Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
17046/20.5T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: CATARINA SERRA
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
DIREITOS DE PERSONALIDADE
DIREITO À IMAGEM
UTILIZAÇÃO ABUSIVA
JOGADOR DE FUTEBOL
FUTEBOLISTA PROFISSIONAL
Data do Acordão: 11/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. São internacionalmente competentes para conhecer o mérito de uma acção de responsabilidade civil extracontratual, por violação de direitos de personalidade através de conteúdos difundidos globalmente, os tribunais do Estado onde se encontra o centro de interesses do lesado durante o período em que ocorrem os danos provocados por essa violação.

II. Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes, nos termos do artigo 62.º, al. b), do CPC, para decidirem uma acção em que um jogador profissional de futebol que exerceu, predominantemente, a sua actividade em Portugal, pede uma indemnização pelos danos causados pela utilização, não consentida, do seu nome e da sua imagem em videojogos da FIFA, produzidos nos E.U.A. e divulgados por todo o mundo, inclusivamente em Portugal.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. RELATÓRIO

1. AA, com domicílio em Portugal, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra Electronic Arts Inc., com sede em 209, Redwood Shores Parkway, Redwood City, Califórnia, 94065, EUA, peticionando que esta seja condenada a pagar ao autor, a título de indemnização por danos patrimoniais de personalidade e pela utilização indevida da sua imagem e do seu nome, a quantia de € 240.000,00 (Duzentos e quarenta mil euros), de capital, acrescida dos juros vencidos, no montante de € 43.459,07 (quarenta e três mil e quatrocentos e cinquenta e nove euros e sete cêntimos), tudo no total de € 283.459,07 (duzentos e oitenta e três mil e quatrocentos e cinquenta e nove euros e sete cêntimos) e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal, tudo com o mais da lei.

Mais deve a ré ser condenada a pagar o montante nunca inferior a € 5.000,00 (cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescido, também, dos juros vencidos, no montante de € 2.156,16, tudo no total de € 7.156,16 e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal.

Para o efeito, alegou, em síntese, que é futebolista, representando atualmente o clube inglês, R... e que a ré Electronic Arts Inc., através do desenvolvimento e fornecimento de jogos, conteúdos e serviços online para consolas com ligação à internet, dispositivos móveis e computadores pessoais, é uma empresa líder global em entretenimento digital interactivo, que vem a utilizar a imagem e o nome do autor, para divulgar e disseminar a venda dos jogos FIFA, FIFA MANAGER, FIFA ULTIMATE TEAM – FUT e FIFA MOBILE, sem a devida autorização, violando, consequentemente, o seu direito de imagem.

2. Citada, a ré contestou, arguindo, além do mais, a excepção da incompetência internacional dos tribunais portugueses para apreciar a presente acção.

3. Em resposta o autor pugnou pela respectiva improcedência, afirmando em síntese, que (i) os jogos, propriedade da Ré, são comercializados e distribuídos mundialmente, pelo que também em Portugal (ii) o facto danoso mostra-se consumado em Portugal (iii) é cidadão português e tem domicílio em Portugal.

4. O Tribunal proferiu sentença em que se decidiu “declarar a incompetência absoluta deste tribunal por infração das regras de competência internacional dos tribunais portugueses e, consequentemente, absolve[r]-se a Ré da instância”.

5. Inconformado, apelou o autor para o Tribunal da Relação de Lisboa.

6. Em 21.06.2022, os Exmos. Juízes Desembargadores deste Tribunal acordaram “em conceder provimento ao recurso, e em consequência, revogando a decisão, declara[ra]m o tribunal competente internacionalmente, prosseguindo a instância os demais trâmites”.

7. Inconformada, é a ré, Electronic Arts Inc., quem agora vem interpor recurso de revista, “nos termos dos art.º 629.º, n.º 2, alínea a) e 671.º, n.º 3, parte inicial (violação das regras de competência internacional), 631.º, n.º 1, 638.º, n.º 1, todos do CPC”.

Pede que seja revogada a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa e declarada a incompetência dos tribunais portugueses.

A terminar, formula as seguintes conclusões:

a) O presente recurso de revista impugna o acórdão de 21.06.2022, pelo qual se declarou a competência internacional do Juízo Central Cível de Lisboa para tramitar esta ação, recurso admissível nos termos do art.º 629.º, n.º 2, alínea a) do CPC já que está em causa a infração de regras de competência internacional.

b) A ré considera a decisão ilegal, com base na violação de lei substantiva, processual e da própria Constituição da República Portuguesa, destacando-se, entre outros, as seguintes normas e princípios jurídicos:

- princípio de interpretação autónoma dos Estados-Membros, princípio da coincidência, princípio da causalidade, princípio do Estado de Direito, princípio da proteção ou tutela da confiança, princípio da soberania, princípio da igualdade, princípio do processo equitativo e da igualdade das partes, princípio da tutela jurisdicional efetiva, princípio do dever de obediência dos tribunais à lei, princípio da separação dos poderes;

– art.º 2.º, 13.º, n.º 1, 20.º, n.º 4, 203.º e 204.º da Constituição da República Portuguesa;

– art.º 1.º, 9.º e 351.º do CC;

– art.º 5.º, n.º 1, 62.º, 71.º, n.º 2 e 608.º, n.º 2 do CPC;

– art.º 22.º da LOSJ.

c) A apreciação da competência internacional é efetuada exclusivamente com base nos factos alegados na petição inicial, sem qualquer indagação probatória ou aplicação de presunções judiciais – art.º 38.º da LSOJ e acórdão do TRE de 15.12.2016, Proc. n.º 1330/16.5T8FAR.E1; acórdão do TRG de 16.11.2020, Proc. n.º 114083/18.7YIPRT.G1.

d) Sucede que o acórdão em crise entendeu recorrer a factos não alegados na petição inicial, considerando que a ré vende os jogos FIFA em Portugal, quando a petição inicial exprime exatamente o oposto: na Europa é uma entidade terceira que comercializa os jogos FIFA e não a ré – facto diretamente mencionado pelo autor no artigo n.º 2 da petição inicial.

e) O acórdão revidendo suporta-se ainda na existência não invocada de um centro de interesses do autor em Portugal ou mesmo em a factos que não se referem à causa de pedir, contrariando frontalmente o regime legal aplicável fixado no art.º 62.º do CPC.

f) A causa de pedir deste pleito é a alegada violação do direito de imagem do autor, pela aposição não autorizada da sua imagem nos jogos FIFA, não devendo ser considerados outros factos que não a integrem, como seja o exercício da atividade de futebolista pelo autor a dado momento em Portugal.

g) A decisão do TRL, apesar de reconhecer ser inaplicável o regulamento n.º 1215/2012, incluindo o seu art.º 7.º, n.º 2, sustenta-se no conceito jurisprudencial de centro de interesses desenvolvido pelo TJUE a propósito dessa norma.

h) A ré tem sede nos EUA e por isso o regulamento n.º 1215/2012 não lhe é aplicável, dado que este só abrange casos em que a entidade demandada tem sede num Estado-Membro.

i) A jurisprudência do TJUE apenas se debruça, como resulta do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia em interpretar o direito da União, sendo expressamente proibido ao TJUE interpretar direito nacional dos Estados-Membros.

j) Restrição que visa efetivar o princípio de interpretação autónoma dos Estados-Membros e dos seus órgãos jurisdicionais sobre o seu direito nacional, não tendo o TJUE apetência ou conhecimentos para se debruçar sobre o direito interno.

k) Não sendo aplicável o regulamento n.º 1215/2012, não podem valer igualmente os conceitos jurisprudenciais desenvolvidos pelo TJUE à luz desse regulamento, sendo por isso vedado aos tribunais portugueses aplicar o conceito de centro de interesses por tal redundar em aplicação contra legem, designadamente contra o regime legal aplicável e autossuficiente consagrado no art.º 62.º do CPC.

l) Acresce que a própria jurisprudência do TJUE se vem consolidando no sentido de defender que o conceito de “lugar onde ocorreu o dano” deve ser interpretado muito restritamente e dando relevância ao local de produção do dano inicial (parágrafo 21 do acórdão do TJUE de 19.09.1995, Processo n.º C-364/93; parágrafos 19 e 21 do acórdão do TJUE de 10.06.2004, Proc. n.º C-168/02; e parágrafos 34 e 35 do acórdão do TJUE de 16.06.2016, Proc. n.º C-12/15).

m) Em todo o caso, sendo inaplicável o regulamento n.º 1215/2012, o CPC estabelece no art.º 62.º do CPC o regime interno que define quais os fatores de atribuição da competência internacional.

n) Este regime deve ser interpretado e aplicado de acordo com os critérios legais de interpretação das normas fixado no art.º 9.º do CC: elementos literal, teleológico, sistemático e histórico.

o) As fontes de direito português são as leis e diplomas equiparados (art.º 1.º do CC), em nada relevando a jurisprudência do TJUE sobre normas que não estão em causa, sob nenhuma forma, nestes autos.

p) A apreciação da competência internacional nestes autos deve ser dirimida exclusivamente à luz do art.º 62.º do CPC e critérios aí elencados, a saber:

– alínea a): critério da coincidência; – alínea b): critério da causalidade; e – alínea c): critério da necessidade.

q) Estes critérios devem ser ponderados à luz da factualidade constante da petição inicial, assumindo-a, para este efeito como verdadeira, e sem proceder a quaisquer indagações probatórias, destacando-se do elenco da petição inicial, a seguinte factualidade relevante:

Quanto ao autor:

(i) O autor refere ser jogador de futebol (artigo n.º 3 da petição inicial);

(ii) O autor refere jogar atualmente no clube inglês R... (artigo n.º 4 da petição inicial)

Quanto à ré:

(iii) A ré é uma sociedade norte-americana, com sede no Estado da Califórnia, nos Estados Unidos da América

(iv) A ré dedica-se à exploração, distribuição e venda de jogos, sendo que o autor não alega que a ré o faz em Portugal (artigo n.º 1 e 2 da petição inicial) – ou seja, de acordo com a própria alegação do autor, não há qualquer atuação da ré em território nacional;

(v) O autor refere que “…a ré conta com várias subsidiárias, entre as quais se destaca, na Europa, a EA S...…” (artigo n.º 2 da petição inicial), o que evidencia que a ré não atua em Portugal ou, sequer, na Europa;

Quanto ao facto ilícito imputado à ré:

(vi) O ato ilícito que o autor imputa à ré consiste na utilização da sua imagem que ocorrerá aquando da produção dos jogos objeto dos presentes autos, sendo certo que em parte alguma da petição inicial, o autor afirma que a ré produz, em Portugal, os jogos FIFA;

(vii) De igual modo, o autor não afirma, em momento algum, que a ré vende, em Portugal, os jogos FIFA, chegando mesmo a reconhecer, quanto a versões antigas dos jogos que os mesmos são comercializados por terceiros e que estes assumem total responsabilidade por esses atos (artigos n.º 2 da petição inicial);

(viii) Ainda que assim não fosse – o que não se concede – o ato de venda dos jogos FIFA não é um ato ilícito ou, sequer, um ato gerador de danos para o autor;

(ix) Nenhum dano é alegado ou concretizado, pelo autor, na petição inicial, nem tampouco como ocorrendo em Portugal (tampouco sendo possível identificar o momento temporal da ocorrência dos danos hipoteticamente sofridos pelo autor).

r) Destes factos, verifica-se que:

– nenhum facto territorialmente localizado em Portugal foi alegado pelo autor;

– não se imputa à ré a prática de atos em Portugal;

– não há na petição inicial concretização de danos;

– não há alegação do quando e onde do sofrimento desses danos;

– não há nenhum facto que preencha os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual;

– não se invoca qualquer dificuldade na demanda da ré no local da sua sede.

s) De acordo com o critério da coincidência, o tribunal português será internacionalmente competente se esta ação pudesse ser proposta no nosso país, segundo as regras de competência territorial do CPC.

t) Valendo, nesta ação de responsabilidade civil extracontratual, a regra do art.º 71.º, n.º 2 do CPC: o tribunal competente é o do lugar onde o facto ocorreu;

u) O autor não imputa qualquer ato praticado pela ré em Portugal e afirma que a ré não tem atividade na Europa. Mais alega que é uma entidade terceira que comercializa e assume a responsabilidade pela venda dos jogos FIFA.

v) A ré não pratica qualquer ato lícito ou ilícito, em Portugal, sendo que os autos imputados pelo autor à ré localizados no estrangeiro, designadamente a produção dos jogos FIFA com a aposição da imagem do autor.

w) O facto ilícito assacado à ré ocorre no estrangeiro, não relevando a difusão desse ato por terceiros – vide, em acórdão relativo à difusão de conteúdo na televisão nacional, o acórdão do TRP de 18.03.1999, Proc. n.º 9831155, no qual o se determinou que o tribunal territorialmente competente era o local do estudo de televisão e não o tribunal do local onde o autor alegou ter sofrido danos, designadamente no seu domicílio.

x) Os tribunais portugueses não são, desta forma, competentes ao abrigo da alínea a) do art.º 62.º.

y) Quanto ao fator de conexão previsto na alínea b) – critério da causalidade –, impunha-se ao autor identificar factos integradores da causa de pedir ocorridos nosso país.

z) No entanto, nem os factos alegados na petição inicial, nem os documentos juntos são, em tese, aptos a tal.

aa) Não há, em toda a petição inicial, um único facto alegado integrador da causa de pedir ocorrido em Portugal.

bb) Não foi concretizado qualquer dano sofrido pelo autor, tampouco em território nacional, nem se indicando o momento em que tal se produziu.

cc) Sem a alegação do “quando” desse dano, é impossível determinar-se em que lugar estava o autor.

dd) O autor não alega que o putativo facto ilícito – produção dos jogos – ocorre em Portugal, não invoca qualquer dano que tenha ocorrido em Portugal, nem alega nenhuma circunstância integradora dos restantes requisitos da responsabilidade civil localizada em Portugal.

ee) O único facto alegado pelo autor como ocorrendo em Portugal consiste na venda dos jogos em todo o mundo e, bem assim, vendas que atribuiu a entidade terceira que não a ré.

ff) A alegação que os jogos são comercializados em todo o mundo e, por isso, também em Portugal, logo os danos são localizados em Portugal, constitui utilização de presunção vedada nesta fase porque não há qualquer atividade de indagação probatória.

gg) Sucede que a comercialização na Europa, concretamente em Portugal, é realizada por entidades terceiras que não a ré.

hh) Ao contrário do que estranhamente consta do acórdão, tratando-se de erro manifesto, não foi alegado pelo autor que a que a ré vende jogos em Portugal, indicando-se para o efeito os documentos n.º 15, 21 e 22 (pág. 13 do acórdão).

ii) O autor menciona categoricamente que a ré não atua na Europa, continente onde é uma entidade terceira que comercializa os jogos e que assume a total responsabilidade pelas respetivas vendas – alegações efetuadas pelo autor no art.º 2.º da petição inicial.

jj) Quanto aos documentos, o documento n.º 15 é uma fatura relativa à aquisição de jogos em 2.ª mão a uma entidade terceira que não a ré, designadamente a sociedade comercial portuguesa “C... Unipessoal Lda.”; os documentos n.º 21 e 22 não comprovam – e muito menos alegam (até porque efetivamente não é) – ser a ré que procede às vendas na Europa.

kk) Em caso algum se poderá ignorar, para efeitos da análise da competência, o que o próprio autor afirma na petição inicial sobre ser entidade terceira a responsável pelas vendas na Europa, incluindo por isso Portugal, designadamente a sociedade "...EA S..., pessoa colectiva registrada no Registo de Pessoas Colectivas de ... com o número CH-660-2328005-8 e sede em 8 ..., 1204 ..., ......" (artigo 2.5 da petição inicial).

ll) É absolutamente infundada a conclusão do TRL ao afirmar que a ré vende os jogos FIFA na Europa, pois esse suposto facto está em direta contradição com o que é alegado na petição inicial e por isso não pode fundar a decisão de competência.

mm) Os atos de terceiro, relativos à divulgação da utilização não autorizada da imagem (como sejam a venda dos jogos FIFA fora dos territórios dos ..., ... e ...) integram factos constitutivos do direito que o autor pretende fazer valor contra a ré, quanto a qualquer requisito da responsabilidade civil, incluindo o dano.

nn) As vendas de jogos, em Portugal, por entidades que não a ré, não reúnem conexão relevante ou singular com o território nacional, porque isso significaria tornar competente o tribunal de qualquer país do mundo onde os jogos FIFA fossem vendidos.

oo) Os factos determinadores da competência internacional devem assumir conexão relevante com Portugal – acórdão do TRL de 08.10.2020, proc. 3231/19.6T8CSC.L1-2.

pp) Não podem ser os factos que ocorrem em todo o mundo e, por esse motivo, também em Portugal a justificar a avocação de competência.

qq) A impossibilidade de identificar a localização geográfica e a data dos alegados danos resulta da total ausência de alegação pelo autor sobre o respetivo local e data de materialização, omissão que deve ser decidida em seu desfavor!

rr) Ao tribunal a quibus está vedado lançar mão de presunções judiciais para apreciar a competência, designadamente assumir realidades sucessivas: que o autor tem um centro de interesses em Portugal, que o centro de interesses é o local onde os danos são sofridos e que os danos se materializaram em Portugal.

ss) A este respeito era igualmente proibido, à luz dos critérios de interpretação consagrados no direito português, utilizar conceitos jurisprudenciais do TJUE e sobre normas de regulamentos europeus inaplicáveis, nomeadamente o conceito de centro de interesses.

tt) A somar a estas razões, o autor nunca alegou na petição inicial ter o seu centro de interesses em Portugal.

uu) Sendo a existência ou não dum centro de interesses numa determinada jurisdição uma conclusão jurídica que assenta em determinados factos, na petição inicial não é possível identificar quaisquer factos que permitam suportar a existência de um centro de interesses em território nacional.

vv) O autor nem sequer alega, no articulado da petição inicial, o seu domicílio.

ww) O conceito de “centro de interesses” é uma figura trabalhada pela jurisprudência do TJUE e indevidamente aplicada pelo TRL pois não existe qualquer lacuna na lei portuguesa que requeira integração através daquela figura.

xx) Sem a alegação de factos que permitissem concluir que o seu centro de interesses se materializa em Portugal, o acórdão em crise aplica duas presunções de forma sobreposta e sobre a mesma realidade: o autor tem o seu centro de interesses em Portugal (1.º facto não alegado) e foi em Portugal onde sofreu danos (2.º facto não alegado).

yy) Estes pressupostos que determinaram o sentido da decisão do acórdão em crise não estão alicerçados em alegação da petição inicial e estão num plano exclusivamente presuntivo!

zz) É exclusivamente, com base nas presunções judiciais que o tribunal densifica o centro de interesses do autor em Portugal e a localização dos danos, o que é proibido pelo art.º 351.º do CC e pelo facto de não haver lugar a qualquer indagação probatória nesta fase.

aaa) A existência e análise de elementos de conexão para efeitos da apreciação da competência dos tribunais não é aferida por meio de prova testemunhal e muito menos por meio de presunções.

bbb) No caso em apreço, não fora a utilização de presunções pelo TRL e os factos alegados na petição inicial não permitiriam concluir pela existência de elementos de conexão com Portugal.

ccc) Acresce que a aquisição dos jogos FIFA em qualquer parte do mundo, comercializados por atos de terceiro, não permite justificar a declaração de competência internacional, desconsiderando cegamente a circunstância de a ré não produzir o jogo neste país e não praticar aqui qualquer ato.

ddd) A ser assim, o tribunal de qualquer local onde os jogos são vendidos seria internacionalmente competente, gerando um evidente conflito positivo de competência internacional, precisamente o que se visa evitar em homenagem ao princípio da soberania dos Estados e à maior eficácia/proximidade da realização de julgamento.

eee) Ainda no contexto da alínea b) do art.º 62.º do CPC, não é “importável” para a sua interpretação e aplicação o conceito jurisprudencial de centro de interesses, que não encontra qualquer correspondência na letra ou sentido da lei.

fff) São inaplicáveis quer as normas de direito da UE, quer a jurisprudência do TJUE que apenas interpreta e aplica norma de direito da União e lhe é vedado interpretar normas de direito nacional dos Estados-Membros.

ggg) À luz da lei portuguesa, o domicílio do autor em nada releva para efeitos de aplicação do art.º 62.º do CPC e, sendo assim, muito menos relevará o centro de interesses.

hhh) A utilização do conceito de centro de interesses atenta contra as regras de interpretação do art.º 9.º do CC, já que o art.º 62.º estabelece, por si só, regulação suficiente sobre esta matéria, não havendo qualquer lacuna a entregar.

iii) A consideração de um centro de interesses representa, inclusivamente, derrogação do disposto no art.º 62.º, afastando-se o respetivo regime para se solucionar uma ação à luz de norma de direito da UE inaplicável.

jjj) Por fim, importa notar que o exercício da atividade profissional de futebolista, a dado momento em Portugal, não é um facto que integre a causa de pedir, por não respeitar a nenhum dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, designadamente, ao facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade.

kkk) O direito que o autor pretende fazer valer nestes autos não emerge do exercício da sua atividade profissional de futebolista, mas da invocação de violação do seu direito de imagem.

lll) A causa de pedir, ainda que complexa, apenas compreende os factos aos cinco pressupostos da responsabilidade civil extracontratual e não a factos que não visem comprovar tais pressupostos.

mmm) O exercício pelo autor da atividade profissional de futebolista em Portugal, a determinada altura, não é um facto que preencha ou integre os pressupostos da responsabilidade civil da ré, designadamente, ação, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade.

nnn) A adotar-se o entendimento do acórdão, qualquer facto em território nacional relativo ao autor equivaleria a facto que integra a causa de pedir, entendimento que obviamente contraria frontalmente o sentido normativo do princípio da causalidade.

ooo) No caso concreto, os factos relevantes prendem-se com a inclusão não autorizada da imagem do autor nos jogos FIFA, atuação que, sob nenhum prisma, ocorre em território nacional, como se reconhece nestes autos (autor incluído).

ppp) Em face da (i) ausência de alegação, na petição inicial, de atos praticados pela ré em território nacional, (ii) inaplicabilidade do centro de interesses e sua irrelevância para aplicação do art.º 62.º do CPC, (iii) não alegação de danos em Portugal e (iv) irrelevância do exercício da atividade de futebolista, a dado momento, em Portugal, inexistem elementos de conexão à luz do princípio da causalidade.

qqq) São inaplicáveis os conceitos relativos ao domicílio e centro de interesses do autor e, bem assim, quaisquer presunções judiciais ou factos que não esteiam referidos na petição inicial e que não integrem a causa de pedir (incluindo o local onde o autor terá exercido predominantemente a sua atividade profissional - facto que apenas é alegado em sede de recurso e que não integra a causa de pedir), sob pena de interpretação inconstitucional dos art.º 351.º, do CC, art.º 5.º, n.º 1, 62.º, 608.º, n.º 2 do CPC e 38.º, n.º 1 da LOSJ, por violação nos termos detalhados nas alegações de recurso - aqui dados por reproduzidos e para os quais se remete -, entre outros, dos seguintes princípios:

- princípio do Estado de Direito (na vertente do princípio da proteção da confiança ou da tutela da confiança, princípio de separação dos poderes, princípio da soberania (artigo 2.º da CRP);

- princípio da tutela jurisdicional efetiva, na vertente do princípio do processo equitativo e da igualdade das partes (art.º 20.º, n.º 4 da CRP); e

- princípio do dever de obediência dos tribunais à lei (art.º 203.º da CRP e art.º 22.º da LOSJ) e princípio da igualdade (art.º 13.º, n.º 1 da CRP).

rrr) Esta questão relativa à inconstitucionalidade da aplicação dos artigos 351.º, do CC, art.º 5.º, n.º 1, 62.º, 608.º, n.º 2 do CPC e 38.º, n.º 1 da LOSJ é suscitada para conhecimento expresso deste Tribunal, nos termos e para os efeitos dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), 72.º, n.º 2 e 75.º-A, n.º 2, todas da Lei n.º 28/82.

sss) Quanto ao princípio da necessidade, os tribunais portugueses serão competentes para um litígio quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.

ttt) Nada a respeito deste ponto foi afirmado pelo autor que justifique o recurso aos tribunais portugueses, apesar do pleito exibir conexões muito próximas com ordens jurídicas estrangeiras.

uuu) O autor não alegou quaisquer factos que preencham o conceito de dificuldade apreciável.

vvv) Não bastando, seguramente, ao autor ter nacionalidade ou domicílio português, para daí se reconhecer, em todos os seus futuros litígios, competência internacional aos nossos tribunais.

www) O direito que o autor pretende fazer valer é amplamente reconhecido pelas várias jurisdições do mundo, sendo que da sua alegação na petição inicial não resulta qualquer concretização acerca do que seja a dificuldade objetiva que possa gerar uma limitação no exercício dos seus direitos.

xxx) O autor chega a alegar factos na petição inicial que comprovam que os direitos que pretende exercer são reconhecidos na jurisdição norte-americana.

yyy) O direito invocado, no contexto dos elementos disponíveis nos autos, pode tornar-se efetivo por meio de ação proposta em território estrangeiro, sem que tal constitua uma dificuldade apreciável para o autor.

zzz) Daí que não se verifiquem nenhum dos fatores de conexão estabelecidos no art.º 62.º do CPC, sendo os tribunais portugueses internacionalmente incompetentes”.

8. Respondeu o autor, AA, pugnando pela manutenção da decisão recorrida (competência dos tribunais portugueses).

Conclui a sua contra-alegação assim:

a) Vem o presente recurso interposto do douto acórdão proferido nos autos que julgou os Tribunais Portugueses, internacionalmente competentes e, consequência, determinou o prosseguimento dos ulteriores trâmites processuais.

b) Ora, salvo o devido respeito, não tem qualquer fundamento a pretensão da recorrente.

c) Na verdade, não há qualquer ligeireza de raciocínio por parte do Tribunal a quo, nem o Autor, aqui Recorrido, vislumbra qualquer vício na decisão proferida, muito antes pelo contrário.

d) Assim, é evidente que a douta decisão recorrida fez correcta e sapiente aplicação do direito, sem violação de quaisquer normas, designadamente, as constantes dos preceitos e princípios, apontados pela Apelante.

e) A decisão sufragada pelo Tribunal a quo no que respeita à declarada competência internacional dos Tribunais Portugueses não padece de qualquer falta de substrato justificativo – com efeito, a referida decisão invoca factos concretos do caso sub judice, e baseia-se em elementos Jurisprudenciais e Doutrinários inabaláveis.

f) Com efeito, o próprio dano/facto danoso resultante a exploração indevida da imagem do Autor mostra-se, também, consumado em Portugal e é no nosso País que se situa o seu centro de interesses.

g) E tal está, efectivamente, alegado na petição inicial e no articulado de resposta às excepções.

h) Isto porque, no que respeita ao caso concreto e ao uso indevido da imagem do Autor, os jogos da ré, com o conteúdo lesivo, são difundidos por esta, para serem utilizados e guardados em vários instrumentos tecnológicos, de diversas pessoas, a qualquer momento, em qualquer lugar.

i) É o que sucede, por exemplo, com a colocação dos jogos em linha/ambiente digital, altamente potenciada com a expansão do uso da Internet e da qual a ré beneficia largamente para aumentar a divulgação e exploração comercial dos seus jogos e, bem assim, os avultados lucros daí advenientes.

j) Acresce que, conforme demonstrado nos autos, inclusive, através de diversa documentação junta com a petição inicial, os jogos da ré são comercializados em suporte físico em Portugal, nas mais variadas lojas, como por exemplo, nas lojas da especialidade, nas grandes superfícies, na Worten, na Fnac, na Mediamarket, entre tantas outras.

k) E imagine-se que, alguém escrevia um livro em sua casa denegrindo ou simplesmente fazendo uso não autorizado da imagem da personalidade “A” ou até que esse alguém pintava um quadro com uma imagem menos abonatória dessa mesma personalidade “A”.

l) Apenas não poderia ser invocado qualquer dano pela personalidade “A” pela utilização ilícita da sua imagem, se tal livro e tal quadro não saíssem nunca da casa do seu autor.

m) O mesmo já não se pode afirmar se tal livro e/ou tal quadro fossem promovidos, divulgados e comercializados por todo o mundo, inclusive, no local de residência daquela personalidade “A”, nomeadamente, em estabelecimentos de toda a espécie.

n) É assim, manifesto que os danos ocorreriam em todos os locais onde essa comercialização e divulgação tivesse lugar.

o) Esta lógica é, pois, plenamente aplicável aos jogos da ré, pelo que estando os jogos disponíveis a nível mundial, o dano não é provocado só nos Estados Unidos.

p) Por isso, a tese sufragada no recurso interposto, apenas faria sentido, se os jogos, com a imagem do Autor, apenas fossem produzidos em solo norte-americano e não transpusessem as suas fronteiras, para ser comercializados pela ré por todo o mundo sob todas as formas disponíveis, ou seja, online e em suporte físico.

q) E, é evidente que o tribunal do lugar onde a “vítima” (in casu, o Autor) tem o centro dos seus interesses, pode apreciar melhor o impacto de um conteúdo ilícito colocado em jogos de vídeo físicos e online sobre os direitos de personalidade, pelo que lhe deverá ser atribuída competência segundo o princípio da boa administração da justiça.

r) Para além disso, não pode ser descurado o princípio da previsibilidade das regras de competência, sendo que a ré, enquanto autora da difusão do conteúdo danoso, encontra-se manifestamente, aquando da colocação da imagem, nome e demais características das “vítimas” da sua acção, nos jogos de que é proprietária com vista à sua divulgação mundial, em condições de conhecer os centros de interesses das pessoas afetadas por este.

s) E, parece-nos, é neste sentido que o Tribunal a quo, faz referência a situações análogas já analisadas pelo TJUE quanto a esta matéria (eDate Advertising GmbH) e chama à colação o Acórdão de 31 de maio de 2018, Nothartová, C-306/17[10], nº 18, o Acórdão de 29 de julho de 2019, Tibor-Trans, C-451/18[11], nº 23 e jurisprudência aí referida, apud e o Acórdão do STJ de 14.10.2021 -proc. 26412/16.0T8LSB.L1-A. S1, in www.dgsi.pt.

t) E, acima de tudo, refere a propósito, os acórdãos já proferidos por esse Colendo Supremo Tribunal de Justiça, nos processos 3853/20.2T8BRG.G12, de 24.05.2022, 4157/20.6T8STB.E1. S1 e 24974/19.9T8LSR.L1. S1, em que foi sufragada a doutrina em todos eles de que os Tribunais Portugueses são internacionalmente competentes para julgar o litígio, em acções idênticas à presente.

u) Sendo que, para além dos doutos arestos referidos no ponto anterior, foi já proferido, em 23.06.2022, outro acórdão por esse Supremo Tribunal de Justiça, nos autos recursivos 3239/20.9T8CBR-A.C1.S1, e, um outro acórdão, em 14.07.2022, proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, na apelação 3731/21.8T8BRG.G1, os quais concluíram, também, pela competência internacional dos Tribunais Portugueses, para julgar acção em tudo idêntica à presente.

v) O Julgador não pode deixar de estar atento à evolução tecnológica e à expansão dos fenómenos dela resultantes, de forma a evitar decisões totalmente desfasadas da realidade em que vivemos actualmente.

w) O facto constitutivo essencial desta causa reporta-se à produção e divulgação dos jogos utilizando a imagem e o nome do Autor, sem sua autorização, mas – ao contrário do referido no recurso interposto – a sua divulgação não se localiza, exclusivamente, em solo norte-americano.

x) Conforme demonstrado, essa divulgação ocorre em todo o mundo e, também, em Portugal, pelo que há, obviamente, uma repercussão do facto danoso, também, em todo o território nacional.

y) Para além disso, a obrigação de reparação, in casu, decorre de um uso indevido de um direito pessoalíssimo, não sendo de exigir - ao menos na componente de dano não patrimonial – a prova da alegação da existência de prejuízo ou dano, porquanto o dano é a própria utilização não autorizada e indevida da imagem.

z) O centro de interesses do Autor, cidadão português, é, também, em Portugal, pelo que estão os Tribunais portugueses melhor posicionados para conhecer do mérito da acção.

aa) E, estando em causa a violação, pela ré, de direitos de personalidade do Autor, com tratamento e protecção constitucional e infraconstitucional, cfr. artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e artigos 70.º e 72.º do Código Civil e sendo arguida pelo Autor, aqui Recorrente, a inconstitucionalidade do artigo 38.º n.º 4 do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre o Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional, por se considerar que o mesmo é ofensivo do conteúdo de um direito fundamental (o já invocado artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa) não se concebe como o poderia o julgamento da causa nestes autos ser atribuído a uma jurisdição estrangeira de um outro país.

bb) Mais se diga ainda que, eventuais, dificuldades de aplicação do critério da materialização do dano não podem por em causa a gravidade da lesão que possa vir a sofrer o titular de um direito de personalidade que constata que um conteúdo ilícito está disponível em qualquer ponto do globo, como sucede no caso concreto.

cc) Não podia, pois, o Tribunal a quo deixar de concluir, in casu, pela verificação dos factores de conexão consagrado nas alíneas a) e b) do artigo 62.º do Código de Processo Civil.

dd) Quanto à alegada interpretação inconstitucional das normas indicadas pela ré no seu recurso, a verdade é que a recorrente não suscita verdadeiramente uma questão de inconstitucionalidade, o que contesta é o critério seguido na decisão recorrida aquando da aplicação do direito aos factos provados, a valoração e subsunção jurídica de um certo quadro factual.

ee) É, pois, por demais evidente que as normas legais em causa não foram interpretadas e aplicadas com o sentido referido pela recorrente.

ff) Resultando à saciedade, face a todo o exposto que, andou bem, aliás, refira-se muito bem, a decisão Tribunal a quo”.

9. Em 6.09.2022 proferiu o Exmo. Desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa despacho com o seguinte teor:

Admite-se o recurso de revista interposto pela Ré, com efeito devolutivo, conforme os termos do que dispõem os artigos 629.º, n.º 2, alínea a) e 671.º, n.º 3, 631.º, n.º 1, 638.º, n.º 1, todos do CPC”.


*


Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), a questão a decidir, in casu, é uma única e é a de saber se os tribunais portugueses são ou não competentes para julgar e decidir o presente caso.


*

II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

No Acórdão recorrido considerou-se que “[a] matéria factual a apreciar consta[va] do relatório(aqui globalmente reproduzido).

O DIREITO

O presente caso respeita a uma acção de responsabilidade civil extracontratual, proposta ao abrigo do artigo 483.º, n.º 1, do CC, com fundamento na violação, por parte da demandada, dos direitos do autor ao nome e à imagem, como jogador de futebol profissional, direitos estes garantidos pelo artigo 26.º, n.º 1, da CRP e consagrados, respectivamente, nos artigos 72.º e 79.º do CC.

O caso integra-se num grupo de casos que, recentemente, têm vindo a solicitar a atenção deste Supremo Tribunal de Justiça, todos respeitantes à responsabilidade civil extracontratual por violação dos direitos de personalidade, como os direitos ao nome, à imagem e à honra, através de meios de exposição globais. Trata-se, designadamente, dos Acórdãos desta 2.ª Secção de 24.05.2022 (Proc. 3853/20.2T8BRG.G1.S1)[1], de 7.06.2022 (Proc. 24974/19.9T8LSB.L1.S1), de 23.06.2022 (Proc. 3239/20.9T8CBR-A.C1.S1)[2], de 29.09.2022 (Proc. 2160/20.5T8PNF.P1.S1)[3] e de 13.10.2022 (Proc. 1014/20.0T8PVZ.P1.S1)[4] e ainda do Acórdão da 1.ª Secção de 7.06.2022 (Proc. 4157/20.6T8STB.E1.S1).

Pela sua patente relevância para a compreensão e a resolução do caso dos autos e com vista a obter uma solução uniforme, à luz do art.º 8.º, n.º 3, do CC, não podem estes arestos deixar de ser ponderados.

Transcreva-se na íntegra a fundamentação do primeiro Acórdão, que constitui a primeira decisão proferida neste âmbito e, portanto, foi marcante para as decisões subsequentes:

1. A questão

Está em discussão neste recurso a competência internacional dos tribunais portugueses para apreciar o mérito da presente ação.

Com a sua propositura, o Autor pretende que a Ré seja condenada apagar-lhe uma indemnização, por violação dos seus direitos de personalidade ao nome e à imagem.

Para tanto, invoca que a Ré, que tem sede no Estado da Califórnia, dos Estados Unidos da América, utiliza, sem a sua autorização, o seu nome e a sua imagem, que inclui as suas características pessoais e profissionais, nos videojogos F... e F..., 2011, 2012, 2013 e 2014, os quais são produzidos pela Ré nos Estados Unidos e comercializados em todo o mundo por empresas “subsidiárias” da Ré (destacando-se na Europa a EZ S... Sarl que assume a responsabilidade pela venda dos produtos perante todos os consumidores não residentes nos Estados Unidos da América, Canadá e Japão), resultando dessa atuação a ofensa do direito ao nome e à imagem do Autor.

Os danos invocados pelo Autor são a exposição do seu nome e da sua imagem sem o recebimento de qualquer contrapartida, a influência negativa que a invenção de atributos físicos e técnicos àquele, nos referidos videojogos, poderá ter na sua vida profissional e pessoal, e os estados psicológicos de perturbação, desgosto, tristeza e revolta que o Autor sentiu ao constatar a utilização não consentida do seu nome e da sua imagem.

A causa de pedir invocada pelo Autor é plurilocalizada, uma vez que tem contactos com diferentes ordenamentos jurídicos. O Autor tem nacionalidade portuguesa e reside em Portugal, a Ré tem a sua sede nos Estados Unidos da América (no Estado da Califórnia), a produção dos jogos ocorreu precisamente nesse local, a difusão comercializada do nome e da imagem do Autor, sem consentimento deste, verificou-se por todo o mundo, e os sentimentos negativos experienciados pelo Autor sucederam nos locais onde ele se encontrava durante todo este período.

O acórdão recorrido, em consonância com anteriores acórdãos das Relações proferidos em ações idênticas, interpostas por outros jogadores de futebol profissional [[5]], decidiu que os tribunais portugueses não são internacionalmente competentes para julgar apresente ação, com o principal argumento de que não se verificaram em território nacional os danos causados pela invocada atuação ilícita da Ré, uma vez que não é o local onde o jogo é vendido ao consumidor final que constitui o elemento relevante para atribuição da competência internacional, mas antes o local onde o referido jogo foi criado e posto em circulação, por ser nesse local que ocorreram os factos constitutivos do direito invocado pelo Autor, incluindo os danos diretos invocados.

2. A competência internacional dos tribunais portugueses

O artigo 37.º, n.º 2, da Lei Orgânica do Sistema Judiciário, incumbe alei de processo de fixar os fatores de que depende a competência internacional dos tribunais judiciais, dispondo o artigo 59.º do Código de Processo Civil que, sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º do mesmo diploma.

O Regulamento Europeu que rege a competência judiciária em matéria cível e comercial é o denominado Regulamento Bruxelas I bis (Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012). Com exceção das ações previstas nos artigos 18.º, n.º 1, 21.º, n.º 2, 24.º e 25.º deste Regulamento, onde não se inclui a presente ação, é condição de aplicabilidade das regras nele contidas que o demandado tenha domicílio num Estado Membro. Se este requisito não se verificar, como sucede na presente ação, dado que a Ré tem a sua sede nos Estados Unidos da América, o referido Regulamento determina que a competência dos tribunais dos Estados Membros seja a definida pelas leis internas destes (artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento Bruxelas I bis).

Como não existe nenhum instrumento internacional que vincule o Estado Português em matéria de competência judiciária aplicável à presente ação, é, portanto, à luz do disposto nos artigos 62.º e 63.º do Código de Processo Civil, por remissão do artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento Bruxelas I, bis, que deve ser determinada a competência dos tribunais portugueses para decidir a presente ação.

No artigo 62.º do Código de Processo Civil são enunciados os três critérios autónomos de atribuição da competência internacional, com origem legal, aos tribunais portugueses – o da coincidência (alínea a), o da causalidade (alínea b) e o da necessidade (alínea c). A escolha destes critérios visou corresponder à exigência de uma tutela efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos, conferindo competência aos tribunais portugueses quando, pela sua proximidade com as partes e com as provas, se encontrem em condições de melhor dirimirem os litígios que necessitam de uma intervenção jurisdicional.

Segundo o critério da coincidência, que recorre a uma técnica legislativa de remissão intrasistemática [[6]], os tribunais portugueses são competentes sempre que a ação possa ser proposta em Portugal, segundo as regras específicas da competência territorial, estabelecidas na lei portuguesa (artigo 70.º e seguintes do Código de Processo Civil),atribuindo-se, assim, a estas regras a funcionalidade suplementar de determinarem a competência internacional dos tribunais portugueses, para além de definirem a competência territorial interna. A ideia que inspira a adoção deste critério é a de que os elementos de conexão utilizados para estabelecer a competência territorial interna traduzem um elo suficientemente forte entre a causa e o Estado português para fundamentar a competência internacional dos seus tribunais.

No presente caso, estamos perante uma ação em que se pretende efetivar a responsabilidade civil extracontratual, pela violação, por ato ilícito, de direitos de personalidade, dispondo o artigo 71.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que se a ação se destinar a efetivar a responsabilidade civil baseada em facto ilícito ou fundada no risco, o tribunal competente é o correspondente ao lugar onde o facto ocorreu.

ALBERTO DOS REIS [[7]] justificou a opção por este critério instrumental, no Código de Processo Civil de 1939, por ser no lugar onde o facto foi praticado que devem encontrar-se as melhores provas da ocorrência e dos danos por ele produzidos. É a proximidade do tribunal com as provas dos factos que integram os diferentes elementos da causa de pedir de uma ação de responsabilidade extracontratual que é determinante da escolha do forum delicti comissi.

No entanto, a aplicação deste critério para aferir a competência territorial interna revela algumas dificuldades e divergências quando a ação ofensiva decorre em local diferente onde se produzem os danos, uma vez que, nesse caso, as provas dos factos que integram a causa de pedir se encontrarão espacialmente dispersas, registando-se opiniões no sentido de que, em caso de dissociação entre o lugar do facto causal e o lugar onde o dano se produziu, o lesado pode propor a ação repetitiva em qualquer um destes lugares [[8]], à semelhança do que ocorre quando a ação se desenvolve plurilocalizadamente, em contraponto composições menos flexíveis que sustentam que, nessas situações, releva apenas o local onde ocorreu o comportamento do agente violador de direitos do lesado [[9]].

Cremos, no entanto, que essas dificuldades não se colocam quando o artigo 71.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, funciona como norma ad quam, das regras definidoras da competência internacional, uma vez que, segundo o critério da causalidade (artigo 62.º, b), do Código de Processo Civil), os tribunais portugueses têm competência para decidir os litígios em que algum dos factos que integram a sua causa de pedir ocorra em território português [[10]]. Sendo o dano um dos elementos essenciais da causa de pedir nas ações de responsabilidade extracontratual, não se pode deixar de admitir que o local onde este se verificou possa conferir competência aos tribunais portugueses para decidirem as ações em que o dano aconteceu em Portugal, uma vez que as provas desse importante elemento da causa de pedir se localizarão em território português, sem prejuízo dessa competência também poder ser determinada pela localização de outros elementos relevantes da causa de pedir [[11]].

No entanto, nestas situações, deve exigir-se, de modo a evitar que a competência determinada por este critério possa ser considerada exorbitante, que esses elementos da causa de pedir traduzam uma conexão suficientemente forte entre o caso e o Estado Português, justificativa da intervenção dos seus tribunais, designadamente que um significativo acervo das provas a produzir presumivelmente se situe em Portugal, numa aplicação da teoria do forum non conveniens [[12]].

É essa, aliás, a leitura que também tem sido feita pelo Tribunal de Justiça da União Europeia das normas gémeas do artigo 7.º, 2), do Regulamento Bruxelas I bis, e dos artigos 5.º, n.º 3, dos anteriores instrumentos legais europeus que tiveram por objeto o estabelecimento de regras comuns de competência judiciária em matéria cível e comercial, a Convenção de Bruxelas, de 27.09.1968, a Convenção de Lugano de 16.09.1988, a Convenção de Lugano II, de 30.10.2007, e o Regulamento n.º 44/2001, do Conselho, de 22.12.2000, tendo, nesses casos, o Tribunal aplicado, com temperança, a regra da ubiquidade [[13]][[14]].

3. A jurisprudência do TJUE

Mas, o Tribunal de Justiça da União Europeia tem também uma importante jurisprudência precisamente em matéria de competência internacional, relativa a ações de responsabilidade civil extracontratual por violações de direitos de personalidade, como os direitos ao nome, à imagem e à honra, através de meios de exposição globais, aplicando o artigo 7.º do Regulamento Bruxelas I bis e as normas que lhe antecederem contidas nos artigos 5.º, n.º 3, da Convenção de Bruxelas, de 27.09.1968, da Convenção de Lugano de 16.09.1988, da Convenção de Lugano II, de 30.10.2007, e do Regulamento n.º 44/2001, do Conselho, de 22.12.2000 [[15]].

O artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento Bruxelas I bis, nas situações em que o demandado não tenha domicílio num Estado-Membro, como ocorre no presente caso, ao determinar uma remissão para as regras do direito processual civil do Estado Membro cujo tribunal é chamado a pronunciar-se, em matéria de competência internacional, sendo estas as normas aplicáveis nessas situações, denuncia que essas regras internas também fazem parte de um mesmo sistema de regras de conflito de competências instituído pelo Regulamento, que se pretende global e coerente [[16]]. Não deixamos, pois, de estar também aqui perante uma remissão intrasistemática, apesar da sua aparência extrasistemática [[17]]. Este convívio, por efeito desta remissão, no nosso ordenamento jurídico das regras de direito europeu sobre a competência internacional dos tribunais dos Estados Membros da União Europeia, incluindo os tribunais portugueses (neste caso, o Regulamento Bruxelas I bis), e as regras do direito processual civil português sobre a mesma matéria, embora com um âmbito de aplicação distinto, exige a preservação da coerência sistémica do nosso ordenamento jurídico. Não só o conteúdo das normas internas sobre competência internacional não devem conduzir a soluções díspares com os princípios que regem o direito europeu nessa matéria, o que tem sido objeto de preocupação do legislador nacional, como a sua interpretação deve ter em consideração a leitura que o Tribunal de Justiça da União Europeia tem efetuado das normas europeias que estabeleçam critérios idênticos às normas de direito interno. A harmonia do ordenamento jurídico pede que critérios idênticos na definição da competência internacional dos tribunais, apesar de provirem de fontes distintas, tenham uma aplicação coincidente, sendo certo que a jurisprudência do TJUE tem um papel fundamental na interpretação do direito europeu.

O TJUE, no Acórdão de 7.03.1995, BB, I... Inc, C... SARL e C... Ltd contra P..., S.A. [[18]], relativamente à propositura de uma ação em que se pedia o pagamento de uma indemnização por difamação cometida através de um artigo publicado no jornal France Soir, à venda em vários países europeus, incluindo Inglaterra, onde a vítima residia, começou por sustentar que a expressão “lugar onde ocorreu o facto danoso”, utilizada no artigo 5.º, n.º 3, da Convenção de Bruxelas de 27.09.1968,deveria ser interpretada no sentido de que a vítima pode intentar uma ação de indemnização contra o editor da publicação difamatória quer nos órgãos jurisdicionais do Estado onde se situa o estabelecimento da editora, quer nos órgãos jurisdicionais de cada Estado em que a publicação foi divulgada e onde a vítima alega ter sofrido um atentado à sua reputação, os quais seriam competentes para conhecer apenas dos danos causados no Estado do tribunal onde a ação foi proposta.

Neste aresto, o Tribunal considerou:

(...)

21. (...) que o lugar do evento causal, do ponto de vista da competência jurisdicional, pode constituir um critério de vinculação não menos significativo do que o critério do lugar onde o dano se materializou, podendo cada um deles, segundo as circunstâncias, revelar-se especialmente útil do ponto de vista da prova e da organização do processo.

(...)

23. Estas considerações, feitas a propósito de danos materiais, devem ser válidas também, pelas mesmas razões, no caso de prejuízos não patrimoniais, nomeadamente os causados à reputação e à consideração de uma pessoa singular ou coletiva por uma publicação difamatória.

(...)

28. O lugar de materialização do prejuízo é o local em que o facto gerador, implicando a responsabilidade extracontratual do seu autor, produziu efeitos danosos em relação à vítima.

29. No caso de uma difamação internacional através da imprensa, o atentado feito por uma publicação difamatória à honra, à reputação e à consideração de uma pessoa singular ou coletiva manifesta-se nos lugares onde a publicação é divulgada, quando a vítima é aí conhecida.

30. Daqui resulta que os órgãos jurisdicionais de cada Estado contratante onde a publicação difamatória foi divulgada e onde a vítima invoca ter sofrido um atentado à sua reputação são competentes para conhecer dos danos causados nesse Estado à reputação da vítima.

31. Com efeito, de acordo com o imperativo de uma boa administração da justiça, fundamento da regra de competência especial do artigo 5., n. 3, o tribunal de cada Estado contratante em que a publicação difamatória foi divulgada e onde a vítima invoca ter sofrido um atentado à sua reputação é territorialmente o mais qualificado para apreciar a difamação cometida nesse Estado e determinar o alcance do prejuízo correspondente.

(...)

No entanto, uns anos volvidos, no importante Acórdão de 25.10.2011,e-Date A... GmbH contra X e CC contra M... Limited [[19]],relativamente à propositura de ações de responsabilidade civil pela publicação em portais noticiosos na Internet de referências à condenação de X pelo homicídio de um conhecido ator e aos encontros amorosos de DD e EE, já se entendeu que o artigo 5.º, ponto 3, do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de2000, deveria ser interpretado no sentido de que, em caso de alegada violação dos direitos de personalidade através de conteúdos colocados em linha num sítio na Internet, a pessoa que se considerar lesada tem a faculdade de intentar uma ação fundada em responsabilidade extracontratual pela totalidade dos danos causados, quer nos órgãos jurisdicionais do Estado-Membro do lugar onde se situa o estabelecimento da pessoa que emitiu esses conteúdos, quer nos órgãos jurisdicionais do Estado-Membro onde se encontra o centro dos interesses do lesado.

Neste aresto, após se transcreverem múltiplas passagens do anterior acórdão BB, I... Inc, C... SARL e C... Ltd contra P..., S.A., acima mencionado, discorre-se nos seguintes termos:

(...)

45. Todavia, como alegaram tanto os órgãos jurisdicionais de reenvio como a maioria das partes e dos interessados que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça, a colocação em linha de conteúdos num sítio na Internet distingue-se da difusão, circunscrita a um território, de um meio de comunicação impresso, na medida em que visa, em princípio, a ubiquidade dos referidos conteúdos. Estes podem ser consultados instantaneamente por um número indefinido de internautas em todo o mundo, independentemente de qualquer intenção da pessoa que os emitiu, relativa à sua consulta para além do seu Estado‑Membro de estabelecimento e fora do seu controlo.

46. Afigura-se, portanto, que a Internet reduz a utilidade do critério relativo à difusão, na medida em que o âmbito da difusão de conteúdos colocados em linha é, em princípio, universal. Além disso, nem sempre é possível, no plano técnico, quantificar essa difusão com certeza e fiabilidade relativamente a um Estado-Membro em particular, nem, por conseguinte, avaliar o dano exclusivamente causado nesse Estado-Membro.

47. As dificuldades de aplicação, no contexto da Internet, do referido critério da materialização do dano decorrente do acórdão BB, já referido, contrastam, como o advogado-geral salientou no n.º 56 das suas conclusões, com a gravidade da lesão que possa vir a sofrer o titular de um direito de personalidade que constata que um conteúdo que viola o referido direito está disponível em qualquer ponto da globo.

48. Há, portanto, que adaptar os critérios de conexão recordados no n.º 42 do presente acórdão no sentido de que a vítima de uma violação de um direito de personalidade através da Internet pode intentar, em função do lugar da materialização do dano causado na União Europeia pela referida violação, uma ação num foro a respeito da integralidade desse dano. Tendo em conta que o impacto de um conteúdo colocado em linha sobre os direitos de personalidade de uma pessoa pode ser mais bem apreciado pelo órgão jurisdicional do lugar onde a pretensa vítima tem o centro dos seus interesses, a atribuição de competência a esse órgão jurisdicional corresponde ao objetivo de boa administração da justiça recordado no n.º 40 do presente acórdão.

49. O lugar onde uma pessoa tem o centro dos seus interesses corresponde em geral à sua residência habitual. Todavia, uma pessoa pode ter o centro dos seus interesses igualmente num Estado-Membro onde não reside habitualmente, na medida em que outros indícios, como o exercício de uma actividade profissional, podem estabelecer a existência de um nexo particularmente estreito com esse Estado.

50. A competência do órgão jurisdicional do lugar onde a pretensa vítima tem o centro dos seus interesses é conforme ao objetivo de previsibilidade das regras de competência (v. acórdão de 12 de Maio de 2011, BVG, C-144/10, ainda não publicado na Coletânea, n.º 33), igualmente a respeito do demandado, dado que a pessoa que emite o conteúdo danoso está, no momento da colocação em linha desse conteúdo, em condições de conhecer os centros de interesses das pessoas que são objeto deste. Deve, portanto, considerar‑se que o critério do centro de interesses permite simultaneamente ao demandante identificar facilmente o órgão jurisdicional a que se pode dirigir e ao demandado prever razoavelmente o órgão jurisdicional no qual pode ser demandado (v. acórdão de 23 de Abril de 2009, FF e ...,C-533/07, Colect., p. I-3327, n.º 22 e jurisprudência referida).

51. Por outro lado, em vez de uma ação fundada em responsabilidade pela totalidade do dano, o critério da materialização do dano decorrente do acórdão BB, já referido, confere competência aos órgãos jurisdicionais de cada Estado-Membro em cujo território um conteúdo colocado em linha esteja ou tenha estado acessível. Estes são competentes para conhecer apenas do dano causado no território do Estado-Membro do órgão jurisdicional em que a ação foi intentada.

(...)

Mais tarde, no Acórdão de 17.10.2017, ... OU e GG contra ... AB [[20]], relativamente à propositura de uma ação de responsabilidade civil pela publicação numa página da Internet de dados incorretos e comentários difamatórios sobre uma sociedade comercial estónia, entendeu-se que o artigo 7.º ponto 2, do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, deveria ser interpretado no sentido de que uma pessoa coletiva que alega que os seus direitos de personalidade foram violados pela publicação de dados incorretos a seu respeito na Internet e pela não supressão de comentários a ela relativos pode intentar uma ação destinada a obter a retificação desses dados, a supressão desses comentários e a reparação da totalidade do dano sofrido nos tribunais do Estado-Membro no qual se situa o seu centro de interesses.

Neste aresto, após se transcreverem múltiplas passagens do acórdão antes mencionado, acrescenta-se:

(...)

32. No contexto específico da Internet, o Tribunal de Justiça declarou, contudo, num processo relativo a uma pessoa singular, que, em caso de alegada violação dos direitos de personalidade através de conteúdos colocados em linha num sítio Internet, a pessoa que se considerar lesada tem a faculdade de intentar uma ação fundada em responsabilidade pela totalidade dos danos causados nos órgãos jurisdicionais do Estado-Membro onde se encontra o centro dos seus interesses (acórdão de 25 de outubro de 2011, eDate Advertising, C-509/09 e C-161/10, EU:C:2011:685, n.º 52).

33. Quanto a esses conteúdos, a alegada violação é, com efeito, geralmente sentida mais intensamente no centro de interesses da pessoa visada, tendo em conta a reputação de que goza nesse local. Assim, o critério do «centro de interesses da vítima» traduz o local onde, em princípio, o dano causado por um conteúdo em linha se materializa, na aceção do artigo 7.º, ponto 2, do Regulamento n.º 1215/2012, de modo mais significativo.

(...)

Finalmente, no recente Acórdão de 21-12-2021, Gtflix Tv contra DR [[21]], relativamente à propositura de uma ação de responsabilidade civil pela publicação em sítios e fóruns Internet de afirmações depreciativas da sociedade Gtflix Tv que se dedica à produção e difusão de conteúdos audiovisuais para adultos, voltou a ser reafirmada a jurisprudência dos acórdãos anteriormente mencionados, com transcrição das suas passagens mais relevantes, pronunciando-se no sentido que a ação indemnizatória poderá sempre ser proposta nos órgãos jurisdicionais de cada Estado-membro onde aquelas afirmações depreciativas tenham estado acessíveis ao público, mesmo que esses órgãos não sejam competentes para conhecer dos pedidos de retificação e supressão desses conteúdos.

4. A aplicação ao caso concreto

Na resolução da questão que é colocada neste recurso, designadamente na aplicação do critério da causalidade constante do artigo 62.º, b), do Código de Processo Civil, iremos seguir de perto a linha definida por esta jurisprudência, não só porque a isso aconselha a preservação da coerência e harmonia do nosso ordenamento jurídico, mas também porque reconhecemos nessa linha um equilíbrio ponderado da valorização dos critérios a adotar na determinação do(s) tribunal(ais)que se encontra(m) em melhores condições para administrar a justiça, numa situação de violação de direitos de personalidade através de meios de divulgação global. Note-se que a valorização do local onde se situa o centro de interesses do lesado, como um dos elementos de conexão que poderá determinar a competência internacional dos tribunais desse país, não significa que se despreze o denominado centro de gravidade do conflito, uma vez que a aplicação daquele critério poderá ser afastada sempre que se verifique que a dimensão dos danos localizados no país do foro é diminuta, não sendo aí que previsivelmente se encontra um número significativo das provas dos factos que fundamentam a pretendida responsabilização.

O facto daquela jurisprudência se debruçar, na maioria das situações, sobre violações de direitos de personalidade, através da Internet, não desaconselha a sua transposição para o presente caso, em que o instrumento da ofensa a esses direitos são videojogos mundialmente comercializados, em larga escala, uma vez que também a exposição dos seus conteúdos se carateriza pela ubiquidade, não tendo uma divulgação circunscrita a um território. Eles são visionados e operados por um número indefinido de jogadores, espalhados por todo o mundo, fora de qualquer controle do seu produtor, pelo que as ponderações efetuadas pelo TJUE, tendo em consideração a divulgação mundial de conteúdos ofensivos dos direitos de personalidade pela Internet, são aplicáveis a este caso.

Relembre-se que, na presente ação, o Autor fundamenta o pedido indemnizatório, por responsabilidade extracontratual, na violação dos seus direitos de personalidade ao nome e à imagem, no facto de um “seu avatar” ser um dos muitos protagonistas dos videojogos mundialmente comercializados F... e F..., 2011, 2012, 2013 e 2014,produzidos pela Ré, sem que tenha dado autorização para que o seu nome e imagem fossem utilizados, invocando como danos a ressarcir a exposição pública não autorizada do seu nome e imagem sem qualquer contrapartida, a influência negativa que a invenção dos seus atributos físicos e técnicos naqueles jogos poderá ter na sua vida profissional e pessoal e os estados psicológicos de perturbação, desgosto, tristeza e revolta que aquela utilização não autorizada lhe provocou. Na versão apresentada na petição inicial, esses videojogos foram produzidos nos Estados Unidos da América (no Estado da Califórnia) e foram e são comercializados e difundidos por todo o mundo por empresas “subsidiárias” da Ré, (destacando-se na Europa a EZ S... Sarl que assume a responsabilidade pela venda dos produtos perante todos os consumidores não residentes nos Estados Unidos da América, Canadá e Japão), tendo o Autor domicílio em Portugal e jogado profissionalmente desde 2003-2004 até aos dias de hoje em clubes portugueses, com exceção das épocas de 2013/2014 e 2014/2015 , em que jogou no ..., na ....

Antes de iniciarmos a verificação da relevância dos diversos elementos de conexão, convém frisar que, consoante já afirmava Manuel de Andrade [[22]], citando o processualista italiano Enrico Redenti, a competência internacional afere-se pelo quid disputatum, isto é, pelos termos como o autor configura a relação jurídica controvertida, e não, pelo que, mais tarde, será o quid decisum.

Conforme já acima tínhamos concluído, dado estarmos perante uma ação com uma causa de pedir complexa, do ponto de vista da competência jurisdicional, nos termos do artigo 62.º, b), do Código de Processo Civil, podem constituir critérios de vinculação quer o lugar do evento causal, quer o lugar onde o dano se materializou, podendo cada um deles, segundo as circunstâncias, revelar-se especialmente útil, do ponto de vista da prova e da organização do processo, para se determinar qual é o tribunal ou tribunais que se encontram em melhores condições para proferir uma decisão de mérito informada.

Relativamente ao lugar onde ocorreu a ação causal do dano, há que terem consideração, que a ação violadora do direito ao nome e à imagem, através de um conteúdo divulgado de forma difusa por todo o mundo, compreende não só a produção dos videojogos em causa, processo em que se inclui o nome e se representa a imagem num determinado suporte físico ou digital, mas também a sua exposição pública através da comercialização mundial generalizada desses suportes [[23]]. Apesar de na petição inicial se dizer que essa comercialização era efetuada por empresas “subsidiárias” da Ré, designadamente por EZ S... Sarl, que assumiu a responsabilidade pela venda dos produtos perante todos os consumidores não residentes nos Estados Unidos da América, Canadá e Japão, não deixa o Autor de imputar a divulgação pública apenas à Ré, responsabilizando-a por todos os danos resultantes desses atos. Não devendo, neste momento, efetuar-se qualquer juízo sobre a imputabilidade da ação ilícita alegada pelo Autor para dele retirar a competência do tribunal, há que apenas relevar a perspetiva do Autor, apresentada na petição inicial, de que a Ré é a responsável pela produção, lançamento no mercado e divulgação por todo o mundo dos videojogos F... e F....

Assim, a ação causal imputada à Ré, pelo Autor, nesta ação, ocorre inicialmente nos Estados Unidos da América (a produção dos videojogos) e desenvolve-se, posteriormente, em todo o mundo (a comercialização dos videojogos), uma vez que a lesão deste tipo de bens de personalidade ocorre com a divulgação pública não autorizada do nome e da imagem do lesado [[24]].

Coisa diferente da lesão destes direitos de personalidade, são os danos que dela terão resultado na versão apresentada pelo Autor. Se a ação lesiva dos direitos do Autor se inicia, mas não se completa com a produção dos videojogos contendo o nome e a imagem do Autor sem seu consentimento, já, os danos, ou seja as consequência negativas para o lesado que resultaram dessa ação causal poderão ou não ocorrer no mesmo lugar em que essa ação teve lugar [[25]]. É sobretudo neste ponto que nos afastamos da tese do acórdão recorrido e dos demais acórdãos da Relação acima referenciados na nota 1. Os danos na ofensa aos direitos de personalidade ao nome à imagem são realidades distintas do ato lesivo e claramente diferenciadas quando este é apenas resumido à atividade criadora do suporte que contém o conteúdo lesivo, não se considerando a atividade de divulgação púbica generalizada.

Quanto ao lugar onde os danos invocados pelo Autor se verificaram, revelando-se uma tarefa impossível avaliar com certeza e fiabilidade os danos causados em cada um dos países onde o conteúdo que utilizava o seu nome e imagem foi exposto, deve seguir-se o critério apontado pela jurisprudência do TJUE, segundo o qual, em princípio, o impacto da violação dos direitos de personalidade que ocorrem nestas circunstâncias verifica-se predominantemente no Estado onde a vítima tem o seu centro de interesses, aí se encontrando a maioria das provas dos prejuízos sofridos, pelo que a atribuição de competência aos tribunais desse país para apreciar a integralidade dos prejuízos sofridos satisfaz o objetivo da boa administração da justiça.

Nos casos em que os danos se prolongam no tempo e o centro de interesses do lesado vai variando ao longo desse tempo, localizando-se em diferentes Estados, a ação em que se reclame o pagamento de uma indemnização desses danos poderá ser intentada em qualquer uma das jurisdições desses Estados, desde que se verifique um elo suficientemente forte entre a causa e o foro escolhido para fundamentara competência internacional dos seus tribunais, evitando-se, com esta restrição, os inconvenientes do denominado forum shopping.

Na presente ação, durante os anos em que o Autor situa a violação do direito ao seu nome e imagem (desde finais de 2009, pelo F... e finais de 2018, pelo F...), com exceção das épocas desportivas de 2013/2014 e2014/2015, que o Autor jogou numa equipa romena, o seu centro de interesses localizava-se em Portugal, uma vez que foi aí que o Autor praticou, profissionalmente, a sua atividade desportiva.

Esta localização presumida dos danos pelos quais o Autor responsabiliza a Ré é confirmada pelo tipo de danos diretos, e não meramente reflexos, alegados na petição inicial. Foi em Portugal que a utilização do seu nome e imagem poderá ter influído na comercialização dos referidos videojogos, uma vez que foi, predominantemente, nas competições desportivas portuguesas que o Autor interveio como jogador profissional; foi em Portugal que se poderá ter refletido a influência negativa provocada pela invenção dos seus atributos físicos e técnicos naqueles videojogos, prejudicando a sua vida profissional e pessoal, uma vez que foi aí que o Autor, predominantemente, desenvolveu a sua atividade profissional e viveu; e foi em Portugal que o Autor poderá ter experienciado a alegada perturbação, desgosto, tristeza e revolta que a utilização do seu nome e imagem não autorizada lhe terão provocado, pois foi aí que o Autor, com exceção das épocas de 2013/2014 e 2014/2015, se encontrava.

Estando o centro de interesses do Autor predominantemente localizado em Portugal desde o momento em que este situa o início da violação dos seus direitos de personalidade ao nome e à imagem (finais de 2009,relativamente ao F... e finais de 2018, relativamente ao F...), tendo sido aí que terão ocorrido os danos invocados pelo Autor, não há razões para que, a coberto do critério da causalidade admitido pelo artigo 62.º, b),do Código de Processo Civil, não se considerem os tribunais portugueses competentes para julgar esta ação, uma vez que, estando nós, perante uma causa de pedir complexa, os danos alegados terão ocorrido predominantemente em Portugal, pelo que será no nosso país que se encontrará um significativo acervo das provas a produzir com vista à realização da justiça.

Esta conclusão não constitui de forma alguma o reconhecimento de uma competência exorbitante, uma vez que releva uma conexão suficientemente forte entre o caso e o Estado Português, justificativa da intervenção dos seus tribunais, assim como não fere qualquer interesse legítimo da empresa demandada, uma vez que, atenta a comercialização global dos videojogos por si produzidos, é expetável que possam ocorrer litígios com eles relacionados em qualquer parte do globo, em que sejam chamados a intervir os órgãos jurisdicionais locais, além de que a sua estrutura organizacional, atenta a sua dimensão, sempre lhe permitirá, sem excessivas dificuldades, produziras provas que entenda necessárias em Portugal.

Por estas razões, deve o recurso interposto ser acolhido, reconhecendo-se competência aos tribunais portugueses para julgarem a presenteação, nos termos do artigo 62.º, b), do Código de Processo Civil”.

Subscreve-se aqui, sem reservas, a orientação fixada neste aresto, que foi também seguida nos Acórdãos subsequentes deste Supremo Tribunal já mencionados.

Deste iluminador percurso retira-se, em fórmula simplificada, a seguinte conclusão: à luz do critério da causalidade consagrado no artigo 62.º, al. b), do CPC, os tribunais portugueses serão internacionalmente competentes para conhecer o mérito de uma acção de responsabilidade civil extracontratual, por violação de direitos de personalidade através de conteúdos difundidos globalmente, se, durante o período em que ocorrem os danos, o centro de interesses do lesado se situar em Portugal ou, tendo o centro de interesses do lesado variado, existir um elo suficientemente forte entre o lesado e Portugal.

Este é a consequência da aplicação das disposições da lei portuguesa sobre competência internacional.

Convoque-se, para começar, o artigo 37.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), onde se diz:

1 - Na ordem jurídica interna, a competência reparte-se pelos tribunais judiciais segundo a matéria, o valor, a hierarquia e o território.

2 - A lei de processo fixa os fatores de que depende a competência internacional dos tribunais judiciais”.

A abrir a disciplina da competência e regulando a competência internacional, o artigo 59.º do CPC prescreve:

Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º”.

Não é possível aplicar o Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12.12.2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial [conhecido como “Regulamento Bruxelas I bis” ou “Regulamento Bruxelas I (reformulado)”], porquanto nem a requerida tem o seu domicílio num Estado-membro (a sua sede localiza-se no Estado da Califórnia, nos Estados Unidos da América) nem a presente acção se enquadra no grupo de acções ressalvadas na norma, ou seja, as acções previstas nos artigos 18.º, n.º 1, 21.º, n.º 2, 24.º e 25.º do Regulamento.

A questão sobre a competência dos tribunais portugueses tem de encontrar-se, portanto, com exclusivo recurso à lei nacional, conforme se prevê no artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento (UE) n.º 1215/2012.

Recorrendo ao artigo 62.º do CPC, é possível identificar os três factores de atribuição de competência internacional. Determina-se nesta norma:

Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:

a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;

b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram;

c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real”.

O primeiro critério [cfr. al. a)] é o chamado “critério da coincidência” com as regras de competência territorial estabelecida na lei portuguesa. Quer dizer: os tribunais portugueses são competentes sempre que a acção possa ser proposta em Portugal, segundo as regras específicas da competência territorial estabelecidas na lei portuguesa (artigo 70.º e s. do CPC).

O segundo critério [cfr. al. b)] é o chamado “critério da causalidade”, segundo o qual os tribunais portugueses são competentes desde que o facto que serve de causa de pedir na acção ou algum dos factos que a fundamenta tenha ocorrido em território português.

O terceiro e último critério [cfr. al. c)] é o chamado “critério da necessidade”, aplicável quando o direito invocado não se possa efectivar senão mediante acção proposta em território português ou que se verifique, em relação ao autor, dificuldade considerável em propor a acção no estrangeiro, posto que ocorra um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real, entre o objecto do litígio e a ordem jurídica portuguesa.

Sendo a presente uma acção de responsabilidade civil, poderia pensar-se em resolver a questão por aplicação do critério da coincidência e com apelo ao artigo 71.º, n.º 2, CPC, onde, sob o título “Competência para o cumprimento da obrigação”), se dispõe:

Se a ação se destinar a efetivar a responsabilidade civil baseada em facto ilícito ou fundada no risco, o tribunal competente é o correspondente ao lugar onde o facto ocorreu”.

Existem casos, porém, que existe uma dissociação entre o local do facto lesivo e o local dos danos e, acima de tudo, em que o alegado facto lesivo não ocorre em território português.

Nem por isso tem de ficar precludida a competência dos tribunais nacionais.

Nesta hipótese, sem abandonar completamente o critério da coincidência, há que atribuir papel central ao critério da causalidade [cfr. artigo 62.º, al. b), do CPC].

Como se disse, segundo este critério, é possível considerar os tribunais portugueses competentes quando algum dos factos que integram a causa de pedir ocorre em território português. Sendo o dano, nas acções de responsabilidade civil, um dos elementos essenciais da causa de pedir, os tribunais portugueses são competentes se puder considerar-se que o dano ocorreu em Portugal.

É evidente que, estando em causa fenómenos como o presente, de natureza virtual, com repercussões nos direitos ao nome e à imagem plurilocalizadas ou espacialmente dispersas (i.e., com contactos com várias ordens jurídicas), para poder considerar-se que os danos ocorreram em Portugal, o lesado deve ter, durante o período relevante, uma conexão ostensiva e sólida com Portugal, o que, por excelência, se verifica quando é em Portugal que se localiza o seu centro de interesses.

Esclarecido e enunciado o critério que deve orientar a presente decisão, é tempo de decidir, cumprindo, desde logo, compulsar a p.i. e elencar os factos alegados, em concreto, pelo autor, integradores da causa de pedir.

No que toca aos factos relativos à ré e à sua conduta não se encontram particularidades significativas relativamente ao que é alegado no Acórdão de 24.05.2022 e, aliás, tem sido alegado pelos diversos autores na generalidade dos casos já decididos neste Supremo Tribunal (a ré é a mesma em todos eles).

Quanto aos factos respeitantes à situação do autor, há que ter em conta, em especial, o seguinte:

3.º O Autor é um jogador de futebol Português, nascido a .../.../1991 em ..., Portugal.

4.º Actualmente representa o clube inglês, R....

5.º O Autor mantém já uma longa carreira como jogador de futebol profissional, sobejamente conhecido no meio do futebol, tendo exercido a sua profissão em clubes portugueses e também em clubes estrangeiros de dimensão internacional, dedicando-se inteiramente à prática desportiva do futebol, com a qual sempre se sustentou a si e à sua família.

(…)

7.º Cabe mencionar que o Autor actuou em dezenas de partidas oficiais como profissional e sempre se destacou na posição de ..., como é conhecido internacionalmente, tendo actuado no Clube ...” (Portugal), Sport ... (Portugal), ... (Portugal), ... (França), R... (Inglaterra), entre outros, algo detalhado em pormenor, tal como as competições em que participou e o seu palmarés, em páginas de internet da especialidade, demonstrando a notoriedade do Autor, representadas no Documento 1.

8.º O Autor actuou pela Selecção Nacional de Futebol de Portugal, na categoria sub-18, sub-19, sub-20 e sub-21, assim como pela principal Selecção Nacional de Futebol ..., alcançando, também desta forma, bastante notoriedade internacional. (idem cfr. Doc. 1)

9.º Conforme resulta, também, desse Doc. 1, o Autor esteve vinculado aos seguintes clubes nas seguintes épocas:

2019/20                - ... - ...

- ... - ...

2018/19                 - ... - ...

- ... - ...

- ... [B] - ...

2017/18                 - ...

2016/17                 - ...

2015/16                 - ...

2014/15                 - ...

2013/14                 - ...

2012/13                 - ... - ...

2011/12              - ... [S20] - ...

2010/11                 - ...

2009/10                 - ...

2008/09                 - ...

- ... [Jun.A ...]

2007/08                 - ... [Jun.B S17]

2006/07                 - ... [Jun.B S17]

10.º O Autor teve conhecimento que a sua imagem, o seu nome e as suas características pessoais e profissionais foram e continuam a ser utilizados nos jogos denominados FIFA (também com as designações FIFA Football ou FIFA Soccer), nas edições 2010, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020; FIFA MANAGER FIFA (também com a designações Total Club Manager), nas edições 2011, 2012 e 2014; FIFA ULTIMATE TEAM – FUT nas edições 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019 e 2020; FIFA MOBILE nas edições de 2018, 2019 e 2020, todos propriedade da Ré.

(…)

102.º Dessa forma, a Ré, agiu (e age) ilegalmente ao explorar a imagem e nome do Autor, atleta famoso, ao comercializar os jogos para consolas (aparelho de jogos de vídeo), ou aplicativos, actualizações, etc. em todo o mundo, obtendo lucros astronómicos com a venda dos mesmos.

103.º Estamos, pois, perante um dano causado ao Autor, pela violação do seu direito à imagem e ao nome.

(…)

181.º Por outro lado, o Autor viu a sua imagem corporal ser retratada, o seu nome e as suas características físicas e pessoais, serem divulgados sem o seu consentimento, em milhões de jogos comercializados pela Ré[26].

Estes factos, expressamente alegados na p.i. e ilustrados através dos documentos juntos (cfr., entre outros, Doc. 1), permitem formar uma ideia clara relativamente ao que está em causa de modo a e para o efeito de estabelecer uma ligação entre o autor, AA, jogador profissional de futebol, e o tribunal por ele escolhido para propor a acção.

Saliente-se, desde logo, que o que se trata é de considerar os factos alegados na p.i. para o efeito – o estrito efeito – de aferir a competência do tribunal[27]. Não tem, pois, razão de ser o receio expressado pela ré de que sejam considerados factos não referidos na p.i. nem que sejam efectuados juízos presuntivos [cfr., entre outras, conclusões c) a f) ff), rr), xx), yy), zz), aaa), bbb), qqq) e rrr) das alegações], que, eventualmente, conduzissem à interpretação inconstitucional de alguma norma [cfr., em especial, conclusões qqq) e rrr) das alegações].

Quanto à conclusão que é possível retirar dos factos alegados, ela é, em suma, a de que, no período de ocorrência dos danos, o centro de interesses do autor se situava em Portugal.

De facto, se é verdade que os locais em que o autor exerceu a sua actividade profissional se foram sucedendo no tempo (Portugal, Itália, Ucrânia, Portugal, Mónaco, Inglaterra, Mónaco, Inglaterra), é visível uma conexão forte – mais: uma conexão dominante ou prevalecente – com o território nacional: o autor cumpriu, na totalidade do período por ele indicado na p.i., dez épocas em Portugal contra, no máximo, uma ou duas épocas em qualquer dos outros países e, tendo em conta o período alegadamente relevante (2009 a 2020, conforme os artigos 24.º e 153.º da p.i), sete épocas em Portugal contra, no máximo, uma ou duas épocas em qualquer dos outros países.

Situando-se o centro de interesses do autor em Portugal, é aqui que, mais intensamente do que em qualquer outro local do globo, ele sente os efeitos do alegado facto lesivo sobre os seus direitos de personalidade e que ele tem, em princípio, as melhores condições para produzir a prova necessária.

A competência dos tribunais portugueses, em razão da nacionalidade, para apreciar e julgar a presente acção surge, assim, plenamente justificada.

Confirma-se, assim, o acerto do Acórdão ora impugnado e a absoluta ausência das alegadas ilegalidades e inconstitucionalidades [cfr., em particular conclusão b) das alegações].

Fica ainda definitivamente afastada a decisão do Tribunal de 1.ª instância. Recorde-se que este havia rejeitado a competência dos tribunais portugueses com fundamento em que os danos não tinham ocorrido em Portugal, porque os jogos haviam sido criados, produzidos e desenvolvidos fora de Portugal.

Pode ler-se na parte relevante da fundamentação da sentença:

No que respeita à al. [b)], importa aferir se foi praticado em Portugal algum facto em território português constitutivo da causa de pedir.

Afigura-se-nos que a produção dos jogos por parte da Ré ocorre nos Estados Unidos da América, não sendo alegado que a Ré vende os jogos que produz em Portugal. Por sua vez, a ocorrência dos danos é invocada de forma genérica e conclusiva, pelo que o nexo entre a atuação da Ré e tais danos ou a culpa da Ré também não têm ligação direta ao território nacional, sendo a nacionalidade um elemento irrelevante em termos de fator atributivo de competência”.

Sucede, porém, que, como resulta do atrás exposto, o dano, enquanto elemento integrador da causa de pedir, não é “consumido” pelo facto danoso e nem as localizações de ambos têm de coincidir. Bem interpretada a norma do artigo 62.º, al. b), do CPC, o critério da causalidade permite que, nos casos de alegada lesão plurilocalizada ou dispersa dos direitos ao nome e à imagem, a competência dos tribunais seja determinada de acordo com o centro de interesses do lesado no período da lesão. Por outras palavras: o local da materialização do dano resultante da violação dos direitos de personalidade através de meios de divulgação global, nomeadamente por meios audiovisuais, corresponderá, em princípio, ao local em que se situar o centro de interesses do lesado.

Diga-se, a terminar, que não se justificam as preocupações da ré quanto à (in)aplicabilidade do Direito europeu ao caso dos autos [cfr., genericamente, conclusões g) a p) das alegações]. Conforme já exposto, não se trata de aplicar directa ou sequer analogicamente a legislação europeia mas apenas de convocar a legislação europeia e a jurisprudência sobre ela desenvolvida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) enquanto quadro de referência e de orientação para a interpretação das normas aplicáveis do Direito português. Parafraseando o Acórdão desta 2.ª Secção de 29.09.2022 (Proc. 2160/20.5T8PNF.P1.S1), “[n]ão é que esta legislação e correlativa jurisprudência europeia tenham aplicação ao caso dos autos, mas são aqui pertinentes pela sua influência na interpretação e aplicação coerente das normas do direito interno, conforme o já acima salientado, e ademais pelo cunho inovatório com que têm contribuído para o tratamento judicial de uma realidade emergente e renovada como é a violação dos direitos de personalidade através das plataformas audiovisuais”.

Transcreve-se ainda o sumário deste Acórdão, que sintetiza excepcionalmente bem o percurso que aqui se trilhou:

 1. A especificidade do dano resultante da violação dos direitos de personalidade através de meios de divulgação global tem levado a uma configuração desse tipo de dano e à determinação da sua localização ajustadas aos novos meios tecnológicos através dos quais se propagam os efeitos lesivos potenciados pelos comportamentos ilícitos e veiculados em dimensões virtuais até se materializarem onde podem ser concretamente verificados e mais facilmente provados.

2. Dado que tais efeitos danosos assim veiculados se difundem e dispersam pelo ciberespaço planetário, tendendo para a ubiquidade, sem uma projeção circunscrita a determinado território, tem sido considerado como relevante atentar no centro de interesses do lesado como local da sua materialização, onde ele, em regra, disporá dos meios de prova destinados demonstrar o impacto desses efeitos danosos na sua personalidade e para a sua condição de vida.

3. Daí decorre uma relevante conexão entre o centro de interesses do lesado e o órgão jurisdicional mais vocacionado para dirimir o litígio, como fator de atribuição de competência internacional, seja em sede do critério da causalidade constante da alínea b) do artigo 62.º do CPC, seja ainda em sede do critério da coincidência estabelecido na alínea a) daquele artigo com referência ao n.º 2 do artigo 71.º do mesmo diploma.

4. A alegação pelo autor de um facto ilícito complexo suscetível de relevar juridicamente na parte tida como ocorrida em Portugal – a divulgação e comercialização dos videojogos - imputada à ré, a título de “ilicitude causal”, traduz-se num facto essencial integrador da causa de pedir que serve de base à pretensão deduzida, assim contemplado para efeitos de determinação da competência internacional do tribunal da causa ao abrigo da alínea b) do artigo 62.º do CPC.

5. Nos casos de invocada violação dos direitos de personalidade do autor através da divulgação e comercialização de videojogos, imputada à ré, a repercussão dessa violação na carreira profissional daquele e na sua vida pessoal, alegadamente, ocorrida em Portugal, traduz um elo de conexão suficientemente forte entre o objeto da causa e a ordem jurídica portuguesa que justifica a atribuição de competência em razão da nacionalidade aos tribunais nacionais para conhecer do litígio nos termos da alínea b) do artigo 62.º do CPC e que não afeta os interesses legítimos da ré se for demandada em litígios similares perante jurisdições estrangeiras.

6. Na aferição do pressuposto da competência, não cabe fazer qualquer apreciação sobre o mérito da causa nem tão pouco sobre a suficiência/insuficiência do alegado, mas apenas atentar nos contornos factuais e jurídicos da pretensão deduzida na estrita medida do necessário para aferir o pressuposto da competência em causa.

7. Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes, nos termos da alínea b) do artigo 62.º do CPC, para julgar uma causa em que um jogador de futebol profissional que exerceu a sua atividade, predominantemente, em Portugal pede uma indemnização pelos danos causados com a utilização, não consentida, do seu nome e imagem em videojogos da FIFA produzidos nos EUA, mas divulgados e comercializados por todo o mundo, incluindo em Portugal”.


*

III. DECISÃO

Pelo exposto, nega-se provimento à revista, confirmando-se o Acórdão recorrido e decidindo-se julgar o tribunal da causa competente, em razão da nacionalidade, para conhecer do litígio e determinar o prosseguimento do processo.


*

Custas nesta revista e na precedente apelação pela ré.

Custas na acção pela parte vencida a final.


*

Lisboa, 10 de Novembro de 2022

Catarina Serra (Relatora)

Rijo Ferreira

Cura Mariano

_____

[1] Relatado pelo ora 2.º Adjunto.
[2] Subscrito pela ora Relatora enquanto 1.ª Adjunta e pelo ora 1.º Adjunto enquanto 2.º Adjunto.
[3] Subscrito pela ora Relatora enquanto 2.ª Adjunta.
[4] Relatado pelo ora 2.º Adjunto.
[5] Acórdãos da Relação de Coimbra de 26.10.2021, Proc. 3239/20 (Rel. Cristina Neves), e de08.03.2022, Proc. 4167/20 (Rel. Pires Robalo), da Relação de Lisboa de 13.01.2022, Proc.24974/19 (Rel. António Valente), da Relação do Porto de 10.02.2022, Processo 637/20 (Rel. Deolinda Varão), e da Relação de Évora de 24.02.2022, Proc. 4157/20 (Rel. José António Moita), de 08.03.2022.
[6] DÁRIO MOURA VICENTE, A Competência Internacional no Código de Processo Civil Revisto, em “Aspectos do Novo Código de Processo Civil”, LEX, 1997, pág. 84, e LUÍS LIMA PINHEIRO, Direito Internacional Privado, vol. III, tomo 1, 3.ª ed., 2019, Almedina, pág. 337, nota1334. Sustentando a inutilidade deste critério, face à dupla funcionalidade das normas de competência territorial, num alinhamento com o sistema alemão, MIGUEL TEIXEIRA DESOUSA, A Competência e a Incompetência nos Tribunais Comuns, 3.ª ed., AAFDL, 1990, pág. 54,Apreciação de Alguns Aspectos da Revisão do Processo Civil – Projecto, na Revista da Ordem dos Advogados 55 (1995), pág. 367 e seg., e em Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2.ª ed., LEX,1997, pág. 99-100.
[7] Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 1º, 2.ª ed., Coimbra Editora, 1960, pág. 195.
[8] Vg. REMÉDIO MARQUES, A Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 3.ª ed., Coimbra Editora, 2011, pág. 336.
[9] V.g. ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA, PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, Almedina, 2018, vol. I, pág. 102.
[10] O aditamento da parte final da redação deste artigo, conferindo competência aos tribunais portugueses quando apenas alguns dos factos que integram a causa de pedir ocorram em território português, foi efetuado pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, que reviu o Código de Processo Civil de 1961, consagrando a orientação jurisprudencial e doutrinal que vinha sendo seguida nesse sentido (v.g. ALBERTO DOS REIS, ob. cit., pág. 136-137, BAPTISTA MACHADO, La Competence Internationale em Droit Portugais, no Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. 41 (1965), pág. 101, ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declarativo, vol. II, Almedina, 1982, pág. 26-29, e o Assento do S.T.J. n.º 6/94,de 17.02.1994, pub. no D.R. de 30.03.1994), tendo este critério sido reposto pelo Código de Processo Civil de 2013, após a Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto, o ter suprimido do artigo 65.º do Código de Processo Civil de 1961, com fundadas críticas da doutrina (v.g. LEBRE DE FREITAS, Competência ou Incompetência Internacional dos Tribunais Portugueses ?, na Revista da Ordem dos Advogados, Ano 69, vol. I/II.
[11] LUÍS LIMA PINHEIRO, ob. cit., pág. 348-349, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o Novo Processo Civil, cit., pág. 119, RITA LOBO XAVIER, Elementos de Direito Processual Civil. Teoria Geral. Princípios. Pressupostos, 2.ª ed., Universidade Católica Editora, pág. 215, nota 31, e LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., Almedina, 2018, pág. 155-156. Sobre as vantagens da aplicação do critério da causalidade nas causas de pedir complexas, como sucede nas ações de responsabilidade civil extracontratual, com exemplos elucidativos, LEBRE DE FREITAS, est. cit.
[12] Sobre esta modelação restritiva do princípio da causalidade, FERRER CORREIA, Lições de Direito Internacional Privado, Almedina, 2018, pág. 444-445, RUI MOURA RAMOS, A Reformado Direito Processual Civil Internacional, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 130, n.º3879, pág. 167-168, LUÍS LIMA PINHEIRO, ob. cit., pág. 348-349, RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 204, Almedina, 2018, e JOÃO DE CASTRO MENDES e MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Manual de Processo Civil, AAFDDL, 2022, vol. I, pág. 279.
[13] Sobre essa jurisprudência, RUI MOURA RAMOS, Le Droit International Privé Communautaire des Obligations Extracontractuelles, em “Estudos de Direito Internacional Privado e de Direito Processual Civil Internacional”, vol. II, Coimbra Editora, 2007, pág. 80 e seg., LUÍS LIMA PINHEIRO, ob. cit., pág. 131, JOÃO DE CASTRO MENDES e MIGUELTEIXEIRA DE SOUSA, ob. cit., pág. 191-193, ISABEL ALEXANDRE, Direito Processual Civil Internacional I, AAFDL, 2021, pág. 203-204, e JOANA COVELO DE ABREU, Tribunais Nacionais e Tutela Jurisdicional Efetiva. Da Cooperação à Integração Judiciária no Contencioso da União Europeia, Almedina, 2019, pág. 143-144.
[14] Sobre a “rule of ubiquity”, na aplicação do artigo 7.º do Regulamento Bruxelas I bis, THOMAS KADNER GRAZIANO, The Law Applicable to Cross-Border Damage to the Environment, Yearbook of Private Law, 2008, vol. 2007, pág. 74-76.
[15] Sobre esta jurisprudência, LUÍS LIMA PINHEIRO, ob. cit., pág. 132-133, ALEXANDREDIAS PEREIRA, O Tribunal Competente em Casos da Internet Segundo o Acórdão «edateadvertising» do Tribunal de Justiça da União Europeia, Revista Jurídica Portucalense, n.º 16,2014, pág. 3-10, e JOÃO CASTRO MENDES, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, ob. cit., pág.191-193. Efetuando uma leitura crítica desta Jurisprudência, ELSA OLIVEIRA DIAS, Do Tribunal Competente Para Apreciar Litígios Relativos a Responsabilidade Extracontratual Decorrente da Violação de Direitos de Personalidade, Revista do CEJ, 1.º semestre 2016, n.º 1, que, aderindo à posição do Advogado Geral no processo eDate/Martinez, defende a relevância do local onde se localize o centro de gravidade do conflito entre os bens e os interesses em jogo, convocando a globalidade da situação para determinar a competência do Tribunal.
[16] Neste sentido o Parecer 1/03 do TJUE, de 07.02.2006, § 148.
[17] Sobre estes dois tipos de remissão, BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 2021 (reimpressão), pág. 105-108.
[18] Processo C-68/93, EU:C:1995:61.
[19] Processos apensos C-509/09 e C161/10, EU:C:2011:685.
[20] Processo C-194/16, EU:C:2017:766.
[21] Processo C-251/2020, EU:C:2021:1036.
[22] Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1956, pág. 88-89.
[23] Neste sentido, ELSA DIAS OLIVEIRA, Da Responsabilidade Civil Extracontratual por Violação de Direitos de Personalidade em Direito Internacional Privado, Almedina, 2011, pág.400-409.
[24] ELSA DIAS OLIVEIRA, ob. cit., pág. 405-407.
[25] ELSA DIAS OLIVEIRA, ob. e loc. cit., pág. 407-410, sobre a distinção entre o lugar da lesão e o lugar dos danos destes direitos de personalidade.
[26] Sublinhados nossos.
[27] Insiste-se neste esclarecimento, recorrendo às palavras do Acórdão desta 2.ª Secção de 29.09.2022 (Proc. 2160/20.5T8PNF.P1.S1): “em sede de aferição do pressuposto da competência, não cabe fazer qualquer apreciação sobre o mérito da causa nem tão pouco sobre a suficiência/ insuficiência do alegado. Apenas cabe atentar nos contornos factuais e jurídicos da pretensão deduzida na estrita medida do necessário para aferir o pressuposto da competência em causa. Nessa conformidade, o factualismo retratado na petição inicial, sem envolvência de qualquer ilação presuntiva, e a perspetiva jurídica sobre aquele delineada pelo A., em vista do efeito-prático jurídico pretendido, configuram um facto ilícito de violação dos seus direitos de personalidade, nas vertentes dos direitos à sua imagem e nome, pretensamente ocorrido em Portugal, pelo menos na parte imputada à R., no sentido de que, por via dos comportamentos descritos, deu causa, ab initio, à subsequente divulgação e comercialização dos videojogos em Portugal. Assim, a versão do A., no que nos é dado interpretá-la, é de que o facto ilícito em causa imputado à R. se iniciou com a produção dos videojogos nos EUA, mas só se completou com a sua divulgação e comercialização, nomeadamente em Portugal, considerando a mesma R. responsável por estas ao introduzir esses suportes digitais no mercado mundial. É isto quanto basta para estarmos perante a alegação de um facto ilícito complexo suscetível de relevar juridicamente na parte tida como ocorrida em Portugal – a divulgação e comercialização dos videojogos - imputada à R., a título de “ilicitude causal”, o que, em tal medida, se traduz num facto essencial integrador da causa de pedir que serve de base à pretensão deduzida, assim contemplado para efeitos de determinação da competência inter-nacional do tribunal da causa ao abrigo da alínea b) do artigo 62.º do CPC. Desconsiderar essa imputação do A., tendo a R. por juridicamente alheia à referida divulgação e comercialização, ou ajuizar sobre a insuficiência do alegado em abono de tal imputação, como sustenta a Recorrida, representaria uma intromissão inoportuna e indevida no mérito da causa”.