dos interesses do emitente e por um desinteresse marcado pelo que respeita ao aderente (v. Oliveira Ascensão, Teoria Geral do Direito Civil, vol. III, p. 364). Esses contratos contêm naturalmente (e compreensivelmente) cláusulas preparadas antecipada e genericamente para valerem em relação a todos os contratos singulares de certo tipo que venham a ser celebrados nos moldes próprios dos chamados contratos de adesão. O contrato de seguro resolve-se por regra num contrato de adesão, na medida em que o tomador se limita a aderir aos termos que lhe são propostos, não discutindo as partes todos os termos do contrato. De acordo com José Vasques (ob. cit., p. 355) “as cláusulas abusivas são normalmente associadas ao contrato de adesão e ao contrato de seguro. Esta associação fica a dever-se ao facto de o contrato de seguro ser, provavelmente, o mais antigo contrato de adesão, a comportar uma extensa enunciação de condições, frequentemente redigidas e impressas de forma que dificulta a sua legibilidade e compreensão.

Isto posto:

É verdade que não foi alegado nem provado pelos Autores que o Autor ficou na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efetuar os seus atos ordinários da vida corrente.

Sucede que, e como muito bem se decidiu no acórdão recorrido, o segmento da dita cláusula especial 7.1 que exige que a pessoa segurada tenha que ficar na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efetuar os atos ordinários da vida corrente é claramente abusivo, por contrário ao vetor da boa-fé.

Ora, diz-nos o art. 15º do DL nº 446/85 que são proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa-fé. Tais cláusulas são, assim, nulas (art. 12º do DL nº 446/85 e 280º do CCivil). E, como já dito, a nulidade pode e deve ser declarada oficiosamente pelo tribunal (art. 286º do CCivil).

E no art. 16º do mesmo diploma, concretizado-se ou substanciando-se a norma anterior, estabelece-se que devem ser ponderados para o efeito os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada, e especialmente: a) a confiança suscitada nas partes pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis; b) o objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado.

A boa-fé de que se trata aqui é a boa-fé objetiva, exprimindo esta um princípio normativo em que, nas palavras de Almeida e Costa e Menezes Cordeiro (ob. cit., p. 39) “não se fornece ao julgador uma regra apta á aplicação imediata, mas apenas uma proposta ou plano de disciplina, exigindo a sua mediação concretizadora. Deixa-se aberta, deste modo, a possibilidade de atingir todas as situações carecidas de uma intervenção postulada por exigências fundamentais de justiça”.

E como nos diz Araújo de Barros (Cláusulas Contratuais Gerais, Decreto-Lei nº 446/85 Anotado, p. 172) “uma cláusula será contrária à boa fé se a confiança depositada pela contraparte contratual naquele que a predispôs for defraudada em virtude de, da análise comparativa dos interesses de ambos os contraentes, resultar para o predisponente uma vantagem injustificada”.

Acresce referir que, como indica Sousa Ribeiro (O Problema do Contrato, as Cláusulas Contratuais Gerais e o Princípio da Liberdade Contratual, pp. 570 e 579 a 583), quem tem o poder de pré - estabelecer os termos dos negócios jurídicos na área onde exerce a sua atividade antecipadamente à própria determinação da contraparte, deve observar também os interesses previsíveis dos aderentes, em ordem a atingir um equilíbrio para cuja avaliação as soluções dispositivas ou supletivas constituem um padrão de referência. Não é uma faculdade, é um dever.

Atente-se ainda nas palavras de Almeno de Sá (Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, p. 261), cuja bondade não pode deixar de ser subscrita: “A consecução de um adequado equilíbrio contratual de interesses aparece como o objectivo último desse controlo, objectivo que seguramente não será atingido se o utilizador procurar garantir, de antemão, os seus exclusivos propósitos negociais, sem atender, de forma minimamente adequada, aos interesses da parte contrária. O imperativo do respeito pelo interesse do outro flui directamente da própria intencionalidade que atravessa o princípio da boa-fé, pelo que somos assim levados á necessidade de uma ponderação de interesses. (…) Nesta ponderação, haverá de concluir-se por uma violação do escopo da norma singular de proibição, se a composição de direitos e deveres resultantes da conformação do contrato, considerado no seu todo, e tendo em conta o quadro negocial padronizado, não corresponder "à medida" do equilíbrio, pressuposto pela ordem jurídica, verificando-se, ao invés, uma desrazoável perturbação desse equilíbrio, em detrimento da contraparte do utilizador (…) Torna-se manifesto que, nesta contraposição de interesses igualmente legítimos, está naturalmente reservado um lugar de destaque para o princípio da proporcionalidade, numa incessante sopesagem e comparação de vantagens, custos, compensações e riscos”.

Observa-se o seguinte no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 18 de setembro de 2014 (processo nº 2334/10.7TBGDM.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt), e subscreve-se na íntegra este ponto de vista:

“(…) o controlo da natureza abusiva de uma cláusula deve ser feito em concreto, considerando-se quaisquer elementos atendíveis, que incluem as circunstâncias que rodearam a celebração do contrato, importando ter em consideração, na apreciação do desequilíbrio das prestações gravemente atentatório da boa-fé, todas as circunstâncias que envolvem o contrato, que devem ser apreciadas objectivamente, na perspectiva de um observador razoável e com referência, não ao momento da celebração do contrato, mas daquele em que é feita valer a nulidade da cláusula.

Sendo, ainda, certo que, na apreciação da natureza abusiva de uma cláusula, se deve ponderar a finalidade do contrato, e, assim, quando em resultado de tais cláusulas, de exclusão ou limitativas, a cobertura fique aquém daquilo com que o tomador ou o segurado pudessem, de boa - fé, contar, tais cláusulas devem considerar-se nulas”.

Ora, no caso vertente estamos perante um seguro de grupo (contributivo, do ramo vida)[3] cujo fim precípuo, no confronto dos aderentes (os Autores), é permitir, substituindo-os ou desonerando-os, o cumprimento (pagamento) do que tiverem em dívida ao Banco mutuante beneficiário (BANCO FF, S.A.) na eventualidade de não o poderem fazer. E é isto que também pretende que seja acautelado, a bem dos seus interesses, o Banco mutuante beneficiário.

E quando é que essa eventualidade (sinistro ou verificação do risco) ocorre?

A resposta antolha-se como óbvia, à luz dos fins que presidem a um seguro como o que está em causa e à luz, na parte aproveitável, da supra transcrita cláusula 7.1: quando os réditos dos devedores (os aderentes) ficam comprometidos em ordem ao regular reembolso do mútuo, isto em razão de invalidez absoluta e definitiva que os torna total e definitivamente incapazes de exercer qualquer atividade remunerada.

Aqui, e só aqui, é que existe razão para o seguro e para a adesão. Aqui, e só aqui, é que existe uma situação negocial séria e equilibrada no confronto dos interesses das partes, tendo em vista precisamente as finalidades ou razão de ser do contrato e das adesões.

Já o mesmo se não pode dizer do mais exigido pela referida cláusula - que o segurado fique na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efetuar os atos ordinários da vida corrente. Pois que aqui trata-se de uma condição que nada tem a ver com a incapacidade de ganho e de cumprimento que dá razão de ser ou lógica ao seguro e à adesão subsequente.

Como bem se aponta no acórdão recorrido em sede de justificação da natureza abusiva da cláusula, e passa-se a reproduzir, “(…) essa exigência relativa à vida quotidiana é completamente alheia ao risco principal que se pretende assegurar com a celebração, por um declaratário médio, de um seguro destinado ao pagamento das obrigações decorrentes do contrato de mútuo, que o mutuário, por se encontrar impedido de trabalhar, por razões de saúde, não consegue honrar. (…). Acresce que a Ré Seguradora não podia razoavelmente esperar que os Autores incluiriam essa cláusula no contrato, na sequência de uma negociação individual, pois isso equivalia a aceitar a desrazoável hipótese de ficarem desprotegidos na maioria das situações de invalidez, considerada grave, em resultado da qual ficassem impossibilitados de trabalhar. A intencionalidade dos contraentes de um contrato de seguro associado a contrato de mútuo concedido para aquisição de habitação própria consiste, pelo contrário, e como sublinham os Recorrentes, em prevenir a hipótese de perder, por invalidez, a sua capacidade de ganho e consequentemente, a sua habitação. Por conseguinte, esta denominada cláusula-surpresa, por não ser normal a sua inclusão num contrato, previamente negociado entre contraentes, com aquela finalidade de precisamente assegurar o cumprimento do contrato de mútuo, é manifestamente contrária ao princípio da boa-fé objectiva. O desequilíbrio contratual entre as partes é significativo, por colocar o consumidor/aderente do contrato de seguro associado ao contrato de mútuo numa posição em que, ao invés de prevenir uma situação de eventual impossibilidade de obter rendimentos do trabalho e de consequente incumprimento do contrato de mútuo, deixa-o numa situação como se não existisse esse contrato de seguro, apesar de ter procedido ao pagamento dos prémios devidos.”

Conclusão: a condição em causa dá origem a um desequilíbrio significativo em detrimento dos Autores, consumidores, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato (v. o nº 1 do art. 3º da supra referida Diretiva). Isto é assim precisamente porque, vistos os fins do contrato e das adesões, a condição reduz desproporcionadamente a responsabilidade da Seguradora Ré. Logo, estamos perante uma condição abusiva ou contrária à boa-fé e, como tal, proibida e nula.

Observa-se o seguinte no supracitado acórdão deste Supremo de 18 de setembro de 2014, que recaiu sobre caso semelhante ao presente, valendo para este, no essencial, a mesma ordem de argumentação:

“(…) a pessoa segura, depois de consolidada e clinicamente comprovada a invalidez total e permanente, tem o ónus de apresentar reclamação junto da Seguradora, comprovando que para os actos normais da sua vida diária carece da assistência de uma terceira pessoa. (…)

É manifesto que esta cláusula se assume contrária à boa-fé, por implicar um desequilíbrio desproporcionado e, a final, uma penalização gravosa para o autor.

Na verdade, conhecedor da existência de um contrato de seguro de que era beneficiário, designadamente em caso de invalidez total e permanente, o autor adquiriu a confiança de que, caso se viesse a encontrar em tal situação, teria direito de ver a seguradora satisfazer as prestações ainda em falta do contrato de mútuo. E era também isso o que exactamente pretendia o Banco, pois, a partir do momento em que o segurado/mutuário deixasse de poder satisfazer essas prestações, por incapacidade, o Banco encontrava-se salvaguardado com o contrato de seguro firmado.

Pode, por isso, afirmar-se que a confiança depositada pelo autor no referido contrato de seguro foi defraudada, sendo que da análise comparativa dos interesses de ambos os contraentes resulta para a seguradora uma vantagem injustificável (…) além de drasticamente reduzir o número de segurados que, apesar de impossibilitados de auferirem qualquer remuneração, nem assim deixam de se ver coagidos a satisfazer a prestação mutuada, sob pena se verem privados da habitação adquirida (…)”

Entende-se, assim, desproporcionada esta cláusula contratual, favorecendo excessiva ou desproporcionadamente a posição contratual do predisponente e prejudicando inequitativa e danosamente a do aderente, sendo, consequentemente, abusiva nos termos dos artigos 15º e 16º do DL 446/85, de 25 de Outubro, ficando a cobertura do contrato de seguro, aquém daquilo que o autor podia de boa-fé contar, tendo em consideração o objecto e a finalidade do acordo firmado.

E, sendo abusiva, terá de ser declarada a sua nulidade, nos termos gerais do direito, subsistindo obviamente a obrigação de cumprimento por parte da Seguradora.”

Ora, sendo a condição de que estamos a tratar nula, não pode a Ré querer fazer-se prevalecer dela. O que é dizer, não pode tal condição ser atendida (exigida) como elemento constitutivo do direito que os Autores vieram exercer contra a Ré.

De outro lado, mostra-se (pontos 21 a 27 dos factos provados) que o Autor ficou, por doença, incapacitado de exercer atividade remunerada, razão pela qual se verificou o sinistro que obrigava a Ré a cumprir perante o Banco Beneficiário (cláusula 7.1, expurgada da condição abusiva).

Obrigação essa que, contrariamente ao que se supõe na conclusão 28ª, abrange naturalmente também aquilo que já foi ou está a ser cobrado dos Autores em sede da execução para pagamento de quantia certa que contra eles instaurou o Banco mutuante. Neste particular basta dizer que o que reverter a favor do Banco nessa execução corresponde a um pagamento daquilo que à Ré competia pagar diretamente ao Banco, mas que não pagou. Logo, está o pagamento forçado suportado pelos Autores submetido á obrigação que para a Ré emerge diretamente do seguro (responsabilidade contratual).

Donde, nenhuma censura merece o acórdão recorrido.

Improcedem pois as conclusões em destaque.

Quanto à matéria das conclusões 29º e 30ª:

Pelo que fica dito resta concluir que o acórdão recorrido não violou as disposições legais que a Recorrente indica, inexistindo qualquer razão para anular e revogar o acórdão recorrido.

Acórdão que, por isso, deve ser confirmado.

IV. DECISÃO

Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Regime de custas:

A Recorrente é condenada nas custas da revista.


Sumário:

Lisboa, 27 de setembro de 2016

José Rainho (Relator)

Nuno Cameira

Salreta Pereira

                                                           ++

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[1] Assim, pode ler-se no acórdão de 21 de fevereiro de 2013 do Tribunal de Justiça (disponível http://www.curia.europa.eu/- Jurisprudência do Tribunal de Justiça) que “deve recordar-se que o sistema de proteção instituído pela diretiva assenta, com efeito, na ideia de que o consumidor se encontra numa situação de inferioridade relativamente ao profissional, no que respeita tanto ao poder de negociação como ao nível de informação, situação esta que o leva a aderir às condições redigidas previamente pelo profissional, sem poder influenciar o seu conteúdo (v., nomeadamente, acórdãos de 6 de outubro de 2009, Asturcom Telecomunicaciones, C‑40/08, Colet., p. I‑9579, n.º 29, e de 14 de junho de 2012, Banco Español de Crédito, C‑618/10, n.º 39). Atendendo a essa situação de inferioridade, o artigo 6.°, nº 1, da diretiva prevê que as cláusulas abusivas não vinculam os consumidores. Como resulta de jurisprudência, trata-se de uma disposição imperativa que tende a substituir o equilíbrio formal que o contrato estabelece entre os direitos e as obrigações dos cocontratantes por um equilíbrio real, de molde a restabelecer a igualdade entre eles (v., nomeadamente, acórdão de 9 de novembro de 2010, VB Pénzügyi Lízing, C‑137/08, Colet., p. I‑10847, n.º 47, e acórdão Banco Español de Crédito, já referido, n.º 40). A fim de assegurar a proteção preconizada pela diretiva, o Tribunal de Justiça já sublinhou em várias ocasiões que a situação de desigualdade existente entre o consumidor e o profissional só pode ser compensada por uma intervenção positiva, alheia às partes no contrato (v., nomeadamente, acórdãos, já referidos, VB Pénzügyi Lízing, nº 48, e Banco Español de Crédito, nº 41). É à luz destas considerações que o Tribunal de Justiça tem julgado no sentido de que o juiz nacional é obrigado a apreciar oficiosamente o caráter abusivo de uma cláusula contratual abrangida pelo âmbito de aplicação da diretiva e, deste modo, a suprir o desequilíbrio que existe entre o consumidor e o profissional (v., nomeadamente, acórdãos, já referidos, VB Pénzügyi Lízing, nº 49, e Banco Español de Crédito, nº 42). Por conseguinte, o papel que é atribuído pelo direito da União ao órgão jurisdicional nacional no domínio considerado não se limita à simples faculdade de se pronunciar sobre a natureza eventualmente abusiva de uma cláusula contratual, mas comporta também a obrigação de examinar oficiosamente essa questão, desde que disponha dos elementos de direito e de facto necessários para esse efeito (v., nomeadamente, acórdão de 4 de junho de 2009, Pannon GSM, C‑243/08, Colet., p. I‑4713, nº 32, e acórdão Banco Español de Crédito, já referido, nº43).”

[2] . Sendo este o nosso entendimento, há, porém, que reconhecer que se trata de assunto controverso, existindo uma corrente jurisprudencial que propugna no sentido de que é sempre obrigação da seguradora comunicar ao aderente as cláusulas gerais do contrato de seguro. Para citar apenas um aresto em tal sentido, decidiu-se neste Supremo (acórdão de 14 de abril de 2015, proferido no processo nº 294/2002.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt) que o ato de adesão do segurado em relação às condições do contrato de seguro de grupo consubstancia uma manifestação de vontade de que é contraparte a seguradora, o que permite atribuir ao aderente uma proteção equivalente à do segurado num contrato de seguro individual, aplicando-se o DL n.º 446/85 para regular as relações entre o segurado e a seguradora. Os deveres de comunicação e esclarecimento, na íntegra, do conteúdo negocial estão previstos nos arts. 5.º e 6.º do DL 446/85 e resultam diretamente do princípio da boa fé contratual consagrado no art. 227.º do Código Civil, estendendo-se a todas as partes dos contratos que tenham poder de impor cláusulas negociais ao consumidor. O facto de o legislador ter fixado, no art. 4.º, n.º 1 do DL n.º 176/95, de 26 de Julho, deveres de informação a cargo do tomador de seguro, não significa que tenha querido onerar exclusivamente o banco com estes deveres e exonerar a seguradora, perante o aderente, dos deveres que já decorriam dos arts 5.º e 6.º do DL n.º 446/85.
No mesmo sentido se tem pronunciado grande parte da jurisprudência das Relações.

[3] .Este tipo de seguro caracteriza-se, além do mais, por ser de adesão obrigatória, imposto por uma entidade financeira para garantia de pagamento de uma dívida para consigo, em que figura como tomadora do contrato de seguro e beneficiária em caso de morte ou invalidez da pessoa do aderente (pessoa segura). Uma particularidade do contrato manifesta-se no facto de cada adesão ter uma relativa autonomia face às demais adesões e conferir ao aderente a posição de parte no contrato, atribuindo-lhe direitos e deveres perante o segurador e o tomador do seguro (v. Luis Poças, O Dever de Declaração Inicial do Risco no Contrato de Seguro, pp. 636 e 637).