Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
602/12.2TTLMG.C1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: CHAMBEL MOURISCO
Descritores: AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE DESPEDIMENTO
VALOR DA CAUSA
Data do Acordão: 06/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - INSTÂNCIA / INCIDENTES DA INSTÂNCIA / FIXAÇÃO DO VALOR DA CAUSA - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / ADMISSIBILIDADE DO RECURSO.
Doutrina:
- Abílio Neto, Novo “Código de Processo Civil”, Anotado, 3.ª edição revista e ampliada, maio/2015, 369-370.
- Salvador da Costa, Os Incidentes da instância, 2016, 8.ª edição, 60 e seguintes.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 297.º, N.ºS1 E 2, 299.º, N.ºS 1E 4, 629.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 14/01/2009, PROCESSO N.º 2469/08 - 4.ª SECÇÃO (N.º 08S2469, EM WWW.DGSI.PT ).
-DE 25/09/2014, PROCESSO N.º 3648/09.4TTLSB.L1.S1- 4.ª SECÇÃO.
Sumário :
I - As retribuições vincendas pedidas numa ação de impugnação de despedimento não têm qualquer influência na fixação do valor da causa, que deve ser determinado atendendo aos interesses já vencidos no momento em que a ação é proposta.
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 602/12.2TTLMG.C1.S1 (Revista) - 4ª Secção

CM/PH/GR

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                           I

1. AA (Autor) intentou a presente ação, emergente de contrato de trabalho, contra BB, Ld.ª, (Ré) pedindo que se declare ilícito o seu despedimento e, em consequência, a condenação desta:

- A reintegrá-lo no seu posto de trabalho, em funções compatíveis com as suas reais capacidades;

- A pagar-lhe a quantia de € 20.618,37, acrescida dos juros legais devidos a partir da citação até efetivo e integral pagamento;

- A pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do mesmo.

Para o efeito, alegou em síntese:

Em 1 de novembro de 2004, foi contratado pelo atual sócio gerente da Ré, CC, para trabalhar sob as ordens, direção e fiscalização deste;

Em março de 2011, a Ré sucedeu a CC na posição de entidade patronal.

Por carta data de 29 de dezembro de 2011, a Ré comunicou-lhe a caducidade do contrato de trabalho invocando impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de prestar trabalho face ao teor do atestado médico que apresentou que descrevia as suas limitações físicas.

Está afetado de uma Incapacidade Permanente Parcial de 10%, que não o impede de realizar trabalhos agrícolas, mas apenas lhos dificulta, pelo que aquela comunicação consubstancia um despedimento ilícito.

Deve ser compensado de todo o sofrimento a que a Ré o tem sujeitado pelo facto de não poder exercer a sua profissão, aflições e angústias que o apoquentam, que o obrigaram a pedir ajuda a várias pessoas, designadamente monetária, com perda de autoestima e acometido de forte depressão.

2. A Ré contestou, por exceção, arguindo a prescrição, e por impugnação, alegando que é manifesta a incapacidade do Autor para exercício de qualquer uma das funções constantes da sua categoria profissional.

3. O Autor apresentou resposta à contestação, mantendo a sua posição.

4. Foi proferido despacho saneador, tendo sido fixado à ação o valor de € 20.618,37.

 

5. Efetuado o julgamento, foi proferida sentença na qual se decidiu julgar a ação parcialmente procedente, tendo sido:

  a) Declarado ilícito o despedimento do Autor, ocorrido em 29 de dezembro de 2011, condenando a Ré a reintegrá-lo nas suas funções de trabalhador agrícola, na Quinta ..., sem prejuízo da sua antiguidade, reportada a 01 de novembro de 2004;

  b) Condenada a Ré a pagar-lhe a quantia de € 1.500,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais;

  c) Condenada a Ré a pagar-lhe a quantia de € 15.361,12, a título de diferenças salariais;

  d) Condenada a Ré a pagar-lhe a quantia de € 29.064,14, a título de retribuições, que já incluem subsídios de férias e de Natal, devidas até 31 de outubro de 2015, bem como as retribuições que se vencerem, incluindo subsídios de férias e de Natal, até ao trânsito em julgado desta sentença;

  e) Condenada a Ré a pagar-lhe juros de mora, à taxa de 4% ao ano, até efetiva e integral satisfação das quantias atrás mencionadas, nos termos acima explicitados;

  f) Absolvida a Ré da instância quanto ao pedido de condenação a regularizar os descontos para a Segurança Social;

  g) Absolvida, no mais, a Ré do pedido efetuado pelo autor.

6. Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação tendo, para além do mais, impugnado o valor fixado à ação no despacho saneador.

7. O Tribunal da Relação decidiu manter o valor da ação fixado no despacho saneador e decidiu julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

8. Inconformada com esta decisão, a Ré interpôs recurso de revista, tendo formulado as seguintes conclusões:

PRIMEIRA CONCLUSÃO:

1. Seguindo o critério que é assumido no Acórdão recorrido e que reporta a jurisprudência deste Alto Tribunal perfilhada no Acórdão de 25/09/2014 e nele citado o valor da presente ação é de € 27.847,09;

2. Mas como se pedem, também, as remunerações “de trânsito” ou “de tramitação” este valor está sujeito a atualização por aplicação do n.º 4 do art.º 299.º do CPC, pelo que considerando o que consta da sentença da primeira instância quanto ao valor das mesmas liquidado até 31/10/2015 aquele valor deve ser elevado em mais 29.064,14 €, e/ou mais 7.203,00 € se se considerar a data de prolação do Ac. recorrido.

Donde:

3. O valor da causa, seguindo o critério adotado no Acórdão e com a atualização que é legalmente imposta por motivo do pedido das retribuições vincendas, será: € 27.847,09 + € 29.064,14 = € 56.911,23, na data da prolação da sentença da primeira instância, ou mais € 7.203,00 se se considerar a data de prolação do Acórdão recorrido.

4. No Acórdão recorrido fez-se uma aplicação errada do n.º 1 do art.º 297.º do CPC no seu segmento “benefício diverso” e não foi aplicado, como era devido, o n.º 4 do art.º 299.º do mesmo Código.

5. Assim sendo e no provimento do presente recurso, Vossas Excelências fixarão o valor da causa em, pelo menos, € 56.911,23, ou neste valor e mais € 7.203,00, em Boa aplicação do Direito e Boa Justiça.

SEGUNDA CONCLUSÃO:

1. Os depoimentos testemunhais estão devidamente citados e balizados no texto alegativo com a indicação concreta do seu inicio e termo e por referência ao que consta anotado nas gravações,

Acrescendo

2. Que foi junta a transcrição integral dos depoimentos e dela constam aquelas referências indicativas e também uma anotação (seta) do Advogado signatário indicando o início dos depoimentos nas partes citadas no texto alegativo.

Acrescendo, também

3. Que foi efetuada uma análise crítica da prova e no sentido de que os depoimentos testemunhais deveriam prevalecer na formação da convicção do Meritíssimo Senhor Juiz porque reportam a atuação diária e concreta do A. na execução da sua prestação laboral.

4. Tendo considerado que não foi cumprido o ónus de impugnação previsto no art.º 640.º do CPC, o Acórdão recorrido faz uma errada interpretação e aplicação daquele normativo, pelo que Vossas Excelências revogarão o que foi decidido e ordenarão que o Tribunal da Relação decida a questão que lhe foi submetida (sobre a alteração do facto 3.27).

TERCEIRA CONCLUSÃO:

1. Os factos dados como provados em 3.82 e 3.83, e em 3.10, 3.11 e 3.13 são relevantes para uma boa decisão em sede de direito, sendo que a) se os factos in 3.82 e 3.83 forem dados como não provados fica por provar a transferência da empresa/unidade económica e por isso não será aqui aplicável o art.º 285.º do CT, e b) se os factos elencados em 3.10, 3.11 e 3.13 forem dados como não provados não ficará provada a existência de conflito laboral entre o A. e a ora Recorrente o que, numa primeira análise, vedará a aplicação ao caso concreto do Acórdão deste STJ de 25/2/2009 e que é citado quer na sentença da primeira instancia, quer no Acórdão Recorrido como fundamento para a decisão em sede de direito.

2. Ao considerar estes factos como irrelevantes e, por isso, afastando o conhecimento da impugnação que sobre eles fora deduzida, o Acórdão recorrido faz uma interpretação errada do art.º 130.º do CPC

QUARTA CONCLUSÃO:

1. Estando peticionado o pagamento das remunerações de trânsito, cabe ao tribunal da primeira instância decidir sobre o respetivo âmbito e elementos de liquidação.

2. Por isso, cabe dentro dos respetivos poderes decidir se sim, ou não, o período de suspensão da instância decretado pelo/a Senhor/a Juiz/a durante a tramitação, naquela instância deverá ou não ser computado.

3. E tendo sido, cabe recurso dessa decisão pois que não se trata de questão nova porque já ínsita nos poderes de decisão do Tribunal da primeira instância.

4. O Acórdão ora recorrido erra na aplicação do art.º 627.º n.º 1 do CPC e na medida em que considera que se trata de questão nova e por isso não abrangida pela decisão judicial suscetível de recurso.

9. Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Excelentíssima Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso no que respeita ao valor da causa, com as consequências daí resultantes.

10. Nas suas conclusões a recorrente suscita as seguintes questões:

a) O valor da ação;

b) Saber se era de rejeitar a reapreciação da matéria de facto impugnada, por inobservância do art.º 640.º do CPC, e por se considerar irrelevante para a decisão da causa;

c) Saber se a questão das retribuições intercalares deve ser considerada uma questão nova, cuja apreciação estava vedada ao Tribunal da Relação.

 

Cumpre apreciar o objeto do recurso interposto.

           

                                                           II

1. A 1ª instância considerou provados os seguintes factos, que foram transcritos pelo Tribunal da Relação:

            Da petição inicial.

            3.1 Em 2 de fevereiro de 2012, o Autor apresentou neste Tribunal um requerimento de oposição ao que considerou ser um despedimento promovido pela Ré BB, Lda., dando, assim, início ao processo 64/12.4TTLMG, que seguiu a forma de ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento (cf. doc. 1 junto com a PI – fls. 18).

            3.2 Nesse processo, a ré veio a ser absolvida da instância por acórdão proferido em 29 de outubro de 2012 no Tribunal da Relação do Porto, com fundamento no disposto nos arts. 199.º, nºs 1 e 2, 493.º e 494.º, al. b) do CPC (cf. doc. 2 junto com a PI – fls. 19 a 25).

            3.3 Em 1 de novembro de 2004, DD, atual sócio gerente da Ré, contratou verbalmente o Autor para trabalhar sob as suas ordens, direção e fiscalização, na Quinta ... ..., de que era proprietário, com a categoria profissional de trabalhador agrícola, a tempo inteiro e pelo salário base mensal de € 514,50.

           3.4 Passando o Autor, desde então, a cumprir com as obrigações inerentes a essa categoria, sem deixar de exercer outras, sempre que lhe eram exigidas, durante um período de 8 horas, de segunda a sexta-feira, entre as 8h:30 e as 17h:30, com intervalo de uma hora para o almoço.

           3.5 O que fez assídua e pontualmente, com a maior diligência e zelo, sempre atuando com toda a lealdade e respeito pelas regras da empresa e pelas ordens que lhe eram dadas, nestes moldes até pelo menos 19 de abril de 2010.

            3.6 Durante o período de trabalho, o autor efetuou trabalhos de granjeio da quinta e esporadicamente trabalhos agrícolas na horta do quintal e manutenção do jardim da casa de residência do Sr. DD.

            3.7 A entidade patronal, dando-se conta de que o Autor estava preparado para manobrar máquinas agrícolas, logo passou a confiar-lhe também a condução do trator, das carrinhas e do empilhador, funções que exerceu com predominância até ao final do ano 2008.

            3.8 Entre abril e junho de 2008, quando o Autor estava a sulfatar a vinha, o trator com que estava a trabalhar capotou, provocando-lhe alguns ferimentos ligeiros.

           3.9 Posteriormente a esse acidente, o Autor começou a exigir à sua entidade patronal que lhe reconhecessem a categoria profissional de tratorista, mas tal pedido foi-lhe sempre recusado.

           3.10 Desde então as relações laborais entre o Autor e o patrão deterioraram-se; a partir do ano 2009, inclusive, nunca mais o Autor trabalhou com o trator ou com as restantes máquinas.

           3.11 Passando antes, por ordens da entidade empregadora, a executar tarefas que nunca até então lhe tinham sido exigidas, desde cortar as heras dos muros de suporte dos socalcos da vinha, o que fazia manobrando uma “foice” apenas apoiado na extremidade do muro de suporte ao respetivo calço, abrir buracos para implantação dos bacelos, usando para isso, um ferro, que pesa cerca de 8 quilos e limpar os baldes das vindimas.

           3.12 As tarefas de corte das heras dos muros de suporte e abertura de buracos com ferro para implantação dos bacelos são muito exigentes do ponto de vista físico e obrigaram o autor a efetuar, em relação ao corte de heras, durante cerca de dois meses e meio, movimentos manuais repetitivos e pesados e a adotar posturas corporais desgastantes.

           3.13 De tal forma que, volvidos alguns meses, com a prática reiterada de tais tarefas, o autor viu afetados os músculos e tendões das mãos e dos ombros, sentindo dores no exercício dos trabalhos agrícolas.

           3.14 Após vários exames às zonas afetadas, o seu médico de família diagnosticou-lhe diversos problemas de saúde associados ao tipo de trabalho que vinha realizando (cf. docs. 3 junto com a PI – fls. 26).

           3.15 Tal diagnóstico levou o médico responsável a efetuar a participação obrigatória para o CNPRP (cf. doc. 8 junto com a PI- fls. 31).

            3.16 Em 07 de julho de 2011, para avaliação do dano corporal no âmbito do direito do trabalho, o autor foi consultado por um outro médico, que elaborou um relatório acerca da sua situação clínica, atribuindo-lhe uma IPP de 10,1%, e onde se refere parecer ser resultantes da atividade profissional do Autor (cf. doc. 9 junto com a PI – fls. 32 a 34).

            3.17 Porque não podia prescindir do salário para fazer face aos seus encargos mensais, o Autor continuou a manter-se ao serviço da Ré.

            3.18 Por ordem da sua entidade empregadora, o Autor efetuou trabalho de poda das videiras em separado dos demais trabalhadores da quinta, devido ao facto de a sua produtividade para o serviço ser inferior à dos colegas.

            3.19 Em março de 2011, o Autor passou a trabalhar para a aqui Ré “BB, Lda.”.

            3.20 A Ré enviou ao Autor a carta de fls. 36/37, datada de 19 de julho de 2011, cujo teor, por brevidade de exposição se dá aqui por reproduzido (cf. doc. 10 junto com a PI – fls. 36/37).

            3.21 O Autor “meteu baixa por doença” a partir de 27 de julho a 16 de setembro de 2011 e de 17 de outubro a 15 de novembro de 2011 (cf. docs. 16 a 19 juntos pela Ré – fls. 159 a 162).

            3.22 Após o fim da “baixa”, o Autor apresentou-se ao serviço, desta feita, acompanhado de um atestado médico constante de fls. 38, cujo teor, por brevidade de exposição, se dá aqui por reproduzido (cf. doc. 11 junto com a PI – fls. 38)

           3.23 Além de não o ter autorizado a reiniciar o trabalho, por carta datada de 17 de novembro de 2011, que a Ré enviou ao Autor, comunicou-lhe que “considerava estarem reunidas as condições para invocar a caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o Autor continuar a prestar o seu trabalho” e, além disso, a dispensá-lo de comparecer na quinta, alegando que a sua presença perturbaria o normal desenvolvimento das tarefas levadas a cabo pelos demais operários (cf. doc. 12 junto com a PI – fls. 39).

           3.24 Tendo-lhe o Autor respondido por escrito que não concordava com aquela posição nem com a interpretação que a Ré estava a fazer do atestado médico a que se reportara, pelo que iria apresentar-se novamente ao serviço (cf. doc. 13 junto com a PI – fls. 40).

            3.25 Em resposta, a Ré escreveu-lhe nova carta constante de fls. 43-frente e verso, cujo teor, por brevidade de exposição, se dá aqui por reproduzido (cf. doc. 14 junto com a PI – fls. 43-frente e verso).

            3.26 Após essa carta, o Autor não apresentou baixa por doença, tendo-lhe a Ré, então, comunicado por carta datada de 29 de dezembro de 2011, a caducidade do contrato de trabalho com base naquele argumento, deixando claro que, a partir dali, deveria considerá-lo findo (cf. doc. 15 junto com a PI – fls. 44 e 45).

            3.27 Embora com esforços acrescidos, o Autor pode continuar a executar trabalhos rurais na vinha (relatórios periciais médicos dos autos, designadamente de fls. 277/278).

           3.28 O Autor tem sofrido com o facto de ter deixado de trabalhar para a Ré e exercer a sua profissão, passando aflições e angústias e tendo de pedir ajuda monetária a várias pessoas, com perda de autoestima e acometido por forte depressão (cf. doc. 16 junto com a PI – fls. 46 a 50).

           3.29 Por motivos de brevidade, considerou-se reproduzido o teor dos recibos de vencimento do Autor constantes de fls. 51 a 91 dos autos (cf. docs. 17 a 96 juntos com a PI), incluindo os descontos para a Segurança Social, consignando que das faltas ao trabalho deles constantes apenas são reais as que correspondem ao período de “baixa por doença” referidos em 3.21.

            Da contestação.

            3.30 A Ré foi citada para os termos do presente processo em 20/12/2012 (cf. aviso de receção de fls. 97 dos autos).

            3.31 Em 19/04/2010, o Autor cumpria um contrato de trabalho com DD e, na sua execução, o Autor trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização deste, sua entidade patronal, na “Quinta ...”, sita em ..., do Concelho de ....

           3.32 Esta “Quinta ...” é um terreno de vinha da Região Demarcada do Douro com árvores em bordadura, e destinada exclusivamente à produção de uvas para o fabrico de vinhos ditos “do Porto” e “de mesa”.

           3.33 O contrato foi celebrado na forma verbal vigorava por tempo indeterminado.

           3.34 Na sua execução, o Autor obrigou-se a praticar todos os atos próprios do granjeio duma vinha do Douro, os quais se executam sempre com o Autor e os outros trabalhadores, debruçados sobre as videiras, os arames e os esteios de suporte, o que sempre exige grande esforço físico.

           3.35 O Autor estava obrigado a trabalhar de segunda a sexta-feira.

           3.36 Em 19/04/2010, o Autor escreveu e remeteu ao CC, que recebeu, uma carta acompanhada de três documentos médicos (documentos juntos pela Ré com os n.ºs 1, 2, 3 e 4 – fls. 138 a 141).

            Do teor desta carta, salienta-a a seguinte passagem:

           “Conforme resulta da “Declaração”, presentemente só posso realizar trabalhos leves”.

            E quanto ao doc. 4 (“Declaração Médica”, respeitante ao A.):

            “O doente deve permanecer de baixa médica ou fazer trabalhos leves”.

           3.37 A esta carta, o CC respondeu pela sua carta datada de 28/04/2010, junta pela Ré com o n.º 5 – fls. 142, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, e do seu teor destaca-se a seguinte passagem:

          “Ora, na “Quinta ... não há trabalhos leves, nem pesados, mas apenas e, para toda a gente, os trabalhos próprios de trabalhador agrícola indiferenciado. Francamente, não sei que trabalhos ditos leves lhe posso atribuir, por período que, suponho, será longo! E dado este enquadramento, o Sr. deverá esclarecer-me: (1.) Durante quanto tempo, previsivelmente, pretende o Sr. realizar os ditos trabalhos leves? e (2.) uma vez que na declaração médica se diz que em vez destes ditos trabalhos leves, o Sr. pode “permanecer de baixa médica”, porquê não se optou por esta?”

            3.38 O Autor recebeu esta carta (cf. doc. 6 junto pela ré – fls. 143) mas não deu qualquer resposta.

           3.39 Manteve-se ao serviço do CC, trabalhando na quinta referida, mas revelando grandes dificuldades físicas em cumprir com as tarefas diárias que lhe eram atribuídas.

           3.40 Por ordem da entidade patronal, passou a trabalhar separado dos demais trabalhadores da quinta e uma vez que a sua produtividade para o mesmo serviço era muito inferior à dos demais trabalhadores.

           3.41 Em março de 2011, o CC emitiu e enviou ao Autor a sua carta junta pela Ré como doc. 7 – fls. 144, cujo teor se dá aqui por reproduzido, e que o Autor recebeu em 15/03/2011 (cf. doc. 8 junto pela Ré – fls. 145).

            Do seu teor, destaca-se as seguintes passagens:

           “Passado quase um ano, verifica-se que o Sr. continua a sofrer da incapacidade que, na altura, o seu médico atestava e a sua produtividade é quase zero, ou seja produz muito abaixo dos demais trabalhadores.

            Ora, esta situação de indefinição quanto ao seu estado de saúde (era uma doença transitória ou tornou-se definitiva?) e consequente produtividade não pode continuar, sob pena de quebra grave da disciplina interna no trabalho da quinta, pelo que urge esclarecer a situação.

            Assim sendo, se o Sr. está incapacitado deve apresentar-me no prazo de oito dias o atestado médico de incapacidade multiusos emitido pelo seu médico de família para minha análise”.

            3.42 O Autor não respondeu a esta carta, nem enviou o atestado médico.

            3.43 Em 07/04/2011 a Ré emitiu e dirigiu ao Autor a carta junta pela Ré como doc. 9 – fls. 146, cujo teor aqui se dá por reproduzido, salientando-se o seguinte:

“concedemos-lhe o prazo adicional e último de cinco dias úteis, para nos entregar um

atestado médico, emitido pelo seu médico de família atestando se o Sr. está apto, ou não, para a prática de todos os atos próprios de um trabalhados rural numa quinta da Região Demarcada do Douro”.

            3.44 O Autor recebeu esta carta em 08/04/2011 (doc. 10 junto pela Ré – fls. 147), mas nada respondeu.

            3.45 Mas entregou em mão o “Atestado Médico” junto pela Ré como doc. 11 – fls. 148, e do seu teor destaca-se:

           “Atendendo ao descrito este trabalhador neste momento está apto para trabalhos fisicamente considerados leves, dado que insiste em dizer que não aguenta serviços mais pesados”.

           3.46 Como o Autor recusava a prática de alguns trabalhos que lhe eram ordenados, alegando que não podia realizá-los, em 28/04/2011 a Ré emitiu e enviou ao Autor a carta junta pela Ré como doc. 12 – fls. 149, cujo teor aqui se dá por reproduzido, salientando-se o seguinte:

            “Informamos que nesta data damos inicio a um inquérito prévio a um eventual processo disciplinar por desobediência reiterada às ordens que lhe são dadas”,

            3.47 Entretanto, a Ré teve notícia de que o Autor requerera ser submetido a exame médico no “Centro Nacional de Proteção contra Riscos Profissionais” (CNPRP).

            Naquela carta também se pediu ao Autor para “remeter-nos, no prazo de cinco dias, cópia do resultado do exame médico a que foi submetido no Centro Nacional de Proteção contra Riscos Profissionais, a fim de podermos avaliar devidamente aquele seu procedimento”.

            3.48 O Autor não remeteu à Ré o resultado daquele exame, nem em resposta a esta carta, nem posteriormente aquando de novas insistências da Ré no mesmo sentido.

            3.49 O Autor acabou por ser submetido a processo disciplinar e no âmbito do mesmo foi contra ele deduzida a nota de culpa (embora da mesma conste a data de 16/04, tratou-se dum lapso pois queria escrever-se 16/05), que lhe foi remetida e ele recebeu em 17/05/2011 (docs. juntos pela ré com os n.ºs 13 e 14 – fls. 151 a 153).

            3.50 O Autor respondeu nos termos que constam do doc. junto pela ré com o n.º 15 – fls. 154 a 158.

            3.51 Estando pendente o processo disciplinar, o Autor remeteu à Ré quatro Certificados de Incapacidade Temporária para o Trabalho por Estado de Doença (docs. 16 a 19 juntos pela ré – fls. 159 a 162), e esteve “de baixa” de 27 de julho a 16 de setembro de 2011 e de 17 de outubro a 15 de novembro de 2011.

            3.52 O processo disciplinar acabou arquivado em 16/08/2011 e nos termos da “Proposta” e “Decisão” que se anexam (doc. 20 junto pela Ré – fls. 163,) cujo teor aqui se dá como reproduzido.

           3.53 Finda aquela baixa médica, o Autor apresentou-se a trabalhar e entregou o “atestado médico”, passado pelo seu médico de família, datado de 11/11/2011, junto pela Ré como doc. n.º 21 – fls. 164, cujo teor aqui se dá por reproduzido, destacando-se a seguinte passagem:

           “padece de patologia ostio-articular e musculo-tendinosa crónicas que o impedem de exercer regularmente a sua profissão de trabalhador agrícola”

           3.54 Em face desta afirmação do médico, a Ré escreveu ao Autor a sua carta datada de 17/11/2011, junta pela Ré como doc. n.º 22 – fls. 165, e que o Autor recebeu (doc. 23 junto pela Ré – fls. 166), cujo teor aqui se dá por reproduzido destacando-se a seguinte passagem:

            “tendo em conta o teor do “Atestado Médico” datado de 11 p. p., …………, do qual destacamos a parte que diz que o Sr. padece de patologias que o impedem de exercer regularmente a sua profissão de trabalhador agrícola”, consideramos que estão reunidas as condições para invocarmos a caducidade do contrato de trabalho que entre nós vigora e por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o Sr. continuar ao nosso serviço como trabalhador rural permanente”

            Mais se acrescentando:

            “dado este enquadramento, concedemos-lhe o prazo de cinco dias úteis parra nos dizer o que tiver por conveniente quanto àquele nosso entendimento”

            3.55 A esta carta o Autor respondeu pela sua carta datada de 22/11/2011junta pela Ré como doc. 24 – fls. 167, cujo teor se dá aqui reproduzido.

            3.56 A Ré respondeu-lhe por sua carta datada de 05/12/2011, junta pela Ré como doc. 25 – fls. 168/169, cujo teor aqui se dá por reproduzido e que o Autor recebeu em 06/12/2011 (doc. 26 junto pela Ré – fls. 170).

            3.57 Na mesma escreveu-se na sua parte final:

            “O Sr. deve escolher, ou :(a) no prazo de oito dias nos apresenta baixa médica justificativa da sua incapacidade para trabalhar a qual deve ser sempre renovada até nos seja dado conhecimento da decisão final do CNPRP, ou (b) se tal não ocorrer seremos obrigados a concluir, que na situação atual e que nos participou e visto o teor daquele atestado médico, o contrato de trabalho caduca por impossibilidade superveniente e definitiva da sua parte para cumpri-lo”.

           3.58 O Autor respondeu por sua carta de 13/12/2011, junta pela Ré como doc. n.º 27 – fls. 171, mas não apresentou à ré baixa médica justificativa da sua incapacidade para trabalhar.

           3.59 A Ré emitiu e enviou ao Autor a carta datada de 29/12/2011, junta à PI como doc. 15 – fls. 44 e 45 -, cujo teor se dá aqui por reproduzido.

            3.60 A “Quinta ...” tem uma área de cerca de 40 hectares, neles se incluindo um terreno de horta, quintal e jardim com cerca de 400 m2 (cf. doc. de fls. 320, 321 e 324/325).

           3.61 O Autor foi contratado para exercer como trabalhador agrícola permanente (quer dizer: todos os dias úteis, ao longo de todo o ano, exceto férias) nesta quinta e providenciando todos os atos de granjeio da mesma, os quais se desenrolam sobre as videiras e todos exigem grande esforço físico, com exceção da espampa e controlo do desenvolvimento das videiras, corte das varas e ramagem.

           3.62 Na quinta da Ré, o ciclo de granjeio da vinha inicia-se em dezembro com a poda das videiras, ou seja, o corte das varas e ramificações que prejudiquem o início de desenvolvimento da videira após a vindima.

           3.63 Trabalho este que é feito com tesoura própria e com o trabalhador debruçado sobre a videira, e desenrola-se até fevereiro/março.

            3.64 Segue-se, a partir de março, a “retancha” que consiste em retirar as videiras mortas, abrir, com um ferro, um buraco na terra e aplicar-lhe o novo bacelo.

            3.65 Ainda em março e princípios de abril: recolher e destruir a lenha que resultou da poda, trabalho executado, na maior parte por trator, ou por apanha à mão nos locais onde este não pode aceder.

           3.66 Ainda em abril: aplicação de herbicida, trabalho efetuado por trator, ou por mangueira que é estendida à mão até aos locais onde aquele não acede.

           3.67 Também em abril, “enxertia”: preparar a videira para receber o “enxerto” e, depois do trabalho do enxertador, aconchegar a terra no pé da videira.

            3.68 Maio e seguintes, “tratamentos”: deitar pesticidas, enxofre e produtos fitossanitários, e “espampar: guiar as videiras para os arames e segurá-las.

           3.69 Junho e julho: controlo do desenvolvimento das videiras, corte das varas e ramagem, tudo com vista à próxima vindima.

           3.70 Setembro e outubro, vindima: espalhar os cestos pela propriedade à medida que a vindima avança e recolhê-los.

           3.71 Todas estas tarefas, com exclusão da espampa e do controlo do desenvolvimento das videiras, corte das varas e ramagem, exigem ao trabalhador agrícola esforço físico. Todas as tarefas referidas exigem movimento de braços e do tronco, e debruçar-se sobre as videiras e a terra.

           3.72 O Autor, devido a doença que o afetava, não conseguia realizar a retancha, que recusou fazer, e as outras tarefas fazia com dificuldades e com menos produtividade do que os outros trabalhadores.

            3.73 Outras tarefas não há no trabalho da quinta.

           3.74 O Autor conduzia o trator quando era necessário aos trabalhos de granjeio da vinha, o que, até certa altura, dividia com o seu colega de trabalho EE.

           3.75 Aqueles trabalhos, além de outros, são: destroçar as videiras, aplicação de herbicida, enxofre e produtos fitossanitários.

            3.76 O Autor efetuava aqueles trabalhos com o trator.

            3.77 Também conduzia, se necessário, o trator durante a vindima (duração de cerca de um mês), trabalho também repartido com aquele seu colega.

           3.78 E também o empilhador no armazém por altura do engarrafamento de vinhos, mas não mais de oito dias por ano.

           3.79 Após o referido em 3.9 e 3.10, o Autor recusou-se a continuar a conduzir o trator ou qualquer máquina.

           3.80 As tarefas referidas em 3.11 são próprias do trabalhado agrícola numa quinta da Região Demarcada do Douro, que outros trabalhadores executaram em conjunto com o Autor ou, noutras ocasiões, antes dele.

            Da resposta à contestação.

           3.81 Em 19 de abril de 2012, a Ré foi notificada do articulado apresentado pelo Autor na ação referida em 3.1, onde peticionou, pela primeira vez, os créditos agora pedidos na presente ação.

           3.82 O Sr. CC, que explorava a Qt.ª ..., em nome individual, optou por criar uma sociedade, da qual é sócio gerente, para com ela continuar a exercer precisamente a mesma atividade de viticultura, tendo transferido para a sociedade, em finais de fevereiro de 2011, a quinta, as máquinas e os trabalhadores, que assim continuou a ser explorada.

           3.83 O Autor nunca foi informado sobre a data e motivos da transmissão da exploração da quinta, nem antes nem depois da transmissão.

            Factos considerados ao abrigo do disposto no art.º 72.º, n.º 1 do CPT.

           3.84 O médico de família do Autor, Sr. Dr. FF, em face da doença que atesta nas declarações que subscreveu e que estão juntas ao processo, aconselhou o Autor desde o primeiro diagnóstico a observar repouso, não trabalhar e entrar em baixa médica.

           3.85 O Autor recusou seguir esta prescrição médica e quis continuar a trabalhar.

           3.86 O mesmo médico aconselhou o Autor a submeter-se a tratamento de fisioterapia.

            3.87 O Autor recusou seguir esta prescrição médica.

2. Os presentes autos respeitam a ação declarativa comum instaurada em 11/12/2012, tendo o acórdão recorrido sido proferido em 24/11/2016.

Assim sendo, são aplicáveis:

- O Código de Processo do Trabalho na versão atual.

- O Código de Processo Civil na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.

3. Como já se referiu, a primeira questão que se coloca na presente revista consiste em saber se o Tribunal da Relação devia ter mantido o valor da ação fixado pela 1.ª instância.

O art.º 306.º, n.º1, do Código de Processo Civil, estipula que compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes.

A propósito desta disposição legal, o Juiz Conselheiro Salvador da Costa[1] escreveu:

O n.º 1 estabelece competir ao juiz a fixação do valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes. É uma solução inspirada no relevo do valor processual da causa, quanto à forma do processo comum executivo para pagamento de quantia certa, à sua relação com a alçada do tribunal e à competência das secções de competência cível.

No regime pretérito, o valor da causa era suscetível de ser relevantemente acordado, expressa ou tacitamente, pelas partes, salvo se o juiz, findos os articulados, entendendo que o acordo estava em flagrante oposição com a realidade, fixasse à causa o valor que considerasse adequado.

Mas se o juiz, por qualquer motivo, não usasse esse poder, o valor processual da causa, proferido que fosse o despacho saneador ou a sentença, conforme os casos, considerava-se definitivamente fixado na quantia acordada.

As partes indicavam frequentemente para a causa valor desconforme com a utilidade económica do pedido e a lei e, não raro, o juiz não proferia o respetivo despacho de fixação do valor da causa, desvirtuando-se, por via disso, o regime de admissibilidade dos recursos e a própria obrigação de pagamento da taxa de justiça.

A referida alteração visou obstar, além do mais, às mencionadas consequências. Agora, independentemente da posição das partes relativamente ao valor da causa, o juiz tem de o fixar, podendo, para o efeito, nos termos dos artigos 308.º e 309.º, ordenar diligências.

Assim, o acordo expresso ou tácito das partes quanto ao valor processual da causa já não releva com vista à sua fixação, impondo-se ao juiz a verificação da sua conformidade com os factos e a lei.

Em suma, o juiz tem que ajuizar sobre a objetividade do acordo a que as partes chegaram sobre o valor da causa. (…)

Também, em anotação ao art.º 306.º, do Código de Processo Civil, Abílio Neto[2] escreve:

 Embora as partes continuem obrigadas a indicar o valor da causa na petição inicial (art.º 552.º-1-f), sob pena de recusa do articulado (art.º 658.º-e), após o DL n.º 303/2007 o juiz passou a ter uma intervenção ativa muito mais acentuada na fixação desse valor, sobrepondo-se ao acordo das partes, o que fará, em regra, no despacho saneador, ou antes (se houver a admissão de recursos interpostos de decisões anteriores), ou na sentença, ou ainda no despacho de admissão do recurso (art. os 306.º e 641.º).

O poder-dever atribuído ao juiz de fixar o valor da causa, mesmo quando o valor aceite pelas partes, tácita ou expressamente, não esteja “em flagrante oposição com a realidade” (anterior n.º 1 deste artigo), teve por objetivo declarado dificultar a interposição (artificial) de recursos.

É nesta perspetiva que se compreende e explica a regra enunciada no nº 3 deste preceito.

Assim, cabendo ao juiz do tribunal de primeira instância fixar o valor da causa está vedado aos tribunais de recurso usarem as faculdades previstas no art.º 306.º do Código de Processo Civil.

Se o valor da causa não for fixado no despacho saneador, na sentença, ou em despacho proferido incidentalmente sobre o requerimento de interposição de recurso, deve a parte interessada arguir a nulidade, provocando despacho recorrível.

Por outro lado, se a parte interessada não concordar com o valor fixado pelo juiz à causa deve impugnar o mesmo.

No caso concreto dos autos, o Autor indicou na petição inicial o valor de € 20.628,37, como sendo o valor da ação, correspondendo a € 15.618,37 de diferenças salariais e € 5.000,00 de danos não patrimoniais.

A Ré, na sua contestação, impugnou o valor indicado.

O tribunal, no despacho saneador, fixou à causa o valor de € 20.628,37.

Em sede de recurso de apelação, a Ré impugnou o valor da causa, pugnando que o mesmo fosse fixado em € 50.518,48.

O Tribunal da Relação, apreciando a questão, decidiu manter o valor da ação em € 20.618,37, tendo referido o seguinte:

Reage a apelante contra o valor fixado em sede de despacho saneador - € 20.618,37, entendendo que se lhe devem somar € 30.0001,00, em virtude de se ter de considerar o pedido de reintegração como representando um interesse imaterial, nos termos art.º 312º, nº 1, do CPC (na versão em vigor na data da apresentação da contestação, ou seja a anterior à reforma introduzida pela Lei nº 41/2013, de 26/6).

Sem razão, contudo, dado que não estamos perante nenhum interesse imaterial, tal como se decidiu no Acórdão do STJ de 25/9/2014, in www.dgsi.pt e citado no parecer do Exmº PGA, devendo o valor pedido da reintegração encontrar-se na ponderação entre o valor da retribuição auferida pela autor e a sua antiguidade ao serviço do réu, o que foi atendido no despacho de fixação do valor.

A recorrente insurgiu-se contra este entendimento, aduzindo os seguintes argumentos:

- Seguindo o critério que é assumido no Acórdão recorrido e que reporta a jurisprudência deste Alto Tribunal perfilhada no Acórdão de 25/09/2014 e nele citado o valor da presente ação é de € 27.847,09;

- Como se pedem, também, as remunerações “de trânsito” ou “de tramitação” este valor está sujeito a atualização por aplicação do n.º 4 do art.º 299.º do CPC, pelo que considerando o que consta da sentença da primeira instância quanto ao valor das mesmas liquidado até 31/10/2015 aquele valor deve ser elevado em mais € 29.064,14, e/ou mais € 7.203,00 se se considerar a data de prolação do Ac. Recorrido;

- Logo o valor da causa, seguindo o critério adotado no Acórdão e com a atualização que é legalmente imposta por motivo do pedido das retribuições vincendas, será: € 27.847,09 + € 29.064,14 = € 56.911,23, na data da prolação da sentença da primeira instância, ou mais € 7.203,00 se se considerar a data de prolação do Acórdão recorrido.

A recorrente discordando do valor que foi fixado à causa, no despacho saneador, no montante de € 20.618,37, defende que, nos termos de um Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 25/09/2014, o valor da ação deveria ser de € 27.847,09, acrescentando que a esse valor deveria ser somado o valor das retribuições que deixou de auferir desde o despedimento, que na liquidação feita pela sentença da 1.ª instância ascendem a € 29.064,14, e ainda mais € 7.203,00 se se considerar a data de prolação do Acórdão recorrido.

O Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 25/09/2014[3], relatado pelo Juiz Conselheiro Melo Lima, pronunciou-se sobre a determinação do valor da causa nas ações em que como acessório ao pedido principal, no caso a declaração da ilicitude do despedimento, se pedem rendimentos vincendos.

Nesse aresto pode ler-se:

“O critério geral para a determinação do valor coincide, pois, com a utilidade económica imediata que pela ação se pretende obter.

Como se avalia essa utilidade?

Perguntava e respondia Alberto dos Reis:

«A resposta é simples. Vê-se qual é o fim ou o objetivo da ação e depois procura-se a equivalência económica desse objetivo. (…) a equivalência económica consiste na indicação da quantia em dinheiro correspondente ao objetivo da ação.

Ora o objetivo duma ação conhece-se pelo pedido que o autor faz. De maneira que o princípio fundamental da fixação do valor enuncia-se assim: Valor da causa igual a valor do pedido expresso em moeda legal.»

Entende-se pertinente ter presente, ainda, que, como bem refere Abrantes Geraldes, nesta questão do valor processual, «Como em quase todas as opções legislativas no campo do direito processual civil e da orgânica judiciária, pretendeu o legislador compatibilizar o interesse da segurança jurídica, potenciada, eventualmente, pelos sucessivos graus de jurisdição, com outros interesses de não inferior relevância: celeridade processual, dignificação dos tribunais superiores, impedir a massificação de recursos nos tribunais superiores, redução ou controle da despesa pública, etc.

Se, em princípio, o duplo ou o triplo grau de jurisdição são capazes de conferir maior segurança às decisões judiciais, não podem servir para confrontar os juízes dos tribunais superiores com todo o tipo de questões, (algumas de “lana caprina”) que são apresentadas nos tribunais inferiores.»

Retomemos a apontada carência de razão.

Carência de razão, na justa medida em que nas ações, como a presente, em que, como acessório ao pedido principal - consistente no pedido de declaração de ilicitude do despedimento - se peticionam rendimentos já vencidos e vincendos, não tem lugar a aplicação do disposto no reclamado artigo 309.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, atual artigo 300.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, antes são aplicáveis as regras gerais constantes do 306.º, e que, na sua essência, correspondem ao atual artigo 297.º, ns.º 1 e 2.

Na verdade, estipula o n.º 2 do artigo 306.º que, cumulando-se na mesma ação vários pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; mas quando, como acessório do pedido principal se pedirem juros, rendas e rendimentos já vencidos e os que se vencerem durante a pendência da causa, na fixação do valor atende-se somente aos interesses já vencidos.

Doutro passo, o artigo 308.º - atual artigo 299.º, do Código de Processo Civil -, sob a epígrafe,  Momento a que se atende para a determinação do valor, estabelece que na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta (n.º 1), apenas excetuando dessa regra, o caso de o réu deduzir reconvenção ou de haver intervenção principal, em que o valor do pedido formulado pelo réu ou pelo interveniente, quando distinto do deduzido pelo autor, se soma ao valor deste (n.º 2), e, ainda, os processos de liquidação ou outros em que, analogamente, a utilidade económica do pedido só se define na sequência da ação, sendo o valor inicialmente aceite corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários (n.º 3).

Ora, na presente ação, a autora peticionou, a título principal, e no que ora releva, a declaração de ilicitude do despedimento que afirma ter sido promovido pela ré. Acessoriamente a esse pedido formula aqueles outros de condenação da ré no pagamento das retribuições vencidas e vincendas, na sua reintegração e no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais.

            Não obstante a autora não ter, à semelhança do que fez com os demais pedidos, atribuído qualquer valor ao pedido da reintegração - o qual há de encontrar-se, conforme decidido pela Relação, na ponderação entre o valor da retribuição auferida pela autora e a sua antiguidade ao serviço da ré - o certo é que, na ação, pedem-se quantias certas em dinheiro, expressas em moeda legal, as quais representam a utilidade económica imediata do pedido, sendo esse o valor da causa, segundo o critério geral consagrado para a sua fixação nos artigos já citados e cujo regime foi o seguido no Acórdão recorrido.

 Quanto às retribuições vincendas, não têm as mesmas, face ao exposto, qualquer influência na fixação do valor da causa, mormente por via do recurso ao critério sustentado pelo recorrente, já que, como bem resulta das normas indicadas, o valor da causa reporta-se aos interesses já vencidos à data da formulação do pedido, sendo irrelevantes para tal fixação os valores dos interesses que se venham a vencer durante a sua pendência, sendo, ainda, de relevar a circunstância de inexistir norma que consinta, numa fase adiantada do processo, a correção do valor decorrente dos pedidos formulados.

O recurso ao critério ínsito no art. 309.º, do Código de Processo Civil, para a fixação do valor da causa é aplicável aos casos em que, com base em relações de caráter duradouro ou de trato sucessivo, o autor pede o cumprimento não só de prestações já vencidas, mas também de prestações que só se vêm a tornar exigíveis no desenvolvimento da relação contratual subjacente, o que não é, manifestamente, o caso da presente ação, não só, como dito, por a pretensão principal do autor não assentar no pedido de cumprimento de prestação - mas sim no pedido de declaração de ilicitude do despedimento - mas também por as denominadas retribuições vincendas não serem exigíveis por causa do desenvolvimento da lide, antes o sendo - se assim se decidir - pelo reconhecimento da ilicitude da cessação de um vínculo contratual.”

Muito antes, já no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-01-2009[4], relatado pelo Juiz Conselheiro Pinto Hespanhol, se sumariou:

Pedindo-se, na ação, quantias certas em dinheiro, expressas em moeda legal, que representam a utilidade económica imediata do pedido, é esse o valor da causa, segundo o critério geral consagrado nos artigos 305.º, n.º 1, e 306.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, não tendo influência na fixação do valor da causa «as quantias que terá, efetivamente, de pagar no futuro», tal como não têm qualquer influência na fixação do valor da causa as retribuições e juros vincendos (artigo 306.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

A questão foi então desenvolvida nos seguintes termos:

“Estipula o n.º 2 do artigo 306.º que, cumulando-se na mesma ação vários pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; mas quando, como acessório do pedido principal se pedirem juros, rendas e rendimentos já vencidos e os que se vencerem durante a pendência da causa, na fixação do valor atende-se somente aos interesses já vencidos.

Por outro lado, o artigo 308.º, sob a epígrafe, Momento a que se atende para a determinação do valor, estabelece que na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta» (n.º 1), apenas excetuando dessa regra, «o caso de o réu deduzir reconvenção ou de haver intervenção principal, em que o valor do pedido formulado pelo réu ou pelo interveniente, quando distinto do deduzido pelo autor, se soma ao valor deste» (n.º 2), e, ainda, os processos de liquidação ou outros «em que, analogamente, a utilidade económica do pedido só se define na sequência da ação, sendo o valor inicialmente aceite corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários (n.º 3).

No caso, não se configura um processo de liquidação ou outro em que, analogamente, a utilidade económica do pedido só se define na sequência da ação.

De facto, na presente ação pedem-se quantias certas em dinheiro, expressas em moeda legal, que representam a utilidade económica imediata do pedido, sendo esse o valor da causa, segundo o critério geral consagrado nos artigos 305.º, n.º 1, e 306.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, não tendo influência na fixação do valor da causa as quantias que terá, efetivamente, de pagar no futuro.

E as retribuições e juros vincendos não têm, igualmente, qualquer influência na fixação do valor da causa (artigo 306.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).”

Na situação em apreço, estamos perante uma ação de processo comum em que o Autor impugna o despedimento e pede a condenação da Ré a reintegrá-lo no seu posto de trabalho.

Atendendo à jurisprudência citada, bem firmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, devem ser considerados os critérios gerais para a fixação do valor, previstos no art.º 297.º do Código de Processo Civil.

Por outro lado, resulta do art.º 299.º n.º1 do Código de Processo Civil que na determinação do valor da causa deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, sendo certo que o A. pediu a quantia € 20.628,37, correspondendo a € 15.618,37 de diferenças salariais e € 5.000,00 de danos não patrimoniais.

Como não estamos perante um processo de liquidação ou outro em que, analogamente, a utilidade económica do pedido só se define na sequência da ação, não há que aplicar o disposto no n.º 4 do art.º 299.º do Código de Processo Civil.

Assim, não é de atender à pretensão da R. quando pretende que se considere o valor das retribuições vincendas no valor da ação.

O Autor, na sua petição inicial, pediu que se declarasse a ilicitude do seu despedimento e a respetiva reintegração, não tendo optado pela indemnização, pelo que o valor da mesma também não poderia ser considerado.

Assim, bem andou o Tribunal da Relação ao manter o valor da causa que foi fixado pela 1.ª instância no despacho saneador em € 20.628,37.

Atento o disposto no art.º 629.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que dispõe que o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, temos de concluir, que no caso concreto, não se encontra preenchido, logo, o primeiro requisito, para que se possa conhecer das restantes questões suscitadas no recurso de revista.

                                                                                             

                                                                       III

            Pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) Negar a revista na parte respeitante ao valor da causa;
b) Não conhecer das restantes questões suscitadas na revista.

Custas a cargo da recorrente.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 22 de junho de 2017.

Chambel Mourisco (Relator)

Pinto Hespanhol

Gonçalves Rocha

__________________
[1] Os Incidentes da instância, 2016, 8ª edição, pág. 60 e seguintes.
[2] Novo Código de Processo Civil, Anotado, 3.ª edição revista e ampliada, maio/2015, pág. 369-370.
[3] Revista n.º 3648/09.4TTLSB.L1.S1- 4.ª Secção.
[4] Recurso n.º 2469/08 - 4.ª Secção; processo  08S2469.