Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
309/11.8TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS
Descritores: CONTRATO DE SWAP
JOGO E APOSTA
NULIDADE DO CONTRATO
Data do Acordão: 02/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO BANCÁRIO - DIREITO INSTITUCIONAL / SISTEMA FINANCEIRO EUROPEU / INSTRUMENTOS FINANCEIROS.
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL.
DIREITO DOS VALORES MOBILIÁRIOS - ÂMBITO DE APLICAÇÃO / INTERMEDIAÇÃO.
Doutrina:
- Alistair Hudson, “Swaps and Wagering Contracts”, in The Kings College Law Journal, 6.º, 1995-1996, 129 ss..
- António Pereira de Almeida, “Instrumentos financeiros: os swaps”, in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, 2011, II, 37ss..
- António Vitorino, “Estudo sobre permuta de divisas e de taxas de juro (“swaps”)”, in Revista da Banca, 40.ª – Out – Dez. 1996.
- Calvão da Silva, “Swap de taxa de juro: a sua legalidade e autonomia e inaplicabilidade da excepção do jogo e aposta”, in R.L.J, n.º 3979, Maio-Abril, 2013, 261, 262, 263.
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- Carlos Mota Pinto, António Pinto Monteiro e Calvão da Silva, Jogo e Aposta – Subsídios de Fundamentação Histórico-Jurídica.
- David Megle, ISDA Head of Research, “Economic Role of Speculation”, in ISDA, Research Notes, 2.º, 2010.
- João Cantiga Esteves, “Contratos de swap revisitados”, in Cadernos do Mercado dos Valores Mobiliários, 44.ª, Abril 2013, 71 e ss..
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- Pires de Lima e A. Varela, “Código Civil” Anotado, II, 3.ª ed. 852.
- Rui Pinto Duarte “O Jogo e o Direito”, in Themis, 3, 75 e 76.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 280.º, N.º1, 398.º, N.º2, 1245.º, 1247.º.
CÓDIGO COMERCIAL (CCOM): - ARTIGO 3.º.
CÓDIGO DE VALORES MOBILIÁRIOS (CVM): - ARTIGOS 2.º N.º 1, ALÍNEA C) A F), 289.º, N.º 1, ALÍNEA A), 295.º N.º 1.
DECRETO-LEI N.º 422/89, DE 2 DE DEZEMBRO, ALTERADO PELO DECRETO-LEI N.º 268/92, DE 28 DE NOVEMBRO.
REGIME GERAL DAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO E SOCIEDADES FINANCEIRAS (RGICSF): - ARTIGO 4.º, N.º1 AL. E).
REGULAMENTO DA CMVM N.º 2/2002.
Legislação Comunitária:
DIRECTIVAS 88/361/CEE, DE 24 DE JUNHO, 93/22/CEE, DE 10 DE MAIO, 2003/6/CE, DE 28 DE JANEIRO, 2004/39/CE DE 21 DE ABRIL (DMIF), ALÍNEA 4.ª DO ANEXO I, SECÇÃO C.
REGULAMENTO N.º 1095/2010 DE 24 DE NOVEMBRO DE 2010, DA AUTORIDADE EUROPEIA DE VALORES MOBILIÁRIOS E DOS MERCADOS.
REGULAMENTO (UE) N.º 549/2013: - PONTOS 5.210 E 5.211.
TRATADO DA UNIÃO EUROPEIA (TUE): - ARTIGOS 67.º E 56.º N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 17 DE JUNHO DE 2010, PROCESSO N.º 3262/07.9TVLSB.L1.S1.
Jurisprudência Estrangeira:
JURISPRUDÊNCIA DO REINO UNIDO:
-PROCESSO “HAZEL V. HAMMERSMITH AND FUHAM BORAUGH” – 1992.
Sumário :

1) No direito financeiro designam-se instrumentos derivados, ou simplesmente derivados, os instrumentos financeiros resultantes de contratos a prazo cujo valor resulta de outros valores: os valores de base.

2) “Swap” é um acordo contratual entre duas partes que aceitam trocar, ao longo do tempo e segundo regras predeterminadas uma série de pagamentos correspondentes a um valor nocional (hipotético) de capital entre elas negociado.

3) O conceito de “swap” é de origem anglo-saxónica, depois acolhido no direito europeu: Directivas 88/361/CEE, de 24 de Junho, a dar execução aos artigos 67.º e 56.º n.º 1 do TUE [livre circulação de capitais e não restrição a essa livre circulação e respectivos pagamentos]; 93/22/CEE, de 10 de Maio [Investimentos no domínio dos valores mobiliários]; 2003/6/CE, de 28 de Janeiro [Abuso de informação privilegiada e manipulação do mercado].

4) A Directiva 2004/39/CE de 21 de Abril (DMIF) fixou o conceito de instrumento financeiro e previu os “swaps” na alínea 4.ª do Anexo I, Secção C.

5) O artigo 2.º n.º 1, alínea c) a f) do Código de Valores Mobiliários reconheceu, expressamente, a figura do “swap”.

6) São negociados “over the counter” (em mercados de balcão, ou não organizados) sem intermediários sendo formatados casuisticamente (“tailor made”)

7) Há “hedging” quando o agente económico lançou mão do “swap” para diminuir a sua exposição à basculação de uma taxa de juro à qual já estava exposto numa outra relação jurídica, pretendendo minorar eventuais perdas.

8) No “swap” simples (“plain vanilla swap”) as partes acordam trocar o produto das taxas de juro previamente ordenados, mediante o prévio pagamento ao Banco de um preço pela operação e pelo risco que o banqueiro vai suportar.

9) As taxas de juro incidem sobre um capital meramente hipotético (nominal ou nocional) mas o “swap” pode ser utilizado sem ligação a qualquer outro contrato (contrato subjacente).

10) Basta-se a si próprio, tendo natureza financeira e não é complementar de outro (como v.g. mútuo ou algum financiamento) gozando de abstracção pura e absoluta.

11) Não se trata de jogo ou aposta não estando, em consequência sujeito ao disposto no artigo 1245.º do Código Civil.

12) Os contratos de “swap” de taxa de juro, que não têm o propósito directo de cobertura de risco, não são proibidos por lei, tal como o não são aqueles cujo valor nocional não corresponde a um passivo real.

13) O desequilíbrio negocial não é, só por si, gerador da nulidade do contrato, antes, se verificados os pressupostos e se tal for pedido, da respectiva resolução.

Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


“AA – Construções, Limitada” intentou acção, com processo ordinário, contra o “Banco BB, SA” pedindo que:

– Seja declarada a nulidade do contrato de “swap” celebrado entre as partes;

– O Réu seja condenado, nos termos do disposto no artigo 304.º-A do Código de Valores Mobiliários, a pagar à Autora, a título de indemnização, quantia não inferior a 358.851,31 euros, bem como uma quantia, a título de danos emergentes, a liquidar posteriormente;

– Subsidiariamente seja declarada a anulação do contrato com fundamento em erro-vício;

Alegou, nuclearmente, que, no exercício da sua actividade de construção civil e promoção imobiliária, recorreu, durante vários anos, a financiamentos do Réu, através da agência de ...; que, em Abril de 2008, os gerentes da Autora foram contactados por funcionários do Réu, designadamente pelo gerente daquela agência, que lhe apresentaram um produto, denominado contrato “swap”; que, segundo aqueles lhe traria mais vantagens do que a denominada “conta compensada” de que a Autora era titular; que aqueles funcionários do Réu lhe asseguraram que o produto em causa era isento de risco, protegendo-o de subidas de taxas de juro de referência, através da contratualização de uma taxa fixa, e, além disso, permitia reduzir os custos financeiros mensais que a Autora suportava.

O gerente do Réu garantiu ainda que decorridos dois anos desde a outorga do contrato, a Autora poderia denunciá-lo sem penalizações.

Com base nestas informações, a Autora aceitou outorgar o contrato e, no dia 9 de Maio de 2008, um dos seus gerentes assinou o documento, constituído por uma única página, que o Réu lhe apresentou.

Posteriormente, no dia 13 de Maio de 2008, os dois gerentes da Autora assinaram um documento, com diversas páginas, denominado “confirmação de contrato de permuta de taxa de juros”, junto a fls. 52 ss.

Porém, tal contrato – cujo teor não foi explicado aos gerentes da Autora pelo gerente do Réu – não contempla, nem as garantias, nem os benefícios que – anteriormente – haviam sido verbalmente transmitidos pelo Réu à Autora.

Acresce que, devido à descida das taxas de juros de referência, facto que – à data da celebração do contrato – era já conhecido nos meios bancário e financeiro, nacional e internacional, a Autora, em consequência daquele contrato, e ao contrário do que lhe foi garantido sofreu (até à data da instauração da acção) prejuízos superiores a 320.000,00 euros.

Por outro lado, constatou que não pode denunciar livremente o contrato, tendo de pagar ao Réu cerca de 500.000,00 euros, a título de penalizações.

Conclui sustentando que o Réu violou o disposto nos artigos 7.º, 212.º, 304.º, 309.º, 312.º - 8 e F e 314.º do Código de Valores Mobiliários, além de não ter, como a lei impõe, explicado à Autora ou requer lido as cláusulas contratuais, o que acarreta a nulidade do contrato e a obrigação de indemnizar a Autora pelos prejuízos sofridos.

Porém, e caso assim não seja entendido, defende a anulação do contrato, uma vez que o Réu induziu a Autora em erro (erro-vício), já que a vontade de contratar teve na sua base determinados pressupostos que, afinal, não vieram a verificar-se.

O Réu contestou alegando, em síntese, que os seus funcionários apresentaram detalhadamente à Autora os diferentes modelos de “swap”, os respectivos prazos, o valor nominal, o custo ou benefício e os riscos de perdas e ganhos em cada um deles; que a Autora, após cinco dias de ponderação aceitou o risco decorrente do negócio e optou pelo “swap floating bonificado” em detrimento do “kiko” assinando o documento junto pela Autora designado de “pré-confirmação”.

Esse documento contém todos os elementos essenciais do contrato, designadamente o valor nominal do “swap”, o prazo (com indicação das datas de início e termo) a permuta de taxas convencionadas, isto é aquilo que cada uma pagaria à outra; que, posteriormente, em Junho de 2008 foram assinados o contrato de confirmação, o contrato-quadro (que foram juntos com a petição) e que, no essencial, não contém nada de novo relativamente ao que fora clausulado no documento de “pré-confirmação”; que também foi assinada a livrança – caução, em branco, e o respectivo pacto de preenchimento.

Diz ainda que o objectivo do contrato foi fixar o custo máximo do capital alheio (passivos/financiamentos da Autora junto da banca; que, perante uma subida da Euribor que atingiu o pico dois meses depois da celebração deste contrato) foi atingido o objectivo da Autora que ganhou 6.324,99 euros nos três primeiros fluxos que se venceram.

Que a descida da taxa de juro foi expressamente prevista no contrato, de modo que a Autora só suportasse fluxos negativos quando o Euribor descesse dos 3,80%.

Refere, finalmente, que sempre agiu de boa - fé, prestando à Autora toda a informação e esclarecimentos exigíveis para a formação da sua vontade e que a execução contratual não a podia surpreender.

Quanto ao pedido subsidiário invoca a caducidade do respectivo direito nos termos do artigo 287.º do Código Civil.

Na réplica a Autora alterou este pedido pedindo a anulação por erro vício.

No saneador foi julgada improcedente a excepção de caducidade.

Na 1.ª Instância a acção foi julgada improcedente e o Réu absolvido do pedido.

A Autora apelou para a Relação de Lisboa que confirmou a sentença recorrida.

Veio pedir revista que foi admitida, como excepcional, pela Formação do n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, por entender presente o pressuposto da alínea c) do n.º 1 daquele preceito (contradição/oposição de julgados).

Para além da nota conclusiva tendente a justificar a admissibilidade da revista excepcional, para contornar o impedimento da dupla conforme, a recorrente alinha as seguintes conclusões quanto ao mérito do recurso (e só elas relevam nos termos conjugados dos artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 2 do CPC):

“01. Contraposto o Acórdão cuja revista se pede com o Acórdão Fundamento do mesmo Tribunal da Relação de Lisboa proferido no proc. n.° 2587/10.0 TVLSB.L1-6 (cuja cópia se junta) constata-se a existência da contradição sobre a mesma questão fundamental de direito a que alude o artigo 672.° do Código de Processo Civil que possibilita a chamada revista excepcional no caso de “dupla conforme”.

02. A questão jurídica com solução jurisprudencialmente controvertida que justifica a admissibilidade da presente revista excepcional, subsume-se a saber se um determinado contrato, pelas partes denominado de permuta de taxa de juros (contrato de swap), pode ser declarado nulo por se degradar num contrato de jogo e aposta, nos termos do artigo 1245.° do Código Civil.

03. É por isso convicção da Recorrente que o Acórdão recorrido andou mal ao não declarar a nulidade do contrato que está na génese dos presentes autos, mal se percebe que, tendo o Tribunal a quo conhecimento da existência do aresto que aqui se apresenta como "acórdão fundamento" e que foi junto com as alegações de apelação, não tenha empreendido um esforço argumentativo numa lógica dialéctica quanto ao mesmo.

04. A questão essencial a decidir é a de saber se os contratos dos autos são nulos por inexistir cobertura de risco, ou, por outras palavras, o que está verdadeiramente em causa é saber se trata de um contrato de swap ou se, na verdade, se trata de “um produto financeiro abstracto, configurando efectivamente um contrato de aposta” pelas razões e fundamentos que enformam o acórdão fundamento.

05. Subsidiariamente, e por se tratarem de questões de direito de conhecimento oficioso, colocar-se-á igualmente â superior consideração do Tribunal ad quem a questão de saber se o contrato enferma de outras causas de nulidade.

 

06. A recorrente está em crer que o Tribunal a quo não retirou as consequências que se impunha mesmo após ter constatado que um instrumento financeiro derivado o é porque deriva de realidade outras que não o próprio contrato, já que para a sua existência concorre não só o “activo subjacente” entendido como, no caso, a taxa de juros, mas também “os contratos negociáveis em que assentam” / “os fluxos financeiros” / a “dívida” (no teor literal constante do contrato de fls. 50 dos autos) que lhe são associados.

07. Assim o swap, quando válido, tem na sua génese (i.e., deriva...) não só do índice que serve de referência ao cálculo da prestação pecuniária (a taxa de juro) mas também dos contratos que ontologicamente lhes precedem [rectius: que lhes deveriam preceder] e dos quais não se podem apartar.

08. No caso dos autos, as instâncias não perceberam que, apesar de no “racional” do contrato constante de fls. 50 dos autos expressamente constar que o mesmo “serve um objectivo de gestão de risco de taxa de Juro da dívida do cliente”, o mesmo não alude nem remete para qualquer operação financeira concreta, i.e., não especifica qual é a dívida do cliente cujo risco de variação da taxa de juro se visava putativamente gerir.

09. Tão pouco observou o Tribunal recorrido que, de acordo com os factos tidos como provados, as “dívidas” da aqui Recorrente cujo risco o contrato visava gerir em nada se compatibilizam com o clausulado do suposto swap, sendo diferente o capital, as maturidades, os tipos de endividamento, as amortizações, o indexante das taxas de juro, os prazos, etc.

10.      Em face dessa efectiva e patente falta de ligação entre o subjacente (posição creditícia) e contrato dos autos afigura-se-nos que o mesmo não é, na verdade, um contrato de cobertura de risco - caso fosse, verdadeiramente esse o escopo do contrato (e não a mera especulação, reconduzida a aposta nos termos que adiante se desenvolverá), então, por maioria de razão havia de ser identificada a dívida cujos fluxos financeiros seriam servidos pelo objectivo que se diz presidir ao contrato.

11. O certo é que nada disto decorre do contrato, o que inviabilizada qualquer “juízo de compatibilidade”, ou seja, de efectiva cobertura de risco, entre o swap e seu valor nominal e a maturidade e taxas de juro da realidade económica subjacente, donde, em tal circunstancialismo, o contrato aparece como uma feição puramente especulativa.

12. A gestão de risco é inoperante, o risco tem origem no próprio contrato, que assim se terá de concluir não se tratar de um verdadeiro swap de taxa de juro, mas antes de um “produto financeiro” sem qualquer conexão com esse derivado.

13. Aliás, e elucidativamente, vem provado em 3. que o Banco Recorrido “vendeu” à aqui recorrente “um novo produto de Investimento” - cumpre pois, perceber se este “produto”, que afinal era de investimento e não de gestão de risco, e que foi erradamente denominado de “swap de taxa de juro” é conforme à lei ou se, como se propugna, se degrada em pura especulação e deve ser balizado e analisado à luz da disciplina do jogo e aposta.

14. Assenta assim o presente recurso em cinco ideias fundamentais a) - O clausulado dos contratos em questão nos autos não refere que o seu objecto seja a cobertura de risco, nem explicam de que deriva esse risco; b) Ao não fazerem referência a qualquer realidade subjacente que fosse objecto dessa gestão ou mesmo cobertura de risco torna-se claro que o risco ó criado pelo próprio contrato, que não tem qualquer causa inerente; c) - Os factos dados como provados demonstram que não existe relação entre as dívidas que a Recorrente detinha e a suposta protecção do risco que o contrato dos autos preconizava; d) - O próprio Banco Recorrido comercializou o swap como se um produto de investimento (e não de cobertura de risco) se tratasse; e) - De onde resulta ser evidente que estes contratos não cumprem o objecto que lhes ó destinado, que é a cobertura de risco, antes sim criam o risco.

15.      Ora, o conhecimento da realidade subjacente (da dívida) e suas características é essencial para aferir se o contrato pode efectivamente atingir a finalidade de cobertura de risco de taxa de juro (finalidade que como vimos, o próprio banco Réu, aliás, salienta como finalidade dos contratos desta natureza, na respectiva contestação), pois só a partir do concreto financiamento / dívida “subjacente” e taxa de juro a que está sujeito versus taxas previstas no swap, se logra concluir, ou não, pela presença do objecto da cobertura de risco.

16. Dito de outra forma, as taxas contratadas no swap e as taxas aplicadas ao financiamento podem ser incompatíveis em termos de possibilitar qualquer cobertura de risco de flutuação da taxa de juro, da mesma forma que, p.e., o prazo de vigência do contrato de swap, na medida em que também este terá de ser compatível com a das “dívidas” cujo risco se diz pretender gerir.

17. Se tal compatibilidade não existir, claro se toma que o objecto do contrato não é a gestão do risco, como aqui defendemos, entrando no domínio, na pura abstracção e especulação.

18. Ora, o Tribunal recorrido não escrutinou se o contrato dos autos, era, para além do seu nomen lurís, um contrato de swap ou uma qualquer outra realidade que extravasa (ou mesmo: que em nada contente) com o objecto deste tipo de contratos.

19. Para tanto e necessário observar se o objecto do contrato dos autos tem a função jurídica e sócio-económica a gestão do risco da exposição creditícia de quem o contrata, tanto assim que, como refere o banco recorrido no artigo 13° da sua contestação: “O contrato que constitui o objecto da presente acção - swap (derivado de permuta de taxa) - é um instrumento jurídico-financeiro de inegável relevo para as empresas, porquanto constitui um instrumento de cobertura de riscos da actividade empresarial”- sublinhado nosso.

20. Quando se fala de função de cobertura de risco tratamos de um risco real, inerente a uma posição financeira ou económica e não um risco meramente ficcionado para efeitos de obtenção de algum resultado financeiro. E foi esta segunda via que o contrato dos autos trilhou.

21. Admitir, como resulta do Acórdão recorrido, o afastamento entre a realidade económico-financeira e a cobertura de risco significa o reconhecimento de que não existem limites à construção de derivados, e que, afinal, o seu objecto não é, ao contrário da sua definição dogmática e daquilo que consta do próprio contrato de fls, 50 a gestão de risco da taxa de juro da dívida.

22. Confrontando os factos provados 18 a 22 conclui-se com facilidade que os financiamentos, efectivos ou potenciais, que a Recorrente detinha (e que serviram para “justificar” o valor nominal dos contratos de swap de 5.500.000,00€) em nada são compatíveis com o risco que o swap, supostamente, pretenderia cobrir.

23. Com efeito, quanto à dívida, da aqui recorrente exposta ao risco da variação da taxa de Juro e que o swap aparentemente pretenderia cobrir constata-se que o nível de endividamento da Recorrente (isto é, e para usar os termos do “racional do contrato de fls. 50: a dívida cujo risco de variação de taxa de juro supostamente o swap visava cobrir) era essencialmente de curto prazo, e que, na sua maioria, tais posições debitórias se encontrava já perto do final (sem conexão, portanto, com o prazo de 5 anos de vigência do contrato)

24. Igualmente relevante, é a circunstância de, quanto ao tipo, a constatação de que na sua maioria, os créditos evidenciados serem do tipo “conta corrente caucionadas”, pelo que o valor limite dos mesmos não corresponde a um montante efectivo de endividamento.

25. Independentemente, é de salientar que de entre todas as putativas dividas elencadas nos referido pontos de facto em análise, apenas a conta corrente -  caucionada  com o limite de   1.898.555,00 € (ponto  de facto 22) se encontrava indexada à Euribor a 3 meses. i.e., era o único com a taxa que o Recorrente trocou com o banco Recorrido.

26. Com efeito, da interpretação do programa negocial temos que o contrato em escrutínio consiste numa troca de taxas de juro variável por uma taxa fixa para uma dívida igual ou superior a 5.500.000,00€ e por um prazo de 5 anos. isto é, ao longo de cinco anos, a recorrente pagaria ao recorrido em função dó uma taxa fixa e receberia deste em função de uma taxa variável, sendo 5.600.000,00€ o montante da dívida cujo risco o contrato seria apto a gerir.

 27. Impõe-se então concluir que se o contrato consubstancia uma troca de Euribor a 3 meses por taxa fixa, então apenas o endividamento que poderia ser alvo de swap, naquelas condições contratuais, seriam os que contivesses essa taxa variável específica (Euribor a 3 meses).

28. Da mesma forma, impõe-se concluir que, visando o contrato dos autos a gestão da dívida, e tendo o mesmo um prazo de 5 anos, apenas o endividamento que tivesse tal maturidade (ou superior) poderia ser abrangido pelo swap.

29. Neste enfoque, claro se torna que não existe qualquer compatibilidade entre o “racional do contrato” (i.e. entre o objecto do contrato) e o que efectivamente foi contratado, sendo toda a operação meramente virtual, e a cifra de 5.500.000,00€ totalmente aleatória e abstracta.

 30.     Assim, a mera análise do contrato e dos factos dados como provados permitem concluir que o mesmo não servia o objectivo de gestão de risco de subida das taxas de juros da dívida da autora, aqui recorrente, pois não existe qualquer relação entre os termos negociais e a divida da autora, nem no que contende com as taxas supostamente trocadas, nem com as maturidades dos financiamentos em comparação com a duração de cinco anos de contratos, nem com os montantes da divida e o valor nocional.

31. E não existindo, só se pode concluir que o contrato dos autos visava, apenas e unicamente, jogar com a flutuação das taxas de juros, nos termos e com as consequências de que já se foram dando conta e que adiante se desenvolverão.

32. Os contratos como o dos autos, em que verdadeiramente não existe qualquer realidade subjacente da qual o swap derive não são válidos, redundam em mera aposta ilícita e são nulos também à luz dos artigos 280.° e 281.° do Código Civil.

33. Note-se que não está em causa saber se o contrato de swap, em si, é um contrato ilícito, o que se defende é que contratos como o dos autos, em que não há cobertura de qualquer risco pré-existente são nulos porque totalmente especulativos.

34. Tal como se retira do Acórdão Fundamento, uma vez que a construção do swap não se mostra compatível com a cobertura do financiamento subjacente (i.e. que não se mostra compatível com o seu objecto), então todo o contrato, ab initio, padece da abstracção que faz convocar a excepção do jogo e da aposta.

35. Ou seja, por um argumento de maioria de razão desvenda-se que o contrato de swap só o será verdadeiramente se o risco e o objectivo da sua cobertura existir; inexistindo cobertura de risco, conclui-se que foi contratada outra coisa que não um swap. Toma-se, pois, premente ver se essa outra coisa ó válida à luz do direito constituído.

36. Lê-se na fundamentação desse Aresto: “o contrato de swap apenas pode ser caracterizado enquanto tal se dos seus termos for claro que cobre um risco (no caso de flutuação de taxa de juros) e que o cobre relativamente a uma (ou várias) operação financeira devidamente caracterizada: um mútuo simples, um mútuo por conta caucionada, qualquer outro financiamento, possibilidade ou não de amortização dos mesmos, ou, até, eventualmente, possa envolver para uma das partes (o cliente da instituição financeira) a obrigação de manter o nível de financiamento que justificou o swap” (...) Complementando: “quando da análise do clausulado contratual não resultar a derivação, o contrato tem de ser analisado independentemente da realidade subjacente de que abstrai. É esse o caso dos autos, uma vez que os instrumentos contratuais nada concretizam quanto à relação subjacente de que emanam.”

37. Nesta esteira o que se trata nos autos não é mais do que a utilização de um instrumento respeitável - a permuta de taxas de juros – para, em cima de um “vácuo financeiro” de que fala Maria Clara Calheiros, fazer apostas sobre a evolução do índice subjacente (as taxas).

38. A imaginação humana - ademais tão consabidamente fértil que ela ó no mundo dos produtos bancários - levou a figura dos swaps para diferentes dimensões, assistindo-se à celebração de contratos que pelas partes são denominados de swap mas sem que verdadeiramente haja um objectivo de gestão de risco da variação de taxa de juros de uma dívida ou de qualquer tipo de financiamento, e, portanto, que o objectivo do contrato não seja outro que não o da mera especulação e jogo.

39. Nesta espécie, as partes acordam sobre um valor nominal ficcionado, sem efectiva correspondência a uma operação subjacente com o objectivo de especular com as taxas de juro e dai retirar as perdas e os ganhos advenientes desse jogo.

40. Tratando-se de mera especulação, reconduzida à categoria de jogo, tal terá, naturalmente, consequências ao nível da sua dignidade jurídica, de acordo com artigo 1245.° do Código Civil.

41. Nessa medida, sendo os contratos meramente especulativos, conquanto que nenhuma das partes procura a gestão do risco de uma operação subjacente que careca dessa tutela, os mesmos são nulos por não existir no ordenamento jurídico português qualquer norma que permita a aposta através de diferenciais abstractos, apartando-se da razão de ser, do sentido social e económico útil e da própria justificação teleológica dos derivados, que assenta em causas concretas e não na abstracção pura e dura de que ó exemplo o contrato dos autos.

42. O que está verdadeiramente em causa nos presente autos é constatar que o contrato de swap não é conforme o seu objecto, isto é, não respeita a sua função socio-económica, na medida em que se demonstra que inexiste qualquer relação entre a dívida detida e o contrato dos autos, i.e., porque se demonstra que não existe qualquer risco que o contrato em crise nos autos pudesse cobrir, acautelar ou gerir.

43. Tanto assim porque dos factos provados e do teor do contrato resulta, como já visto, uma total incompatibilidade entre a dívida e a sua “protecção”, por serem totalmente diferentes: a) o valor da dívida efectiva da Recorrente e a “Importância Nominal Relevante” (5,5 milhões de euros) determinada no contrato; b) a natureza da dívida efectiva da Recorrente (contas correntes caucionadas cuja utilização é variável) e o valor fixo da “Importância Nominal Relevante); c) as taxas de juro associados às dívidas da Recorrente (na sua maioria não indexadas à Euríbor a 3 meses e e até mesmo taxas fixas) e a troca operada pelo contrato; d) prazo da dívida efectiva da Recorrente e o prazo do contrato.

44. Assim sendo, como é, constata-se que é o contrato dos autos que crie, ele próprio, o risco, ao invés de o cobrir ou gerir, afastando-se, em manifesta contrariedade à lei, do respectivo objecto, caindo na abstracção e na especulação.

45. O direito não pode validar a actividade especulativa não produtiva, que não acrescenta valor económico e que flagrantemente vai contra o objecto próprio para que o swap, sob pena atentar contra uma concepção ética do direito: nestas situações de mera especulação ou de especulação pura, o que se verifica é, na acertada opinião de Hélder M. Mourato, que o risco que se quer gerir é geneticamente criado pelo contrato de swap e tratar-se-á de um risco fictício (o risco é “endógeno” ao contrato de swap).

46. Nesse momento, não há swap de cobertura de risco pela simples razão de que o risco não lhe precede, não é real (“risco exógeno” ao contrato de swap).

47. Não se olvide que estamos perante um negócio típico, nos quais, como ensina Lebre de Freitas a causa se confunde com a função sócio-económica que lhes cabe desempenhar, pelo que a função e objecto dos contratos de swaps de taxa de Juros ó a cobertura de risco sendo tal proposição essencial na análise da sua licitude. Quando estamos a falar da função da cobertura de risco, temos por claro que deve tratar-se de um risco real, isto é, ligado a um qualquer aspecto financeiro ou económico e não um risco meramente forjado para efeitos de obtenção de algum resultado financeiro.

48. Dos factos provados e do contrato que esta no cerne dos presentes autos, constata-se que este último não visa a cobertura de risco, antes o cria, pelo que o contrato dos autos, desacompanhado que está da sua função é nulo por prosseguir um fim contrário à lei e por falta de causa - art. 280.° e I do Código Civil, não sendo por isso o interesse do credor na prestação digno de protecção legal (n.° 2 do art. 398 do mesmo Código).

49. De tudo quanto já se deixou exposto, a conclusão a tirar é a de que o contrato dos autos não é um verdadeiro contrato de swap, ou de permuta, de taxa de juros, mas antes um acordo exclusivamente especulativo, que por essa razão deve ser categorizado como aposta /jogo Ilícito, e por essa razão nulo.

50. Como se refere no Acórdão fundamento, no “caso dos autos a forma convencionada restringe-nos ao clausulado escrito do qual, repetimos, nada resulta a respeito. Com o que concluímos que a análise do contrato o descaracteriza como swap de taxa de juros, pese embora a aparência, transformando-o num contrato de aposta, por nada ressaltar quanto à concreta ligação a uma realidade subjacente. O artigo 1245.°, do CC, refere-se à aposta considerando-a não válida, apenas constituindo obrigações naturais quando licito. Ora, nada no ordenamento jurídico permite concluir pela licitude da aposta de taxas de juros com pagamento diferenciar.”

51. Com efeito, tal modalidade de aposta (ou se quisermos, tal modalidade de swap) não é definida nem regulada no ordenamento jurídico português, tão pouco após a transposição Directiva 2004/39/CE do Parlamento e do Conselho (DMIF) operada pelo DL 357-A/2007.

52. Acrescente-se que, como refere o Professor Lebre de Freitas no estudo citado nas alegações “A Ilicitude, consistindo na ofensa, directa ou indirecta, do dever imposto por uma norma, que se exprime, no negócio jurídico, pela contrariedade à lei do objecto ou do fim negocial (arts. 280.° e 281.°do Código Civil), é distinta do não preenchimento do modelo legal de determinado ato jurídico.”

53. Logo por aqui, e em face do que já se alegou sobre a função de cobertura de risco do swap, terá de se concluir, como Igualmente já fomos adiantando, pela Ilicitude do contrato dos autos que, sendo denominado de swap, não visa cobrir / gerir o risco imanente (que lhe seria genética e ontologicamente anterior) antes sim cria o risco.

54. Isto é, as partes utilizaram um tipo contratual com um fim diferente da sua função económico-social, o que equivale por dizer que os contratos “meramente especulativos” são, por si só, inválidos e nulos à luz dos referidos artigos 280,° e 281.° do Código Civil.

55. Porque não há qualquer norma que preveja a existência de um contrato de swap meramente especulativo, i.e., de um contrato em que as partes (ou pelo menos uma delas) não teve como fito proteger-se do risco da evolução do subjacente por referência a uma exposição financeira, o mesmo degrada-se numa mera aposta.

56. Acresce que o contrato dos autos, para além de ser nulo por se reconduzir à figura do jogo dado a sua abstracção e inerente desvio do objecto do contrato, temos que o contrato de swap (mesmo quando não abstracto) também será nulo, quando como no caso dos autos, o ganho previsto no contrato para uma das partes é infinitamente inferior ao ganho da outra, não se está a cobrir risco, está-se a criar risco (neste sentido, ver, essencialmente, a tese de Mestrado de Hélder Mourato citado nas alegações).

57. Nessa ocasião o contrato será também nulo à luz dos artigos 280.° e 281.° do Código Civil, por se reconhecer que a arquitectura do contrato é de tal forma desequilibrada que não prossegue qualquer objectivo de cobertura de risco.

58. Para tanto, retomemos os já identificados factos provados 18. a 22. (quanto aos contratos de financiamento de que a Recorrente era titular) e 8. e 11. (quanto á arquitectura do contrato), dos quais se conclui o risco máximo que emerge para o banco Réu era de 0.15 % e apenas nos casos que a Eríbor a 3 meses se situasse entre 3,80% e 6,30% enquanto que o risco máximo da Recorrente no contrato de era de 3.80 %, por trimestre e sobre um valor global de 5.500.000,00 €.

59. Donde se constata um óbvio desequilibro na permuta das taxas que foi contratado, valendo aqui por inteiro as considerações tecidas pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em Acórdão datado de 31 de Janeiro de 2013 que supra deixámos citado, e onde se pode ler que “naquilo que é vantajoso para a recorrida é multo pouco vantajoso, e naquilo que lhe é prejudicial, é muito prejudicial, sendo a prestação do recorrente exactamente inversa.”

60. No caso dos autos, bem se percebe, em face de tal desequilíbrio - e ainda que existissem financiamentos subjacentes - não se verificaria o objecto / objectivo de cobertura de risco, sendo desproporção enorme entre as margens de risco que cada uma das partes assumiu com a outorga do contrato, para além de violar o principio da boa fé e da equivalência que subjaz ao direito das obrigações e, em especial, aos contratos de “troca”, é em si mesma ilustrativa de que multo dificilmente o dito objectivo de cobertura de risco seria alcançado.

61. Defendemos, pois, que a probabilidade exponencialmente maior de um contraente sair beneficiado com o contrato revela que, verdadeiramente, não se procurou com o contrato cobrir qualquer risco, antes sim, especular, assim se arguindo nova causa de nulidade dos contratos, uma vez mais por se reconduzir à pura especulação e à violação do objecto do contrato de swap.

62. Sempre se diga, porém, que mesmo que fosse permitido o contrato de swap meramente especulativo, ele teria de se apresentar como tal e não como um produto cujo racional, de acordo com o que se lê a fls. 50 dos autos era expressamente “um objectivo de gestão de risco de taxa de juro da dívida do cliente” - pelo que tal contradição implica um desvio funcional ou de causa que sempre nova causa autónoma de nulidade.

63. O Acórdão a quo violou, eventualmente entre outras normas, os artigos 280.°, 281.°, 286.°, 289.° e 1245.°, todos do Código Civil.”

Contra-alegou o Réu/recorrido em defesa do julgado.

Após reapreciação pela 2.ª Instância ficaram definitivamente assentes os seguintes factos:

– A Autora é cliente do Réu, junto do balcão de ..., pelo menos desde 1998.

– Em meados de Abril de 2008, funcionários do Réu contactaram os gerentes da Autora, nas instalações desta, com vista à realização de um financiamento.

- Nesse contacto, um funcionário do Réu adiantou que, para além de financiamentos com condições mais atractivas do que as da concorrência, o Réu teria ainda um novo produto de investimento que era o indicado para a Autora e que lhes traria vantagens e benefícios.

– Em 7 de Maio de 2008, foi realizada uma reunião nas instalações da Autora em que CC funcionário do Réu, especialista neste tipo de produtos, apresentou mais dois produtos financeiros de permuta de taxas de juro, acompanhado pelo gerente do balcão e pela gestora do cliente.

 -A essa reunião assistiram o DD, gerente da Autora e a EE, sobrinha deste gerente e funcionária da

-A sobrinha do gerente da Autora é licenciada em gestão e bacharel em contabilidade.

-O gerente da Autora é uma pessoa exigente na negociação com instituições de crédito, não aceitando taxas de juro, prazos contratuais e comissões sem os negociar.

-Na reunião ocorrida em 7 de Maio de 2008, a sobrinha do gerente mostrou conhecimento do que era um swap tendo formulado perguntas, à medida que ia decorrendo a apresentação, nomeadamente sobre as vantagens e riscos dos contratos de “swap”, prazos de vigência e expectativas de evolução das taxas de juro.

-Os funcionários do Réu explicaram aos representantes da Autora que o contrato tinha um período de vida fixo, e, na sequência dessas explicações, a Autora optou por um prazo de cinco anos.

 -Após a reunião de 7 de Maio, a autora teve consigo, até ao seu envio, por fax, a 9 de Maio, o formulário do “contrato de permuta de taxa de juro”, junto a fls. 50, sem que tivesse solicitado quaisquer esclarecimentos.

-Com data de 9 de Maio de 2008, o gerente da Autora  DD assinou e enviou à ré o documento de fls. 50, denominado “contrato de permuta de taxa de juro”.

-Deste documento “contrato de permuta de taxa de juro” consta nomeadamente o seguinte:

“Termos do contrato

• No final de cada período de 3 meses entre a Data do Início e a Data de Vencimento, o Banco paga ao Cliente a taxa de juro Euribor a 3 meses (fixada no 2o dia útil ao início do respectivo período de 3 meses), calculada sobre a Importância Nominal relevante, e

• Em contrapartida, o Cliente paga ao Banco no final de cada período de 3 meses entre a Data do Início e a Data de Vencimento a seguinte taxa de juro, calculada sobre a Importância Nominal relevante:

• A taxa de juro Euribor a 3 meses (fixada no 20 dia útil ao início do respectivo período de 3 meses), deduzida de 0,/5%, caso essa taxa de juro Euribor a 3 meses seja, simultaneamente igual ou superior a 3,80% e igual ou inferior a 6,30%; ou

• 4,70%, caso a Euribor a 3 meses (fixada no 20 dia útil ao início do respectivo período de 3 meses) seja inferior a 3,80%; ou

• 6,30%, deduzida da bonificação (0,15%), caso a Euribor a 3 meses (fixada no 2o dia útil ao início do respectivo período de 3 meses) seja superiora 6,30%” -

-Em meados de Maio de 2008, a gerente do Réu do balcão entregou à Autora, para leitura, análise e assinatura, o documento denominado “confirmação de contrato de permuta de taxa de juro (interest rate swap)”, sem que a Autora tivesse solicitado quaisquer esclarecimentos .

-Com data de 13 de Maio de 2008, os gerentes da Autora assinaram o documento de fls. 52-62, denominado “confirmação de contrato de permuta de taxa de juro (interest rate swap)”.

-O documento de fls. 52-62 é composto por 9 páginas, com cláusulas pré-elaboradas pelo Réu, no qual se incluem 3 anexos .

-Com data de 13 de Maio de 2008, os gerentes da Autora assinaram o documento de fls. 78-79, denominado “título de autorização de preenchimento de livrança-caução para responsabilidades específicas com aval”.

-O documento denominado “confirmação de contrato de permuta de taxa de juro (interest rate swap)” foi assinado e entregue ao Réu em Junho de 2008.

-Em execução do contrato, desde o dia 12 de Maio de 2008 e até 12.11.2010, a Autora recebeu a quantia de € 6.324,99 (sendo que 20% desta quantia foi retida na fonte) e pagou ao Réu o montante de € 358.851,31 .

-Em Maio de 2008, a Autora possuía uma Conta Corrente com limite até € 1.500.000,00, por um prazo de 6 meses, à taxa de juro fixa de 5%-.

-Em Maio de 2008, a Autora possuía um empréstimo sob  uma de Livrança no valor de € 150.000,00, por um prazo de 3 meses.

-Em Maio de 2008, a Autora possuía um financiamento à Construção, sob a Modalidade de Abertura de Crédito, até ao limite de € 2.500.000,00, com taxa igual à taxa Euribor a doze meses, acrescida de 1 ponto percentual, por um prazo de 57 meses.

-Em Maio de 2008, a Autora possuía uma conta corrente até € 718.268,97, por um prazo de 6 meses, à taxa de juro Euribor a 6 meses acrescida de 0,75% de spread .

-Em Maio de 2008, a Autora possuía 3 contas correntes, uma até € 598.557,00, outra até € 800.000,00 e outra de € 500.000,00, tendo em Outubro de 2008, sido tais contas juntas numa só Conta Corrente, até € 1.898.558,00, por um prazo de 6 meses, na ré, à taxa de juro Euribor 3 meses acrescida de 0,35% de Spread .

-Em 13 de Maio de 2008, o Réu considerava que o cenário mais provável até ao final de 2008 na Europa seria a descida das taxas de juros.

-Nos 5 anos posteriores a Maio de 2008, previa-se que a Euribor a 3 meses não descesse do patamar de 3,80%, tendo por fonte financeira a agência cujos dados são utilizados pelas instituições de crédito.

-No início de 2008, a taxa de referência do Banco Central Europeu estava situada nos 4%.

-Em 3.7.2008, a taxa de referência do Banco Central Europeu passou para 4,25%.

-Com a falência da Lehman Brothers em 15.9.2008, e a forte ameaça de propagação dessa falência a outras instituições de crédito internacionais, produziu-se uma profunda e inesperada alteração do cenário macro-económico.

-A EE subscreveu por conta da Autora um questionário sobre o perfil de investidor em produtos financeiros, fornecido pelo Réu.

Colhidos foram os vistos.

Cumpre conhecer.

1- Breve conceito e estrutura de “swap”.

2- Contrato de jogo e aposta.

3- Aleatoriedade e cobertura de risco.

4- Conclusões.


*

1- Breve conceito e estrutura de “swap”

1.1. Iremos mover-nos no âmbito do direito financeiro na sua vertente bancária.

E é aí que encontramos o conceito de “swap”, figura contratual de origem anglo-saxónica, depois acolhida no direito europeu e “pour cause” na legislação nacional – cf., respectivamente, as Directivas 88/361/CEE de 24 de Junho; a das execuções aos artigos 67.º e n.º 1 do 56.º do TUE [Livre circulação de capitais e não restrição a essa livre circulação e respectivos pagamentos]; 93/22/CEE, de 10 de Maio [investimentos no domínio dos valores mobiliários]; 2003/6/CE, de 28 Janeiro [abuso de informação privilegiada e manipulação do mercado].

Mas foi a Directiva 2004/39/CE, de 21 de Abril (DMFI) [Directiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros] que fixou o conceito de “instrumento financeiro” em termos de regulação do mercado de capitais.

Previu os “swaps” na alínea 4.ª do Anexo I. Secção C.

O Regulamento n.º 1095/2010 de 24 de Novembro de 2010 da Autoridade Europeia de Valores Mobiliários e dos Mercados, tem como escopo a protecção dos valores públicos, designadamente a integridade e a estabilidade do sistema financeiro, a transparência dos mercados e dos produtos financeiros e a protecção dos respectivos investidores.

Na definição do Prof. Menezes Cordeiro (in “Manual de Direito Bancário”, 2010, 83) o sistema financeiro “é o conjunto ordenado das entidades especializadas no tratamento do dinheiro”.

O “swap” é dogmatizado no Código dos Valores Mobiliários, assim adquirindo reconhecimento expresso no nosso direito (artigo 2.º n.º 1, alíneas c) a f).

Trata-se de um instrumento derivado.

Designam-se por instrumentos derivados, “ou simplesmente derivados, os instrumentos financeiros resultantes de contratos a prazo celebrados por referência a um determinado activo subjacente” (“Dr. José Engrácia Antunes – “Os derivados” apud Cadernos do Mercado dos Valores Mobiliários”, 119), como refere a Doutora Maria Clara Calheiros (in “O contrato de swap no contexto da actual crise financeira global “apud” Cadernos de Direito Privado”, 42, 3 ss) a designação resulta de todos estes instrumentos financeiros terem “em comum o facto de o interesse na sua negociação assentar sobre o modo como a economia do contrato se vai reflectir ou interagir, com activos ou posições contratuais já detidas pelas partes ou que estas admitem vir a deter” (cf. também o Prof. Oliveira Ascensão, “Derivados” in Revista do Direito dos Valores Mobiliários, IV, 41-68, 2003 e Dr. Engrácia Antunes, agora em “Instrumentos Financeiros”, 2003).

O Prof. Menezes Cordeiro considera derivados, ou derivados financeiros “os instrumentos cujo valor resulta de outros valores: os valores de base” acrescentando que no respectivo mercado encontramos as “forward”, os futuros e os swaps (in “Direito Bancário”, 5.ª ed., 854).

O “swap” é, na visão da Doutora Maria Clara Calheiros (apud “O Contrato de Swap” 2000, 18, in “Studia Iurídica) um “antídoto face a flutuações monetárias e às taxas de juro.

Ao invés dos mercados organizados de derivados (“exchanged – listed derivatives”) os “swaps” são negociados em mercados não organizados (“over the counter” – mercado de balcão sem a existência de intermediários, pois que são casuisticamente formatados pelas necessidades de cada investidor.

Outrossim, a sua estrutura é normalmente bilateral.

O ponto 5.210 do Regulamento (UE) n.º 549/2013 define “swaps” como “acordos contratuais entre duas partes que acordam na troca, ao longo do tempo e segundo regras predeterminadas, de uma série de pagamentos correspondentes a um valor hipotético de capital, entre elas acordado. As categorias mais frequentes são os swaps de taxas de juro, os swaps cambiais e os swaps de divisas”.

Como o que aqui está em causa são taxas de juro apenas trataremos aqueles que constam do ponto 5.211 do citado Regulamento nestes termos:

“Os swaps de taxas de juro consistem na troca de juros de diferentes tipos relativos a um capital hipotético que nunca é trocado. Exemplos de taxas de juro que podem ser objectos de swaps: taxas fixas, taxas variáveis e taxas denominadas numa divisa. Geralmente os pagamentos ocorrem em numerário, no correspondente à diferença entre as duas taxas de juro estipuladas no contrato e que se aplicam ao capital hipotético que foi acordado”.

Normalmente, nos “swaps” de taxa de juro o activo usado é a taxa de juro “Euribor” (“Euro Interbank Offered Rate”) a três meses.

Porém, se o agente económico lançou mão do “swap” para diminuir a sua exposição à incerteza da variação de uma taxa de juro, operação apodada de “hedging”, é porque já estava exposto à variação incerta de taxas de juro mutáveis numa outra relação jurídica e pretende atenuar eventuais prejuízos no caso de estes subirem.

Então, o “swap” permite a constituição de uma relação jurídica na qual o dever primário da prestação surge no sentido contrário ao da relação jurídica que subjaz, já que enquanto aqui  se paga um montante calculado com base numa taxa variável, no “swap” recebe-se.

Vejamos, então.

Se ocorre uma subida de taxas de juro o agente económico (caso, v.g., num mútuo, se tenha vinculado a uma taxa variável) receberá mais num contrato de “swap” (por lhe ser paga uma taxa variável), e, pelo menos, com tais ganhos, verá diminuídas eventuais perdas resultantes da variação das taxas de juro.

É que, o “swap” não gera um risco antes buscando a atenuação de risco já existente.

Isto é, se beneficia no “swap”, ao receber mais, fica prejudicado na relação subjacente, ao pagar mais, e vice-versa, sendo, portanto, menos afectado pela volatilidade das taxas de juro.

Tudo porque o termo “swap” (expressão inglesa que significa permutar ou trocar) implica uma troca de pagamentos (ou outros activos) acolhendo uma multiplicidade de contratos criados pelas estruturas económicas mas, sobretudo financeiras e respectivas práticas contratuais.

Tratámos, como atrás tínhamos alertado, apenas do “swap” de taxas de juro (“interest rate swap”) que não do também frequente “swap” de divisas (“currency” swap”) nem do misto “cross currency interest rate swap” ou dos “swaps” de risco de incumprimento, dos “credit default swaps” para retorno total, ou dos “swaps” para garantia de “spread” (cfr. ainda, e a propósito, a Doutora Maria Clara  Calheiros, ob. cit. e “O contrato de swap no contexto da actual crise financeira global”, in “Cadernos de Direito Privado” 42.ª – 2013, 3 ss; Dr. António Vitorino, Estudo sobre permuta de divisas e de taxas de juro (“swaps”)”, in “Revista da Banca”, 40.ª – Out – Dez. 1996; Dr. António Pereira de Almeida – “Instrumentos financeiros: os swaps” in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, 2011, II, 37ss; Dr. José Engrácia Antunes, “Os derivados”, Cadernos do Mercado dos Valores Mobiliáros” 118ss e Prof. João Cantiga Esteves, “Contratos de swap revisitados”, apud “Cadernos do Mercado dos Valores Mobiliários”, 44.ª, Abril 2013, 71ss).

Em sintonia, e no ensino do Prof. Menezes Cordeiro (ob. cit. 5 ed., 869), no “swap” de taxas de juro, cada uma das partes outorgantes do contrato compromete-se perante a outra a transmitir-lhe periodicamente, na vigência do acordo, um determinado valor pecuniário.

E esclarece que “ambas as transmissões periódicas são calculadas tendo por base o mesmo valor: correspondem a uma percentagem (taxa de juro) de um montante determinado (capital base ou valor nominal)”.

No “swap” simples (o “plain vanilla swap”) as partes acordam trocar o produto das taxas de juro previamente ordenadas, mediante o pagamento prévio ao Banco de um preço pela operação e pelo risco que o banqueiro vai suportar.

Enfim, nestes contratos há um de três objectivos: redução de riscos de variação das taxas de juro; possibilidade de beneficiar de melhores taxas; especular na respectiva variação.

1.2. “Punctum saliens” do inconformismo da recorrente é ter o contrato um propósito meramente especulativo pois não se vislumbra por detrás do “swap” qualquer “operação financeira concreta, i.e., não especifica qual é a dívida do cliente cujo risco de variação da taxa de juro se visava gerir.”

Daí o concluir que o contrato é nulo por não visar a cobertura de qualquer risco. (“… inexistindo uma operação financeira [“dívida” como se diz no contrato] inerente/subjacente aos contratos, óbvio se torna que os “swaps”  não cumprem a sua função de cobertura de risco e são contra legem”).

Neste ponto a argumentação da recorrente improcede.

As taxas de juro incidem sobre um capital virtual, hipotético (hoje comumente apodado de nocional, ou seja meramente nominal) que não depende da concreta finalidade das partes, mas estando presente a natureza bilateral e sinalagmática do contrato de “swap”.

Na prática, um instrumento derivado pode ser utilizado sem ligação a um contrato nominado subjacente, uma vez que o próprio contrato de “swap” se basta a si próprio não sendo de considerar meramente especulativo apenas pelo facto de não ter por detrás outra figura contratual, já que pode tratar-se de um contrato de natureza financeira com a função de cobertura de riscos.

Só assim não será exactamente quando for nítido o único propósito meramente especulativo, o que a matéria de facto provada não permite concluir.

A assim não ser, transformar-se-ia em contrato diferencial, colocado por alguns, na fronteira do jogo e aposta, figura que abordaremos adiante.

Como refere o Prof. Carlos Ferreira de Almeida (in “Contratos diferenciais”, apud II – “Estudos Comemorativos dos 10 anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa” 81) “os contratos diferenciais (contracts for diferences, contracts sur différences, contratti differenziali, contratos por diferencias, Differenzgeshäfte) surgiram na prática dos negócios de bolsa, como o expediente para permitir a especulação a descoberto (short sale, Leeverkauf) isto é a intervenção no mercado por parte de quem não dispõe de bens para entregar ou de dinheiro para os pagar.”

E mais adiante (fls. 110): “Lícita é ainda a celebração de contratos diferenciais por intermediários financeiros ainda que não disponham para o efeito de uma organização sistemática, desde que a intermediação sobre instrumentos financeiros derivados caiba no âmbito da actividade que estão autorizados a exercer.”

Assim, e conjugando os artigos 295.º n.º 1 e 289.º n.º 1, alínea a) do Código dos Valores Mobiliários com os artigos 4.º n.º 1, e) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, conclui-se que as instituições de crédito estão autorizadas à realização de “transacções, por conta própria ou da clientela” sobre “instrumentos financeiros a prazo” podendo também negociar, por conta própria, os instrumentos financeiros previstos no Anexo I, Secção C, da DMIF.

Temos, então, por certa a licitude, e consequente validade dos contratos de swap, por aceites e regulamentados pelos instrumentos do direito europeu (recebidos na ordem jurídica nacional) e português, e negociados com entidades financeiras que estão autorizadas a exercer essa actividade nos termos atrás referidos quando tratámos das regras do Código dos Valores Mobiliários e do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras.

E sem que tal constitua um argumento “ad terrorem”, sempre se dirá que este tipo de lides pendentes em que se pede a declaração de nulidade dos “swaps”, só surge com o escopo de obrigar o banco a restituir o que “ganhou”, que não o investidor a proceder de modo inverso, quando é certo que a nulidade, a ocorrer, inquinaria os contratos no seu todo.

E, como acentua o Dr. José Engrácia Antunes (ob. cit. 136, 137), os derivados são “instrumentos financeiros abstractos, no sentido em que uma vez criados, se tornam autónomos ou independentes em face dos respectivos activos subjacentes: muito embora economicamente o derivado constitua uma duplicação do activo subjacente (pelo que o valor do primeiro deriva do valor do segundo), de um ponto de vista jurídico encontramo-nos perante instrumentos juscomerciais «a se» cuja existência e validade é totalmente independente das vicissitudes jurídicas desse activo”.

E mais adiante recorda, para enfatizar os seus argumentos o regime da abstracção das letras e o disposto no artigo 17.º da Lei Uniforme das Letras e Livranças para concluir que no caso dos derivados “a abstracção é absoluta e pura, já que os direitos e obrigações deles emergentes se tornam totalmente imunes às vicissitudes jurídicas (mormente invalidade ou inexistência) do activo subjacente”.

Nesta linha, o Dr. Pedro Boullosa Gonzales (in “Interest Rate Swaps: Perspectiva Jurídica” apud “Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários” n.º 4, Abril, 2013, 23) defende que os “interest rate swaps” são figuras contratuais autónomas e não necessariamente complementares a um contrato de mútuo ou outro tipo de financiamento”.

Como refere a doutrina britânica: “In the context of an [[interest rate swap]], the notional principal amount is the specified amount on wich the exchanged interest payment are based; this could be 8000 US dollars, or 2.7 million pounds sterling, or any other combination of a number and a currency. Each period’s rates are multiplied by the notional principal amount to determinate the height and currency of each counter-party’s payment. A notional principal amount is the amount used as a reference to calculate the amount of interest due on an ‘interest only class’ which is not entitled to any principal. » (CLP – « Strutured Finance »).

Em suma os “swaps”  de taxa de juro – e, repete-se, são os que aqui tratamos – podem ter, ou não, um subjacente real, quer para ambos, quer para um dos outorgantes desse contrato (derivado) financeiro.

São, e repete-se, contratos comerciais, hoje nominados, de natureza obrigacional, onerosos e geradores, por si, de prestações recíprocas.

Mas, e ainda que, por mero exercício académico, assim não fosse entendido, e terá de o ser, a matéria de facto provada demonstra a existência de “financiamentos” (subjacente real, nos precisos termos e montantes constantes da sentença, correspondente a 93% do valor nocional) de que a Autora beneficiou.

2- Contrato de jogo e aposta

Outro dos argumentos da recorrente é estar-se perante jogo e aposta por se tratar de contrato não de cobertura de risco mas com propósito meramente especulativo.

Então teria de ser tratado de acordo com o artigo 1245.º do Código Civil.

Este preceito faz o “distinguo” entre jogo e aposta sendo comum a ambos a natureza aleatória – possibilidade de ganhar ou perder por factores em absoluto alheios à intervenção do joador/apostador.

Mas, enquanto no jogo existe um acordo segundo o qual uma das partes se obriga a pagar à outra certa quantia, sendo que o vencedor participou, teve intervenção na lide; na aposta há um desacordo inicial relativamente à verificação de um evento (passado ou futuro) e o apostador investe determinada quantia, ou valor, no sentido de que se o evento em que apostou se verificar (ou tiver ocorrido) auferir uma vantagem económica.

O jogo é lícito se, além da sorte, depender da perícia do jogador; será ilícito (jogo de fortuna ou azar) se a “ars” do jogador não interfere no resultado final.

O citado artigo 1245.º do Código Civil considera nulos o jogo e a aposta, sendo que não constituem fonte de obrigações civis.

Porém, se lícitos, ou seja, se legalmente autorizados e regulamentados, são fonte de obrigações naturais.

Com a regulamentação do jogo e aposta (cfr. o último Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 268/92, de 28 de Novembro) surgem dúvidas sobre a plena vigência do artigo 1245.º do diploma civil.

Aliás, os Prof.s Pires de Lima e A. Varela – “Código Civil Anotado” II,  3.ª ed. 852 suscitaram-nas; cfr. também os Prof.s Carlos Mota Pinto, António Pinto Monteiro e Calvão da Silva – “Jogo e Aposta – Subsídios de Fundamentação Histórico-Jurídica” – e o Acórdão do STJ de 17 de Junho de 2010 – 3262/07.9TVLSB.L1.S1 que considerou que “o jogo de fortuna e azar, quando lícito nos termos da Lei do Jogo encerra um contrato válido gerador de obrigações jurídicas e não naturais”, (cfr. ainda, em sentido contrário o Dr. Rui Pinto Duarte “O Jogo e o Direito”, in “Themis”, 3, 75 e 76).

Do que acima se expôs quanto aos “swaps” resulta não ser possível considerá-los contratos de jogo ou de aposta.

E nem se diga que se trata de mera especulação e, portanto um ilícito.

A especulação é uma finalidade legítima que, só por si, não se confunde com a finalidade típica dos jogadores ou dos apostadores.

O especulador actua com o objectivo de lucrar enquanto o apostador busca um fim lúdico; o especulador faz uma previsão racional da evolução das variáveis e o apostador não; aquele exerce a sua actividade no contexto de um mercado com relevante função económica e social.

A cobertura de risco e a especulação “são duas faces da mesma moeda” (cfr. Dr. Engrácia Antunes – Instrumentos Financeiros, 125, nota).

Aquela traz liquidez ao mercado e permite ao comprador encontrar rapidamente um vendedor.

“Os especuladores são cruciais para os mercados; são os tomadores de risco que permitem os “garantes” (hedgers) baixar os seus riscos. E a prova evidente é que abertamente se admitem na lei instrumentos derivados de activos meramente nocionais, por definição baseados em valores fictícios ou hipotéticos e por definição independentes, autónomos ou abstractos … do nada de que derivam: nestes casos, os swaps utilizam-se para tomar posição de risco independente de qualquer outra posição (em risco) inexistente – “Prof. Calvão da Silva in “Swap de taxa de juro: a sua legalidade e autonomia e inaplicabilidade da excepção do jogo e aposta”, apud R.L.J n.º 3979 – Maio-Abril 2013, 262, 263.

Em sintonia, o processo julgado no Reino Unido (“Hazel V. Hammersmith and Fuham Boraugh”) – 1992 – decidiu, quanto aos swaps meramente especulativos, que embora “no other interest than seeking to profit from interest rate fluctuations (…) prima facies they are legitimate and enforceable comercial contracts” (…) “The mere fact that there is a provision for the payment of diferences does not mean that the contract must be a wagering contract » ((Alistair Hudson, apud « Swaps and Wagering Contracts », in « The Kings College Law Journal », 6.º – 1995-1996, 129 ss).

Mais, como refere David Megle, ISDA Head of Research – “Economic Role of Speculation” – apu ISDA, Research Notes, 2.º, 2010:

“Although speculation is often blamed for causing problems in markets, the economic evidence shows that it is in fact a necessary activity that makes markets more liquid and efficient, which in turn benefits hedgers, investors, and other market participants.

Speculation increases market liquidity by reducing bid-offer spreads, by making it possible to transact more quickly at a given size, and by making markets more resilient.

Speculators make markets more efficient by helping move prices closer to fundamental values: short sellers, for example, provide discipline against overpricing while speculative buyers counteract unjustified drops in price. Without speculation, markets would be less complete in that there would be fewer opportunities for other market participants, especially hedgers, wishing to manage the risks they encounter in their financial activities. »

Além do exposto, as taxas de juro, reportadas à Euribor são fortemente condicionadas pelas políticas financeiras – taxa de referência fixada pelo Banco Central Europeu – e, no País, pelas políticas do Governo e do Banco de Portugal só com base nesses elementos é que será possível fazer uma previsão racional e científica da evolução daquelas taxas ao que é alheia a vocação especulativa dos jogadores e apostadores.

Por isso é que os gestores de activos e de carteiras, são profissionais preparados e vocacionados, para aplicarem os fundos dos clientes, em produtos financeiros, tendo certa capacidade de previsão, sendo supervisionados mas não especulando levianamente em termos de arriscada álea, traçando até um perfil daqueles e dando-lhes conhecimento dos riscos envolvidos.

Eticamente cumpre-lhes assegurar o equilíbrio negocial.

Finalmente, e como se o já referido não bastasse para descaracterizar o jogo e aposta sempre tal seria afastado já que nesta modalidade ressalta, como se disse, uma componente lúdica – embora não essencial – mas que está, de todo arredada dos contratos financeiros (cfr. o Prof. Menezes Cordeiro – ob. cit. 886.º que enfatiza tal componente de distracção, prazer ou entretenimento).

3- Aleatoriedade e cobertura do risco

A recorrente invocou o disposto no artigo 280.º n.º 1 do Código Civil para defender a nulidade do contrato por falta de causa.

Vimos acima que assim não é tendo seriado as razões conclusivas da autonomia do “swap”, não sendo necessário voltar a exauri-las aqui.

Também imputa ao aresto recorrido ter sancionado um patente desequilíbrio de prestações ao arrepio da função socio-económica do contrato.

Sendo este vocacionado para a mera especulação não respeita o objecto dos contratos de “swap” que são de mera cobertura de risco, sendo esta a sua função sócio-económica.

Daí que, e ainda na óptica da recorrente, prossiga um fim contrário à lei e, por falta de causa – artigo 280.º n.º 1 do Código Civil o interesse do credor não seja digno de protecção legal (n.º 2 do artigo 398.º CC).

Mas não é assim.

A autonomia do “swap” e a sua forte carga de aleatoriedade resultante da volatilidade das taxas de juro do mercado, podem inculcar um propósito especulativo.

Mas este não foi – também porque tal não resulta do acervo de factos assentes – a razão determinante da vontade das partes em contratar.

As razões que levam as partes a celebrarem este tipo de operações financeiras são diversas (e só uma análise casuística pode gerar uma correcta aproximação às características do contrato cujas cláusulas dependem das necessidades específicas das partes) sendo que, hoje em dia, as empresas são o seu principal utilizador com o objectivo de fixarem os seus custos de financiamentos.

Assim, os contratos de “swap” de taxa de juro que não têm propósito directo de cobertura de risco, antes e v.g., de gestão do risco financeiro, não são proibidos por lei, antes admitidos e regulamentados.

Por sua vez os contratos de “swap” de taxa de juro, cujo valor nocional não corresponde a um passivo real também não são proibidos, face à inaplicabilidade daquele preceito.

Ademais, podem aditar-se e (ou) repetir-se, os seguintes argumentos:

– Como se disse, a especulação como motivação das partes é matéria de facto que não consta do elenco provado;

– De acordo como Regulamento da União Europeia n.º 549/2013, e também como antes se referiu, os “swaps” são autónomos, independentes e reportados a um capital nocional ou hipotético, sendo reconhecidos pelo Regulamento da CMVM n.º 2/2002 e pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007;

– Aquele Regulamento n.º 549/2013 admite que os “swaps” tenham fins especulativos;

– Não ocorre qualquer desequilíbrio contratual no cotejo do risco máximo da recorrente com o do Banco recorrido;

– O eventual desequilíbrio negocial não é gerador de nulidade;

– Como acima também se disse o “swap” não se destina a criar um risco, antes é um antídoto de um risco a que uma das partes já está exposta, não sendo, por isso, um contrato desequilibrado mas corrigindo uma situação contratual de eventual futuro desequilíbrio.

Dir-se-á, mais, que sendo o contrato de “swap” de natureza comercial, o Código Civil só subsidiariamente lhe é aplicável, “ex vi” do artigo 3.º do Código Comercial.

Enfatiza-se que estando previsto não só na legislação comunitária acima elencada como no artigo 2.º n.º 1 do Código dos Valores Mobiliários está reconhecido por legislação especial o que, desde logo, afastaria o regime do artigo 1245.º do Código Civil, “ex vi” do artigo 1247.º.

Tem função de cobertura e de gestão de risco e é sempre celebrado ao abrigo daquela legislação citada com o propósito de alcançar objectivos económicos e financeiros.

Como ensina o Prof. Calvão da Silva (ob. cit. R.L.J. 261) “nenhuma dúvida séria e consistente pode subsistir acerca da legalidade do swap da taxa de juro no direito português independentemente de o activo subjacente ser real ou meramente nocional (nominal, fictício ou hipotético) dado o princípio comunitário da interpretação conforme a Directiva das normas nacionais da correspondente transposição”.

A assim não se entender iria pôr-se de lado um importante instrumento que, como se viu, está previsto e regulado na lei olvidando que a evolução das instituições e da realidade económico-financeira não se compadece com um tratamento jurisprudencial produzido ao abrigo de conceitos manifestamente arredados do quotidiano por, manifestamente, desactualizados.

E essa abordagem, iria postergar uma realidade onde, v.g. o mercado de futuros e das opções bolsistas está em rápida expansão, sendo que aí o “dinheiro” circula virtualmente por todas as praças, fazendo subir e descer os vários índices (“Dow Jones”; “Footsie”; “Nikkei”; “Hang Seng”; “CAC 40”; “Nasdaq”; “PSI20”; “SMI”, etc.).

[Recordem-se, por exemplo, os conceitos de “especulação altista” (consistente em comprar títulos na esperança de que os preços subam, permitindo a venda posterior com lucro. De igual modo, a “especulação baixista” quer significar a venda na expectativa de uma descida do preço que permita comprar mais tarde a um preço inferior. Sem olvidar os futuros e os binários.

Qualquer destes negócios é especulativo e comporta um risco, mais alto ou menor consoante o “timing” da operação, a evolução do mercado e a deslocação entre as praças].

Se não existisse regulação nem supervisão o sistema colapsaria.

Mas mantendo-se nos estritos limites da regulamentação legal e decorrendo em mercado supervisionado nada há que apontar à sua legalidade

4- Conclusões.

Pode, desde já, concluir-se que:

a) No direito financeiro designam-se instrumentos derivados, ou simplesmente derivados, os instrumentos financeiros resultantes de contratos a prazo cujo valor resulta de outros valores: os valores de base.

b) “Swap” é um acordo contratual entre duas partes que aceitam trocar, ao longo do tempo e segundo regras predeterminadas, uma série de pagamentos correspondentes a um valor nocional (hipotético) de capital entre elas negociado.

c) O conceito de “swap” é de origem anglo-saxónica, depois acolhido no direito europeu: Directivas 88/361/CEE, de 24 de Junho, a dar execução aos artigos 67.º e 56.º n.º 1 do TUE [livre circulação de capitais e não restrição a essa livre circulação e respectivos pagamentos]; 93/22/CEE, de 10 de Maio [Investimentos no domínio dos valores mobiliários]; 2003/6/CE, de 28 de Janeiro [Abuso de informação privilegiada e manipulação do mercado].

d) A Directiva 2004/39/CE de 21 de Abril (DMIF) fixou o conceito de instrumento financeiro e previu os “swaps” na alínea 4.ª do Anexo I, Secção C.

e) O artigo 2.º n.º 1, alínea c) a f) do Código de Valores Mobiliários reconheceu, expressamente, a figura do “swap”.

f) São negociados “over the counter” (em mercados de balcão, ou não organizados) sem intermediários sendo formatados casuisticamente (“tailor made”)

g) Há “hedging” quando o agente económico lançou mão do “swap” para diminuir a sua exposição à basculação de uma taxa de juro à qual já estava exposto numa outra relação jurídica, pretendendo minorar eventuais perdas.

h) No “swap” simples (“plain vanilla swap”) as partes acordam trocar o produto das taxas de juro previamente ordenado, mediante o prévio pagamento ao Banco de um preço pela operação e pelo risco que o banqueiro vai suportar.

i) As taxas de juro incidem sobre um capital meramente hipotético (nominal ou nocional) mas o “swap” pode ser utilizado sem ligação a qualquer outro contrato (contrato subjacente).

j) Basta-se a si próprio, tendo natureza financeira e não é complementar de outro (como v.g. mútuo ou algum financiamento) gozando de abstracção pura e absoluta.

k) Não se trata de jogo ou aposta não estando, em consequência sujeito ao disposto no artigo 1245.º do Código Civil, aliás nunca aplicável por existir legislação especial (europeia e nacional) “ex vi” do artigo 1247.º.

l) Os contratos de “swap” de taxa de juro, que não têm o propósito directo de cobertura de risco, não são proibidos por lei, tal como o não são aqueles cujo valor nocional não corresponde a um passivo real.

m) O desequilíbrio negocial não é, só por si, gerador da nulidade do contrato, antes, se verificados os pressupostos e, se tal for pedido, v. g. da respectiva resolução.

Nos termos expostos, acordam negar a revista confirmando, embora com alguns complementos de fundamentação, o Acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Sebastião Póvoas (Relator)

Moreira Alves

Alves Velho