Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
241/20.4YRPRT.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: REVISÃO E CONFIRMAÇÃO DE SENTENÇA
DECISÃO DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA
ESCRITURA PÚBLICA
DIVÓRCIO
Data do Acordão: 03/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA E A REVISÃO DA ESCRITURA NOTARIAL
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - A decisão que consta do art. 978º do CPC deve ser entendida de forma ampla, de modo a abranger decisões proferidas quer por autoridades judiciais quer por autoridades administrativas;

 II - Por provir de autoridade administrativa (tabelião ou substituto), a escritura pública, prevista no art. 733º do Código de Processo Civil brasileiro, através da qual se pode realizar o divórcio consensual dos cônjuges, com fundamento em separação de facto por mais de dois anos, previsto no art. 1580.º parágrafo 2º do Código Civil Brasileiro, consubstancia uma decisão administrativa que deve ser equiparada a uma decisão sobre direitos privados, abrangida pela previsão do art. 978º do CPC, carecendo, por isso, de revisão para produzir efeitos em Portugal.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:

*




 AA, residente em ......, ......., Brasil, e BB, residente em ...., Portugal, instauraram no Tribunal da Relação do ...... acção especial de revisão e confirmação de sentença estrangeira, pedindo a revisão e confirmação para todos os efeitos legais da decisão que decretou o divórcio dos requerentes, por escritura pública lavrada em 06 de Maio de 2019.

Juntaram certidão da escritura pública de divórcio e certidão do assento de casamento transcrito para Portugal através do Assento n.º ...43 do ano 2014 do Consulado Geral de Portugal no ....., Brasil.

Porém, a Relação decidiu julgar a acção improcedente e recusar a revisão e confirmação do acto apresentado pelos requerentes.

 E fê-lo com base nos fundamentos que sintetizou assim:

 “1.  O divórcio «directo consensual» que a lei brasileira permite que seja celebrado extrajudicialmente por escritura pública é um acto cujo efeito jurídico se produz naquele ordenamento sem a intervenção de uma autoridade, judicial ou administrativa, chamada a controlar, homologar ou decidir sobre a produção do efeito da extinção do casamento, o qual se produz ali por mero efeito potestativo da vontade dos cônjuges.

2. A acção de revisão de sentença estrangeira do nosso ordenamento jurídico tem por objecto especial verificar e reconhecer entre nós o efeito jurídico produzido por uma decisão jurisdicional ou equiparada sobre direitos privados, de modo que esse efeito seja aceite e tratado no nosso ordenamento jurídico como o efeito de uma decisão do sistema judicial ou administrativo e não, simplesmente, como efeito jurídico caucionado pela ordem jurídica estrangeira onde se produziu.

 3. O divórcio consensual celebrado no Brasil pelos cônjuges por escritura pública não é passível de revisão e confirmação entre nós através da acção de revisão de sentença estrangeira.

4. O acto de registo do divórcio lavrado no registo civil brasileiro com base na escritura pública de divórcio pode ingressar no registo civil nacional (e adquirir aqui o efeito e o valor de acto de registo civil) em face de documento que, de acordo com a respectiva lei, comprove a sua inscrição no registo e mediante a prova, a efectuar perante o nosso registo civil, de que o divórcio não contraria os princípios fundamentais da ordem pública internacional do Estado Português (artigos 6.º e 7.º do Código de Registo Civil).

O acórdão da Relação teve, no entanto, um voto de vencido que assentou a sua discordância no sentido de que a escritura pública de divórcio directo, lavrada em 6 de Maio de 2019, pode ser equiparada a uma sentença para efeitos da sua revisão e confirmação, louvando-se, para o efeito, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.06.2013, proferido no processo n.º 623/12.5YRLSB.S1, acessível em www.dgsi.pt, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.05.2013, proferido no processo n.º 687/12.1YRLSB.S1 e no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12.07.2005, acessível in www.dgsi.pt..

 Não se conformaram os requerentes que do acórdão interpuseram recurso de revista ampliada, que foi, todavia, indeferida pelo Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.

  E, por isso, devem os autos prosseguir como revista normal.

 As conclusões que rematam o recurso de revista são as seguintes:

 “A. Os Recorrentes vêm interpor recurso de revista do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do ......, em 22 de Outubro de 2020, que julgou a presente ação improcedente e recusou a revisão e confirmação do ato apresentado pelos Recorrentes, com um voto de vencido, na medida em que, salvo o devido respeito, o mesmo se encontra em clara violação do enquadramento legal aplicável in casu nos termos estatuídos nos artigos 978.º e ss. do CPC, em conjugação com as disposições normativas constantes dos artigos 6.º, 7.º, 10.º e 11.º do Código do Registo Civil, conduzindo, em certa medida, a uma errada aplicação da lei de processo, nos termos do artigo 674.º, n.º 1, alínea b) do CPC, ao interpretar que o divórcio consensual celebrado no Brasil pelos cônjuges por escritura pública não é passível de revisão e confirmação através da ação de revisão de sentença estrangeira, nos termos do artigo 978.º e seguintes do CPC.

 B. Os Recorrentes não se conformam com a fundamentação do acórdão recorrido de que o ato por apresentado pelos Recorrentes - escritura pública de divórcio direto consensual, lavrada em 06 de Maio de 2019 no … Ofício de Notas do .............., Brasil que dissolveu o casamento civil celebrado entre os Recorrentes - seja um ato cujo efeito jurídico se produz no ordenamento jurídico brasileiro, sem a intervenção de uma autoridade, judicial ou administrativa, chamada a controlar, homologar ou decidir sobre a produção do efeito da extinção do casamento, ou seja, que se produz por mero efeito potestativo da vontade dos cônjuges, e que nesse sentido o ato de registo do divórcio lavrado no registo brasileiro, pode, segundo o raciocínio plasmado no acórdão recorrido ingressar no registo civil nacional, nos termos do artigo 6.º e 7.º do Código de Registo Civil, sem necessidade de socorrer-se de ação de revisão de sentença estrangeira prevista nos artigos 978.º e ss. do CPC, para que a referida escritura pública obtenha eficácia jurídica em Portugal, uma vez que os Recorrentes consideram tal entendimento completamente desfasado da realidade, e contrário à posição de uma grande parte da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, que já se pronunciaram acerca desta matéria, em casos idênticos.

 C. O acórdão do Tribunal da Relação ....... posto em crise procedeu a uma análise e interpretação enviesada sobre o instituto jurídico que é o divórcio direto consensual - permitido à luz da lei processual brasileira - negando em absoluto que uma escritura pública lavrada, no Brasil, por um notário - tabelião - em que se decrete o divórcio direto consensual do casamento civil celebrado por dois cônjuges, possa ser alvo de revisão e confirmação através da ação de revisão de sentença estrangeira, nos termos dos artigos 978.º e ss. do CPC.

D. O divórcio direto consensual trata-se de um instituto jurídico que já tem respaldo na lei processual brasileira desde 2007, encontrando-se atualmente previsto nos artigos 731.º e ss. do Novo Código de Processo Civil Brasileiro aprovado pela Lei n.º 13.105, de 16 de março de 2015, e ainda no artigo 1580 § 2.º do Código Civil Brasileiro (que foi alterado pela Emenda Constitucional n.º 66/10, promulgada em 13 de julho de 2010), que permite aos cônjuges brasileiros que pretendam extinguir o seu vínculo matrimonial, realizar o divórcio por escritura pública lavrada por um notário - tabelião -, desde que nela constem a disposições relativas à descrição e partilha dos bens comuns, à pensão alimentícia, ao acordo quanto à retoma pelo cônjuge do seu nome de solteiro ou na manutenção do nome adotado no casamento, e sejam assistidos por advogado, constituindo a mesma título válido e suficiente para a inscrição do divórcio no registo  civil brasileiro, não dependendo de homologação judicial para o efeito.

 E. Na visão do douto Tribunal a quo o divórcio direto consensual celebrado extrajudicialmente por escritura pública, através de um tabelião - notário - a que a lei brasileira alude traduz-se num simples ato cujo efeito jurídico se produz  sem a intervenção de uma autoridade, judicial ou administrativa, chamada a controlar, homologar ou decidir sobre a produção do efeito da extinção do casamento, portanto, por mero efeito potestativo da vontade dos cônjuges.

 F. Salvo o devido respeito, tal entendimento não só vai em sentido contrário ao pugnado por outros tribunais superiores, sobre a mesma matéria/questão jurídica, como não faz jus à finalidade do instituto jurídico divórcio consensual nos termos consagrados na lei brasileira, na medida em que são conferidos poderes ao notário-tabelião de controlo das regras legais aplicáveis e validação da manifestação de vontade de ambas as partes no sentido e quanto ao respectivo divórcio por via consensual (regime legal idêntico ao nosso divórcio por mútuo consentimento).

G. Tenha-se em atenção que o divórcio direto consensual previsto pelo legislador brasileiro, em grande medida, equivale à modalidade de divórcio por mútuo consentimento que a lei portuguesa permite, nos termos do artigo 1773.º, n.º 1 e 1775.º e seguintes do Código Civil português, tal como aduz o Tribunal da Relação de Guimarães, no seu acórdão de 11-05-2010, v. ponto II da motivação.

 I. É de notar que “Para estas situações em que a autoridade administrativa estrangeira decreta o divórcio, desde muito que se sedimentou a interpretação jurisprudencial no sentido de que a decisão de uma autoridade administrativa estrangeira sobre direitos privados deve ser considerada como abrangida pela previsão do artigo 1094.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, carecendo de revisão para produzir efeitos em Portugal.”, conforme descreve o douto Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 25-06-2013.

J. Deve-se por isso, e por uma questão de adequação, justiça e igualdade de direitos, recorrer-se a uma interpretação extensiva do mecanismo da ação de revisão de sentença estrangeira, mais concretamente, do disposto no artigo 978.º,n.º 1 do CPC, como integrando o conceito “decisões”, não só as decisões judiciais propriamente ditas, mas também decisões de autoridade administrativa estrangeira competente para o decretamento de divórcio, cuja revisão e confirmação é exigível à luz da lei civil e processual civil portuguesas, designadamente uma escritura pública na qual seja decretada a dissolução por divórcio direto consensual do casamento de dois cônjuges brasileiros - como é o caso concreto.

 K. Ou seja, não obstante a mudança do respetivo estado civil no país de origem dos Recorrentes, para que a referida escritura pública notarial que decretou o divórcio direto consensual dos Recorrentes (“ato sub judice”) produza efeitos no ordenamento jurídico português, a mesma carece de reconhecimento e confirmação pelo Tribunal da Relação competente para o efeito, conforme dispõe o artigo 978.º, n.º 1 e artigo 979.º, ambos do Código de Processo Civil!

 L. Entendimento que tem vindo, aliás, a proliferar na recente jurisprudência produzida pelos tribunais superiores portugueses, quer Tribunais da Relação, quer do próprio Supremo Tribunal de Justiça (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 25-06-2013; Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 11-05-2010; Ac. Tribunal de Évora de 26-11-2018; e Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-10-2020, devidamente citados no ponto II, da motivação), e ainda refletido no voto de vencido do Mmo. Juiz Desembargador Paulo Dias da Silva no acórdão recorrido.

M. Ao negar-se a revisão e confirmação do divórcio dos Recorrentes, é criada uma situação de elevada incerteza e insegurança jurídica, absolutamente desproporcional e desigual face aos diversos casos semelhantes supra mencionados; o que prefigura uma discriminação sem qualquer razão justificativa, e por sua vez, extremamente prejudicial para com os Recorrentes, inaceitável à luz do Estado de Direito Democrático em que vivemos.

N. Além do mais, a fundamentação da decisão recorrida, em que Tribunal a quo defende que “O acto de registo de divórcio lavrado com base na escritura pública de divórcio pode ingressar no registo civil nacional (e adquirir aqui o efeito e valor de acto de registo civil) (...)”, nos termos do artigo 6.º e 7.º do Código de Registo Civil é manifestamente incorrecta à luz das normas legais aplicáveis, e não é sequer viável ou comportável de acordo com as competências e a própria praxis das nossas Conservatórias do Registo Civil.

O. Ora, face à recusa do Tribunal a quo em proceder à revisão e confirmação do divórcio consensual celebrado no Brasil pelos Recorrentes, e tendo em conta que as Conservatórias de Registo Civil consideram-se incompetentes para proceder ao averbamento no registo civil do divórcio direto consensual dos Recorrentes, lavrado por escritura pública, de acordo com a lei brasileira, por não terem competência e autonomia para reconhecer e fazer operar direta e imediatamente os requisitos relacionados com a (in)compatibilidade com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português, entre outros, cuja competência é exclusiva dos tribunais, mais concretamente ao abrigo do expediente legal regulado no artigo 978.º e ss. do CPC, o resultado do entendimento pugnado pelo Tribunal a quo, culminaria a criação de um vazio legal, ao qual nenhuma bentidade/autoridade daria resposta condigna, permanecendo o estado civil das partes intacto (“casados”). [sublinhado nosso]

P. Os Recorrentes viram-se obrigados a recorrer à ação de revisão de sentença estrangeira, para que lhes fosse reconhecido plenos efeitos jurídicos em Portugal quanto à decisão de divórcio, despendendo às suas custas taxas de justiça e honorários do mandatário judicial, vendo-se numa situação de desigualdade sem precedentes perante situações semelhantes à sua em que foram confirmadas as escrituras públicas que decretaram o divórcio direto consensual entre dois cônjuges de nacionalidade brasileira, e são ainda confrontados com os demais encargos que o presente recurso acarreta, para que possam ver desbloqueada a sua situação, que se torna verdadeiramente limitadora a todos os níveis, inclusivamente até de contraírem novo casamento, nos termos do artigo 1601.º alínea c) do Código Civil, considerando o estado civil de casado registado nos serviços do registo civil português

Q. O que culmina numa violação dos seguintes princípios constitucionais: do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP); do princípio da equiparação (ou do tratamento nacional) dos estrangeiros (artigo 15.º da CRP); e do direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade, (artigo 36.º, n.º 1 da CRP), em absoluta e manifesta desproporcionalidade, corrosiva do Estado de Direito Democrático.

R. A escritura pública que decretou o divórcio direto consensual, dissolvendo o casamento civil entre os Recorrentes deve servir de base à revisão requerida pelos Recorrentes, uma vez que esta (i) não suscita qualquer dúvida sobre a sua autenticidade do instrumento notarial revidendo, nem sobre a inteligência do seu conteúdo; (ii) a dissolução matrimonial foi proferida por entidade brasileira legalmente competente para o efeito, sendo que tal competência não foi provocada em fraude à lei; (iii) a presente decisão revidenda não versa sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses; (iv) não lhe podem ser opostas exceções de litispendência ou caso julgado, com fundamento em causa afeta a tribunal português; (v) a decisão revidenda observou os princípios do contraditório e da igualdade das partes; (vi) e o seu reconhecimento não é suscetível de violar os princípios de ordem pública internacional do Estado Português; cumprindo, portanto, todos os requisitos legais necessários para a revisão e confirmação da decisão, conforme estabelece o artigo 980.º do CPC.

S. Pelo exposto, é forçoso concluir que no Acórdão recorrido estamos perante uma decisão em violação do enquadramento legal aplicável in casu nos termos estatuídos nos artigos 6.º e 7.º do Código do Registo Civil, em conjugação com o disposto no artigo 978.º e ss do CPC, e, por conseguinte, uma errada aplicação da lei de processo no que concerne à escritura pública que decreta a dissolução do casamento civil de dois cidadãos brasileiros por divórcio direto consensual no sentido em que esta não é passível de ser objeto de ação de revisão de confirmação de sentença estrangeira, nos termos dos artigos 978.º e seguintes do CPC.

T. Nessa medida, deverá o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência, ser revogado o acórdão proferido pelo Tribunal a quo, substituindo- o por outro acórdão que julgue procedente a presente ação de revisão e confirmação do ato apresentado pelos Recorrentes, por estarem verificados os pressupostos estabelecidos nos artigos 978.º e ss. do CPC, e confirmada a escritura pública de divórcio direto, lavrada em 06 de Maio de 2019, no … Ofício de Notas do .............., ......, Brasil, que decretou  divórcio entre os Requerentes, para valer e produzir os efeitos em Portugal, nos seus precisos termos.

U. Ora, tendo em consideração a enorme controvérsia que esta temática  da adequação e aplicabilidade do processo de revisão e confirmação previsto nos artigos 978.º e ss. do CPC a uma decisão de divórcio direto consensual lavrado por escritura pública no Brasil despoleta, geradora inclusivamente de acórdãos com sentido decisórios contraditórios, originando respostas e juízos diferentes perante situações absolutamente idênticas, considera-se conveniente e oportuno a intervenção do pleno das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, para assegurar uniformidade de jurisprudência sobre a matéria sub judice, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 686.º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.

V. Impera, pois, descortinar se uma escritura pública, lavrado por tabelião no Brasil, através da qual foi dissolvido extrajudicialmente o casamento de dois cônjuges de nacionalidade brasileira e portuguesa, por divórcio direto consensual, deve ou não ser equiparada a uma sentença de tribunal estrangeiro, para obter eficácia em Portugal e produzir plenos efeitos civis no registo civil português, na medida em que carece de ser revista e confirmada para o efeito, nos termos do estatuído nos artigos 978.º e seguintes do CPC, ex vi artigos 6.º e 7.º do Código do Registo Civil, questão de direito onde se verifica a existência de duas posições jurisprudenciais completamente antagônicas, perante casos com factualidade absolutamente idêntica.

W. O entendimento de que Tribunal a quo perfilha é de que o divórcio direto consensual que a lei brasileira permite que seja celebrado extrajudicialmente por escritura pública é um ato jurídico que se produz nesse ordenamento sem a intervenção de uma autoridade, judicial ou administrativa, chamada a controlar, homologar ou decidir sobre a produção do efeito da extinção do casamento, pelo que se produz por mero efeito potestativo da vontade dos cônjuges, logo insuscetível de ser aceite e tratada no ordenamento jurídico português, como um efeito jurídico semelhante a uma decisão judicial ou administrativa para efeitos de revisão e confirmação de sentença estrangeira, prevista nos artigos 978.º e seguintes do CPC, em sentido semelhante ao preconizado no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de 17-01-2013.

X. Contudo, este último acórdão, ora referido, foi (e muito bem) revogado pelo douto Supremo Tribunal de Justiça, pelo acórdão de 25-06-2013 - em sintonia com as suas conclusões veja-se ainda os acórdãos juntos aos presentes autos como Documento n.º 1 a 6 - e cujo entendimento, na opinião dos Recorrentes, deverá ser mantido pelo douto Supremo Tribunal de Justiça como critério e entendimento aplicável para situações idênticas, no sentido de que “As escrituras públicas prevista no art. 1124.º-A do Código de Processo Civil Brasileiro (Lei n.º 5869, de 11-01-1973), através da qual se pode realizar a separação consensual dos cônjuges, e prevista no art. 1580.º do Código Civil Brasileiro, através da qual passado um ano da separação se poderá converter o mesmo em divórcio», têm força igual à das sentenças que decretam a separação consensual ou a conversão da separação judicial dos cônjuges em divórcio, uma vez que foi proferida pela entidade brasileira legalmente competente par o efeito.”, para efeitos dos artigos 978.º e ss. do CPC.

Y. Sem retirar o mérito da jurisprudência ordinária já proferida pelo douto Supremo Tribunal de Justiça, cremos que somente uma fixação de uniformização de jurisprudência poderá colocar fim a todas estas querelas, que, como se afirmou, causam instabilidade no sistema jurídico e disparidade de soluções jurídicas em casos absolutamente semelhantes, sendo o exemplo dos Recorrentes bem patente a insegurança e incerteza jurídica que continua a persistir, conduzindo a uma desigualdade sem precedentes, inaceitável num Estado de Direito Democrático.

Z. Sem prejuízo do exposto, esta divergência de decisões dos tribunais superiores tem sido erroneamente utilizada como meio para equiparar entendimentos noutras situações jurídicas que não são idênticas à do casamento/divórcio, tais como: a escritura pública declaratória de união estável, considerando-se, por isso, fundamental delimitar conceitos e distinguir situações jurídicas, não permitindo uma confusão entre o instituto jurídico do divórcio direto consensual com a união estável.

AA.  Em face do exposto, cremos que é imperioso e resulta demonstrada a enorme relevância e conveniência para a estabilidade, certa e segurança jurídicas do nosso ordenamento jurídico, uniformizar a jurisprudência em sede de ação de revisão de sentença estrangeira, nos termos e ao abrigo do disposto nos  978.º e ss. do CPC, no sentido de ser passível e objeto de revisão e confirmação, por ser equiparada a uma sentença de tribunal estrangeiro, a escritura pública (decisão) lavrada no Brasil, por tabelião (notário), através de divórcio direto consensual, e na qual é decretada a dissolução do casamento civil entre cônjuges, de forma a que a mesma obtenha plena eficácia em Portugal e respetivo averbamento no registo civil nacional!

Pedem, a terminar, a revogação do acórdão proferido pelo Tribunal a quo, substituindo-o por outro acórdão que julgue procedente a presente ação de revisão e confirmação do ato apresentado  pelos            Recorrentes, por estarem verificados os pressupostos estabelecidos nos artigos 978.º e ss. do CPC, e confirmada a escritura pública de divórcio direto, lavrada em 06 de Maio de 2019, no … Ofício de Notas do ..........., Brasil, que decretou o divórcio entre os Requerentes, para valer e produzir os efeitos em Portugal, nos seus precisos termos.

 Pediram, também, o julgamento ampliado da revista mas, como se disse, tal pedido foi indeferido,

O Ministério Público contra-alegou pugnando pela confirmação do acórdão.

  Cumpre decidir:

 Por documento autêntico, a Relação considerou provados os seguintes factos:

 “a. No dia 21 de Fevereiro de 2014, no Cartório do … Ofício de Notas do ........., Brasil, os requerentes contraíram entre si casamento civil com convenção antenupcial, conforme assento de casamento lavrado pelo Cartório do … Registro Civil do ....., Brasil;

 b. O correspondente assento de casamento foi transcrito para Portugal através do Assento de casamento n.º ....43 do ano de 2014 do Consulado Geral de Portugal no .............., Brasil.

  c. Em 6 de Maio de 2019 os requerentes compareceram no Cartório do … Oficio de Notas do ........., Brasil, onde fizeram lavrar «escritura publica de consensual divórcio direto».

d. A referida escritura pública possui o seguinte conteúdo:

  «Escritura Pública de Divórcio Direto Consensual, que se faz, BB e AA na forma abaixo: Saibam quantos este público instrumento de Escritura Pública de Divórcio Direto Consensual, virem que aos 06 (seis) dias de Maio de dois mil e dezanove, nesta Cidade.............., […], neste … Tabelionato de Notas, […], perante mim, CC, Substituta, matricula nº 94/...., comparecem como outorgantes e reciprocamente outorgados, doravante denominados apenas como outorgantes e reciprocamente outorgados, BB, […] e AA, […], e ainda, como Advogado Assistente, Dr. DD, […]; as partes fizeram o rito e escolha pelo divórcio consensual. Os comparecentes juridicamente capazes, reconhecidos como os próprios, mediante a exibição que fizeram dos documentos de identificação supramencionados, que ficam arquivados, por cópia, os quais ratificam a qualificação com que figuram nesta escritura. E, na minha presença, pelos Outorgantes, me foi dito que compareceram perante mim, CC, as partes constituído, o ora Assistente, para realizar o seu divórcio direto: I - Do casamento: Os Outorgantes, contraíram matrimónio no dia 21 (vinte e um) dias do mês de 02 (Fevereiro) de 2014 (dois mil e quatorze), conforme se verifica na certidão de casamento, […], sob o regime da Separação de Bens, na vigência da lei 6.515/77; II - Dos filhos: Que os Outorgantes, não possuem filhos menores, e, ainda, que cônjuge virago não se encontra em estado gravídico ou ao menos, que não tenha conhecimento sobre essa condição; III - Dos Requisitos do divórcio direto: Que, não desejando mais os Outorgantes, manter o vínculo conjugal, declaram, de sua espontânea vontade, livre de qualquer coação, sugestão induzimento, o seguinte: 3.1 - Que a convivência matrimonial entre eles tornou-se intolerável não havendo possibilidade de reconciliação; 3.2 - que o divórcio que ora requerem preserva os interessados dos conjugues e não prejudica o interesse de terceiros. IV - Do aconselhamento e assistência jurídica: Pelo assistente, advogado constituído pelos dois Outorgantes, foi dito que, tendo ouvido ambas as partes aconselhou e advertiu das consequências do divórcio. As partes declaram perante o assistente jurídico e a esta Substituta estarem convictas de que a dissolução do casamento é a melhor solução para ambos. V - Do divórcio: Assim, em cumprimento do pedido e vontade dos outorgantes atendidos os requisitos legais, pela presente escritura, nos termos do artigo 1580 parágrafo 2º do Código Civil e 1.124-A do Código de Processo Civil, acrescido pela Lei 11.441 de janeiro de 2007, fica dissolvido o vinculo conjugal entre eles Outorgantes, que passam a ter o estado civil de divorciados; VI - Efeitos do divórcio: Em decorrência deste divórcio ficam extintos todos os deveres matrimoniais deste casamento, excluindo os deveres em relação ao sustento de ambas as partes; VII - Do nome das partes: a esposa, AA, voltará a usar o nome de solteira AA.; VIII - Da pensão alimentícia: Os Outorgantes estabelecem que, considerando que ambos terão rendas suficientes para sua manutenção, se desobrigarem reciprocamente de pensionato entre os mesmos; IX - Dos bens: - As partes declaram que não possuem imóveis a partilhar. 9.1 - As partes tem ciência que irão fazer a comunicação aos órgãos competentes para o devido registro deste ato público. 9.2 - As partes requerem e autorizam o Senhor Oficial do Registro de Civil de Pessoas Naturais da 5ª Circunscrição desta Cidade, a efetuar a averbação necessária para que conste o presente Divorcio Direto, passando as partes ao estado civil de divorciados. Certifico e Porto Por Fé: Assim justos e contratados, me pediram lhes lavrasse nestas minhas notas a presente escritura, o que lhes fiz, li em voz alta perante todos, que a acharam o conforme, aceitaram, outorgaram e assinam, dispensando a presença de testemunhas.»

    O Direito:

   Os recorrentes requereram no Tribunal da Relação a revisão e a confirmação da “decisão que decretou o divórcio, por escritura pública lavrada em 6 de Maio de 2019”.

 Porém, a Relação, com um voto de vencido, julgou a acção improcedente e recusou a revisão e a confirmação do acto apresentado pelos requerentes.

 Não se conformaram os requerentes que do acórdão interpuseram recurso, sustentando que a escritura pública deve se equiparada a uma sentença de tribunal estrangeiro, para os efeitos do art. 978 do CPC.

  A questão a dirimir resume-se, pois, à de saber se a escritura pública vale ou não como decisão proferida por tribunal estrangeiro.

  O relator sintetizou a posição do acórdão (a que prevaleceu) através do sumário que se transcreve:

 “1. O divórcio «directo consensual» que a lei brasileira permite que seja celebrado extrajudicialmente por escritura pública é um acto cujo efeito jurídico se produz naquele ordenamento sem a intervenção de uma autoridade, judicial ou administrativa, chamada a controlar, homologar ou decidir sobre a produção do efeito da extinção do casamento, o qual se produz ali por mero efeito potestativo da vontade dos cônjuges.

  2. A acção de revisão de sentença estrangeira do nosso ordenamento jurídico tem por objecto especial verificar e reconhecer entre nós o efeito jurídico produzido por uma decisão jurisdicional ou equiparada sobre direitos privados, de modo que esse efeito seja aceite e tratado no nosso ordenamento jurídico como o efeito de uma decisão do sistema judicial ou administrativo e não, simplesmente, como efeito jurídico caucionado pela ordem jurídica estrangeira onde se produziu.

  3. O divórcio consensual celebrado no Brasil pelos cônjuges por escritura pública não é passível de revisão e confirmação entre nós através da acção de revisão de sentença estrangeira.

  4. O acto de registo do divórcio lavrado no registo civil brasileiro com base na escritura pública de divórcio pode ingressar no registo civil nacional (e adquirir aqui o efeito e o valor de acto de registo civil) em face de documento que, de acordo com a respectiva lei, comprove a sua inscrição no registo e mediante a prova, a efectuar perante o nosso registo civil, de que o divórcio não contraria os princípios fundamentais da ordem pública internacional do Estado Português (artigos 6.º e 7.º do Código de Registo Civil).”

   Porém, e não obstante a valia dos argumentos aduzidos, cremos que deve ser, ainda assim, mantida a orientação desta 1ª Secção, no sentido de que a escritura pública deve valer como decisão carecida de revisão e confirmação (cfr., ainda que a propósito da união estável, os Acs de 29.1.2019, proc. 896/18.0YRLSB.S1, 8.9.2020, proc. 1884/19.4YRLSB.S1 e 13.10.2020, proc. 47/20.0YRGMR.S1, todos em www.dgsi.pt)

  Dispõe o art. 1580º do Código Civil brasileiro: “Decorrido um ano do trânsito em julgado da sentença que houver decretado a separação judicial, ou da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos, qualquer das partes poderá requerer sua conversão em divórcio. § 1 o A conversão em divórcio da separação judicial dos cônjuges será decretada por sentença, da qual não constará referência à causa que a determinou. § 2 o O divórcio poderá ser requerido, por um ou por ambos os cônjuges, no caso de comprovada separação de fato por mais de dois anos.”

  Estabelecem, por sua vez, os art. 731º a 733º do Código Processual Civil brasileiro: “Art. 731. A homologação do divórcio ou da separação consensuais, observados os requisitos legais, poderá ser requerida em petição assinada por ambos os cônjuges, da qual constarão: I - as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns; II - as disposições relativas à pensão alimentícia entre os cônjuges; III - o acordo relativo à guarda dos filhos incapazes e ao regime de visitas; e IV - o valor da contribuição para criar e educar os filhos. Parágrafo único. Se os cônjuges não acordarem sobre a partilha dos bens, far-se-á esta depois de homologado o divórcio, na forma estabelecida nos arts. 647 a 658 ; Art. 732. As disposições relativas ao processo de homologação judicial de divórcio ou de separação consensuais aplicam-se, no que couber, ao processo de homologação da extinção consensual de união estável; Art. 733. O divórcio consensual, a separação consensual e a extinção consensual de união estável, não havendo nascituro ou filhos incapazes e observados os requisitos legais, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições de que trata o art. 731 . § 1º A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras. § 2º O tabelião somente lavrará a escritura se os interessados estiverem assistidos por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.”

   A decisão recorrida sublinha, como se deixou anotado, que “o divórcio «directo consensual» que a lei brasileira permite que seja celebrado extrajudicialmente por escritura pública é um acto cujo efeito jurídico se produz naquele ordenamento sem a intervenção de uma autoridade, judicial ou administrativa, chamada a controlar, homologar ou decidir sobre a produção do efeito da extinção do casamento, o qual se produz ali por mero efeito potestativo da vontade dos cônjuges.”

  Não se concorda, porém, com a afirmação, em toda a sua extensão, pois se é verdade que a autoridade administrativa (tabelião) não é chamada a homologar ou a decidir (ao menos expressamente) sobre a produção do efeito da extinção do casamento, não se pode dizer que não controla, de todo, os requisitos de que depende o divórcio consensual.

 Nos termos do art. 23º, nº 1 do Código Civil, a lei estrangeira é interpretada dentro do sistema a que pertence e de acordo com as regras interpretativas nelas fixadas.

  Ora, observando-se o teor do art. 733º do CPC brasileiro, atrás transcrito, verifica-se que é admitida a realização da escritura pública do divórcio consensual desde que “observados os requisitos legais”. “O notário não está, pois, dispensado de os controlar. E tanto assim que da própria escritura consta: “V - Do divórcio: Assim, em cumprimento do pedido e vontade dos outorgantes atendidos os requisitos legais, pela presente escritura, nos termos do artigo 1580 parágrafo 2º do Código Civil e 1.124-A do Código de Processo Civil, acrescido pela Lei 11.441 de janeiro de 2007, fica dissolvido o vínculo conjugal entre eles Outorgantes, que passam a ter o estado civil de divorciados” (itálico nosso)

  Aliás, é o próprio acórdão recorrido que informa: Nos termos do artigo 46.º da Resolução nº 35, de 24 de Abril de 2007, do Conselho Nacional de Justiça brasileiro que disciplina a aplicação da Lei n.º 11.441/07 pelos serviços notariais e de registro, consultável in https://atos.cn.jus.br/files/resolucao_35_24042007_26032019143704.pdf, o tabelião poderá negar-se «a lavrar a escritura de separação ou divórcio se houver fundados indícios de prejuízo a um dos cônjuges ou em caso de dúvidas sobre a declaração de vontade, fundamentando a recusa por escrito».

  Ora, se é certo que este regra admite a faculdade de recusa da celebração da escritura já não se pode dizer liminarmente que esta não admite o controlo da produção dos efeitos jurídicos que ali se produzem por mero efeito potestativo da vontade dos cônjuges  É que, ainda a o segundo informa o próprio acórdão, em nota de rodapé: “A Resolução a que se faz referência a seguir no corpo do texto deste Acórdão, estabelece no artigo 53.º que «a declaração dos cônjuges não basta para a comprovação do implemento do lapso de dois anos de separação no divórcio direto. Deve o tabelião observar se o casamento foi realizado há mais de dois anos e a prova documental da separação, se houver, podendo colher declaração de testemunha, que consignará na própria escritura pública». “É verdade que, como se refere no acórdão, “no presente caso, não se encontra no texto da escritura alusão a qualquer documento que comprove a separação por mais de dois anos [ a que alude o art. 1580 do Código Civil brasileiro] e não há a intervenção de nenhuma testemunha, designadamente para esse efeito.“ Porém, isso parece não significar que que, mesmo sem prova documental ( se não houver) ou testemunhal (que pode colher ou não), o tabelião fique amarrado à vontade dos cônjuges, se  se deparar com a” fundados indícios de prejuízo a um dos cônjuges ou em caso de dúvidas sobre a declaração de vontade, fundamentando a recusa por escrito”. E nessa medida, a sua intervenção pode ser mais lata que a daquela que é permitida ao notário português nos termos do art. 173º do Código do Notariado.

  Pode observar-se que não há uma decisão expressamente proferida pelo tabelião, que não há, propriamente, uma decisão da autoridade administrativa.

  Cremos, no entanto, que uma tal interpretação peca por demasiado restritiva.

  A intervenção e controlo feitos pelo tabelião consubstanciam a intervenção de uma entidade administrativa que cauciona o acto do divórcio, ao qual são atribuídos efeitos pela ordem jurídica brasileira.  A escritura controlável pelo notário deve ser equiparada, pois, à expressa decisão jurisdicional ou administrativa.  E como é jurisprudência dominante - à qual se adere - embora a lei aluda à “decisão… proferida por tribunal estrangeiro”, a decisão que consta do art. 978º do CPC deve ser entendida de forma ampla, de forma a abranger não apena as decisões proferidas por autoridades judiciais mas também as proferidas por autoridades administrativas (cfr. Ac. STJ de 25.6.2013, no proc. n.º 623/12.5YRLSB.S1, Ac. STJ de 12.7.2005, Proc. nº 05B1880, Ac. STJ de 29.3.2011, proc. nº 214/09.8YRERVR.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

  Assim, a realização da escritura pública deve ser considerada como uma “decisão sobre direitos privados abrangida pela previsão do artigo 978.º, n.º 1, do CPC, carecendo de revisão para produzir efeitos em Portugal. Fica, deste modo, prejudicada a questão da possibilidade do ingresso do acto do registo brasileiro no registo nacional, por via do art. 6º do Código de Registo Civil.

 Inexistem dúvidas sobre a autenticidade e inteligibilidade do documento revidendo (escritura pública).

  A dissolução por divórcio do vínculo matrimonial foi reconhecida administrativamente pela entidade brasileira legalmente competente para esse efeito e tal competência não foi provocada em fraude à lei, sendo que a decisão revidenda (consubstanciada na escritura pública) não versa sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses.

  Não lhe podem ser opostas as excepções de litispendência ou caso julgado, com fundamento em causa afecta a tribunal português.

  A decisão contou com o acordo de ambos os cônjuges, sem preterição de qualquer intervenção ou dos princípios do contraditório e da igualdade das partes. E o seu reconhecimento não é susceptível de conduzir a um resultado manifestamente incompatível com os princípios de ordem pública internacional do Estado Português.

 Estão, assim, verificados os requisitos necessários para a confirmação da decisão, conforme o estabelecido nos artigos 980º, als. a) a f) do CPC.

  Em síntese, podemos concluir que:

 “I - A decisão que consta do art. 978º do CPC deve ser entendida de forma ampla, de modo a abranger decisões proferidas quer por autoridades judiciais quer por autoridades administrativas;

 II - Por provir de autoridade administrativa (tabelião ou substituto), a escritura pública, prevista no art. 733º do Código de Processo Civil brasileiro, através da qual se pode realizar o divórcio consensual dos cônjuges, com fundamento em separação de facto por mais de dois anos, previsto no art. 1580.º parágrafo 2º do Código Civil Brasileiro, consubstancia uma decisão administrativa que deve ser equiparada a uma decisão sobre direitos privados, abrangida pela previsão do art. 978º do CPC, carecendo, por isso, de revisão para produzir efeitos em Portugal.

  Pelo exposto, concede-se a revista e, consequentemente, a revisão e confirmação da escritura pública de divórcio consensual.

As custas do processado na Relação ficam pelos requerentes.

Sem custas o recurso de revista.

Oportunamente, dever-se-á dar cumprimento ao disposto no art.º 79º, n.º 4 do CRCivil.


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 Lisboa, 9 de Março de 2021

O relator António Magalhães

 (Nos termos do art. 15º-A do DL nº 10-A/2020 de 13.3., atesto o voto de conformidade dos Srs. Juízes Conselheiros Adjuntos Dr. Jorge Dias e Dr.ª Maria Clara Sottomayor, que não puderam assinar).